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EMBARGOS À EXECUÇÃO: QUESTÕES ATUAIS

EMBARGOS À EXECUÇÃO: QUESTÕES ATUAIS

 Guilherme Pupe da Nóbrega

 

A tutela executiva, ou juris satisfativa, assume como premissa o reconhecimento, em alguma medida, da existência de um direito para o exequente. Há, portanto, boa dose de certeza – conferida por lei ou construída em fase de conhecimento anterior -, que pavimenta caminho voltado para a realização daquele direito já reconhecido. Essa certeza, porém, isto é certo, não inibe o contraditório do executado, que ainda pode reunir elementos capazes de fazer óbice a essa efetivação.

Na execução de títulos extrajudiciais, particularmente, releva anotar que a inexistência de coisa julgada material produzida por fase de conhecimento anterior abre vereda mais ampla a ser preenchida por possível insurgência do executado. Essa insurgência, como sabido, é instrumentalizada pelos embargos à execução, que sofreram, como instituto, algumas importantes mudanças em seu regramento por força do novel Código de Processo Civil de 2015. São essas mudanças o tema de nosso escrito de hoje.

O CPC/15 mantém a dispensa da penhora, do depósito ou da caução prévios para a oposição de embargos à execução, a exemplo do CPC/73 com as alterações que lhe foram promovidas pela lei 11.382/06.

No que toca ao interstício para oposição dos embargos, o artigo 915, ao estabelecer a citação como marco inaugural para a contagem do prazo de quinze dias, passa a fazer remissão ao artigo 213, que identifica o termo inicial a partir das diferentes modalidades de citação. A referência foi providencial, ajustando-se a redação da norma com possibilidade, antes já existente, de que a citação em sede de execução se fizesse por modalidade diversa, que não exclusivamente por oficial de justiça, como induzia a crer o artigo 738 do CPC/73. Com essa singela mudança, houve, a um só tempo, (i) aperfeiçoamento técnico, porque a citação por edital na execução já se fazia possível no CPC/1973, embora o artigo 738 não a considerasse em sua redação; como, também, (ii) adaptação em relação à possibilidade de que a citação na execução ocorra, no novo Código, por correio, eis que ausente, no artigo 247, a exceção que punha a execução a salvo dessa modalidade na lei anterior (artigo 222, d).

Ainda a respeito do prazo para oposição dos embargos à execução, outra diferença em relação ao Código anterior está na variação do termo inicial em se tratando de execução por carta: a teor do § 2º do artigo 915, o prazo será contado (i) da juntada, na carta, da certificação da citação, quando versarem os embargos unicamente sobre vícios ou defeitos da penhora, da avaliação ou da alienação dos bens; ou (ii) da juntada, nos autos de origem, do comunicado da citação ou, não havendo este, da juntada da carta devidamente cumprida, quando versarem sobre questões diversas daquelas sumariadas em (i).

Cabe anotar, ademais, que, diferentemente da impugnação ao cumprimento de sentença (artigo 525, § 3º), ao prazo para oposição de embargos não se aplica a norma inserta no artigo 229. A justificativa é simples: os embargos não cuidam de manifestação nos autos de um processo. São, sim, ação autônoma, a inaugurar nova relação processual, o que acaba por rechaçá-los como hipótese de cabimento daquela regra.

O artigo 916 do CPC/15 conserva a possibilidade, antes constante do artigo 745-A da lei anterior, de o executado, no prazo para oferecimento dos embargos à execução de obrigação de pagar quantia certa, reconhecer o direito do exequente e, mediante o depósito de trinta por cento do crédito exequendo – incluídos honorários e custas -, requerer o pagamento em até seis parcelas mensais[1], que serão acrescidas de correção monetária e de juros de um por cento ao mês.

Há a sanação de omissões importantes com o § 1º do artigo 916, passando o Código a prever que, a partir do pedido de parcelamento, será o exequente intimado a se manifestar sobre o preenchimento ou não dos requisitos legais exigidos para concessão, cabendo ao juiz decidir sobre requerimento em cinco dias. Além disso, o § 2º passa a prever, com ineditismo, que, na pendência da decisão judicial, deverá o executado depositar as parcelas vincendas, facultado ao exequente seu levantamento. Concedido o parcelamento, ficará o feito suspenso, como reza o artigo 921, V.

