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A EFICÁCIA CONSTITUTIVA DA SENTENÇA, AS SENTENÇAS DE EFICÁCIA PREPONDERANTEMENTE CONSTITUTIVA E A FORÇA NORMATIVA DO COMANDO JUDICIAL

A EFICÁCIA CONSTITUTIVA DA SENTENÇA, AS SENTENÇAS DE EFICÁCIA PREPONDERANTEMENTE CONSTITUTIVA E A FORÇA NORMATIVA DO COMANDO JUDICIAL

Hermes Zaneti Junior

 

SUMÁRIO: 1. Homogeneização das premissas; 1.1 Histórico e desenvolvimento do Direito Processual Civil; 2. Cinco questões sobre as sentenças constitutivas; 2.1 Digressões sobre o conceito de eficácia constitutiva; 2.2 Sentença constitutiva: eficácia “ex nunc” ou “ex tunc”?; 2.3 Sentenças constitutivas negativas e positivas: conceito e espécies; 2.4 Os direitos potestativos ou formativos são os únicos direitos aptos a fundamentar as sentenças constitutivas?; 2.5 Ocorre execução nas sentenças constitutivas? 3. A constância da atividade constitutiva nas sentenças de mérito e a criação da norma no caso concreto; 3.1 Fazzalari; 3.2 Pontes de Miranda; 3.3 Kelsen; Conclusões.

 

1. HOMOGENEIZAÇÃO DAS PREMISSAS

Quando PONTE DE MIRQUINANDA estabeleceu a sua classificação quinária das ações, revolucionou a visão do jurista estudioso de direito processual civil. Tal classificação tem como base a própria evolução sofrida na primeira metade do século nesta área do conhecimento. Mas, qual seria o “universo de conceitos” sobre o qual erigiu PONTES DE MIRANDA a sua célebre doutrina processual? E quais seriam as implicações desses conceitos com o tema do presente ensaio: a eficácia constitutiva da sentença.

 

1.1 HISTÓRICO E DESENVOLVIMENTO DO DIREITO PROCESSUAL CIVIL

Faz-se necessário um pequeno histórico, com o objetivo, despretensioso, de igualarem-se as premissas neste estudo sobre a eficácia constitutiva da sentença e assentar as bases das afirmações que se seguirão.

O processo civil começa a desenvolver-se, como ciência, com a percepção de sua autonomia e, conseqüentemente, a sua separação da relação jurídica de direito material. Isto ocorre em 1868, com a publicação da obra “A Teoria das Exceções Dilatórias e dos Pressupostos Processuais”, de OSKAR BÜLOW, como foi reconhecido por toda a doutrina processual moderna e vem afirmado por CARLOS ALBERTO CARMONA: “o grande mérito do estudioso está na separação de duas ordens de relações: uma, material, que se discute no âmbito do processo e que forma seu objeto; outra, processual, que se forma entre autor, réu e juiz (isto é, o Estado) e tem como objeto a prestação jurisdicional, sujeita a pressupostos especiais (os pressupostos processuais).” Segundo COUTO E SILVA, BÜLOW, criando a expressão “pressupostos processuais”, passou a aplicar a noção de “tatbestand” no processo, noção que PONTES DE MIRANDA traduz e usa correntemente em suas obras como “suporte fático”.

Como consequência dessa evolução, foi ocorrendo lentamente a especialização de juristas na área do processo civil. Os fenômenos no campo do processo passaram a ser estudados com mais atenção, surgindo na literatura jurídica, principalmente alemã, nessa primeira fase, novas idéias.

É nesse quadro de mudança de paradigmas que surge a ação constitutiva como nova classificação, pois, até o final do século XIX, eram apenas conhecidas as classificações: declaratória e condenatória da ação, tidas como  puras.  O jurista alemão KONRAD HELLWIG foi o maior difusor das exsurgentes ações constitutivas; percebeu, ele, que não se esgotavam as espécies de ações nos tipos propostos.

Para a compreensão da tese de PONTES DE MIRANDA é importante, também, saber que, em 1914, GEORG KUTTNER mencionou a existência de ações mandamentais. Seria mandamental, para KUTTNER, aquela ação em que “o Juiz, sem proferir uma decisão suscetível de gerar coisa julgada a respeito da relação jurídica de direito privado, determina, imediatamente, que outro órgão do Estado, uma autoridade pública ou um funcionário público, venha a tomar ou deixar de tomar uma medida especificada na sentença, dentro dos limites da competência da aludida autoridade, mediante novo pedido da parte vitoriosa no processo”.

O importante é que, na criação das ações mandamentais, o método utilizado por KUTTNER pela primeira vez não foi o da classificação pelo gênero e espécie (até então a classificação se dava pelo gênero = ação; espécie = condenatória, declaratória, ou as, emergentes, constitutivas), e, sim pelo exame da eficácia da sentença, que é exatamente o ponto distintivo na doutrina de PONTES DE MIRANDA.  Ao observar este insight de KUTTNER o genial processualista brasileiro percebeu que as ações e conseqüentemente as sentenças deveriam ser classificadas de acordo com a preponderância de seu potencial resultado no mundo da vida.

A classificação de PONTES DE MIRANDA completa-se com a inclusão das sentenças executivas lato sensu entendidas como aquelas que revertem sobre o patrimônio do autor que se encontra na posse do réu sem a necessidade de um processo executivo ex intervallo como o processo executivo. Concluindo: observam-se cinco ações ou sentenças possíveis – declaratória, constitutiva, condenatória, mandamental e executiva lato sensu.

