DURAÇÃO RAZOÁVEL DO PROCESSO EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA E O NOVO CPC
Paulo Caliendo
SUMÁRIO: Introdução. 1 Do Direito Fundamental a um Processo Tempestivo e Efetivo. 2 Do Direito Fundamental a uma Duração Razoável do Processo. 3 Direito Estrangeiro e Internacional. 4 Natureza do Direito Fundamental à Duração Razoável do Processo. 5 Características. 6 O Direito à Razoável Duração do Processo em Matéria Tributária. 7 Do Direito à Razoável Duração do Processo e o Novo CPC. Considerações Finais. Bibliografia.
Introdução
O presente trabalho encontra os seus fundamentos na necessária efetivação dos direitos fundamentais do contribuinte em Estado Democrático de Direito. O tema da razoável duração do processo tributário vincula-se à noção de que o direito tributário deve pretender alcançar uma justiça fiscal material. O ponto central tratado no presente artigo será, portanto, a necessária efetivação do direito fundamental a um processo tempestivo e efetivo. Como decorrência desse questionamento encontraremos as seguintes questões a serem trabalhadas: i) qual o sentido e o alcance do direito fundamental em processo razoável em matéria tributária e ii) como este princípio se concilia com outros princípios e direitos fundamentais no novo CPC.
1 Do Direito Fundamental a um Processo Tempestivo e Efetivo
O texto constitucional determina a efetivação dos direitos fundamentais como uma tarefa constitucional primordial. Já passamos pelo período de afirmação e mesmo de positivação dos direitos. Estes se encontram espalhados por diversos textos normativos, contudo, o que realmente falta é a sua concretização material e a sua efetividade. Muitos textos parecem cartas semânticas, que afirmam direitos, como uma descarga de consciência, e na prática o desrespeito é cotidiano. Este desafio tem sido enfrentado pela criação de novos instrumentos processuais e jurisdicionais de proteção e promoção dos direitos fundamentais.
Podemos citar como exemplos:
a) Instrumentos processuais: criação de novas ações e instrumentos processuais, tais como: ação popular (defesa da cidadania); mandado de injunção (efetividade de direitos individuais); ação civil pública (defesa de direitos difusos); mandado de segurança (proteção de direitos líquidos e certos violados por autoridade coatora); mandado de segurança coletivo; ação declaratória de inconstitucionalidade; arguição de descumprimento de preceito fundamental; entre tantos outros, somente para citar a experiência brasileira;
b) Acesso à justiça: diversas experiências nacionais tentaram expandir a possibilidade de efetivação de direitos fundamentais individuais e sociais a uma massa de cidadãos sem direitos reais. Podemos citar como exemplo, na experiência nacional: os Juizados Especiais Cíveis; os Juizados Especiais Criminais; os Juizados Federais; o Sistema de Proteção do Consumidor, dos Interesses Difusos e tantos outros; e
c) Cortes Internacionais de Direitos Humanos: as experiências nacionais de garantia de acesso à justiça e efetivação de direitos proclamados em textos nacionais foi repetida em nível internacional pela criação de diversas Cortes Internacionais de Proteção dos Direitos Humanos. São exemplos: Corte Europeia de Direitos Humanos e Corte Interamericana de Direitos Humanos.
Os direitos de participação na organização e no procedimento (Die grundrechtlichen Rechte auf Organisation und Verfahren) têm sido reconhecidos como formas de efetivar e concretizar os direitos fundamentais, visto que o acesso a um devido processo (due process) é uma das formas de viabilizar a concreta realização dos direitos. Muitas vezes o cidadão tem o direito garantido pela ordem jurídica, mas não possui meio de realizar a sua implementação ou esta é obstaculizada pela ausência de mecanismos de organização ou procedimentais de efetivação.
