ENTENDA O BITCOIN
Rénan Kfuri Lopes
Advogado, Escritor e Palestrante.
Sócio-fundador do RKL ADVOCACIA
SUMÁRIO
1. Duas pizzas
2. O que é ?
3. A circulação
4. Irreversível
5. Valorização em 2017
6. BACEN, RECEITA e CVM
7. Os riscos
8. Hackers
1. Duas pizzas
O bitcoin, moeda virtual, foi criada sem assinatura do seu inventor, adotada inicialmente por fanáticos por computação em 2008 e sua primeira experiência no mundo da economia real aconteceu em 2010 pelo programador norte-americano Laszlo Hanyecz. Com muita fome e sem dinheiro, Hanyecz utilizou seus 10.000 bitcoin para comprar duas pizzas, na época equivalentes a “50 dólares”.
A brincadeira é que essas foram as duas pizzas mais caras da história, pois 1 bitcoin passou a ser negociado por mais de 16.000 dólares, o que significa dizer que a refeição custou “160 milhões de dólares” ou “500 milhões de reais” em dezembro/2017.[1]
2. O que é?
Assim como o real ou o dólar, o bitcoin é também uma moeda, mas não existe fisicamente, apenas na forma “virtual”, criptomoeda e integra um ambiente econômico alternativo (peer-to-peer electronic cash system).
O símbolo do bitcoin é Ƀ; abreviatura BTC ou XBT.
É considerada a primeira moeda digital mundial descentralizada, atrai a atenção de investidores e já é aceita como meio de pagamento em alguns países, principalmente nos EUA, Canadá, Austrália, União Européia e Japão.
Hoje, embora à parte de aparatos legais e oficiais, o Chicago Board Options Exchange passou a aceitar o bitcoin como moeda de negócio na forma de contratos futuros, transações historicamente usadas por investidores e empresários para se defenderem as oscilações nos preços, como os de mercadorias agrícolas e moedas[2]. Para se ter uma ideia, corretoras tradicionais de Wall Street começarão a negociar o bitcoin assim que ganhe legitimidade e atraia novos compradores.
Em abril deste ano o Japão começou a aceitar bitcoins e esperado que até 300 mil estabelecimentos no Japão recebam esse tipo de moeda até o final de 2017.
A Rússia se movimenta no sentido de “regular” a moeda.
No Brasil, Argentina e Venezuela, as pessoas estão vendo as criptomoedas como um refúgio em meio a uma economia fracassada, embora sem regramento legal autorizando ou não permitindo.
Mas há países como a China que tentam barrar as criptomoedas, ordenando o fechamento de várias plataformas de câmbio e proibindo a prática conhecida como ICO (initial coin offerings), uma espécie de abertura de capital na bolsa, mas feita com criptomoedas.
Bangladesh, Bolívia, Equador, Quirguistão, Vietnã, Islândia e Nepal têm legislação proibitiva do bitcoin.
3. A circulação
A rede descentralizada ou sistema econômico alternativo Bitcoin possui a topologia ponto-a-ponto (peer-to-peer ou P2P), isto é, uma estrutura sem intermediário e sem uma entidade administradora central, o que torna inviável qualquer autoridade financeira ou governamental manipular a emissão e o valor de bitcoins ou induzir a inflação com a produção de mais dinheiro.
Os grandes movimentos especulativos de oferta e demanda influenciam na oscilação de seu valor no mercado de câmbio, sendo definido livremente durante as 24 horas do dia. Isto é, o valor da criptomoeda não deriva de moedas nacionais ou outros bens, isto é, não é lastreado por nem um ativo; bitcoin é a mercadoria, é o ativo em si sem precedentes.
O nível de dificuldade dos desafios é ajustado pela rede, para que a moeda cresça dentro de uma faixa limitada, que é de até 21 milhões de unidades até o ano de 2140. Esse limite foi estabelecido pelo criador da moeda, um desenvolvedor misterioso chamado Satoshi Nakamoto, que, até hoje, nunca teve a identidade comprovada[3].