Cabem ainda, para continuação desse estudo, algumas precisões sobre a natureza jurídica da ação que junto à natureza jurídica do processo, justificada acima pela cisão entre relação jurídica de direito material e relação jurídica de direito processual, auxilia no entendimento das ligações entre direito material e processo e na compreensão da classificação das sentenças constitutivas.

A célebre polêmica sobre a natureza da ação entre os juristas romanistas WINDSCHEID e MUTHER, ainda no século XIX, resultou na distinção nítida, feita por MUTHER, entre direito lesado e ação. Da lesão, dizia MUTHER, nascem dois direitos de natureza pública: 1) o direito do ofendido à tutela jurídica do Estado, que será dirigido em face do Estado que substitui o lesado, impedindo a autotutela; 2) e o direito do Estado à eliminação da lesão, contra aquele que a praticou que seria identificável como escopo público do processo, pacificação social.  Esta distinção caracteriza a autonomia da ação frente ao direito material, eliminando qualquer suporte teórico possível as teses imanentistas que pretendiam ver a ação vinculada à lesão do direito material.

Duas correntes principais passam, então, a disputar a explicação da natureza da ação: a teoria do direito concreto à tutela jurídica e a teoria do direito abstrato à prestação jurisdicional.

Para a teoria da ação como direito concreto à tutela jurídica, a todo o direito corresponde uma ação que a tutela (ADOLF WACH e entre outros  SCHMIDT, HELLWIG, BÜLOW E CHIOVENDA,  cf. art. 75 do antigo Código Civil Brasileiro de 1916).

Estas teorias mantêm adeptos atuais o que determina sua necessária crítica. Neste sentido, são críticas à teoria concreta: a) não se consegue explicar satisfatoriamente os atos processuais praticados até a sentença quando esta julga a ação improcedente, porque não teria ocorrido ação; b) também não justifica a sentença injusta, quando uma decisão contrária ao direito acolhe a pretensão infundada do autor. Ou seja, ao que parecem, os cultores da teoria concreta da ação ainda se encontram demasiadamente vinculados à idéia de que toda a prestação jurisdicional vem imbuída da perfeição, em hipótese, que contém a norma positiva e de que não existiria a demanda temerária.

Caracteriza-se a ação abstrata, por sua vez, como uma situação jurídica de que desfruta o autor perante o Estado, seja ele um direito (direito público subjetivo) ou um poder. Surgida no pensamento de DEGENKOLB, Alemanha em 1877, e ao mesmo tempo em PLÓSZ, na Hungria. Nesta linha de raciocínio, não deixa de haver ação quando uma sentença injusta nega o direito do autor, ou quando, ao contrário, uma sentença injusta confere o direito a quem não o tinha; o mesmo pode ser dito da demanda julgada improcedente. É a ação dirigida apenas ao Estado (que substitui a pretensão à autotutela pelo indivíduo) e basta que o autor da ação mencione um interesse seu, protegido em abstrato pelo direito, para que aquele seja obrigado a exercer a função jurisdicional. A esta corrente filiou-se ALFREDO ROCCO, dando-lhe fundamentação própria.

Neste estudo preferiu-se a concepção abstrata. Vai-se mais além, afastando qualquer leitura positiva do art. 75 do Código Civil de 1916, identificado acima com a ação concreta, e assumindo a aberta posição de tutela jurisdicional lato sensu esposada no art. 83 do Código de Defesa do Consumidor, pela qual para tutela do direito afirmado ou de sua ameaça de lesão são cabíveis todas as espécies de ações capazes de lhe propiciar adequada e efetiva proteção.  Esta concepção de ação está mais de acordo com ideais constitucionais de efetividade e democracia garantidos pela própria letra do art. 5°, XXXV, segundo o qual “a lei não excluíra da apreciação do Poder Judiciário [afirmação] de lesão ou ameaça a direito.”

Como última questão de introdução ao estudo do processo, antes de se abordar propriamente a sentença constitutiva, objeto deste ensaio, cabe analisar o provimento jurisdicional em si. Quanto à natureza da sentença tem-se identificadas duas correntes muito nítidas: 1) é a sentença simplesmente ato lógico, dedução silogística; 2) ou ato de vontade do juiz, exercício de poder, criação normativa.

Para os defensores da sentença como ato de inteligência, mera subsunção do fato à lei, o juiz é a boca da lei (ensinamento de MONTESQUIEU que repercutiu no Código de Napoleão). A sentença é, assim, fornecida pelo Estado, pelo órgão jurisdicional detentor da “imperatividade”, como mero “silogismo frio”.

Para ALFREDO ROCCO, defensor por excelência desta visão, a atividade jurisdicional é puramente teórica, lógica, sendo a vontade resguardada ao legislador. Assim, “o elemento essencial e característico da sentença é o juízo lógico; isto é, a sentença é essencialmente um ato da mente do juiz.”, segue, “A norma Jurídica, mesmo que suponha também um  juízo lógico do órgão de que emana, é, certamente, na sua essência, um ato de vontade e, precisamente, um mandato feito pelo Estado aos particulares”, desta forma, “A atividade mental do juiz segue sendo uma atividade puramente teórica, mesmo que se exercite sobre um produto da atividade prática de outro, ou seja, sobre uma declaração de vontade alheia (do Estado)”.  No Brasil, com algum temperamento quanto a possibilidade interpretativa do direito e da lei pelo juiz afirma Dinamarco: “O escopo jurídico do processo civil não é a composição da lide, ou seja, a criação ou complementação da regra a prevalecer no caso concreto – mas a atuação da vontade concreta do Direito.”