O direito fundamental a um processo devido (devido processo legal) ou due process of law tem sido consagrado na doutrina desde o seu reconhecimento na Magna Carta de 1215 e utilizado na legislação inglesa de 1254. A afirmação de um processo sumário terá um impulso extraordinário com a célebre Bula do Papa Clemente V “Clementina Saepe contingit” (1306). Esta seria aplicada tanto no processo canônico quanto no processo civil.
Este direito fundamental coexiste ao lado de outros direitos fundamentais também significativos, tais como: devido processo legal em sentido material (substantive due process), direito fundamental à efetividade ou da maior coincidência possível, à igualdade, à participação no contraditório, à amplitude da defesa, da cooperação, da publicidade e da instrumentalidade.
2 Do Direito Fundamental a uma Duração Razoável do Processo
A ideia de que o processo deva transcorrer sem demoras indevidas ou injustificáveis pode ser encontrada na Convenção Interamericana de Direitos Humanos, o Pacto de San José da Costa Rica, que em seu art. 8º, inciso I, prevê que:
“Art. 8º Garantias Judiciais.
Toda pessoa tem o direito a ser ouvida com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido com antecedência pela lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou na determinação de seus direitos e obrigações de ordem civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outro caráter.”
O Brasil é Estado Parte desta Convenção Internacional, que entrou em vigor em 18 de julho de 1978, por meio da carta de adesão depositada em 25 de setembro de 1992. Em 9 de novembro de 1992 este diploma foi promulgado e publicado no Brasil, passando a produzir plenos efeitos em território nacional.
Este diploma ingressou no ordenamento nacional sob a abertura material expressa pelo art. 5º, § 2º, da CF/88, que determinava a incorporação de novos direitos não previstos no texto constitucional. Restava, ainda, a dúvida, contudo, sob a hierarquia deste preceito, se constitucional ou infraconstitucional. Tal situação foi resolvida pela Emenda Constitucional nº 45/04, que determinou a inclusão do inciso LXXVIII, no art. 5º, que dispõe que: “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação“.
Este princípio vem a somar-se e a reforçar diversos outros dispositivos sobre uma tutela jurisdicional efetiva, já previstos nos arts. 5º, LIV (devido processo legal), XXXIV, a (direito de petição), XXXV (direito de acesso à jurisdição), 37, caput (princípio da eficiência), e 70 (princípio da economicidade).
O direito a um processo em prazo razoável, em nosso entender, contudo, não se trata de um direito novo, pois já estava previsto nos dispositivos anteriores e poderia claramente ser extraído do direito ao devido processo. Ele aparece, contudo, com sentido renovado e reforçado por sua previsão explícita e direta no texto constitucional. Ele reforça e esclarece o sentido e o alcance do disposto no art. 5º, inciso LV, da CF/88, que determinava que: “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes“.
As Cortes superiores já vinham, inclusive, aplicando a exigência deste direito com base nos princípios da eficiência, da razoabilidade e da proporcionalidade, como se pode notar nas primeiras decisões do STJ sobre o tema (MS 9.420/DF e REsp 531.349/RS).
3 Direito Estrangeiro e Internacional
Este princípio pode igualmente ser encontrado em outros textos normativos, tais como Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, de 4 de novembro de 1950, que previu expressamente o direito à uma prestação da tutela jurisdicional em tempo razoável, em seu art. 6º, I.
A partir deste fundamento legal os cidadãos europeus passaram a contar com o recurso à Corte Europeia de Direitos Humanos para salvaguardar seus direitos e reclamar a justa indenização pelo descumprimento de seu direito fundamental. Alguns países como a Itália foram forçados a incluir em seus ordenamentos nacionais regras sobre a possibilidade de se requerer indenização perante Cortes italianas nos casos de demora indevida no processo judicial.
A jurisprudência da Corte não estabeleceu um prazo geral fixo para o término das demandas judiciais, visto que este elemento difere de processo para processo, sendo que, em um caso, um prazo de cinco anos pode ser adequado; em outro, um prazo de dois anos é indevido. O prazo adequado deve ser entendido tomando-se em consideração os outros princípios previstos à realização da tutela efetiva: contraditório, ampla defesa, liberdade de provas, convencimento judicial, entre outros.