A mineração é uma das formas de adquirir a moeda virtual. O interessado deve investir na aquisição de processadores especializados que trabalham 24 horas por dia registrando transações de bitcoins numa rede chamada blockchain [que não são baratos, ao contrário, um investimento altíssimo. Sugere-se entrar num pool com outros mineradores ou empresas destinadas a empreender força computacional, até corretoras especializadas][4], uma cadeia de blocos com todas as movimentações feitas pela moeda virtual[5].
É possível possuir bitcoins comprando unidades em casas de câmbio específicas ou aceitando a criptomoeda ao vender coisas.
Depois do cadastro, a pessoa recebe um código com letras e números, chamado de “endereço”, utilizado nas transações. Quando ela quiser comprar um jogo, por exemplo, deve fornecer ao vendedor o tal endereço. As identidades do comprador e do vendedor são mantidas no anonimato, mas as transações financeiras se dão sem intermediários e ficam registradas no sistema de forma pública.
No âmbito financeiro e contabilístico internacional, semelhante ao ouro, o bitcoin pode ser enquadrado em alguns termos: ativo especulativo (bem material), dinheiro commodity (mercadoria), unidade de conta (bem de troca).
O valor da bitcoin segue as regras de mercado, ou seja, quanto maior a demanda, maior a cotação. Historicamente, a moeda virtual apresenta alta volatilidade. Em 2014, sofreu uma forte desvalorização, mas retomou sua popularidade nos anos seguintes.
4. Irreversível
As transações em Bitcoin são irreversíveis.
Embora a velocidade da confirmação de uma transação sem taxação seja um ponto positivo, uma vez que os fundos transferidos para uma chave pública serão posse confirmada do detentor de sua chave secreta equivalente na próxima atualização da blockchain, no caso do pagador que não recebe o bem pelo qual ele pagou, a transação não pode ser desfeita e o pagador é prejudicado.
Outro caso em que a irreversibilidade é indesejável sucede na quantidade de transações com bitcoins e as chaves públicas envolvidas estejam incorretos.
As soluções propostas de garantias aos serviços prestados para desenvolvimento na plataforma Bitcoin é ainda problemática, pois envolvem terceiras partes e diminui a segurança ponta-a-ponta.
5. Valorização em 2.017
Em 2017, o interesse pela bitcoin explodiu no mercado.
No dia 1° de janeiro a moeda era negociada a pouco mais de mil dólares. No início de dezembro valia mais de 10 mil dólares.
Os entusiastas da moeda dizem que o movimento de alta deve continuar com o interesse de novos adeptos e a maior aceitação. Críticos afirmam que a moeda vive uma bolha que estaria prestes a estourar.
6. BACEN, RECEITA e CVM
A emissão do bitcoin não é controlada pelo Banco Central, que no momento não se preocupa, pois tem pouca relevância no sistema financeiro, embora ressalte que está observando o seu mercado de atuação no país.
Para a Receita Federal, a mera posse de unidades de moedas virtuais configura a manutenção de ativo financeiro e, por essa razão, elas devem ser declaradas ao Fisco, sendo incluídas na Ficha Bens e Direitos sob o título “outros bens”. Conforme consta do documento oficial do Imposto de Renda de 2017, moedas virtuais devem ser declaradas pelo seu valor de aquisição. Por não ter cotação oficial, o declarante necessitará prover documentação hábil e idônea para comprovar a cotação de que se valeu para sua aquisição. Eventuais ganhos obtidos com a alienação de moedas virtuais são, inclusive, tributados.
A Comissão de Valores Mobiliários-CVM em 19.12.2017 determinou a suspensão de ofertas de títulos ou contratos de investimento “relacionados à oportunidade de investimento em cotas de grupo de investimento em mineração de Bitcoin” feitas por Tomasi Vschivtsev pelo site Hashcoin Brasil, que estaria ofertando publicamente cotas para minerar a moeda virtual, valendo quase R$ 70 mil naquela data.
