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ELEMENTOS DO CONTRATO

ELEMENTOS DO CONTRATO

Marcelo Santos Baia

 

INTRODUÇÃO

O contrato é um tipo de negócio jurídico que pode ser do tipo bilateral ou plurilateral, em que as partes envolvidas registram as suas vontades de forma harmônica e estabelecem os meios para que estas sejam por fim alcançadas, as cláusulas ou os artigos que devem ser redigidos, tendo como fundamentação a legislação local.

Por meio do contrato, o interesse das partes, que pode ser bilateral ou mesmo plurilateral, é regulamentado por meio dos artigos e das cláusulas acordados entre as partes e, após de devidamente assinado, o contrato deve, então, ser cumprido em sua totalidade; caso contrário, a parte que por ventura vier, de alguma forma, causar dano pode sofrer alguns tipos de sanções.

Para que um contrato seja realizado, é preciso que seja percebido que o documento foi redigido tendo alguns princípios, como a boa-fé de todos os sujeitos envolvidos no negócio jurídico; caso contrário, podem se identificar no teor do contrato vícios ou mesmo erros que o invalide.

Além disso, é preciso que o contrato tenha em seu teor, expressas de forma clara, as vontades de ambas as partes, sendo, desse modo, a vontade um componente imprescindível para que um contrato seja considerado como válido. A vontade, mencionada, deve ser expressa de forma livre, ou seja, sem qualquer tipo de coação.

Este artigo tem por objetivo apresentar o conceito de partes integrantes dos contratos, como a vontade, a ausência de vontade, os vícios da vontade, assim como a manifestação de vontade e a divergência entre vontade e declaração. Por fim, abordará como ocorre a formação do contrato.

Para isso, optou-se como metodologia de pesquisa a revisão de literatura obtida em livros, dissertações e artigos científicos publicados gratuitamente on-line e disponibilizados em língua portuguesa.

 

1 VONTADE

A vontade é considerada como o ponto-chave de qualquer contrato jurídico, sendo, portanto, um elemento fundamental para a sua efetivação. Isso ocorre à medida que a vontade tem o poder de extinguir as relações jurídicas, de modificá-las e, principalmente, de criá-la, atendendo aos anseios e desejos dos envolvidos no contrato jurídico, ou seja, sendo usada como meio livre para que se alcance alguma coisa (Tartuce, 2014).

Nader (2018) observa que a vontade também pode ser denominada como um consentimento no contrato, não podendo ser individual, mas uma reunião de mais vontades, sendo essas convergentes para ser capaz de produzir algum efeito nesse negócio jurídico. Além disso, a vontade precisa vir expressa e declarada de forma tácita no contrato para que seja válida.

Derradeira questão quanto aos elementos diz com a forma. Esse item é necessário em qualquer contrato, considerando-se que a declaração de vontade deve ser externalizada, e a forma é isto: a externalização da vontade. O fato de a legislação considerar que qualquer forma, em regra, é validade não desfaz a exigência, mas libera a sua qualidade, deixando que ela assuma qualquer posição (Lotufo; Nanni, 2011, p. 404).

A importância da vontade pode ser vista antes mesmo que um contrato seja confirmado, como ocorre nos pré-contratos mencionados por Moraes em sua dissertação. Segundo a autora, a manifestação da vontade faz parte da fase de negociações que vem logo após a fase prospectiva e antes da decisória, sempre atendendo aos princípios contratuais (Moraes, 2016).

Os princípios contratuais são normas de grande generalidade, expressas em dispositivos de direito positivo ou deles extraídas por via argumentativa, as quais norteiam os juízes na apreciação de demandas que versam a existência, a validade e o cumprimento de contratos (Coelho, 2007, p. 23).

Paulo Nader (2018) concorda com essa colocação e vai além ao afirmar que o contrato precisa ser regido por alguns princípios, entre eles o princípio da autonomia da vontade, mesmo que uma das partes, em seu íntimo, não queira se desfazer de um dado bem, por exemplo.