Já na sentença como ato de vontade, tem-se como principal defensor o  jurista PIERO CALAMANDREI,  para ele o juiz exerce uma atividade de império criadora, que é complemento necessário à atividade legislativa ordinária. Conseqüentemente o juiz, na concreção da norma específica, atua como político, com a ponderação de critérios de conveniência, advindos da sua sensibilidade e humanidade. Cita-se, ainda, KELSEN, pela autoridade de seu posicionamento, para quem “Somente a falta de compreensão da função normativa da decisão judicial, o preconceito de que o Direito apenas consta de normas gerais, a ignorância da norma jurídica individual obscureceu o fato de que a decisão judicial é tão-só a continuação do processo de criação da norma jurídica e conduziu ao erro de ver nela apenas a função declarativa.” Note-se  que aqui o gênio do positivismo jurídico não rechaça a tese da moldura constitucional, mas admite na inspirada passagem, o arejamento da lei pelo caso concreto e a “constância da atividade criadora da norma”.

Vistas essas questões, com o intuito de homogeneizar o pensamento, faz-se, agora, breve introdução à sentença constitutiva e suas características lógicas internas.

 

2. CINCO QUESTÕES SOBRE AS SENTENÇAS CONSTITUTIVAS

Pode-se dizer que foram assentadas as linhas mestras da opção epistêmica deste texto. Recapitulando lembra-se que o processo civil é uma ciência nova que surgiu com a separação da relação jurídica processual da relação jurídica de direito material, sendo que as sentenças e sua classificação sofreram grandes alterações durante o século passado culminando, no Brasil, com a teoria da classificação quinária de PONTES DE MIRANDA e por fim que o juiz interpreta o texto legal e no exercício desta tarefa cria direito atuando vontade e não simplesmente inteligência. Assim, com base nas premissas anteriores serão respondidas, sistematicamente, as seguintes questões, em matéria de sentença constitutiva: 1) Qual o conceito de sentença constitutiva? 2) qual a eficácia da sentença constitutiva: ex nunc ou ex tunc? 3) As sentenças constitutivas podem ser classificadas em positivas ou negativas? 4) A sentença constitutiva está vinculada ao direito formativo ou aos chamados direitos potestativos? 5) Existe “execução” na sentença constitutiva?

Antes, porém, de ingressar na discussão dos temas da sentença constitutiva é preciso atentar para dois problemas de caráter epistemológico reincidentes na doutrina, o objeto de direito material sobre o qual irá reverter os efeitos da eficácia da sentença constitutiva e o juízo lógico que antecede sua aplicação: 1) Quanto ao objeto de direito material (bem da vida ou situação deduzido em juízo) costuma-se, sem reflexão, vincular a sentença constitutiva ou determinar-lhe os efeitos com esteio no direito potestativo ou formativo anterior a ação, tendo como conseqüência que a sentença constitutiva é simples declaração do direito à modificação, somada a modificação decorrente da pré-existência desse direito agora reconhecido por sentença. Nesse sentido comparece a força da doutrina de HELLWIG ao criar a chamada classe modificativa da sentença – “Konstitutive Urteile” – vinculada a um direito potestativo, também neste sentido com orientação conclusiva diversa, pela impossibilidade ou imprestabilidade da nova classificação ROCCO; 2) Quanto ao juízo efetuado pelo julgador na sentença afirma a doutrina seu caráter meramente lógico, de “accertamento”, simples verificação, abstraída da vontade do julgador, o que fundamenta o pensamento do duplo juízo lógico exposto por Dinamarco e por Liebman,  justificando a tese por não passar de mero reconhecimento de um direito pré-existente, que gera uma modificação futura como seu efeito.

A primeira questão diz respeito à natureza jurídica da ação ser concreta ou abstrata. Como se viu, HELLWIG era assumidamente concretista, seguido por CHIOVENDA. Por uma necessidade de coerência discursiva repudia-se expressamente a necessária ligação entre um direito pré-existente e o direito de ação, bastando a afirmação in abstrato para dar azo ao exercício do segundo. A segunda oposição, como também foi visto no tópico antecedente, implica na idéia de que seja a atividade do juiz meramente declaradora do direito (sic., quem interpreta faz mais do que desvelar), como queria ALFREDO ROCCO. Essa posição vem considerada equivocada frente à criação de norma jurídica concreta, em princípio, adstrita a toda sentença de mérito.

 

2.1 DIGRESSÕES SOBRE O CONCEITO DE EFICÁCIA CONSTITUTIVA

Para conceituar a eficácia constitutiva parte-se, em doutrina usual, da declaração. A declaração, que é eficácia comum a todas as sentenças, adere ao plus da modificação, assim, constituir é mais do que declarar. É a constitutividade uma mudança no mundo jurídico. Enquanto a declaração altera o mundo jurídico pela simples posição humana de falibilidade, a constituição cria, modifica ou extingue uma relação ou situação jurídica. Portanto, coisas distintas. É o que se percebe na crítica a CARNELUTTI feita por LIEBMAN, com a qual corrobora PONTES DE MIRANDA. Dizia CARNELUTTI haver um tipo de declaração chamado “declaração constitutiva”, ao que retrucou PONTES DE MIRANDA, com a célebre blague “pereiral vinícola”, afirmando que: “[Carnelutti] cometeu o erro enorme de tomar como classe de declaração a soma ‘declaração mais constituição’. Procedeu como o jardineiro que, tendo pêras e uvas para vinho, dissesse que possui ‘pereiral vinícola.”