Desse modo, a jurisprudência da Corte Europeia de Direitos Humanos passou a considerar os seguintes critérios: a) complexidade do caso; b) o comportamento das partes; c) o contexto em que se desenvolveu; d) a atuação das autoridades judiciais e e) a relevância do litígio para os demandantes [1].
Cabe ressaltar que qualquer uma das partes possui um direito autônomo a uma duração razoável do processo, podendo em qualquer fase processual reclamar uma indenização pelo dano provocado, independentemente do direito material pleiteado ou contestado no processo.
Cabe ressaltar que depois de reiteradas decisões contrárias à tradicional morosidade judicial italiana, o país foi obrigado a submeter-se às normas europeias e a inscrever no texto constitucional o seguinte dispositivo:
“Art. 111. La giurisdizione si attua mediante il giusto processo regolato dalla legge Ogni processo si svolge nel contraddittorio tra le part, in condizione di paritá, davanti a giudice terzo e imparziale. La legge ne assicura la ragionevole durata.”
4 Natureza do Direito Fundamental à Duração Razoável do Processo
A razoável duração do processo não se constitui como uma mera vedação de violação de prazos processuais, assim, o mero incumprimento de prazos não constitui diretamente uma violação do direito fundamental à razoável duração do processo, visto que a sua razoabilidade deve ser buscada na especificidade do caso concreto e estar em relação direta com a situação que gerou a dilação processual.
O direito fundamental à razoável duração do processo não significa automaticamente um direito a um processo dotado de prazos fixos. A defesa de prazos fixos para determinados atos processuais e para determinados sistemas processuais (penal e tributário) decorre da própria natureza da proteção de determinados direitos que não podem estar sujeitos ao arbítrio do poder em estender os prazos indefinidamente a seu exclusivo critério. Em determinados casos a defesa de prazos fixos representa a consagração do direito à segurança jurídica, ao princípio da legalidade e ao respeito ao Estado de Direito. A escolha do conteúdo da “razoabilidade” recairia sob a autoridade do julgador que decidiria o tempo do processo. Assim, se ao julgador não foi permitida a escolha dos tipos puníveis, da pena a ser aplicada, também não seria permitido fixar o prazo máximo de um processo.
Em outros casos, contudo, a duração razoável do processo deve ser delimitada em função do tipo de conflito envolvido entre as partes, permitindo que a complexidade do processo permita um direito fundamental a uma decisão em prazo justo.
Igualmente, não há tão somente um direito a um processo com uma duração máxima razoável, mas igualmente um direito para que as fases processuais sejam de duração razoável, gerando um direito público subjetivo ao jurisdicionado para ter a resposta da jurisdição.
Assim, podemos afirmar que este direito fundamental à duração razoável do processo é derivado dos valores da justiça e da segurança jurídica, do princípio do Estado Democrático de Direito e atua como forma de efetivação da noção do devido processo (due process). Seu sentido é superior ao mero cumprimento de prazos, da fixação de prazos fixos ou da exigência de um processo com duração máxima razoável, constituindo-se em princípio norteador da noção do processo como meio de efetivação dos direitos fundamentais.
Trata-se de um princípio que visa à realização do direito fundamental a uma prestação jurisdicional efetiva, ou seja, materialmente eficaz e não meramente formal de entrega de um resultado jurisdicional. Seu objetivo é a realização direito material pretendido.
5 Características
São características deste princípio: natureza de direito público subjetivo, autonomia e de natureza prestacional.
O direito fundamental à razoável duração do processo é um direito subjetivo público, visto que enuncia um dever jurídico do Estado em promover um determinado estado de coisas (jurisdição em prazo razoável). É um direito público subjetivo, dado que pode ser exigido do Estado, a quem é obrigado a prestar a jurisdição em prazo razoável.