O CPC/15 corrige impropriedade antes constante do § 2º do artigo 745-A. É que o CPC/73 levava a crer que a vedação à oposição de embargos surgia como consequência de eventual superveniente inadimplemento do pagamento parcelado. Como a tão só formulação do requerimento de pagamento parcelado pressupõe como premissa o reconhecimento do crédito, já há, desde a dedução do pleito pelo executado, preclusão lógica a afastar a possibilidade de sua insurgência. Daí a razão de o § 6º do artigo 916 representar, em nosso sentir, evolução técnica.

Ainda no que concerne ao requerimento de pagamento parcelado pelo executado, convém anotar que houve, no passado recente, controvérsia sobre se a possibilidade – então prevista, como dito, pelo artigo 745-A do CPC do CPC/73 – se estendia ao cumprimento de sentença. Na jurisprudência, a questão foi dirimida pelo Superior Tribunal de Justiça, que definiu que, em razão da aplicação subsidiária das normas regentes do processo de execução ao cumprimento de sentença, o pagamento parcelado também se fazia possível no rito do artigo 475-J:

CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. VALOR EXEQUENDO. PARCELAMENTO. Na fase de cumprimento de sentença, aplica-se a mesma regra que rege a execução de título extrajudicial quanto ao parcelamento da dívida. É que o art. 475-R do CPC prevê expressamente a aplicação subsidiária das normas que regem o processo de execução de título extrajudicial naquilo que não contrariar o regramento do cumprimento de sentença, não havendo óbice relativo à natureza do título judicial que impossibilite a aplicação da referida norma, nem impeditivo legal. Ademais, a Lei n. 11.382/2006, ao alterar as regras do processo de execução de título extrajudicial, concedeu ao devedor o direito de parcelar o débito exequendo em até seis meses, desde que preenchidos os requisitos do art. 745-A do CPC e que requeira o parcelamento em até quinze dias a contar da intimação para o cumprimento da sentença, nos termos do art. 475-J, caput, do mencionado codex. (…)[2].

A despeito desse entendimento jurisprudencial, o CPC/15, no § 7º do artigo 916, previu expressamente que o pagamento parcelado não tem lugar no cumprimento de sentença, encampando posição doutrinária[3] que sustentava que, em se tratando de execução fundada em título judicial, o executado pôde, na fase de conhecimento, resistir e debater de maneira ampla a (in)existência do direito do exequente, protelando suficientemente o cumprimento da obrigação. É dizer, seria inconvenientemente cômodo autorizar o pagamento parcelado pelo executado, mediante reconhecimento do crédito, quando esse reconhecimento já se houvesse dado judicialmente, por sentença que encerrou penosa fase de conhecimento ao longo da qual ele resistiu.

Seguindo adiante, o artigo 917 elenca as matérias suscetíveis de serem invocadas em embargos. O inciso I fala em inexequibilidade do título e inexigibilidade da obrigação, substituindo a expressão “por não ser executivo o título apresentado”, antes prevista no inciso I do artigo 745 do Código anterior. Sendo o título executivo, com seus requisitos intrínsecos e extrínsecos, e a exigibilidade da obrigação, ambos, requisitos indispensáveis a toda e qualquer execução, como rezam os artigos 783 e 786, o ajuste promovido, em nossa opinião, foi benéfico.

O inciso II do artigo 917 faz menção à penhora incorreta e à avaliação errônea como fundamentos dos embargos. É sabido, contudo, que, não raro, a penhora e a avaliação somente ocorrem após o prazo para oposição dos embargos. Assim, veio bem a calhar a previsão, contida no § 1º do artigo 917, no sentido de que, a incorreção da penhora ou da avaliação também “poderá ser impugnada por simples petição, no prazo de 15 (quinze) dias, contado da ciência do ato”.

O excesso de execução e a cumulação indevida de execuções constam do inciso III do artigo 917. No que tange ao excesso de execução, especificamente, deve o executado-embargante indicar, em sua inicial, o valor que reputa correto – exceptio declinatoria quanti -, sob pena de rejeição liminar, total ou parcial, dos embargos, na esteira dos incisos do § 4º. Restou mantida, assim, pelo § 3º do artigo 917 do CPC/2015, a exigência antes feita pelo artigo 739-A, § 5º, do CPC/1973. Há, contudo, no novo Código, importantíssima mudança quanto a esse ponto, a merecer aprofundamento.