Essa confusão ocorre porque existe um necessário hibridismo, uma zona gris, fruto da “natureza compósita das realidades”, consequentemente há de atentar o jurista porque muitas vezes se tem sentenças preponderantemente declarativas, com efeitos constitutivos; e, outras tantas, têm-se preponderância constitutiva e efeitos declarativos.

Portanto, o fator distintivo na sentença constitutiva (que é justamente aquela em que prepondera a eficácia constitutiva) revela-se na atividade criadora, quer seja no modificar, no extinguir ou no constituir, de situação ou relação jurídica diversa da existente no momento anterior a sua prolação.

PONTE DE MIRANDA descreve, ainda, o que chama de “falsas declaratórias”, dando como exemplo a ação declaratória de nulidade de uma relação jurídica que é ação constitutiva negativa. Declara-se a nulidade de um casamento, ou do contrato, desconstituindo-se a relação. Tratando-se de declaração no sentido de direito material, e não processual essas sentenças são processualmente classificadas como de preponderância constitutiva.  DINAMARCO aduz a estas as chamadas “falsas condenações a prestar declaração de vontade” (art. 641 do CPC)  que são falsas declaratórias e falsas condenatórias, tendo natureza “desenganadoramente constitutiva.”

Importante, nesse sentido, a explicitação  de PONTES DE MIRANDA, para quem: “Declara-se a nulidade do casamento, ou do contrato; mas esse ‘declara’ está aí no sentido de direito material, que é o de dizer que já se constituíra, antes, alguma relação jurídica, em oposição à só se constituir, agora.  ‘Declarar’, no sentido do direito processual, é menos e mais do que isso: é não – condenar, não – constituir, não – executar, não – mandar, mas, apenas, enunciar, autoritativamente, que existe, ou que não existe. A própria ação declaratória da falsidade ou autenticidade do documento (que é caso especial) é enunciada de fato (no sentido lógico) sobre a existência ou não-existência de conceito jurídico (autenticidade).  Na sua origem, as actiones prejudiciales bem mostravam que mais serviam ao fundamento de juízo ulterior. A declaratividade principal, isolada, foi criação posterior da técnica.”

Já para CINTRA a sentença constitutiva tem por base o processo constitutivo que é justamente o meio pelo qual a sentença declara primeira a existência das condições legais para constituição e só posteriormente constitui.

Portanto, nessa visão, pode-se concluir que o direito não é criado pela sentença constitutiva; limita-se esta a reconhecer o direito (incidência da fattispecie, suporte fático, tatbestand no caso concreto) e declará-lo, derivando dessa declaração os efeitos constitutivos previstos pelo ordenamento jurídico. Para HELLWIG, e seguidores nacionais, é esta declaração que se torna imutável e indiscutível com a coisa julgada e assim vinculativa para todos os juízes.

O instigante nessa seara é que fica reconhecida a imutabilidade da declaração, elemento comum a todas as sentenças, mas não a da própria constituição! Apesar de a constituição ter efeitos erga omnes esta não é resguardada da mutabilidade. Apresenta a sentença constitutiva, pois, um conteúdo declaratório, que em regra só vale para as partes e que é imutável. Já a modificação jurídica produz-se em face de todos, mas é mutável. É a própria “auctoritas rei iudicata” que denuncia o paralogismo da doutrina de HELLWIG, visto que, a coisa julgada tem finalidade essencialmente prática e destina-se a conferir estabilidade à tutela jurisdicional dispensada e, justamente por isto, deveria se constitutiva a sentença,  preservar precisamente a modificação jurídica operada, e não o mero direito de promovê-la, que foi reconhecido ao autor.

A confusão feita pela doutrina alemã, ao que parece, diz respeito ao fato de que, uma vez alterado, modificado, o direito a obter essa modificação já não tem mais nenhum escopo, sem significação atual, porém no melhor entendimento a imutabilidade da coisa julgada recai sobre a modificação mesma, a eficácia constitutiva, interna ao conteúdo da sentença, e não  sobre a pretensão a esta modificação.

Nas sentenças constitutivas, portanto, sobressai a existência de dois momentos, um intrínseco, modificação enquanto ato, desdobrado em reconhecimento do direito à modificação e na atuação deste mesmo direito, através do dispositivo (as formas verbais homologam, anulo, exonero, etc.);  e outro extrínseco, exterior à sentença, modificação enquanto efeito, “consiste ela na situação nova, consequente ao ato modificativo”.  Por isto mesmo já afirmou, com propriedade, BARBOSA MOREIRA: “Parece escusado insistir em que o efeito (situação nova) não pode estar incluído no conteúdo da sentença. Trata-se de algo que a ela se segue, que dela resulta, e que, portanto, necessariamente, fora dela se situa. O que a sentença contém é o ato de modificar a situação anterior.”

