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DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO E “TEORIA DA CAUSA MADURA” NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO E “TEORIA DA CAUSA MADURA” NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

Thiago Ferreira Siqueira

SUMÁRIO: 1 Introdução. 2 Duplo Grau de Jurisdição: Configuração, Controvérsias e Influências sobre alguns Aspectos Técnicos do Recurso de Apelação; 2.1 Duplo Grau de Jurisdição: Especificamente, quanto ao Papel que Ocupa na Ordem Constitucional. 3 O § 3º do Art. 515 do Código de Processo Civil de 1973. 4 A “Teoria da Causa Madura” no Novo Código de Processo Civil; 4.1 Requisitos para a Incidência do Dispositivo: Causa em Condições de Imediato Julgamento; 4.1.1 Ainda os Requisitos para a Incidência do Dispositivo: Necessidade de Pedido?; 4.2 Hipóteses de Aplicação do Dispositivo; 4.2.1 Inciso I – “Reformar Sentença Fundada no Art. 485“; 4.2.2 Incisos II e III – “Decretar a Nulidade da Sentença por Não Ser ela Congruente com os Limites do Pedido ou da Causa de Pedir” e “Constatar a Omissão no Exame de um dos Pedidos, Hipótese em que Poderá Julgá-lo“; 4.2.3 Inciso IV – “Decretar a Nulidade de Sentença por Falta de Fundamentação“; 4.2.4 Reforma de Sentença Fundada em Prescrição ou em Decadência: Aplicação da “Teoria da Causa Madura“?. 5 Conclusão. 6 Bibliografia.

            

1 Introdução          

Inserido pela Lei nº 10.352/01, o § 3º do art. 515 do Código de Processo Civil hoje vigente (CPC/73) permite que, ao reformar sentença terminativa, o Tribunal, em vez de remeter os autos ao juízo a quo, passe, desde logo, a julgar o mérito da causa. Trata-se da técnica de julgamento que ficou consagrada, sobretudo na jurisprudência, pela alcunha de “teoria da causa madura“.

Analisando o dispositivo a ele equivalente no Novo Código de Processo Civil (NCPC) – art. 1.013, § 3º -, o que se verifica é que foram consideravelmente ampliadas as hipóteses em que a técnica pode ser aplicada se comparado ao CPC/73, ao menos em sua literalidade. Percebe-se, por outro lado, que o legislador não solucionou algumas das questões que, atualmente, causam polêmica na doutrina e na jurisprudência.

Diante disso, visa o presente estudo analisar a aplicação daquela técnica no julgamento dos recursos de apelação no Novo CPC, no intuito de verificar não somente a real medida da inovação se comparado ao que temos na vigência do CPC/73, mas, também, a maneira como, no novo sistema processual, devem ser resolvidas aquelas controvérsias. Para tanto, será de fundamental importância inserir a possibilidade de julgamento imediato do mérito no juízo ad quem no contexto do princípio do duplo grau de jurisdição, e de sua feição no direito brasileiro.

                                    

2 Duplo Grau de Jurisdição: Configuração, Controvérsias e Influências sobre alguns Aspectos Técnicos do Recurso de Apelação    

Conforme ensina a doutrina, os ordenamentos jurídicos de um modo geral têm se preocupado em assegurar, nas leis destinadas à distribuição da justiça, não apenas o direito ao julgamento das pretensões apresentadas ao Poder Judiciário, mas a possibilidade de submeter os pleitos a alguma espécie de reexame. Consagram-se, assim, os chamados meios de impugnação às decisões judiciais, dentre os quais se destacam os recursos [1].

Fala-se, ainda, como decorrência do fato de que este reexame é geralmente confiado a órgão superior àquele que prolatou a decisão, na existência do princípio do duplo grau de jurisdição, como denominador comum dos ordenamentos jurídicos do mundo civilizado [2].

As razões para tanto – apontam os autores – são várias, indo desde o natural inconformismo da personalidade humana frente às decisões que lhe são desfavoráveis, passando pela possibilidade de correção de eventuais erros nos julgamentos [3] e pela necessidade de submeter a atuação do magistrado a alguma espécie de controle de poder [4].

Se a existência do princípio parece não suscitar maiores controvérsias, divergem os autores em relação a vários de seus aspectos, a começar pelo significado a ser dado à noção de graus de jurisdição. Trata-se de saber: para que se possa falar em duplo grau, há necessidade de que o novo exame seja feito por órgão de hierarquia superior? Ou basta que se assegure um segundo julgamento, sem importar quem o faça?

Há, então, aqueles que advogam que verdadeiro duplo grau só há quando o novo julgamento seja feito por órgão situado em hierarquia superior na estrutura da organização judiciária [5]. Em posição diametralmente oposta, encontram-se aqueles que defendem bastar que haja um novo julgamento, não importando por quem seja este realizado [6].

Aqui, na tentativa de garantir a utilidade da noção, tendo em vista especialmente os valores que se busca proteger, a razão parece estar com aqueles que propõem solução intermediária: para que se possa falar em duplo grau de jurisdição, é necessário que o meritum causae possa ser analisado sucessivamente por órgãos judiciários distintos, mas não necessariamente situados em diferentes graus hierárquicos [7].

É que a devolução da matéria a órgão situado no mesmo grau de hierarquia, desde que diferente, é perfeitamente capaz de atingir as finalidades a serem desempenhadas pelos recursos acima expostas. Ao que nos parece, por exemplo, o fato de o recurso inominado previsto no art. 41 da Lei nº 9.099/95 ser dirigido ao “próprio Juizado” não lhe retira a aptidão de atingir aqueles fins. Por outro lado, não pensamos, ao contrário de alguns autores [8], ser suficiente garantir apenas o recurso, se o julgamento deste for confiado ao mesmo órgão que prolatou a decisão.

Discute-se, ainda, a amplitude cognitiva que precisa ter o julgamento realizado no órgão ad quem quando comparado ao ocorrido em primeiro grau: o que poderá ser julgado em grau de recurso? Com base em quais fundamentos?

Trata-se, como ensina Barbosa Moreira [9], de questão que não comporta solução apriorística, devendo ser solucionada à luz das opções políticas estampadas no direito vigente em cada ordenamento jurídico.