Os princípios referentes ao direito contratual são normas gerais que foram expressas nos mais diversos “dispositivos de direito positivo ou deles extraídas por via argumentativa, as quais ajudam a nortear os juízes na apreciação de demandas que versam sobre a existência, validade e cumprimento de contratos” (Coelho, 2012, p. 63).

Por mais que a renúncia à coisa possa trazer ao seu (até então) dono, este tem a liberdade de celebrar ou não o contrato. À medida que, mesmo diante de um sofrimento psicológico mínimo, este concorde com a venda da coisa de forma livre, não estar-se-á indo de encontro com o princípio da autonomia da vontade (Nader, 2018).

O princípio da autonomia da vontade, poder criador que consiste na faculdade de contratar quando, como e com quem quiser, encontra os seus limites nas leis de ordem pública e nos bons costumes. As primeiras se referem aos interesses basilares das pessoas e do Estado e não podem ser substituídas pela vontade dos particulares. Suas normas são cogentes, ou seja, preponderam sobre os interesses individuais. São de ordem pública, entre outras, as regras sobre a economia popular, as relativas ao casamento, aos alimentos, a matéria eleitoral (Nader, 2018, p. 54).

Para Coelho (2012), a autonomia da vontade pode ser considerada como um poder dos sujeitos, das partes envolvidas no contrato, de modo tal que os seus interesses são preservados.

Diante do apresentado, pode-se concluir que o princípio da autonomia da vontade pode ser considerado como vital para que o contrato seja considerado como válido; contudo, não é o único.

São quatro os princípios informadores do direito dos contratos: autonomia privada, vinculação das partes, equilíbrio dos contratantes e relatividade. Eles não têm todos a mesma hierarquia; também não são hierarquizados sempre na mesma escala. Na verdade, dependendo da condição dos contratantes (iguais ou desiguais), certos princípios prevalecem sobre outros. Em um contrato entre dois grandes empresários referente a insumos que um deles adquire do outro, a autonomia privada é o princípio fundamental, de maior envergadura; já, em uma relação de consumo, o do equilíbrio dos contratantes é o mais importante (Coelho, 2012, p. 63).

A fase prospectiva diz respeito ao período onde são realizados levantamentos de várias informações, assim como os contratos preliminares. Na fase de negociações, as partes interessadas buscam entrar em acordo e possuem vontade em contratar (Moraes, 2016; Nader, 2018).

Nesse momento, vale destacar o princípio da vinculação entre as partes, que atribuiu “eficácia à composição dos interesses dos próprios interessados, mediante acordo de vontades, a ordem jurídica deve impor aos contratantes a obrigação de cumprir o contrato” (Sampaio, 2004, p. 23).

Para Coelho (2012, p. 69), a “vinculação das partes ao contrato é importante não somente do ponto de vista moral, de cumprimento da palavra empenhada”.

Às vezes, a manifestação de vontade, por ambas as partes, se opera no mesmo ato, conforme se dá na compra de ingresso para um espetáculo de teatro. Em grande parte dos contratos há todo um iter, que se inicia com a oferta ou policitação e se completa quando o policitato comunica a sua concordância (Nader, 2018, p. 49).

Por meio da vontade são gerados os efeitos de um contrato, das obrigações que nele constam. Destaca-se aqui, então, o princípio da obrigatoriedade associado aos contratos, como bem lembra Nader (2018, p. 57), ao afirmar que “os contratos foram feitos para serem cumpridos – pacta sunt servanda”.

Segundo Werner, a legitimação da vontade “se tornou plena no momento em que os indivíduos passaram a ser tomados por iguais. E iguais não só em sua condição, mas em sua liberdade” (Werner, 2014, p. 9).