Pode-se concluir, diante do analisado, que a sentença constitutiva se caracteriza por ser aquela que contém, preponderantemente, o ato de modificar a situação anterior, eficácia modificativa, somado, no mínimo, à declaração do direito a esta modificação, eficácia declaratória, mas esta última não se confunde com a primeira, sendo apenas corolário da pluralidade de eficácias possíveis em qualquer sentença de mérito.

Por fim, podem ser classificadas as sentenças constitutivas quanto a sua obrigatoriedade em necessárias e não-necessárias.

Nas necessárias temos o reconhecimento da relevância para o Estado de determinadas situações ou relações jurídicas, importância motivada pela sua indisponibilidade ou pela sua essencialidade para a sadia vida social, portanto, sua modificação, constituição ou extinção só podem ser operadas através da tutela jurisdicional. Como exemplo, temos a ação de anulação do casamento. Frise-se que a reforma do reexame necessário, antigo recurso de ofício, extirpou a necessidade de duplo grau obrigatório nestas ações, indicando que em tempos modernos a anulação do casamento perdeu algo de sua essencialidade para a tutela estatal.

Nos outros casos, constitutivas não-necessárias, é possível a modificação ou o desfazimento da situação ou relação jurídica por acordo entre os seus sujeitos, sem a imposição de demanda judicial. Não sendo possível o acordo cabe à tutela jurisdicional a função de resolver o conflito ocasionado pela pretensão resistida ou contestada. Como exemplo tem a rescisão contratual, a anulação de ato jurídico, etc.

 

2.2 SENTENÇAS CONSTITUTIVAS: EFICÁCIA “EX NUNC” OU “EX TUNC”?

A existência de uma eficácia retroativa (ex tunc) ou de simples eficácia para o futuro (ex nunc) são controversas na doutrina processual civil sobre sentença constitutiva. A importância do tema está relacionada ao momento em que a sentença produzirá efeitos e conseqüências jurídicas. Segundo DINAMARCO os efeitos da sentença constitutiva atingirão a situação existente no momento da sentença, a qual teria eficácia ex nunc, e não ex tunc.

Esta mesma opinião é externada, com algumas alterações, também em CINTRA, para quem os efeitos da sentença são, preferencialmente, para o futuro, ex nunc, sendo excepcional a produção de efeitos para o passado, retroativos, ex tunc. Veja-se a imagem do autor sobre eficácia retroativa no seguinte caso: o art. 158 do Código Civil, retorno ao status quo ante, é um exemplo de dispositivo que provoca a sentença que atinge um momento anterior, porém, não se trata de efeitos retroativos. Neste caso: “a sentença tem efeitos retardados em relação à possibilidade de autotutela imediata”. O efeito retroativo da sentença é o de corrigir o que decorreu deste retardamento, “Para corrigir esse retardamento é que a sentença pode ter efeitos ex tunc.”(sic.) A regra geral, para a doutrina citada,  quanto à sentença constitutiva é de que ela só pode ter efeitos ex nunc, ou seja, só produz efeitos para o futuro; é esse o caso da sentença de anulação do casamento. Apenas excepcionalmente pode ela ter efeitos ex tunc, retroagindo ao momento da propositura da ação, é esse o caso da resolução de contrato por inadimplemento (sic.).  O pensamento da escola paulista se revela voltado prioritariamente para admitir uma eficácia retroativa limitada ao momento da propositura da ação, enquanto que na melhor doutrina entende-se esta eficácia retroativa ao momento da constituição do ato a ser modificado ou desconstituído. Tal raciocínio se dissolve quando comparado ao de PONTES DE MIRANDA, que afirma que a eficácia ex tunc se dá para anular todos os efeitos da situação jurídica desconstituída: “A eficácia da sentença constitutiva é, quase sempre, ex nunc, mas há eficácia ex tunc, como ocorre em se tratando de anulações, ou de decretação de nulidade.”Assim, nas ações anulatórias, “Voltam os créditos cedidos; voltam à eficácia as dívidas remitidas; as quantias pagas são restituídas. E tudo se passa como se não tivesse havido cessão de crédito, remissão de dívida, ou pagamento.”

No mesmo sentido, aduz CARLOS ALBERTO ALVARO DE OLIVEIRA, acompanhado de vasta doutrina, argumenta que: “O problema da eficácia material está, assim, ligado inexoravelmente ao direito substancial e, por isso mesmo, atribui-se à sentença constitutiva ora eficácia ex-nunc, ora ex-tunc conforme a situação jurídico-material correspondente: v.g., Chiovenda, Principi di Diritto Processuale, Napoli, Jovene, 1928, 4ª ed., p. 185 ss.; Cristofolini, Efficacia della sentenza nel tempo, Rivista di Diritto Processuale Civile, 1935, I, p. 293 ss.; Goldschmidt, Derecho Procesal Civil, Barcelona, Labor, 1938, p. 112; Zanzuchi, Diritto Processuale Civile, Milano, Giuffrè, 1964, 6ª ed., 1, nº 26, p. 151; Tomás Pará Filho, Estudo sobre a Sentença Constitutiva, São Paulo, Lael, 1973, p. 138-140.” E segue, “Ora, a eficácia extintiva da sentença constitutiva negativa, quanto aos negócios jurídicos bilaterais, exige que sejam apagadas as conseqüências jurídicas produzidas anteriormente à sentença. De outro modo, esta seria inutiler  data. Por isso mesmo, a regra contida no art. 158 do Código Civil determina o efeito ex-tunc, com a volta das partes ao estado em que antes do ato se achavam.”