Confrontam-se, em verdade, dois sistemas bem distintos entre si: o sistema de revisão (revisio prioris istantiae), no qual o julgador do recurso encontra-se limitado cognitivamente ao que foi (ou poderia ter sido) apreciado pelo juiz de piso, e o sistema de novo julgamento, no qual o órgão ad quem tem liberdade para ir além das questões de fato – ou mesmo das pretensões – apreciadas no juízo a quo (iudicium novum) [10].

Em relação ao direito brasileiro, conquanto já tenha sido adotada a solução oposta[11], a opção que se extrai tanto do CPC/73 quanto do Novo CPC é por consagrar o julgamento do recurso como uma revisão daquele realizado em primeiro grau, não podendo ultrapassar as fronteiras da cognição que poderia ser ali exercida.

Na verdade, trata-se de colocar o órgão ad quem nas exatas mesmas condições de julgamento em que se encontrava o juízo a quo ao prolatar o julgamento. A revisão, portanto, como esclarece Barbosa Moreira, faz-se por meio do rejulgamento da causa [12].

Insistamos um pouco: o importante não é garantir que, no julgamento do recurso, sejam enfrentadas todas as questões efetivamente apreciadas pelo julgador de piso. Tampouco fica o órgão ad quem adstrito aos pontos de fato e de direito expressamente decididos no julgado impugnado [13], mas, sim, às pretensões por ele analisadas.

Como dito, contenta-se o sistema processual civil brasileiro atual com a outorga, ao julgador do recurso, das mesmas possibilidades cognitivas de que dispunha o juiz primevo, possibilitando assim que, reapreciada a causa, se faça uma revisão daquele julgamento.

Sendo tal papel desempenhado em nosso ordenamento de forma preponderante pelo recurso de apelação[14], parece intuitivo que a opção do sistema reflita em alguns de seus aspectos técnicos, especialmente sobre seu efeito devolutivo. Trata-se, como é cediço, do efeito típico dos recursos, por meio do qual a matéria impugnada é levada à reapreciação do Poder Judiciário.

Comporta o efeito – conforme lição divulgada por Barbosa Moreira[15] – uma dupla análise: trata-se de determinar o que na decisão impugnada poderá ser objeto de anulação ou reforma, e com quais fundamentos poderá fazê-lo o órgão ad quem. Tem-se, respectivamente, os aspectos horizontal e vertical do efeito devolutivo; ou, ainda, sua extensão e profundidade.

No que diz respeito à extensão do efeito devolutivo da apelação, a regra definida pelo caput do art. 1.013 do NCPC, repetindo a que constava do art. 515 do CPC/73, é no sentido de que apenas a parcela efetivamente impugnada da decisão submete-se à análise do órgão de segundo grau. Trata-se, como ensina Flávio Cheim Jorge, de repercussão do princípio dispositivo no campo dos recursos[16], expressa na máxima tantum devolutum quantum apelatum.

Ao que aqui nos interessa, importa perceber que tal regra limita o julgador do recurso àquelas pretensões sobre as quais se manifestou o órgão a quo, impedindo que aquele aprecie pedidos não julgados por este. Afinal, se apenas a matéria impugnada será devolvida ao conhecimento do Tribunal, e se o que não foi julgado não pode ser impugnado, apenas o que foi apreciado – e atacado – será objeto de rejulgamento.

Quanto à profundidade do efeito devolutivo, a regra expressa nos §§ 1º e 2º do mesmo art. 1.013 – assim como nos §§ 1º e 2º do art. 515 do CPC/73 – é no sentido de que o órgão ad quem tem à sua disposição, para julgar o recurso, todo o material cognitivo de que dispunha o prolator da sentença, o que inclui não apenas as questões por ele efetivamente apreciadas, mas as que poderia apreciar.

É, então, do confronto dessas duas regras que se extrai a configuração do princípio do duplo grau de jurisdição no direito processual civil brasileiro: de um lado, limita o julgador do recurso de apelação às pretensões efetivamente apreciadas pelo prolator da sentença; de outro, outorga as mesmas possibilidades cognitivas de que dispunha este ao julgar a causa.

Por fim, nosso sistema de revisio priori sistantiae é completado – e, diríamos, mitigado – pela regra constante do art. 1.014 do NCPC, idêntica à que existia no art. 517 do CPC/73: apenas por motivo de força maior poderá a parte suscitar questões de fato não levadas a conhecimento do juízo de primeiro grau [17].

2.1 Duplo Grau de Jurisdição: Especificamente, quanto ao Papel que Ocupa na Ordem Constitucional       

Questão ainda mais interessante é estabelecer se e em que medida está o duplo grau de jurisdição protegido em nossa ordem constitucional.

Longe de constituir mero debate estéril, tal questionamento mostra-se imprescindível para que se possa responder a três indagações: a) seria inconstitucional uma lei que suprimisse o duplo grau de jurisdição de toda e qualquer causa?; b) igualmente, uma lei que suprimisse o duplo grau de jurisdição de algumas causas específicas?; e c) igualmente, uma lei que suprimisse o duplo grau de jurisdição em certas situações específicas que podem surgir no curso do processo?

Aqui, a maior parte da doutrina[18][19] posiciona-se no sentido de não estar, o mencionado princípio, garantido ilimitadamente pela Constituição Federal, pelo simples fato de que é a própria quem exclui o duplo grau em certas hipóteses [20]. Ademais, ele não encontra previsão expressa em um dispositivo sequer do texto maior [21].

Ainda assim, porém, reconhece-se de forma praticamente uníssona que o duplo grau de jurisdição é um princípio constitucional, que, mesmo não garantido de forma ilimitada, aponta diretriz a ser seguida pelo legislador e mesmo pelo juiz [22].  Como observa Bruno Silveira, tal entendimento decorre geralmente de três ordens de ideia: “a) do contraditório e da ampla defesa; b) das hipóteses de cabimento de alguns recursos, previstas diretamente na Constituição; e, por fim, c) da estrutura do Poder Judiciário[23].

Com base, então, nas lições prevalecentes na doutrina, que nos parecem corretas, podemos responder às três indagações logo acima colocadas.