Sob a égide do CPC/1973, a lei 11.382/2006, que introduziu a exigência de declinação do quantum no § 5º do artigo 739-A, se absteve de estendê-la aos embargos à execução contra a Fazenda Pública, regulados, no Código anterior, pelo artigo 741. Nasceu, a partir daí, o debate sobre a (in)aplicabilidade da exigência de indicação, na inicial, do quantum reputado correto quando o excesso de execução fosse fundamento de embargos opostos pela Fazenda Pública.

Uma vez mais, o tema foi enfrentado pelo STJ, que, em apelo afetado como paradigma, segundo o rito dos recursos especiais repetitivos, definiu, ao examinar a questão sob o prisma da impugnação ao cumprimento de sentença, que, fosse em razão da manutenção da redação do artigo 741 pela lei 11.382/06, fosse em razão da indisponibilidade do interesse público, a exigência de indicação do valor reputado correto quando invocado o excesso de execução não alcançava a Fazenda Pública:

DIREITO PROCESSUAL CIVIL. IMPUGNAÇÃO AO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA POR EXCESSO DE EXECUÇÃO. RECURSO REPETITIVO (ART. 543-C DO CPC E RES. 8/2008-STJ). Na hipótese do art. 475-L, § 2º, do CPC, é indispensável apontar, na petição de impugnação ao cumprimento de sentença, a parcela incontroversa do débito, bem como as incorreções encontradas nos cálculos do credor, sob pena de rejeição liminar da petição, não se admitindo emenda à inicial. (…) Por fim, esclareça-se que a tese firmada não se aplica aos embargos à execução contra a Fazenda Pública, tendo em vista que o art. 475-L, § 2º, do CPC não foi reproduzido no art. 741 do CPC4. Corte Especial, REsp 1.387.248-SC, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 7/5/2014.

O entendimento esposado pelo STJ mereceu, na doutrina, a arguta crítica de Leonardo Carneiro da Cunha: “Na realidade, o STJ generalizou uma situação particular. Quando a Fazenda Pública embargar alegando excesso de execução, deve, sim, indicar o valor que entende correto. A regra é geral, não havendo qualquer particularidade que a afaste da execução contra a Fazenda Pública. Afastá-la é desconsiderar os deveres de cooperação que devem ser cumpridos no processo, além permitir dilações indevidas na execução contra a Fazenda Pública, o que não se revela adequado. Não é preciso que haja expressa previsão no art. 741 do CPC: a regra, contida nos citados dispositivos, aplica-se à execução contra a Fazenda Pública.”

A regra tem aplicação nos casos em que o valor da execução foi liquidado em fase própria ou, unilateralmente, pelo credor, se isso for possível por simples cálculos aritméticos. Não raramente, porém, acontece a utilização abusiva da “liquidação por cálculo do credor” (CPC, art. 475-B), que se vale desta autorização em situações em que isso não era possível, pois exigiriam a dilação probatória para a verificação da extensão dos prejuízos. O STJ considerou esses casos e generalizou a análise, entendendo que, em todas as hipóteses, a Fazenda Pública estaria liberada do ônus da declinação do valor.

A despeito do entendimento do insigne processualista, o fato objetivo era que, no CPC/73, por força de entendimento jurisprudencial consagrado, a Fazenda Pública estava imune à exigência de indicação do valor reputado correto quando invocasse, em embargos à execução, o excesso da execução.

No CPC/15, porém, o artigo 910, § 3º, faz remissão expressa a que as normas constantes dos artigos 534 e 535, que regulam o cumprimento de sentença contra a Fazenda Pública, também deverão reger os embargos à execução opostos pelo ente fazendário. Nessa senda, o § 2º do artigo 535 é categórico ao impor à Fazenda que, quando alegar, em impugnação, que o exequente, em excesso de execução, pleiteia quantia superior à resultante do título, declare “de imediato o valor que entende correto, sob pena de não conhecimento da arguição”. Por força do artigo 910, § 3º, como adiantado, essa obrigatoriedade é estendida aos embargos.