Conclui-se, portanto, que apesar da predominância da eficácia ex nunc, é possível em alguns casos específicos a eficácia ex tunc, sendo esta retroativa ao momento anterior ao ato a ser desconstituído ou modificado. Ou seja, “hoje se sabe que nenhum fundamento tem a opinião dos que só admitiam a constitutividade ex nunc.”

 

2.3 SENTENÇAS CONSTITUTIVAS NEGATIVAS E POSITIVAS: CONCEITO E ESPÉCIES

As sentenças constitutivas podem ser: constitutivas positivas, conforme modifiquem positivamente a realidade jurídica posta, somando uma situação existente a uma nova situação; ou, ainda, podem ser constitutivas negativas, conforme extingam anulem- ou alterem uma relação jurídica.

Assim, para PONTES DE MIRANDA, “ou se constitui positivamente, isto é, com (cum) o que se decide se põe plus, que diferencia o momento posterior; ou se constitui negativamente, isto é, se retira, com o ato, o que lá estava; ou se altera o que lá está, como se tem de alterar.”

A sentença que decreta a separação judicial tem efeito constitutivo negativo, ou seja, faz a restituição das partes ao momento anterior ao casamento. A sentença que rescinde ou anula um contrato qualquer também tem o efeito constitutivo negativo.

Por outro lado, a sentenças homologatórias de decisão estrangeira, a sentença em ação de especialização de hipoteca legal, e, ainda, a sentença constitutiva da servidão de passagem (art. 695, C.C.),  têm eficácia constitutiva positiva.

 

2.4. OS DIREITOS POTESTATIVOS OU FORMATIVOS SÃO OS ÚNICOS DIREITOS APTOS A FUNDAMENTAR AS SENTENÇAS CONSTITUTIVAS?

A questão remete à própria criação da categoria ou classificação das sentenças constitutivas. Quando HELLWIG desenvolveu sua teoria sobre as sentenças constitutivas o fez com base em uma categoria de direitos ainda incertos, mas que se suspeitava fosse além da summa divisio romana. A própria evolução do Direito fazia antever que não bastavam as dimensões clássicas da divisão entre direitos pessoais e reais, eram os chamados direitos formativos ou potestativos que começavam a ser identificados no quadro dos direitos. Assim, originou-se, lentamente, uma teoria para os chamados direitos formativa (Alemanha) ou potestativos (Itália, na conhecida construção de CHIOVENDA).

A situação de direito material, neste sentido, assume relevante importância, conforme pode ser observado nas palavras de DINAMARCO: “A tutela jurisdicional constitutiva, como é natural, pressupõe requisitos que não se confundem com as demais e conduz a seus próprios resultados”, este requisito é a afirmação de um direito material potestativo.  O direito à modificação é um direito de natureza jurídico-material. Para FERRI “una situazione giuridica soggetiva strumentalmente diretta alla produzione di un certo effetto modificativo di rapporti sostanziale”. 

O objeto do processo constitutivo, nesse sentido é a própria pretensão deduzida em juízo à busca de satisfação, ou seja, a pretensão a uma sentença que crie, extinga ou modifique determinado status, relação jurídica, direito ou obrigação.

Novamente expõe-se a posição sustentada por DINAMARCO: “Da sua vida em relação com outras pessoas, o demandante traz ao juiz e exibe-lhe no processo uma situação que lhe cause desagrado e que ele pretende seja modificada.”.  Tratam-se, geralmente, de situações de direito material, mesmo que raramente apareçam situações de direto processual, como, por exemplo, a ação rescisória.

Também TESHEINER reconhece em HELLWIG o mérito da construção jurídica da sentença constitutiva e a sua conexão aos direitos formativos ou potestativos.  Retira TESHEINER tal interpretação da obra clássica de ALFREDO ROCCO, “La Sentenza Civile”.

Neste sentido, contudo, a defesa do nexo entre direito potestativo e sentença constitutiva, na doutrina nacional, incide em uma dificuldade lógica que se apresenta em forma de duplo equívoco.

O primeiro consiste em creditar na vinculação do direito potestativo à ação constitutiva, o que seria retornar ao problema da teoria das ações, pois, se o direito material está vinculando ao exercício do direito processual, tem-se a ação imanentista, ou na melhor das hipóteses, como concreta. Lembre-se que esta questão não é de menor importância e impediu que o próprio ALFREDO ROCCO, por tantos citado, aceitasse a categoria das ações constitutivas, porque fere a lógica abstrata da ação.

ALFREDO ROCCO percebeu a sentença constitutiva, individuando as maneiras com que a modificação podia advir para HELLWIG: 1) mediante uma declaração unilateral e extrajudicial de vontade do titular do direito; 2) mediante uma sentença em ação proposta pelo titular do direito; 3) mediante uma declaração de vontade do adversário, a qual o titular do direito pode solicitar, mediante sentença. Ora, em todos os casos, havia uma necessária vinculação aos “direitos do poder jurídico”, e, como já foi dito, ALFREDO ROCCO era um defensor da ação como direito abstrato, por isso concluiu que as particularidades das assim chamadas sentenças constitutivas dizem respeito ao objeto e não à função da sentença. E foi mais além: disse que não passavam, em sua maioria, de sentenças onde ocorria uma dupla declaração, a declaração do direito à constituição e a declaração da modificação jurídica daí decorrente.