Este direito dirige-se imediatamente ao Judiciário, mas também a todos os poderes do Estado, visto que o texto constitucional consagra o devido processo também aos processos administrativos (art. 5º, inciso LXXVIII).
Trata-se de um direito autônomo porque não depende do direito à tutela jurisdicional, nem do próprio direito material[2]. Assim, mesmo que ocorra a entrega do resultado da atuação jurisdicional ou o seu prosseguimento, isto não significa que tenha sido extinto o direito à reparação pela violação provocada pela ofensa ao direito fundamental.
Considera-se como sendo um direito prestacional porque se exige do Estado que implemente uma conduta para uma atuação positiva de prestar a jurisdição razoável, pela adoção de todos os meios necessários.
São titulares os jurisdicionados, entendendo-se estes pelas pessoas de direito privado, físicas ou jurídicas, não excluindo-se os órgãos da Administração Pública. Nada impede em verificar que o Estado ou seus órgãos possam pleitear este direito, tal como na situação do Ministério Público na defesa de direitos difusos, sociais ou coletivos. Igualmente, não seria de todo descabido em verificar uma situação em que um ente federado (p. ex.: Município) não pudesse solicitar o amparo deste direito em processo que movesse contra outro ente federado (p. ex.: União) [3].
Pode alcançar ainda as fundações (conjunto patrimonial com finalidade), os entes despersonalizados, tais como as sociedades de fato, o espólio, a massa falida, o condomínio, o consórcio e tantos outros entes sem personalidade civil, mas que ganham legitimidade processual para atuarem em juízo.
Os obrigados são todos aqueles que podem influenciar na duração do processo, assim principalmente esse comando estará dirigido ao Judiciário. De igual sorte este comando será dirigido àqueles que conseguem influenciar a duração do procedimento, tal como o Executivo e o Legislativo.
Na ausência de critérios claros no direito nacional para a definição da razoável duração do processo, nos socorremos das lições da Corte Europeia de Direitos Humanos, que determina três fases [4]:
1º Primeiro se analisa a efetiva duração do processo, fixando o período a ser considerado;
2º Considera os critérios objetivos para a aferição da razoabilidade do prazo; e
3º Pronuncia-se sobre a violação do direito e sobre o pedido formulado.
A doutrina irá, após determinar a duração do processo, verificar se este foi razoável, tomando-se em consideração critérios preceptivos e facultativos. Os critérios preceptivos se dirigem à complexidade da causa, à conduta dos litigantes e à atuação da autoridade judicial. Por sua vez, são critérios facultativos o contexto e a importância do litígio para as partes.
A complexidade da causa se relaciona com a ideia de a complexidade poder ser uma justificação legítima para um determinado atraso processual, mas que nem todo atraso pode ser justificado com base neste critério. Deve-se levar em consideração a complexidade dos fatos, do direito e do processo.
A conduta dos litigantes refere-se ao dever das partes de cooperarem e agirem de boa-fé para o transcurso normal do processo, de tal modo que as partes possam usar de todos os meios legítimos para a defesa de seus direitos, sem que ocorram abusos ou dilações indevidas. Assim, a reiteração de adiamentos de audiências, bem como o uso de subterfúgios processuais impede a realização de uma tutela efetiva, cabendo ao magistrado a atuação e direção do processo [5].
Os atrasos do Estado, por sua vez, podem ser designados de dilações organizativas e funcionais. As primeiras são estruturais e se referem à falta de estrutura do Poder Judiciário, enquanto que as segundas decorrem da direção ineficiente do processo por parte do juiz.
O critério da importância do litígio para os demandantes tem gerado uma escala geral de prioridade de processos perante a CEDH, conforme o conteúdo do direito protegido, da seguinte forma: i) processos penais; ii) processos sobre estado e capacidade das pessoas; iii) processos trabalhistas e da seguridade social; e iv) tipos residuais. Apesar desta listagem, a importância do litígio deve ser considerada in concreto para os demandantes.