Paulo Nader (2018) concorda com essa colocação e afirma que o acordo feito tendo como base as vontades das partes está diretamente relacionada com os seus interesses. Contudo vale destacar nesse momento os relevantes comentários feitos por Enzo Roppo acerca do comprometimento, assim como da ética acerca do contrato:

Cada um é absolutamente livre de comprometer-se ou não, mas, uma vez que se comprometa, fica ligado de modo irrevogável à palavra dada: pacta sunt servanda. Um princípio que, além da indiscutível substância ética, apresenta também um relevante significado econômico: o respeito rigoroso pelos compromissos assumidos é, de facto, condição para que as trocas e outras operações de circulação da riqueza se desenvolvam de modo correto e eficiente segundo a lógica que lhes é própria, para que não se frustrem as previsões e os cálculos dos operadores. (Roppo, 1999, p. 34)

Aqui nos referimos também ao princípio da autonomia da vontade, que faculta às partes envolvidas no contrato a plena liberdade de concretizarem o contrato da forma mais confortável possível e que lhe agrade. Trata-se da livre vontade das partes; contudo, também pode ser descrito como uma lei referente apenas aos sujeitos envolvidos

enquanto o contrato durar, sendo, portanto, obrigatório que ambas as partes atendam e respeitem todas as cláusulas e artigos pertencentes ao instrumento jurídico.

Contudo, vale destacar que em alguns tipos de contrato a vontade de uma das partes não pode ser questionada, como no caso de cláusulas contratuais em contratos de adesão, por exemplo.

 

2 AUSÊNCIA DA VONTADE E VÍCIOS DA VONTADE

A ausência da vontade e os vícios da vontade dizem respeito à ruptura das negociações de um contrato, assim como questões relacionadas à deslealdade. Para Rodrigues, “se o ato jurídico é um ato de vontade, e se a vontade se apresenta viciada por um engano que a adultera, permite a lei que, dados certos pressupostos, se invalide o negócio” (Rodrigues, 2002, p. 187).

Nader (2018) concorda com essa colocação quando afirma que a vontade deve ser declarada de forma espontânea e sem qualquer tipo de defeito ou vício. A ruptura é considerada sem justa causa, ilegítima, arbitrária ou mesmo intempestiva quando se observa que uma das partes não agiu de boa-fé. Nesse caso, fica clara a intenção de causar algum tipo de dano. Já a deslealdade diz respeito à falta de confiança (Santos, 2014).

A boa-fé, segundo se diz, inspira não só o cumprimento das obrigações, mas todo o seu processo (na visão dinâmica do relacionamento obrigacional) e até mesmo a fase pré-contratual, em uma ideia de colaboração (que opõe-se à concorrência) entre credor e devedor. A boa-fé lembra a ideia do bonus pater familiae, do homem diligente. É uma atitude que é devida e, portanto, pode ser cobrada, de retidão, de lealdade, de colaboração com a outra parte, de fidelidade ao combinado (não ao literal), enfim, correttezza, que visa principalmente evitar o abuso do direito por qualquer das partes (Werner, 2014, p. 33).

O vício da vontade na celebração de um negócio jurídico acaba por impedir que a vontade de uma das partes, que foi manifestada de forma livre e espontânea, assim como de boa-fé, seja realizada. Ou seja, a vontade de uma das partes acaba sendo prejudicada por algum ato ou manifestação, invalidando, por fim, o negócio jurídico (Azevedo, 2002; Nader, 2018).

Mota Pinto também conceitua a boa-fé, classificando-a como a boa-fé subjetiva, ou seja, a que está diretamente relacionada com a intenção de uma das partes do contrato; e a objetiva, que é inerente à conduta do sujeito contratante (Mota Pinto, 1982).

O Código Civil de 2002 introduziu o princípio da boa-fé na teoria dos negócios jurídicos, trazendo, com isso, uma alteração de amplo alcance no campo obrigacional. A exigência de boa-fé nos atos negociais não se refere à subjetiva, que se caracteriza pela seriedade das intenções, mas à de caráter objetivo, que independe do plano da consciência. Relevante, em face das novas regras, é que as condições do negócio jurídico, por suas cláusulas, revelem equilíbrio e justiça. Tem-se, em primeiro lugar, a disposição do art. 113, de conteúdo ético, que orienta o operador para interpretar os negócios jurídicos “conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração”. Já o art. 422 exige dos contratantes a observância dos princípios da boa-fé e probidade, tanto na celebração do ato quanto em sua execução. A boa-fé nos contratos significa, portanto, a honestidade e justiça nas condições gerais estabelecidas (Nader, 2018, p. 59-60).