Quanto à primeira delas, não nos parece possível suprimir o duplo grau de jurisdição de toda e qualquer causa, justamente por se tratar de diretriz que pode ser extraída da Constituição Federal. Afinal – lembra Moniz de Aragão – “que papel desempenhariam os diversos tribunais (…) se eliminado o direito de a eles recorrer?”[24].

Diga-se, inclusive, que mesmo Bruno Silveira, autor que entende que o duplo grau de jurisdição sequer pode ser considerado princípio constitucional, afirma que “a supressão imaginada afetaria diretamente o equilíbrio entre os princípios constitucionais da celeridade processual (art. 5º, LXVIII, da CF/88) e do amplo acesso à justiça (art. 5º, XXXV, da CF/88)“, no que, ferindo o devido processo legal, contrariaria a Carta da República [25].

Passando ao segundo dos questionamentos, também hão de ser consideradas inconstitucionais eventuais leis que suprimam por completo o duplo grau de jurisdição de causas específicas, impedindo que seja interposto recurso para órgão jurisdicional distinto contra as decisões finais nelas proferidas.

No particular, a criação de bolsões de irrecorribilidade [26] seria inconstitucional por violar sobretudo o princípio da isonomia, na medida em que retiraria de certos jurisdicionados direito que aos demais é assegurado[27]. E isso, sem ter como objetivo privilegiar qualquer outro valor que se mostre digno de proteção em virtude de alguma situação concreta ocorrida no trâmite processual, na medida em que a supressão seria feita de antemão.

Por isso mesmo é que reputamos ser inconstitucional [28] o art. 34 da Lei nº 6.830/80, que exclui do âmbito do recurso de apelação as sentenças proferidas em execuções fiscais de valor igual ou inferior a 50 ORTNs. Contra essas, apenas seriam cabíveis os embargos infringentes ali previstos, que, de acordo com o § 2º do mesmo artigo, são destinados ao próprio juízo prolator da decisão.

Outra, por fim, é a resposta a ser dada à última das questões propostas: por não estar ilimitadamente garantido na Constituição, o duplo grau pode ser eliminado de forma pontual, como forma de dar rendimento a outros princípios que se mostrem mais relevantes em situações específicas ocorridas ao longo da marcha processual.

À diferença do que se dá com a situação tratada anteriormente, não há aqui qualquer ofensa à isonomia, vez que a supressão não seria feita a priori – em relação a esta ou aquela espécie de demanda -, mas apenas quando verificada certa situação concreta que justifique a inimpugnabilidade. Situação esta a que pode estar sujeito qualquer litigante.

Estamos, aqui, no contexto das exigências conflitantes que se manifestam no direito processual: de um lado, a necessidade de pacificação social, a demandar a solução mais expedita possível para a causa; de outro, o imperativo de que essa solução seja feita de forma ponderada e conforme os ditames do direito objetivo [29].

Exatamente por isso é que se pode pensar em situações em que a supressão do duplo grau de jurisdição representaria um ganho grande na busca pela pronta pacificação do litígio, sem sacrificar além do razoável a necessária ponderação no trato da causa.

Distinta – repitamos – é a supressão pura e simples do duplo grau de jurisdição de demandas de certos tipos (das execuções fiscais de valor igual ou inferior a 50 ORTNs, por exemplo), que se traduz em intolerável abdicação da busca pela melhor solução possível ao caso. Sacrifício este não motivado por qualquer situação concreta e ao qual não estão sujeitos outros jurisdicionados.

3 O § 3º do Art. 515 do Código de Processo Civil de 1973          

Não surpreende, nesta toada, que praticamente não se tenham levantado vozes a questionar a constitucionalidade [30][31]do § 3º acrescentado pela Lei nº 10.352/01 ao art. 515 do CPC/73, que determina que, “nos casos de extinção do processo sem julgamento do mérito (art. 267), o Tribunal pode julgar desde logo a lide, se a causa versar questão exclusivamente de direito e estiver em condições de imediato julgamento“.

Expliquemos: no sistema até então vigente – do revisio prioris instantiae – era defeso, por expressa dicção do caput do art. 515, ao órgão ad quem enfrentar pretensões até então não apreciadas pelo juízo primevo.

Por isso mesmo, prolatada sentença terminativa (art. 267), era vedado, conforme expunha a doutrina [32], que o julgador do recurso, afastando o óbice, incursionasse no meritum causae. Deveria, nestes casos, limitar-se a determinar a baixa dos autos para que só então fosse proferida, em primeiro grau, a decisão de mérito. Argumentava-se, ainda, com base na redação então vigente do art. 463 [33].

Cuidando da questão de forma propositalmente analítica, explica Cândido Dinamarco que toda e qualquer demanda veicula uma dupla pretensão, de natureza bifronte: busca-se não apenas o provimento jurisdicional capaz de dar acesso ao bem da vida em disputa, mas, antes disso, a realização do próprio julgamento do mérito. Ensina o mestre, então, que a sentença terminativa apenas analisa a pretensão ao julgamento do mérito, que, justamente por não ser acolhida, impede qualquer pronunciamento sobre o mesmo [34].

Por isso mesmo é que se pode dizer que a Lei nº 10.352/01, ao acrescer o § 3º ao art. 515 do CPC/73, alterou verdadeiramente a estrutura do sistema recursal brasileiro [35], que, se até então enquadrava-se na ideia de revisio priori istantiae, passou a admitir, na hipótese nele descrita, a existência de um ius novorum.

E isso porque, por meio do dispositivo, permite-se ao Tribunal, afastando o motivo pelo qual proferida sentença terminativa, ingressar diretamente na apreciação do mérito da causa, desde que, é claro, comporte este julgamento imediato pela desnecessidade de ulterior instrução. Por tal razão, consagrou-se na doutrina e jurisprudência a expressão “teoria da causa madura” para tratar da inovação.

Como dito, a alteração, pelas razões expostas no item precedente, não provocou maiores discussões no que tange à sua constitucionalidade, vez que, em nome de princípios outros [36], apenas abrandou-se o rigor com que a lei processual tratava o duplo grau de jurisdição.