Sobre este aspecto pode-se ainda citar WAGNER PACHECO, o qual argüiu: “não obstante  a vinculação   histórica  da ação  constitutiva a  teoria dos direitos potestativos, nascendo do  conceito  deste o conceito daquela, a doutrina vem demonstrando que é  mais importante ao tema a observação da legitimidade desse tipo de ação  na  formação,   modificação ou extinção   de  situações  ou  relações  jurídicas  do que propriamente a subjacência,   ou não,  dos chamados direitos potestativos. Estes,  conquanto gozem de extremo  prestígio   na doutrina alemã,  constituem  categoria  altamente polêmica  e a  doutrina mais penetrante tem conseguido reduzi-los a  meros poderes jurídicos  ou  a faculdades incluíveis noutros direitos subjetivos”,  e segue, “Dessa forma modernamente a  ação  constitutiva é observada sob o ângulo   puramente  processual, sem se levar em linha de conta eventual  subjacência de qualquer direito material, e se inserindo, assim,  no hodierno conceito  de ação como direito autônomo e abstrato.”

Também pela aguda percepção de ALFREDO ROCCO vem revelado o segundo engano da doutrina que defende a sentença constitutiva, apoiada em um direito potestativo preexistente como pressuposto da ação. ROCCO era defensor da idéia do “juízo lógico”, ou seja, o juiz não pode intervir na prolação da sentença com um ato de vontade, este é reservado ao legislador, por isso via na sentença constitutiva mera declaração. Ora, pretendendo-se a sentença vinculada a um direito preexistente, a atividade do juiz é de simples “accertamento”, “Feststellung”, declaração da existência daquele direito. Como já ficou claro acima não se trata de dupla declaração, mas de eficácia própria, com características específicas. Portanto, engana-se ROCCO ao afirmar a não existência da sentença constitutiva porque esta não se vincula aos chamados direitos potestativos e, sim, a formação, extinção ou modificação dos direitos, que é atividade criadora do juiz.

A categoria dos direitos potestativos ou formativos é desta forma desnecessária e insuficiente para afirmar o conteúdo das sentenças constitutivas, existirão sentenças constitutivas, bem como eficácias, independentemente da afirmação de direitos potestativos no processo. A eficácia constitutiva é uma eficácia processual que por certo pode decorrer da afirmação, sempre in status assertionis, de um direito material de natureza potestativa ou formativa, como também poderá ocorrer hipóteses em que desses direitos não se trate.

Nesta altura, cabe uma reflexão de PONTES DE MIRANDA que deve ser transcrita com o objetivo de esclarecer onde pecam os intérpretes, práticos do direito, com uma visão extremada do direito como somente a norma material:

“Já frisamos que os juristas-civilistas, restritos, acertadamente, aos conceitos do direito civil (material), somente vêem os resultados da sentença, que diga ser ‘nulo’ o casamento, ex tunc, e têm o casamento ‘como se’ nunca tivesse existido. O trágico, para eles, é quando, atendendo à sentença injusta, são sujeitos a raciocinar com ela, que – segundo tal suposição de nunca ter sido (nulidade=inexistência) – morde a realidade jurídica. O jurista do direito material é um homem que ingenuamente crê em que as sentenças serão, todas, justas, em que a aplicação corresponde sempre, com a sua extensão, à incidência. Mas essa ingenuidade ele a herda do legislador do direito material – essa ingenuidade não a tem o legislador do direito processual, que legisla já ciente da discórdia e da imperfeição humanas. A velha antinomia do abstrato e do concreto, da irracionalidade irredutível, do contínuo e do descontínuo, da lei e da vida.”

Aqui se entende justamente pela observância necessária dessa lição: a “antinomia do abstrato e do concreto”; para afirmar a possibilidade de sentenças e eficácias processuais constitutivas, independentemente da situação de direito material afirmada.

 

2.5 OCORREM EXECUÇÃO NAS SENTENÇAS CONSTITUTIVAS?

A boa doutrina põe em destaque a auto-suficiência da sentença constitutiva, que vem chamada de caráter executivo, ou ainda, de execução não forçada. Qualquer que seja a denominação adotada é reconhecida a faculdade particular das sentenças constitutivas de transformarem o mundo jurídico, produzindo, desde o trânsito em julgado, o resultado prático pretendido pelo demandante.

Por esta ótica nas sentenças constitutivas não há necessidade de um processo ulterior ou da boa vontade do demandado reconhecida na prestação espontânea. Conforme DINAMARCO, “o resultado do processo constitutivo corresponde, mutatis mutandis, ao resultado somado dos processos condenatório e executivo.” A restituição da coisa nos casos de desfazimento de negócio jurídico, que se dá ao vencedor independentemente de processo ulterior, é exemplo afinado com essa executividade das sentenças constitutivas, na qual, se por certo existe  eficácia mandamental, ordem do juiz, esta não é a preponderante.

 

3. A CONSTÂNCIA DA ATIVIDADE CONSTITUTIVA NAS SENTENÇAS DE MÉRITO E A CRIAÇÃO DA NORMA PARA O CASO CONCRETO

Far-se-á neste tópico apenas algumas resenhas sobre a constância da eficácia constitutiva na sentença,  que se entende possível, sob determinada ótica, em todas as sentenças de mérito. Neste sentido vale citar a expressão de três renomados autores.