7. Os riscos
Embora muitos considerem o Bitcoin uma moeda segura por causa de sua encriptação ponta-a-ponta, os riscos aos quais os usuários estão expostos fora da rede são o foco do problema. Uma vez que o acesso aos fundos de uma conta dependem unicamente da posse de uma chave secreta, os fundos de carteiras on line podem ser hackeados, e os fundos de carteiras off line compartilham as mesmas inseguranças de dinheiro em espécie e obrigações ao portador (títulos de crédito).
Em fevereiro de 2014, a empresa de câmbio Mt. Gox iniciou uma ação de falência na justiça japonesa 4 dias após seu site ficar off line por uma crise interna originada do roubo de mais de meio milhão de bitcoins dos seus clientes devido a uma falha de segurança.
Além da possibilidade de roubo, os fundos podem simplesmente ser perdidos e se tornarem órfãos na ocasião em que o detentor da chave secreta [=senha] perca sua posse (corrupção de memória, destruição ou extravio de chave física). Nesse caso, não haveria meios de reaver posse da chave e, por consequência, dos fundos.
8. Hackers
No Brasil, em 12.05.2017, os hackers invadiram os computadores do TJSP e o MPSP deixando nas telas dos computadores de ambas instituições o pedido de resgate de US$ 300 por máquina afetada. As máquinas foram desligadas e os prazos foram suspensos indefinidamente até que seja retomada a regularidade dos trabalhos. Os ataques aos computadores do TJSP e do MPSP estão ligados à onda de invasões que ocorreram no mesmo dia em mais de doze países. Os computadores tiveram seus dados remotamente criptografados e só seriam liberados mediante resgate.
Foram utilizados “ransomwares”, modalidade de vírus de computador que causa perda de dados e recuperação mediante um resgate. Os dados são criptografados com um sistema de alta complexidade, que torna sua recuperação praticamente impossível. Somente com o pagamento do resgate, a chave criptográfica é fornecida e os dados podem ser recuperados.
O pagamento dos US$ 300 é exigido em “bitcoin”, por ser de fácil circulação e que garante anonimato nas transações e enviado a certo endereço na rede. A partir disso, os donos do endereço podem utilizá-lo em qualquer lugar do mundo para compras e trocas.
Enfim, entenda bem o sistema antes de investir para minorar o risco…e não se esqueça: “Laranja madura na beira da estrada, está bichada ô Zé ou tem marimbondo do pé”.[6]
NOTAS
[1] Giovanni Magliano, VEJA, ed. 20.12.2017, p.72.
[2] Corretora de um dos maiores mercados de finanças de ações do planeta. O bitcoin é praticado através do instrumento denominado “opção”, que é um contrato que dá ao comprador (o proprietário ou titular da opção) o direito, mas não a obrigação, de comprar ou vender um ativo ou instrumento subjacente a um preço de exercício especificado em uma data especificada, dependendo de a forma da opção. O preço de exercício pode ser fixado por referência ao preço à vista (preço de mercado) do título subjacente ou do produto no dia da retirada da opção, ou pode ser fixado com desconto ou com prêmio. O vendedor tem a obrigação correspondente de cumprir a transação – vender ou comprar – se o comprador (proprietário) “exercer” a opção.
[3] Pseudônimo japonês, inicialmente representava uma pessoa anônima ou um grupo de pessoas que criou o protocolo original do bitcoin, em 2008. Além do próprio bitcoin, nenhuma outra referência a essa identidade foi encontrada. Seu envolvimento no protocolo original parece ter se encerrado em meados de 2010. Antes de seu “desaparecimento”, Nakamoto mantinha-se ativo tanto postando informações técnicas no fórum BitcoinTalk quanto modificando a rede bitcoin. Sendo responsável por criar a maior parte do protocolo, aceitando raras contribuições de terceiros. Em abril de 2011, Satoshi informou a um colaborador do bitcoin que teria “partido para novas coisas” (apud https://pt.wikipedia.org/wiki/Bitcoin).
[4] Esse maquinário consume muita energia elétrica, não recomendado no Brasil pelo alto custo.
[5] Necessário
[6] Ataulfo Alves, música “Laranja Madura”.