Afirmemos, contudo, às claras, que o § 3º efetivamente prevê hipótese de supressão de instância e do duplo grau [37]: na medida em que, incidindo o dispositivo, as questões relativas ao meritum causae apenas serão analisadas no órgão ad quem, restará ao vencido lançar mão apenas dos recursos excepcionais, de admissibilidade e devolutividade restritas. Também, segundo abalizada doutrina, não haveria que se falar na interposição de embargos infringentes, vez que, no caso, não teria existido sentença de mérito a ser reformada, requisito colocado pelo art. 530 do CPC/73 [38].

A importância de tal colocação está em que, representando o § 3º do art. 515 verdadeira atenuação ao princípio do duplo grau de jurisdição, sua aplicação deve ser feita sempre de forma cuidadosa, no intuito de não reduzir a recorribilidade para além dos limites do tolerável.

Outra consideração que merece ser feita é a de que a aplicação do dispositivo pode ensejar verdadeira reformatio in pejus: interposta apelação pelo autor contra sentença terminativa, o julgamento do mérito pelo Tribunal, afastada a carência, pode resultar na improcedência da pretensão inicial. E esta, ao contrário daquela, enseja a formação da coisa julgada, impedindo a repropositura da mesma demanda [39][40].

Mais uma vez, porém, não há que se falar em qualquer mácula ao sistema processual, na medida em que o princípio da proibição da reformatio in pejus não encontra, como ensina Barbosa Moreira [41], previsão expressa na legislação. É certo que, ainda nas lições do autor, trata-se de postulado inferível do caput do art. 515 do CPC/73. Ocorre que, na medida em que a disposição do § 3º representa exceção ao que está ali previsto – e às regras tradicionais quanto ao efeito devolutivo -, excepcionada está a proibição da reforma para pior.

Argumenta Dinamarco que, não havendo análise do mérito em primeiro grau, não haveria parâmetro de comparação para o julgamento realizado no Tribunal, razão pela qual não poderia se falar em reformatio in pejus [42]. Não impressiona, porém, a colocação: a verdade é que a improcedência, sob o ponto de vista prático – e, afinal, é isso o que importa para a aferição da reformatio in pejus [43] -, é situação mais desvantajosa ao autor que a extinção terminativa do feito.

4 A “Teoria da Causa Madura” no Novo Código de Processo Civil     

Se por um lado, como visto, a constitucionalidade ou mesmo a conveniência na alteração não ensejou maiores polêmicas, certo é que a interpretação do dispositivo tem gerado diversas controvérsias, seja na doutrina ou na jurisprudência. Passaremos, agora, a analisar as disposições relativas à matéria no Novo Código de Processo Civil, no intuito de verificar se foram resolvidas as questões em relação às quais havia vacilação.

Vejamos, antes de tudo, a redação dada ao art. 1.013, § 3º, do Novo CPC:

Art. 1.013. A apelação devolverá ao tribunal o conhecimento da matéria impugnada

(…)     

  • 3º Se o processo estiver em condições de imediato julgamento, o tribunal deve decidir desde logo o mérito quando:

I – reformar sentença fundada no art. 485;

II – decretar a nulidade da sentença por não ser ela congruente com os limites do pedido ou da causa de pedir; 

III – constatar a omissão no exame de um dos pedidos, hipótese em que poderá julgá-lo;       

IV – decretar a nulidade de sentença por falta de fundamentação.”

4.1 Requisitos para a Incidência do Dispositivo: Causa em Condições de Imediato Julgamento            

A primeira alteração que salta aos olhos é a supressão da exigência de “a causa versar questão exclusivamente de direito” constante do Código hoje ainda vigente. Assim é que, se a literalidade do § 3º do art. 515 do CPC/73 sugeria a necessidade de preenchimento de dois requisitos cumulativos para a incidência do dispositivo, a redação inteligentemente proposta optou claramente por tornar necessário apenas um deles, bastando que a causa esteja “em condições de imediato julgamento“.

Longe de constituir grande novidade, o fato é que parcela expressiva da doutrina já se posicionava, desde a promulgação da Lei nº 10.352/01, no sentido de que os requisitos devessem ser interpretados de modo abrangente, bastando a presença de uma daquelas situações para ensejar a aplicação do dispositivo. Era corrente, inclusive, a alusão ao art. 330 do CPC/73, o que viabilizaria o exame do meritum causae desde que não houvesse mais a necessidade de instrução probatória, ainda que, em algum momento, tenha sido esta necessária pela presença de questões de fato [44].

Autorizadas vozes, contudo, defendiam a posição oposta: tendo havido controvérsia fática, mesmo que superada pela instrução probatória já realizada, não haveria espaço para incidência da nova regra [45]. Prestigiar-se-ia, assim, o duplo grau nos casos em que houvesse prova para ser analisada, ainda que esgotada a instrução.

A jurisprudência amplamente majoritária, todavia, já encampava a orientação de que bastaria não ser mais necessária a prática de ulteriores atos de instrução, podendo ser aplicado o dispositivo em casos em que o Tribunal precisasse analisar o acervo probatório já existente nos autos [46]. Ao que parece, o entendimento, no âmbito do STJ, foi pacificado em julgamento de embargos de divergência pela Corte Especial no ano de 2013 [47].

Indisfarçável, destarte, a intenção do Novo CPC em, tomando partido na discussão, pôr fim a qualquer dúvida antes existente, o que por si só já deve ser visto com bons olhos. Parece, ademais, que a solução proposta é a que melhor se coaduna com os escopos da norma, ligada que está, de forma insofismável, à ideia de aceleração dos julgamentos, mesmo que com o abandono do duplo grau de jurisdição.

A restrição, acrescente-se, reduziria a quase nada o campo de incidência da norma, visto ser dificílima a ocorrência de processo em que não surja qualquer questão de fato para ser dirimida. Isto é, demanda em que os fatos apontados pelo autor acabem por ficar incontroversos, da mesma forma que eventuais exceções substanciais deduzidas pelo réu [48]. Nesses casos, é claro, deve-se proceder imediatamente ao julgamento do mérito, vez que, não havendo fatos controvertidos, cabe o órgão julgador tão somente extrair as consequências jurídicas dos acontecimentos narrados no processo.