 

3.1  FAZZALARI

No pensamento do autor italiano ELIO FAZZALARI, responsável por uma nova feição ao conceito de natureza jurídica do processo – visto como procedimento em contraditório -, tem-se, como sentença de mérito, aquela que: “Irroga verdadeira medida jurisdicional, com conteúdo típico ‘condenação’, ‘declaração’ ou ‘constituição’ e desenvolve, portanto, eficácia na esfera substancial, id est no patrimônio das partes”. Insiste FAZZALARI que a sentença “declaratória”, “condenatória” ou “constitutiva”, no senso da incidência na esfera substancial do litigante atua criando uma nova situação jurídica, e é, portanto, sempre constitutiva; reafirmando, ainda e dentro desta mesma lógica, o caráter de “vontade”, imperatividade do comando judicial.

 

3.2 PONTES DE MIRANDA

Para PONTES DE MIRANDA, “Todas as sentenças declarativas constituem porque, com a sentença, se têm a eficácia de coisa julgada material e algo novo. Todas as sentenças condenatórias constituem, porque há o título de condenação, que se firma na eficácia de coisa julgada e, em geral, algo novo, que se liga à dívida. Todas as sentenças mandamentais constituem, porque a decisão do próprio mandado foi elemento que fez o momento b ser diferente do momento a. Todas as sentenças executivas constituem, porque a execução supõe alteração, no tempo.”,  , portanto, “em toda a sentença há, pelo menos, a constitutividade que resulta de ter sido proferida.”

 

3.3 KELSEN:

Para KELSEN, “Uma decisão judicial não tem, como por vezes se supõe, um simples caráter declaratório. O juiz não tem simplesmente de descobrir e declarar um direito já de antemão firme e acabado, cuja produção já foi concluída. A função do tribunal não é simples ‘descoberta’ do Direito ou juris-‘dição’ (‘declaração’ do Direito) neste sentido declaratório. A descoberta do Direito consiste apenas na determinação da norma geral a aplicar ao caso concreto. E mesmo esta determinação não tem um caráter simplesmente declarativo, mas um caráter constitutivo.” Para que não se enganem os incautos cultores da simples aplicação da lei ao estilo subsuntivista, KELSEN pretendia que na atividade jurisdicional: “A interpretação feita pelo órgão aplicador do Direito é sempre autêntica. Ela cria Direito.”

Infere-se, portanto que é comum às sentenças, quer sejam constitutivas, quer condenatórias, mandamentais, declaratórias ou executivas lato sensu, a peculiaridade de, por se tratarem de ato de vontade, criar a norma jurídica no caso concreto. Esta criação é atividade constitutiva. Dessarte, na sentença  o ato que constitui  (criando, modificando ou extinguindo o direito) é preponderantemente criação jurídica e não mera declaração de um direito anteriormente verificado.

 

CONCLUSÕES:

A sentença constitutiva se caracteriza por ser aquela que contém, preponderantemente, o ato de modificar a situação ou relação jurídica anterior, eficácia modificativa. Esta modificação lato sensu pode ocorrer, criando, alterando ou extinguindo uma situação ou relação jurídica.  Os efeitos da modificação ocorrem fora da sentença, como conseqüência desta eficácia e são externos a ela.

As sentenças constitutivas, em geral, apresentam eficácia para o futuro (ex nunc), ou seja, criam, modificam ou extinguem o direito a partir da sentença; porém, existem sentenças constitutivas com eficácia produtora de efeitos pretéritos, v.g., a eficácia constitutiva negativa das sentenças quanto aos negócios jurídicos bilaterais. Nesses casos em que a eficácia se dá ex tunc, são apagadas e retornam ao estado anterior as conseqüências jurídicas anteriores à sentença, ou seja, da data do ato a ser anulado ou alterado.

Portanto, apesar de não existir um nexo causal entre o direito material e a eficácia constitutiva, existe um nexo de instrumentalidade e adequação para a efetividade; assim, a eficácia será ex tunc, nos casos em que a situação jurídico-material afirmada exigir uma prestação jurisdicional nesse sentido.

As sentenças constitutivas podem ser positivas ou negativas, conforme somem algo novo ao momento anterior ou simplesmente alterem a situação extinguindo-a ou modificando-a.

O estágio atual da evolução da ciência processual não permite aceitar que a sentença constitutiva seja vinculada à chamada classe dos direitos potestativos ou formativos. Isso ocorre porque a ação é autônoma e abstrata, não depende de direito preexistente. A esta afirmação soma-se o fato de que o direito é criado na sentença, que é atividade de ‘vontade’, exercício de poder, e não mero raciocínio lógico formal, sendo o direito material apenas tomado in status assertionis quando do ajuizamento da ação.

A sentença constitutiva traz uma satisfação completa da pretensão do autor, sendo comum falar-se em uma “executividade” inerente ao processo constitutivo, um efeito próprio de sua constitutividade.

Objetivando o processo judicial em uma perspectiva criadora em todas as sentenças de mérito existe, no mínimo, a constituição decorrente da criação do direito para o caso concreto.

Eram estas as observações que se pretendia fazer para o estudo das sentenças constitutivas e da eficácia constitutiva constante nas sentenças de mérito. Justificando-se o caráter tautológico das conclusões, pelo fato de que o seu objetivo era uniformizar o que havia sido debatido.

 

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