O princípio da boa-fé é considerado de tal importância que é expresso em vários diplomas legais, incluindo o Código de Defesa do Consumidor, mais especificamente no inciso III do art. 4º.

Coelho (2012, p. 82) afirma que a “virtude da boa-fé consiste em acreditar no que diz e dizer o que acredita. Quem está de má-fé, mente; mas quem mente não está necessariamente de má-fé”.

Vale destacar também que o vício também pode vir a macular o negócio jurídico à medida que uma ou ambas as partes não podem se expressar de forma livre e consciente. Viciado, esse negócio jurídico deve ser anulado, protegendo, desse modo, os envolvidos para que não sofram eventuais efeitos indesejáveis (Coelho, 2003).

Está relacionada também à lesão, à coação, ao dolo, assim como ao fato de que um dos contratantes está sendo prejudicado por uma ou mais cláusulas, artigos, erros (acidental, essencial ou substancial) ou ignorância do conteúdo presente no contrato.

Vale lembrar que, segundo o ordenamento jurídico brasileiro, mais especificamente o art. 104 do novo Código Civil, os negócios jurídicos são válidos se atenderem a três requisitos, sendo estes:

Art. 104. A validade do negócio jurídico requer:

I – agente capaz;

II – objeto lícito, possível, determinado ou determinável;

III – forma prescrita ou não defesa em lei. (Brasil, 2002)

O mesmo ordenamento jurídico brasileiro prevê a lesão na redação do art. 157, que prevê:

Art. 157. Ocorre a lesão quando uma pessoa, sob premente necessidade, ou por inexperiência, se obriga a prestação manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta.

1º Aprecia-se a desproporção das prestações segundo os valores vigentes ao tempo em que foi celebrado o negócio jurídico.

2º Não se decretará a anulação do negócio, se for oferecido suplemento suficiente, ou se a parte favorecida concordar com a redução do proveito. (Brasil, 2002)

Estabelecer a lesão se justifica à medida que se trata de proteger o contratante, ou seja, a parte inferior no contrato. Trata-se de um vício que também está coberto, no ordenamento jurídico brasileiro, pelo art. 157, mencionado anteriormente. Nesse caso, o contratante “perde a noção do real e acaba realizando negócios absurdos do ponto de vista econômico, evidenciando que sua vontade está viciada por pressões variadas” (Aref Abdul Latif, 2007).

Sobre o erro, este diz respeito à noção equivocada sobre algo mencionado ou referente ao contrato, assim como pode estar relacionado ao falso conhecimento de alguma das cláusulas, do objeto/serviço que está sendo contratado ou até mesmo do próprio negócio que está sendo firmado. Já, quanto à ignorância, Cáio Mário afirma que “a ignorância importa no desconhecimento do que determina a declaração da vontade” (Pereira, 2001, p. 517).

Diante disso, Paulo Nader (2018) afirma que, se o contrato não possui ausência de vontade das partes ou de uma das partes, assim como é observada a ausência de vícios relacionados à vontade ou qualquer tipo de termo que venha a ser considerado como irregular perante a lei, incluindo o objeto do contrato, esse negócio jurídico pode ser considerado como válido.

3 MANIFESTAÇÃO DE VONTADE E DIVERGE^NCIA ENTRE VONTADE E DECLARAÇÃO

A manifestação da vontade é considerada juridicamente quando é exteriorizada pelo declarante de forma voluntária e consciente, ou seja, a partir da sua declaração passa a ter efeito (Telles, 2002).

A divergência entre a vontade real e a declaração (ou vontade declarada) está relacionada com a autonomia da vontade, e, assim, deve prevalecer uma delas.

Desse modo, juntamente com a vontade vem a autonomia, a liberdade de contratar. Ou seja, o contrato pode ser firmado por meio do consenso de vontades ou uma das partes é quem determina o conteúdo e a finalidade do contrato (Werner, 2014).