Porém, não havia a nosso ver razão plausível para limitar a tais hipóteses a inovação, o que acabaria por impedir a aplicação do dispositivo nos casos em que teria maior utilidade [49].

Se é essa a conclusão que melhor se coaduna com o Código hoje vigente, o Novo CPC não deixará espaço para dissenções: estando a causa “em condições de imediato julgamento“, deve o Tribunal julgá-la desde logo nas hipóteses ali descritas.

Significa o requisito, antes de tudo, que não haja mais necessidade de produção de qualquer elemento de prova além daqueles porventura existentes nos autos. Seja porque nunca houve controvérsia fática, seja porque as questões de fato acaso existentes já foram elucidadas, o critério fundamental é a desnecessidade de ulterior atividade instrutória.

Além disso, é de se ponderar que apenas comporta julgamento imediato a demanda que preencha todos os requisitos exigidos pelo sistema processual. Referimo-nos aos pressupostos processuais e às condições da ação, sem os quais é inviável qualquer decisão de mérito.

Por fim, importante deixar claro que, via de regra [50], apenas quando integralizado o contraditório, tendo sido dada oportunidade às partes para debater as questões de mérito e para ao menos requerer as provas que entendem necessárias, pode-se considerar o feito em condições de imediato julgamento [51].

                                   

4.1.1 Ainda os Requisitos para a Incidência do Dispositivo: Necessidade de Pedido?    

Questão que ainda hoje suscita certa controvérsia, e em relação à qual se manteve silente o Novo CPC, diz respeito à necessidade de que haja pedido da parte recorrente para que seja aplicada a “teoria da causa madura“. Conquanto se verifique certa tendência doutrinária de prestigiar a resposta negativa [52][53], o fato é que há autores que defendem opinião contrária, exigindo que o apelante requeira expressamente a aplicação do § 3º do art. 515 do CPC/73 [54].

Mais uma vez, não há qualquer razão para adoção de concepção restritiva que, além de não se extrair da literalidade do texto legal, vai contra a intenção que motivou a criação da norma.

Há que se considerar que o dispositivo prevê verdadeira regra de julgamento, outorgando possibilidade de análise do mérito até então inexistente no sistema processual. Dessa forma, não cabe às partes determinar ou não sua aplicação, simplesmente porque não lhes cabe determinar quando há de ser julgado o meritum causae. Como parece intuitivo, tal atribuição pertence única e exclusivamente ao juiz, destinatário que é da prova e dos elementos de cognição.

É claro que as partes devem ter a mais ampla possibilidade de exercer influência na convicção do magistrado, demonstrando as razões pelas quais o julgamento do mérito deve ser postergado ou adiantado. A rigor, é exatamente o que fazem perante o juiz de primeiro grau ao pleitear a produção de uma prova ou, contrariamente, requerer o julgamento antecipado da lide.

Tal análise, todavia, cabe única e exclusivamente ao juiz, que ponderará os argumentos das partes para então decidir.

Na defesa da tese da necessidade de requerimento, respeitável parcela da doutrina [55] afirma que o atual § 3º, inserido que está no art. 515 do CPC, deve ser interpretado conforme o seu caput, que, ao fixar a extensão do efeito devolutivo da apelação, reflete os ditames do princípio dispositivo (tantum devolutum quantum apelatum). A mesma ideia valeria, portanto, para o § 3º do art. 1.013 do NCPC.

O fato, contudo, é que a “teoria da causa madura” por si só já representa verdadeira exceção ao caput dos arts. 515 do CPC/73 e 1.013 do NCPC, na medida em que, como esclarecemos, leva ao conhecimento do órgão ad quem matéria estranha ao julgamento de primeiro grau e, portanto, estranha aos limites da impugnação do recorrente.

Argumenta-se, ainda, com base no princípio da proibição da reformatio in pejus, que seria violado pelo Tribunal caso este, aplicando o dispositivo sem requerimento do autor apelante, reformasse sentença terminativa para julgar improcedente suas pretensões [56].

Não subsiste, porém, o argumento, vez que, como fizemos questão de explicitar, a reforma para pior é possibilidade inerente à aplicação da “teoria da causa madura“, seja ela feita a partir ou não de pedido da parte recorrente. Isto é: interposta apelação pelo autor contra sentença que extinguiu o feito sem resolução do mérito, a incidência do dispositivo, ainda que com expresso requerimento de sua parte, pode levar a acórdão que julgue improcedente a demanda, em clara reformatio in pejus.

Aduz, por fim, Ricardo de Carvalho Aprigliano, que o apelante teria a legítima possibilidade de optar que o meritum causae passe por um duplo exame, cabendo-lhe, por isso mesmo, escolher pela incidência ou não do dispositivo segundo melhor lhe convir [57].

É de se considerar, todavia, que não apenas à parte recorrente pode interessar a observância do duplo grau de jurisdição, sendo perfeitamente possível que o apelado manifeste-se em suas contrarrazões pela não aplicação do § 3º em ocasião em que o apelante assim o requerer. Nesses casos, então, como deve proceder o Tribunal? Se, em obediência ao princípio da isonomia, não pode prevalecer pura e simplesmente a vontade de uma das partes sobre a outra, qual dos interesses deve ser privilegiado?

Descartada a necessidade de anuência do outro litigante para a incidência do dispositivo – já que não se trata de exigência ali contida -, restaria ao juiz, diante do imbróglio, decidir. E, para tanto, qual critério utilizará? Ora, parece-nos que o único parâmetro que pode ser levado em conta, sem violação à paridade de armas, é aferir se a causa comporta ou não julgamento imediato. Desconsidera-se, assim, a vontade das partes.

Por tudo isso é que pensamos ser desnecessária a existência de pedido da parte recorrente para que o Tribunal proceda ao julgamento imediato do mérito em situações em que a causa esteja pronta para tanto.

Se é verdade que a prestação da tutela jurisdicional só se faz possível àqueles que a requerem, não menos certo é que cabe apenas e tão somente ao órgão julgador, destinatário que é das provas, determinar o momento em que deve fazê-lo. Lembre-se, ademais, que a solução do litígio, uma vez submetido à apreciação jurisdicional, não é de interesse exclusivo das partes, mas, antes disso, atende ao interesse público de ver restabelecida a paz social e a inteireza do ordenamento jurídico.