O contexto em que surge e se desenrola o processo possui um valor secundário, mas nem por isso desnecessário. Trata-se de um fator relevante, que deve levar em consideração a diferenciação entre fatores conjunturais e estruturais para os atrasos.
6 O Direito à Razoável Duração do Processo em Matéria Tributária
O direito à razoável duração do processo em matéria tributária se impõe ainda com mais rigor em virtude do fato de que este é um dos campos com maior número de demandas perante as Cortes superiores e com maior prazo de duração entre os processo julgados por estas Cortes.
Outro desafio está na superação do paradigma do processo tributário como sendo “o Estado juiz de sua causa própria“, assim nos dizeres de James Marins [6]:
“a aplicação do Direito Fiscal ou Tributário sempre esteve umbilicalmente atada à ideia de interesse inalienável do Estado, premissa arrastada ao extremo e consistente em se subtrair – velada ou explicitamente – o controle dos atos arrecadatórios da esfera do Poder Judiciário.
O Estado cria braços administrativos dedicados a concentrar toda a atividade tributária arrecadatória, avocando para si a solução de todas as lides fiscais. Paradoxalmente, tais órgãos administrativos, de modo sistemático, afastam de si a responsabilidade na realização da justiça tributária ao tempo que afastam e cerceiam o Poder Judiciário.”
A superação deste dilema somente pode ocorrer com a determinação do real objetivo do processo em matéria tributária, qual seja a busca da justiça fiscal, ou seja, da justa repartição dos encargos fiscais em um Estado de Direito Democrático em que seja alcançada a tutela efetiva dos direitos, com respeito aos direitos fundamentais do contribuintes. Este entendimento somente pode ser compreendido na medida em que o direito tributário é considerado a forma de realização ou financiamento dos direitos fundamentais e, portanto, não podemos pretender realizar os direitos fundamentais violando tantos outros. Trata-se de uma nova abordagem para o problema da justificação dos meios pelos fins. Não é porque precisamos financiar os direitos fundamentais sociais a qualquer custo que os direitos fundamentais individuais devem ser sacrificados.
A aplicação do princípio da tutela efetiva em matéria tributária aparece de modo claro na jurisprudência europeia, como se pode notar na seguinte decisão da Corte de Justiça das Comunidades Europeias:
“Acórdão do Tribunal (Primeira Secção), de 17 de junho de 2004.
Recheio – Cash & Carry SA contra Fazenda Pública/Registo Nacional de Pessoas Colectivas, e Ministério Público.
Pedido de decisão prejudicial: Tribunal Tributário de Primeira Instância de Lisboa – Portugal.
Repetição do indevido. Prazo de 90 dias para propositura da acção. Princípio da efectividade. Processo C-30/02. Colectânea da Jurisprudência 2004, página I-06051.
Direito comunitário. Efeito directo. Impostos nacionais incompatíveis com o direito comunitário. Restituição. Modalidades. Aplicação do direito nacional. Condições. Respeito dos princípios da equivalência e da efectividade. Prazo de caducidade de 90 dias. Admissibilidade.
Sumário
Na falta de regulamentação comunitária em matéria de restituição de imposições nacionais indevidamente cobradas, compete à ordem jurídica interna de cada Estado-membro designar os órgãos jurisdicionais competentes e regular as modalidades processuais das acções judiciais destinadas a garantir a salvaguarda dos direitos que decorrem para os cidadãos do direito comunitário, desde que, por um lado, essas modalidades não sejam menos favoráveis do que as das acções análogas de natureza interna (princípio da equivalência) e, por outro, não tornem praticamente impossível ou excessivamente difícil o exercício dos direitos conferidos pela ordem jurídica comunitária (princípio da efectividade).