Forçoso concluir, portanto, que, no CPC/15, o ônus da indicação, na petição inicial dos embargos à execução, do valor reputado correto, sempre que se aduzir excesso de execução, passa a alcançar a Fazenda Pública.

Prosseguindo em nosso exame, o inciso IV do artigo 917 dispõe sobre a retenção por benfeitorias úteis ou necessárias como matéria passível de se suscitadas nos embargos à execução de entrega de coisa. Os §§ 5º e 6 do mencionado dispositivo mantêm a possibilidade de compensação das benfeitorias com eventuais danos invocados pelo exequente e de imissão na posse do exequente mediante caução ou depósito do valor das benfeitorias.

No CPC/73, embora o artigo 745 fosse omisso, o artigo 741, em seu inciso VII, dispunha sobre a incompetência, o impedimento ou a suspeição do juízo como matérias de embargos. No CPC/15, a incompetência, absoluta ou relativa, consta do inciso VII do artigo 917, dispondo o § 7º que o impedimento ou a suspeição serão suscetíveis de arguição nos termos dos artigos 146 e 148, isto é, por petição específica.

À derradeira, no que concerne ao rol de alegações possíveis em embargos à execução, o inciso VI do artigo 917 prevê ser cabível em embargos a alegação de qualquer matéria que seria lícito ao executado deduzir em processo de conhecimento. Cuidando-se de execução autônoma, sem que haja sido previamente formada coisa julgada material, não há óbice a que a discussão, em embargos, seja bem mais ampla que aquela possível em impugnação ao cumprimento de sentença.

Na forma do artigo 918, os embargos à execução comportarão rejeição liminar quando intempestivos (inciso I), no caso de indeferimento liminar da inicial ou de improcedência liminar do pedido (inciso II) e, ainda, quando manifestamente protelatórios (inciso III). São duas as inovações, no particular: a inserção da improcedência liminar como hipótese de rejeição liminar, admitindo-se, por exemplo, a pronta extinção do feito, com resolução do mérito, em razão da prescrição (artigo 332, 1º); e a previsão de que dos embargos manifestamente protelatórios decorre, para além de sua rejeição liminar, a automática cominação imposta pelo artigo 77, § 2, por ato atentatório à dignidade da justiça (artigo 918, parágrafo único). Como adiantado acima, também autorizará a rejeição liminar dos embargos a não-indicação do valor reputado correto sempre que se alegar excesso de execução (artigo 917, § 4º, I).

O artigo 919, de sua vez, reza que o efeito suspensivo dos embargos à execução remanesce ope judicis, exigindo-se, como requisitos, além da prévia garantia por penhora, caução ou depósito suficientes, os pressupostos da tutela provisória. Dado que o dispositivo não faz distinção, é lícito supor que os pressupostos a que se alude tanto podem ser aqueles exigidos para a tutela provisória de urgência (artigo 300), quanto para a tutela provisória de evidência (artigo 311).

Consoante dispõem os parágrafos do artigo 919, cessando as circunstâncias ensejadoras do efeito suspensivo, será possível ao juiz, a requerimento da parte, modificar ou revogar a decisão concessiva, fundamentadamente. Em sendo o efeito suspensivo apenas parcial, quando á parte diversa haverá prosseguimento normal. Em todo caso, o efeito suspensivo não suspende a execução contra os executados que não hajam embargado e nem, tampouco, inviabiliza a efetivação dos atos de substituição, de reforço ou de redução da penhora e de avaliação dos bens.

 

 

[1] O pagamento parcelado, nos termos do artigo 916, passa a ser possível, também, em sede de ação monitória, a teor do artigo 701, § 5º.

[2] STJ, Quarta Turma, REsp 1.264.272-RJ, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJ de 22.6.2012.

[3] Era o entendimento de Diele Nunes, Alexandre Bahia, Bernardo Ribeiro Câmara, Carlos Henrique Soares e Humberto Theodoro Júnior, dentre outros. MARTINS, Guilherme Vinseiro. Embargos à execução. In: THEODORO JÚNIOR, Humberto et. al. (coord.). Primeiras lições sobre o novo Direito Processual Civil brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 620.

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