Tal conclusão, a nosso ver a melhor para o CPC/73, reforça-se no Novo CPC, na medida em que o § 3º do art. 1.013 substitui a expressão “pode julgar desde logo a lide” por “deve decidir desde logo o mérito“, dando a ideia de que, presentes os requisitos nele estabelecidos – dentre os quais não se encontra o requerimento do apelante -, não restaria ao Tribunal outra alternativa além de proferir decisão quanto ao meritum causae.

4.2 Hipóteses de Aplicação do Dispositivo  

Na sequência, quando passamos a observar as situações que, em concreto, permitirão a incidência da chamada “teoria da causa madura“, o aspecto que mais chama atenção na disciplina do Novo Código é a sua acentuada ampliação. Assim é que, se no diploma hoje vigente a literalidade do § 3º do art. 515 dá a entender que sua incidência apenas seria possível “nos casos de extinção do processo sem julgamento do mérito (art. 267)“, o projeto elenca diversas possibilidades, em nada menos que quatro incisos.

Passemos, então, a analisar mais detidamente cada uma daquelas hipóteses, na tentativa de verificar se, de fato, constituem verdadeira novidade em relação ao que hoje está previsto no Código de Processo Civil e ao que vem decidindo nossos tribunais.

4.2.1 Inciso I – “Reformar Sentença Fundada no Art. 485”          

Temos, aqui, a repetição da regra prevista no Código hoje vigente, dado que o art. 485 do Novo CPC elenca as hipóteses de sentenças terminativas, previstas no art. 267 do CPC/73.

De modo geral, é cabível a aplicação do preceito qualquer que seja o motivo que levou à extinção sem resolução do mérito, desde que, evidentemente, o Tribunal, no julgamento da apelação, afaste o óbice então identificado pelo juízo a quo.

Merece maior atenção, todavia, a hipótese descrita no inciso I do art. 485: na medida em que o indeferimento da inicial se dá, por óbvio, antes da citação e, portanto, ainda sem a integralização do contraditório, não se pode conceber, em regra, que o processo esteja em “condições de imediato julgamento[58].

Ainda assim, todavia, é de se lembrar da existência de situações em que o próprio sistema processual permite a prolação de decisão de mérito anteriormente à citação do réu. No Código hoje em vigor, tratam-se das hipóteses em que “o juiz verificar, desde logo, a decadência ou a prescrição” (CPC/73, art. 295, IV, c/c o art. 269, IV), e da chamada improcedência liminar do pedido (CPC/73, art. 285-A).

No Novo CPC, as hipóteses se veem sensivelmente ampliadas no art. 332, de cuja leitura se percebe, inclusive, que se trata não apenas de aumento dos casos de improcedência prima facie, mas de verdadeira mudança de perspectiva: enquanto o art. 285-A do CPC/73 valoriza o entendimento reiteradamente aplicado no próprio juízo de primeiro grau (“no juízo já houver sido proferida sentença de total improcedência em outros casos idênticos“), o art. 332 do NCPC, em consonância com a ideologia consagrada no Código, privilegia os precedentes oriundos dos Tribunais.

Falávamos, então, da possibilidade da aplicação da “teoria da causa madura” quando, indeferida a petição inicial, o Tribunal tenha por bem dar provimento à apelação, afastando a causa de extinção prematura. Perguntamos: caso verifique estar presente alguma das hipóteses previstas no art. 332, poderia passar direto ao julgamento do mérito para decretar a improcedência liminar das pretensões autorais?

Basta que pensemos, por exemplo, numa demanda proposta pelo particular em face da Fazenda Pública com o objetivo de declarar, com base na alegada inconstitucionalidade de um dado imposto, a inexistência da obrigação tributária. Indeferida a inicial, porque considerada inepta, o autor apela e o Tribunal, conquanto entenda – ao contrário do que considerou o juiz de piso – pela aptidão da inicial, verifica que o Supremo Tribunal Federal já declarou a validade da exação. Poderia, então, aplicando o § 3º do art. 1.013, julgar desde logo improcedente a demanda?

Não vemos razão para uma resposta negativa. Afinal, é o próprio sistema processual quem permite tanto a improcedência liminar naquelas taxativas hipóteses quanto o julgamento imediato em segundo grau quando afastada a sentença terminativa.

Se a conclusão parece adequada para o CPC/73, com mais acerto há de se aplicar em relação ao Novo CPC, no qual, como dito, mudou-se o foco na improcedência liminar do entendimento repetido no juízo de primeiro grau para a jurisprudência pacificada nos Tribunais.

Importa deixar claro, contudo, que uma decisão de tal molde precisa necessariamente fundamentar-se em alguma das hipóteses do art. 332 do Novo CPC, únicas em que o sistema processual admite a prolação de decisão de mérito “independentemente da citação do réu“.

O que não se pode admitir de forma alguma é que, ao reformar sentença que indeferiu a inicial, o Tribunal aplique a “teoria da causa madura” para julgar procedente a demanda, em grave violação ao princípio do contraditório.

Ainda que haja a previsão de citação do réu para apresentação de contrarrazões ao recurso interposto contra a sentença de improcedência liminar (NCPC, art. 332, § 4º), a verdade é que não terá sido ainda oportunizado o manejo de contestação, sem a qual não se pode dizer haver, ou não, controvérsia fática a ser dirimida por meio de instrução probatória.

4.2.2 Incisos II e III – “Decretar a Nulidade da Sentença por Não Ser ela Congruente com os Limites do Pedido ou da Causa de Pedir” e “Constatar a Omissão no Exame de um dos Pedidos, Hipótese em que Poderá Julgá-lo

Inicialmente, importa dizer que causa perplexidade a subdivisão em dois distintos incisos de situação que, a rigor, é uma só: a inobservância da regra da adstrição da sentença aos limites do pedido. Seja a sentença infra (citra), extra ou ultra petita, viola-se o princípio da correlação[59], não havendo razão para o tratamento em separado [60].