No que se refere ao princípio da efectividade, é compatível com o direito comunitário a fixação de prazos razoáveis de recurso, sob pena de caducidade, no interesse da segurança jurídica que protege simultaneamente o contribuinte e a administração interessada. A este respeito, um prazo nacional de caducidade de 90 dias, que corre a contar do termo do prazo de pagamento voluntário do imposto, afigura-se razoável na medida em que constitui um período de tempo suficientemente longo para permitir ao contribuinte tomar, com todo o conhecimento de causa, a decisão de interpor um recurso de impugnação e para reunir para o efeito todos os elementos de facto e de direito necessários.
Daqui resulta que o princípio da efectividade do direito comunitário não se opõe à fixação de um prazo de caducidade de 90 dias para apresentação do pedido de reembolso de um imposto cobrado em violação do direito comunitário, contados a partir do termo do prazo de pagamento voluntário do referido imposto.”
Igualmente, encontramos este princípio protegido no direito europeu por meio da alteração legislativa na Lei Geral Tributária de Portugal, quando trata da tutela efetiva em matéria tributária. Assim:
“Lei Geral Tributária
DL nº 398/98, de 17 de dezembro
Art. 97º
Celeridade da justiça tributária
1 – O direito de impugnar ou de recorrer contenciosamente implica o direito de obter, em prazo razoável, uma decisão que aprecie, com força de caso julgado, a pretensão regularmente deduzida em juízo e a possibilidade da sua execução.
2 – A todo o direito de impugnar corresponde o meio processual mais adequado de o fazer valer em juízo.
3 – Ordenar-se-á a correcção do processo quando o meio usado não for o adequado segundo a lei.”
7 Do Direito à Razoável Duração do Processo e o Novo CPC
O novo CPC consagrou o dever do juiz em zelar pela razoável duração do processo em seu art. 139, ao determinar que:
“Art. 139. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe:
(…)
II – velar pela duração razoável do processo;”
Trata-se de um princípio que deve orientar todo o processo judicial, sob pena de ofensa ao próprio texto constitucional. O novo CPC não produz uma radical alteração da proteção do jurisdicionado, contudo, algumas inovações devem ser saudadas.
Dentre elas podemos citar a possibilidade da tutela de evidência. Esta prescinde da demonstração de fundado prejuízo e caracterizado o abuso de direito de defesa ou manifesto propósito protelatório da parte. Assim determina:
“Art. 311. A tutela da evidência será concedida, independentemente da demonstração de perigo de dano ou de risco ao resultado útil do processo, quando:
I – ficar caracterizado o abuso do direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório da parte;
II – as alegações de fato puderem ser comprovadas apenas documentalmente e houver tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante;
III – se tratar de pedido reipersecutório fundado em prova documental adequada do contrato de depósito, caso em que será decretada a ordem de entrega do objeto custodiado, sob cominação de multa;
IV – a petição inicial for instruída com prova documental suficiente dos fatos constitutivos do direito do autor, a que o réu não oponha prova capaz de gerar dúvida razoável.“
Foi estabelecida igualmente a improcedência liminar do pedido, dispensando a fase instrutória nos casos em que o pedido contrariar decisão de súmula do STJ ou STF ou tenha sido julgado no regime de recursos repetitivos. Assim:
“Art. 332. Nas causas que dispensem a fase instrutória, o juiz, independentemente da citação do réu, julgará liminarmente improcedente o pedido que contrariar:
I – enunciado de súmula do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça;
II – acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos;
III – entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência;
IV – enunciado de súmula de tribunal de justiça sobre direito local.”
Se estabeleceu igualmente que os advogados públicos e privados devem restituir os autos no prazo determinado, sob pena de perda do direito à vista fora de cartório e multa correspondente à metade do salário mínimo. Este dispositivo se dirige igualmente ao Ministério Público, da Defensoria Pública ou da Advocacia Pública e cremos igualmente à Procuradoria da Fazenda Nacional, Procuradores do Estado e do Município. Determina o dispositivo que:
“Art. 234. Os advogados públicos ou privados, o defensor público e o membro do Ministério Público devem restituir os autos no prazo do ato a ser praticado.