Para Alves, o silêncio, no sentido da ausência de qualquer ação, também pode ser entendido juridicamente como declaração da vontade; contudo, possui implicações. Trata-se, nesse sentido, de uma absoluta omissão diante de algo que requeria alguma atitude, ação ou fala (Alves, 2016).

Segundo o ordenamento jurídico brasileiro, mais especificamente o art. 111 do novo Código Civil, “o silêncio importa anuência, quando as circunstâncias ou os usos o autorizarem, e não for necessária a declaração de vontade expressa” (Brasil, 2002).

Contudo, no que diz respeito ao ordenamento jurídico português, o cenário é outro a respeito desse tema em específico. Segundo o art. 218, “o silêncio vale como declaração negocial, quando esse valor lhe seja atribuído por lei, uso ou convenção” (Portugal, 2006). Ou seja, segundo o ordenamento jurídico português, o silêncio não pode ser usado como declaração, mas equiparado segundo a lei.

Acerca da divergência entre a vontade e a declaração, Silvio de Salvo Venosa afirma que, “pela teoria da vontade, entende-se que se deve perquirir a vontade interna do agente, sua real intenção” (Venosa, 2008, p. 353). Ou seja, a finalidade da declaração é que lhe classifica.

Já, acerca da declaração, Silvo Salvo Venosa ensina que, “pela teoria da declaração, entende-se que não há que se investigar o querer interior do declarante, bastando deter-se na declaração em si” (Venosa, 2008, p. 365).

 

4 FORMAÇÃO DO CONTRATO

Os contratos fazem parte da vida em sociedade, especialmente no mundo contemporâneo e capitalista onde os sujeitos realizam os mais diversos tipos de contratos envolvendo uma diversidade de coisas que podem ser negociadas dependendo dos seus interesses. Contudo, independente do que estiver sendo negociado, é preciso que uma série de princípios seja observada, como já mencionado (Nader, 2018).

O contrato pode ser descrito como um acordo, consenso, encontro de vontades, consentimento entre partes, entre outros sinônimos que, por fim, terão como objetivo a celebração que gera direito e obrigações entre os envolvidos (Almeida, 2012; Coelho, 2012; Oliveira, 2015).

O contrato é uma ação humana nitidamente intencional. Na compra e venda, o comprador tem a intenção de titularizar a coisa, e o vendedor, de aliená-la de seu patrimônio em troca de certa quantia de dinheiro; na locação, o locatário quer o bem para usar ou gozar por algum tempo, enquanto o locador quer a renda mensal do aluguel; na aposta, os apostadores desejam arriscar algo em vista de um ganho estatisticamente possível, e assim por diante. Ao contratar, o sujeito tem em mira um objetivo, que a norma jurídica diz ser alcançável por meio de determinadas ações. Não há contrato sem a intenção característica dos negócios jurídicos (Coelho, 2012, p. 57).

O contrato pode ser entendido também como qualquer tipo de convenção ou de itens que foram estipulados pelas partes envolvidas que apresentaram suas vontades (Werner, 2014).

O conceito de contrato comporta, juridicamente, três sentidos: a) em sua alusão mais ampla, quer dizer acordo de vontades para a produção de efeitos jurídicos; b) em menos ampla, é: acordo de vontades para a obtenção de efeitos de natureza econômica; c) em sentido mais restrito: reunião de vontades, que objetiva efeitos jurídicos na área do Direito das Obrigações. No contrato, as partes, duas ou mais, participam de uma relação de coordenação, sem que uma possa impor a sua vontade. Para que o Poder Público dela possa participar, precisa estar despojado de seu imperium, figurando em um dos polos em igualdade de condições (Nader, 2018, p. 62).

Para Coelho (2012), o contrato diz respeito ao encontro de vontades das partes, sejam essas pessoas jurídicas ou físicas, assim como da Administração Pública. Ou seja, dos sujeitos contratantes, possuindo essa vontade um efeito jurídico capaz de extinguir, de modificar e de criar as obrigações referentes à coisa foco do contrato. Trata-se, desse modo, de um negócio jurídico que pode ser firmado por duas pessoas ou seus representantes por meio de uma procuração.