Há, ainda, mais uma falha a ser apontada na redação: considerando que as sentenças citra petita sofrerão a incidência do inciso III, restará, para o inciso II, apenas e tão somente aquelas que forem extra petita. E isso porque quanto às sentenças ultra petita não há qualquer necessidade de se proceder a um novo julgamento – e, afinal, é disso que trata a “teoria da causa madura” -, bastando que se extirpe da decisão a parcela que exceda aos limites do pedido.

Já no que tange às sentenças extra petita, aí sim há necessidade de que efetivamente se anule a decisão por completo – já que o bem jurídico nela concedido ao autor é totalmente distinto do que requereu (e não a ele excedente, como é o caso das ultra petita) – e, a partir daí, se proceda a um novo julgamento.

Equivocado, por isso mesmo, o relatório subscrito pelo Deputado Hugo Leal, o primeiro a propor a redação da maneira como foi aprovada, ao afirmar que “se a decisão é ultra ou extra petita, houve decisão de mérito e a sua invalidação limita-se a extirpar da decisão aquilo que extrapolou o limite da demanda“. Se a regra é verdadeira para aquelas, não há sentido em aplicá-la a estas: extirpado da sentença extra petita o que nela excede os limites do pedido, nada sobrará para o autor.

Prova dessa diversidade é que a doutrina pátria sempre tratou de forma distinta as sentenças extra e ultra petita. Para estas, antes mesmo de que se cogitasse de uma regra como a do § 3º do art. 515 do CPC/73, sempre se admitiu que o Tribunal, no julgamento da apelação, simplesmente anulasse a parte da sentença que extrapola o pedido do autor, mantendo todo o demais. Quanto às extra petita, a seu turno, a orientação sempre era, ao menos até o advento da Lei nº 10.352/01, no sentido de decretar sua invalidação, com posterior remessa dos autos à primeira instância para a prolação de nova decisão [61].

Ademais, não vemos justificativa para que do inciso III conste apenas a referência à “omissão no exame de um dos pedidos“, quando se sabe que a sentença que deixa de apreciar uma das causas de pedir trazidas pelo autor como sustentáculo de sua pretensão padece do mesmo vício de inexistência quanto ao que deixou de ser analisado [62].

Portanto, conquanto se possa concordar com o mencionado relatório quanto ao fato de a sentença omissa em relação a uma causa de pedir ser nula por fundamentação defeituosa (no que se enquadraria na hipótese do inciso IV), padece de vício ainda mais grave, que é a ausência de decisão (inexistência). Estando, destarte, sujeita a regime jurídico diverso – não fazendo coisa julgada e não impedindo a repropositura da ação, ao contrário daquelas decisões que apenas violam o dever de motivação adequada -, convém tratá-las separadamente.

Após tais considerações relativas exclusivamente à redação do Código, convém dizer que às hipóteses de sentença citra ou extra petita já era aceita por doutrina [63] e jurisprudência [64] a aplicação analógica do § 3º do art. 515 do CPC/73. De toda sorte, avança o Novo CPC ao deixar explícita a possibilidade, que em muito se assemelha à das sentenças terminativas.

Para ter uma noção da utilidade da previsão para estes casos, pensemos, por exemplo, na costumeira demanda que visa à revisão de cláusulas contratuais por entendê-las abusivas. Realizada perícia sobre o contrato, o juiz, ao proferir sentença, omite-se quanto a um dos pedidos. Reconhecendo o vício, não há razão para o Tribunal deixar de apreciar a pretensão faltante, remetendo os autos à primeira instância. Aqui, à semelhança do que ocorre com as sentenças terminativas, é julgado em segundo grau algo que não havia sido apreciado em primeiro.

Para as sentenças ultra petita, como visto, nunca houve necessidade de aplicação de dispositivo como o § 3º do art. 1.013 do Novo CPC, vez que não é julgada no Tribunal parcela do objeto do processo ainda não apreciada, mas, sim, é extirpado do decisum algo que a ele extrapolava.

4.2.3 Inciso IV – “Decretar a Nulidade de Sentença por Falta de Fundamentação

Eis aqui mais uma hipótese a que já era por vezes aplicada pela jurisprudência [65] a técnica de que aqui tratamos, posição que, entretanto, não era em geral aceita pela doutrina [66]. Novamente, contudo, merece elogio o Novo CPC por explicitar tal possibilidade, impensável anteriormente à Lei nº 10.352/01.

Questionamento que poderia ser feito diz respeito à constitucionalidade, ou não, da disposição, considerando que a CF/88, em seu art. 93, IX, efetivamente impõe a anulação da sentença em caso de ausência de fundamentação.

Não há, todavia, a nosso ver, qualquer ofensa àquela relevante garantia constitucional pelo fato de que a aplicação da técnica prevista no art. 1.013, § 3º, IV, do Novo CPC pressupõe que o Tribunal tenha, efetivamente, decretado a nulidade da sentença por ausência de adequada fundamentação. É necessário, assim, que o órgão ad quem verifique a presença de alguma das hipóteses que indique violação do dever de motivação das decisões judiciais, para, dando provimento ao recurso (ou atuando de ofício), anular a sentença.

A questão, contudo, é saber qual a providência a ser adotada como consequência da decretação da nulidade. No sistema do CPC/73, ao menos de acordo com a literalidade da lei, a única solução viável seria a remessa dos autos ao juízo a quo para a prolação de nova decisão. Já no Novo CPC, o art. 1.013, § 3º, IV, impõe ao órgão julgador do recurso o dever de verificar a viabilidade do julgamento imediato do mérito ante a desnecessidade da prática de qualquer outro ato instrutório.

Não se trata, destarte, de relevar a nulidade da sentença, mas, na verdade, de verificar a possibilidade de que, após a sua pronúncia, o órgão ad quem julgue desde logo o mérito. Com isso, suprime-se um grau de jurisdição para, em nome de outros valores relevantes, atribuir, ao Tribunal, competência para analisar desde logo o meritum causae.

Não há, a nosso ver, que se falar em qualquer inconstitucionalidade do art. 1.013, § 3º, IV, do Novo CPC. Inconstitucionalidade, se houvesse, decorreria da infringência ao duplo grau de jurisdição, que, entretanto, como visto, não é garantido de forma ilimitada pela Constituição. Aliás, um vício de tal espécie estaria presente em qualquer hipótese de aplicação da “teoria da causa madura“, inclusive no ainda vigente § 3º do art. 515, dispositivo contra o qual praticamente não foi levantada qualquer voz na doutrina.