§1º É lícito a qualquer interessado exigir os autos do advogado que exceder prazo legal.
§2º Se, intimado, o advogado não devolver os autos no prazo de 3 (três) dias, perderá o direito à vista fora de cartório e incorrerá em multa correspondente à metade do salário-mínimo.
§3º Verificada a falta, o juiz comunicará o fato à seção local da Ordem dos Advogados do Brasil para procedimento disciplinar e imposição de multa.
§4º Se a situação envolver membro do Ministério Público, da Defensoria Pública ou da Advocacia Pública, a multa, se for o caso, será aplicada ao agente público responsável pelo ato.
§5º Verificada a falta, o juiz comunicará o fato ao órgão competente responsável pela instauração de procedimento disciplinar contra o membro que atuou no feito.”
Veja-se que estes são apenas alguns do dispositivos que merecem análise e remetem para o importante problema de garantia da eficácia do direito fundamental a um processo tempestivo e efetivo.
Considerações Finais
A tutela do direito fundamental a um processo com prazo razoável assume uma dimensão renovada no Direito Constitucional brasileiro, impondo a todos os domínios e especialmente ao Direito Tributário a exigência de um efetivo processo jurisdicional que materialmente proteja o interesse das partes. De outro lado, trata-se de um direito fundamental autônomo gerador de responsabilidade para o Estado, pelo dano provocado pela demora injustificada na prestação jurisdicional.
No caso dos direitos do contribuinte este fenômeno se agiganta pela impressionante demora na solução material dos direitos dos contribuintes pelo uso abusivo de demora no pagamento dos precatórios, que dissolve todo o direito concedido judicialmente e fortalece a impunidade estatal no seu constante abuso contra os contribuintes.
De outro lado, a modernização dos instrumentos processuais em favor da Fazenda Pública não se faz sentir com um necessário e justo equilíbrio com mecanismos de celeridade, razoabilidade e efetividade de proteção do direito fundamenta dos contribuintes a uma jurisdição efetiva.
O novo CPC avançou ao estabelecer alguns mecanismos importantes na garantia de um processo tempestivo e efetivo. Sua inovações podem não ser definitivas, mas são importantes na busca da celeridade processual.
Bibliografia
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JOBIM, Marco Félix. A tempestividade do processo no projeto de lei no novo Código de Processo Civil brasileiro e a comissão de juristas nomeada para sua elaboração: quem ficou de fora?. Revista Jurídica (Porto Alegre, 1953), v. 405, p. 61-76, 2011.
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MACEDO, Elaine Harzheim; JOBIM, Marco Félix. Ações coletivas x ações individuais: uma questão de efetividade e tempestividade processual conforme a Constituição. Revista da Ajuris, v. 112, p. 69-85, 2008.
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NICOLITT, André Luiz. Duração razoável do processo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006.
THEODORO Jr., Humberto. Celeridade e efetividade da prestação jurisdicional. Insuficiência da reforma das leis processuais. Revista de Processo, ano 30, n. 125, São Paulo: RT, jul. 2005.
TUCCI, José Rogério Cruz e. Garantia do processo sem dilações indevidas. In: TUCCI, José Rogério Cruz e. Garantias constitucionais do processo civil – homenagem aos 10 anos da Constituição Federal de 1988. São Paulo: RT, 1999.
[1] Cf. NICOLITT, André Luiz. Duração razoável do processo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 76.
[2] Cf. NICOLITT, André Luiz. Duração razoável do processo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 37.
[3] Cf. NICOLITT, André Luiz. Duração razoável do processo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 62.
[4]Cf. NICOLITT, André Luiz. Duração razoável do processo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 75.
[5] Cf. NICOLITT, André Luiz. Duração razoável do processo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 84.
[6] Cf. MARINS, James. Direito processual tributário brasileiro (administrativo e judicial). São Paulo: Dialética, 2002. p. 16.