[…] a doutrina sustenta que a presença dessas cláusulas nos contratos privados depende da vontade das partes e a sua aplicação está condicionada à expressa previsão contratual. As características básicas dos contratos privados da Administração são: (i) equilíbrio contratual relativo, em razão da ausência, em regra, das cláusulas exorbitantes (“horizontalidade”); e (ii) regime predominantemente de direito privado, devendo ser observadas, no entanto, algumas normas de direito público (ex.: licitação, cláusulas necessárias etc.) Ex.: contratos de compra e venda, de seguro, de locação (quando a Administração for locatária) etc. (Oliveira, 2015, p. 207)

Paulo Nader (2018, p. 38) afirma que o contrato é também um “fato jurídico lato sensu devido ao fato que gera, modifica, conserva ou extingue uma relação de conteúdo patrimonial”. Coelho (2012) concorda com essa colocação e vai além ao afirmar que o fato jurídico é inerente à conduta humana.

Até 1991, o direito privado brasileiro dos contratos segmentava-se em dois regimes jurídicos diferentes. De um lado, o civil, aplicável à generalidade dos contratos entre particulares (exceto os de trabalho); de outro, o comercial, relacionado aos contratos próprios do comércio. A definição do regime a que se devia submeter determinado negócio norteava-se, então, pelos modelos de delimitação do âmbito de incidência do direito comercial (a teoria dos atos de comércio e a teoria da empresa). A compra e venda, neste contexto, era comercial se inserida na cadeia de circulação de riquezas, incluindo-se nessa categoria desde o contrato entre o fornecedor de matéria-prima e o industrial, em uma ponta, até o feito pelo varejista com o consumidor, na outra (Coelho, 2012, p. 46).

Para Vasconcelos (1995), para que um contrato exista é preciso que se tenha pelo menos um acordo entre as partes, mas, além disso, alguns elementos essenciais, acidentais e também os elementos naturais. Outros autores, como Cunha Gonçalves, citado por Vasconcelos (1995), classifica os elementos de um contrato como intrínsecos (ou internos) e extrínsecos (ou externos).

“[…] Os primeiros são elementos essenciais, a estrutura do ato; que lhe formam a substância e sem os quais o ato não existe. Numa compra e venda, por exemplo, os elementos essenciais são a coisa, o preço e o consentimento, faltando um deles, o ato não existe […]” (Azevedo, 2002, p. 26).

Paulo Nader (2018) ressalta que nem todo negócio jurídico pode ser considerado como um contrato, à medida que, para ter essa denominação ou distinção, é preciso que no tal negócio esteja envolvido algo que tenha valor, ou seja, que seja de natureza econômica. No caso de um contrato de compra e venda de algo ou coisa, por exemplo, o elemento essencial desse contrato é o preço daquilo que está sendo colocado à venda. Em um contrato de arrendamento, os elementos essenciais que podem ser observados são o tempo em que tal coisa será temporariamente arrendada, assim como o valor a ser pago por esse período.

A título de exemplificação, uma adoção possui duas vontades; contudo, não há um montante financeiro (Erário) envolvido. Desse modo, a adoção é um negócio jurídico do tipo bilateral; contudo, não se trata de um contrato (Telles, 2002).

Para Coelho (2012), para o contrato ser bilateral ou plurilateral é preciso que seja observada a constituição do contrato, dependendo desse modo do encontro da vontade das partes, sendo necessário que haja pelo menos mais de uma vontade e interesses coincidentes.

O contrato é um instrumento, um negócio jurídico bilateral, onde estão descritos uma série de cláusulas, disposições, assim como artigos relacionados com o objetivo do contrato, da negociação. Esse instrumento deve possuir obrigatoriamente, além do Erário, ao menos duas declarações de vontade (Telles, 2002).

De acordo com o número de partes, o negócio jurídico pode ser unilateral (uma parte), bilateral (duas partes) ou plurilateral (três ou mais partes). O contrato nunca é negócio jurídico unilateral, porque pressupõe pelo menos duas partes manifestando vontades que convergem para o interesse comum. A gestão de negócios e a promessa de recompensa são exemplos de negócios jurídicos unilaterais, que, por isso mesmo, não são contratos (Coelho, 2012, p. 58).

A formação do contrato ocorre em fases, sendo essas a fase preliminar, a fase da proposta ou policitação, e a fase de aceitação. A fase preliminar é aquela onde são realizadas as tratativas, as negociações e a discussão dos termos que farão parte do contrato, ou seja, as cláusulas e os artigos que devem ser respeitados por ambas as partes.

Além desses existe o subcontrato, também conhecido como contrato derivado, que, segundo Lotufo e Nanni (2011, p. 400), refere-se a um contrato que “é celebrado à sombra de outro, principal, que o procede”.

São vários os exemplos de contrato mais complexos que envolvem a fase pré-celebração, como os contratos de venda e os acionários. Nesses tipos de contratos, as negociações podem levar meses, envolvendo, em alguns casos, auditorias que podem acabar levando o contrato a não ser realizado (Tartuce, 2014).

Nessa etapa, é possível que uma das partes desista do contrato sem a geração de ônus. Devido às longas negociações, o contrato pode não vir a ser concretizado por falta de vontade de uma das partes, por exemplo. No caso de haver indícios de que uma das partes agiu de má-fé ou com objetivo de prejudicar a terceiros, pode-se buscar legalmente algum tipo de compensação (Santos, 2014).

Além do que já foi abordado, o contrato não pode, em qualquer hipótese, contrariar o ordenamento jurídico, os bons costumes, a boa-fé, assim como ter uma função econômica e social; logo, precisa ser lícito (Tartuce, 2014). Além disso, Nader (2018, p. 38) ressalta que o contrato “têm força de lei, pois geram uma gama de obrigações e direitos para as partes e são tutelados pela ordem jurídica”.

O contrato gera obrigações para os contratantes, mas não necessariamente para todos. Há algumas espécies de contrato em que somente uma das partes se obriga. É, por exemplo, o caso da doação pura (sem encargos para o beneficiário). Para se constituir, depende da manifestação concorde do donatário (Coelho, 2012, p. 99).

Vale destacar, também, os comentários de João de Matos Antunes Varela quando o mesmo ressalta que “o simples início das negociações cria entre as partes deveres de lealdade, de informação e esclarecimentos, dignos da tutela do direito” (Varela, 2010, p. 268). Mota Pinto concorda com esta colocação e vai além ao afirmar:

[…] a qualificação da responsabilidade pré-contratual como responsabilidade obrigacional (classicamente chamada responsabilidade contratual) visa exprimir a sua sujeição às mesmas regras que disciplinam a responsabilidade por violação duma obrigação ex contractu: no nosso direito os arts. 798.º e seguintes. (Mota Pinto, 2010, apud Santos, 2014, p. 29)

No ordenamento jurídico brasileiro, o novo Código Civil prevê, na redação do seu art. 186, que “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito” (Brasil, 2002).

É importante observar que a fase preliminar não é o mesmo que o contrato preliminar. O contrato preliminar é, “em sua concepção tradicional, é um contrato em que uma das partes, ou ambas, se obriga a contratar, a celebrar um contrato definitivo” (Werner, 2014, p. 25).

No caso do contrato preliminar, as partes precisam chegar a um acordo, a um novo consentimento para que o contrato seja assinado. Nessa fase, é possível que uma das partes solicite qualquer esclarecimento acerta dos termos que estão sendo negociados, respeitando, dessa forma, a assimetria informacional (Telles, 2002).

O contraente que, por razões econômicas ou de conhecimento, se deve considerar inferiorizado, tem como que o direito, na fase preliminar, a um esclarecimento e a uma lealdade acrescidos; quando os correspondentes deveres não são acatados, há responsabilidade por inobservância da boa-fé (Cordeiro, 1992, p. 709).

A segunda fase da formação do contrato é a fase da proposta, que pode ser escrita, gestual ou verbal, ou policitação, ou seja, a fase em que a vontade de uma parte busca, de forma mais concreta, a vontade da outra parte (Werner, 2014).

Nessa fase, a proposta pode ser realizada de duas formas basicamente, após a fase preliminar mencionada anteriormente ou diretamente sem um contato anterior. É importante que a proposta venha acompanhada dos elementos do contrato, ou seja, das cláusulas. Além disso, é preciso que a proposta seja mais clara possível, evitando, assim, que haja má interpretação ou intenção.

Vale destacar que, uma vez feita a proposta, o proponente não pode retirá-la; caso contrário, podem lhes ser cobrados danos. Nesse ponto, vale destacar o princípio da obrigatoriedade contratual. No ordenamento jurídico brasileiro, a lei prevê, na redação do art. 427, que “a proposta de contrato obriga o proponente, se o contrário não resultar dos termos dela, da natureza do negócio, ou das circunstâncias do caso” (Brasil, 2002). Contudo, o mesmo ordenamento jurídico prevê algumas exceções acerca da proposta, sendo estas:

Art. 428. Deixa de ser obrigatória a proposta:

I – se, feita sem prazo a pessoa presente, não foi imediatamente aceita. Considera-se também presente a pessoa que contrata por telefone ou por meio de comunicação semelhante;

II – se, feita sem prazo a pessoa ausente, tiver decorrido tempo suficiente para chegar a resposta ao conhecimento do proponente;

III – se, feita a pessoa ausente, não tiver sido expedida a resposta dentro do prazo dado;

IV – se, antes dela, ou simultaneamente, chegar ao conhecimento da outra parte a retratação do proponente. (Brasil, 2002)

A última fase da formação do contrato é a fase de aceitação da proposta, em que ambas as partes entram em acordo ou consenso de suas vontades.

A diferença entre os contratos consensuais firmados nessa etapa final e os contratos reais está no fato de que, no primeiro, ambas as partes aperfeiçoaram suas vontades para chegarem ao teor final do contrato. Já, no caso do contrato real, “só se aperfeiçoam com a tradição da coisa” (Werner, 2014, p. 29).

Tais itens e fases do contrato mencionados aqui buscam regulamentar e registrar em tal instrumento os interesses comungados pelas partes após uma negociação realizada anteriormente e que será confirmada após a assinatura dos envolvidos e de testemunhas que ratificarão o que foi acertado (Werner, 2014).

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este artigo foi capaz de apresentar a importância da vontade nos contratos, mas, além disso, que é preciso boa-fé para que os contratos sejam válidos.

Os vícios de vontade foram descritos como meios capazes de invalidar os contratos, ou seja, de impedir que uma das partes tenha a sua vontade satisfeita.

Diante disso, é necessário que todas as partes envolvidas no contrato tenham o pleno conhecimento de todos os meios que podem impedir que o contrato seja declarado válido, inclusive os que podem ocorrer de forma inconsciente.

Manter a clareza e boa-fé desde as fases iniciais do contrato, ou seja, desde a fase preliminar, passando pela fase da proposta e, finalmente, pela fase de aceitação, são imprescindíveis para que o contrato seja considerado juridicamente válido e as vontades sejam satisfeitas.

Espera-se que este artigo sirva de incentivo para que novos estudos acerca dos elementos dos contratos sejam realizados futuramente, de modo ao enriquecimento acadêmicos e aperfeiçoamento profissional. De mesmo modo, espera-se que colabore com a comunidade acadêmica para o esclarecimento acerca do tema.

REFERÊNCIAS

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ALVES, M. O silêncio como declaração de vontade e a sistemática do Código Civil brasileiro. Revista dos Tribunais, v. 968, jun. 2016.

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AZEVEDO, A. J. Negócio jurídico: existência, validade e eficácia. São Paulo: Junqueira, 2002.

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