4.2.4 Reforma de Sentença Fundada em Prescrição ou em Decadência: Aplicação da “Teoria da Causa Madura”?  

Da análise do art. 1.013, § 4º, do Novo CPC, verifica-se que está ali expressamente consignada a possibilidade de que, ao reformar sentença fundada em prescrição ou decadência, o Tribunal, ao afastar a questão prejudicial, julgue, se possível, o mérito, prosseguindo no enfrentamento das demais questões a ele pertinentes.

Não se trata, propriamente, da aplicação da chamada “teoria da causa madura“, já que como vê do art. 487, II, do Novo CPC, a prescrição e a decadência são inequivocamente questões de mérito [67]. Ao reformar a sentença nelas fundada, e prosseguir na análise do meritum causae, o Tribunal estará apenas rejulgando pretensão que já foi analisada pelo órgão a quo. Merece elogio, por isso, o Novo Código, ao tratar da hipótese no § 4º do art. 1.013, e não em seu § 3º.

Por tal razão, muito antes da inserção do § 3º no art. 515 do CPC/73, por meio da Lei nº 10.352/01, a doutrina já aceitava que, nestes casos, o Tribunal, ao reformar a sentença prolatada com base no art. 269, IV, prosseguisse no julgamento do mérito, desde que, é claro, o feito já estivesse suficientemente instruído [68]. Tratava-se apenas de aplicar os §§ 1º e 2º do art. 515, que não restringem a profundidade do efeito devolutivo da apelação ao que foi efetivamente tratado na sentença, mas a todo o material cognitivo que estava à disposição do juízo a quo [69].

Diferente, todavia, é o caso da decretação da decadência do direito de impetrar mandado de segurança (art. 23 da Lei nº 12.016/09). Neste caso, o que se tem é decisão que não toca o mérito da causa, mas, sim, declara a inadequação da via mandamental para a defesa daquele direito, ainda sendo possível ao autor recorrer às vias ordinárias [70]. Trata-se, assim, de sentença terminativa, demandando a aplicação da hipótese prevista expressamente no § 3º do art. 515 do CPC/73 [71], a que corresponde o inciso I do § 3º do art. 1.013, já analisado.

5 Conclusão          

Das considerações que buscamos empreender neste estudo, o que se conclui é que o Novo CPC de certa forma avançou no tratamento da matéria ao deixar explícitas algumas das hipóteses em que já se cogitava a incidência do § 3º do art. 515 do CPC/73. Além disso, merece aplauso o fato de ter sido eliminada a exigência de a “causa versar questão exclusivamente de direito“.

São incompreensíveis, por outro lado, as razões pelas quais se deixou de tomar posição em relação a questões mais polêmicas, que ocasionavam, estas sim, maiores vacilações doutrinárias e, pior que isso, indesejáveis turbulências jurisprudenciais. É o caso, por exemplo, da determinação da necessidade ou não de pedido expresso para aplicação do dispositivo.

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[1] “Desde os tempos remotos têm-se preocupado as legislações em criar expedientes para a correção dos possíveis erros contidos nas decisões judiciais. À conveniência da rápida composição dos litígios, para o pronto restabelecimento da ordem social, contrapõe-se o anseio de garantir, na medida do possível, a conformidade da solução ao direito” (MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006. v. V. n. 134. p. 229).

[2] Como explica Sergio Bermudes, “parece que apenas a Turquia rejeitou o princípio, afastando de sua legislação os recursos ordinários” (Comentários ao Código de Processo Civil. 2. ed. São Paulo: RT, 1977. v. VII. n. 2. p. 6. nota 8). Na verdade, segundo esclarece Moniz de Aragão, o legislador turco, ao suprimir o duplo grau de jurisdição no ano de 1927, inspirou-se na legislação processual civil do cantão suíço de Neuchâtel, de 1925. Ainda assim, todavia, a irrecorribilidade comportava exceções naqueles ordenamentos (Demasiados Recursos? In: FABRÍCIO, Adroaldo Furtado [Coord.]. Meios de impugnação ao julgado cível: estudos em homenagem a José Carlos Barbosa Moreira. Rio de Janeiro: Forense, 2008. p. 178-181).

[3] Em geral, os autores costumam apontar estes dois primeiros motivos expostos como razão de existência dos meios de impugnação às decisões judiciais. É o que se vê em: BERMUDES, Sergio. Comentários ao Código de Processo Civil. 2. ed. São Paulo: RT, 1977. v. VII. n. 4. p. 8-12; FAGUNDES, Miguel Seabra. Recursos ordinários em matéria civil. Rio de Janeiro: Forense, 1946. n. 12-13. p. 12-16; e JORGE, Flávio Cheim. Teoria geral dos recursos cíveis. 5. ed. São Paulo: RT, 2011. p. 27-29.

[4] Sobre os recursos como meio de controle democrático da atuação do Poder Judiciário, ver, por todos: PASSOS, José Joaquim Calmon de. As razões da crise de nosso sistema recursal. In: FABRÍCIO, Adroaldo Furtado (Coord.). Meios de impugnação ao julgado cível: estudos em homenagem a José Carlos Barbosa Moreira. Rio de Janeiro: Forense, 2008. p. 365-381. A seguinte passagem bem sintetiza as ideias do saudoso autor: “Garantia inerente a um Estado de Direito Democrático, portanto, é o controle interno das decisões judiciais mediante a técnica dos recursos. (…) Permitir-se que um juiz julgue sem possibilidade de haver o controle da validade do que decidiu é desnaturar-se o sistema democrático. Justamente ao agente político não eleito pelo povo e privilegiado com a vitaliciedade seria deferido o real poder de ao mesmo tempo legislar e aplicar o direito legislado, tornando-se a função legislativa um mero expletivo, e a democracia, uma ficção” (p. 371)

[5] É o caso de: BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil. São Paulo: Saraiva, 2007. v. 1. p. 119; CINTRA, Antônio Carlos de Araújo et alii. Teoria geral do processo. 23. ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 80-81; JORGE, Flávio Cheim. Teoria geral dos recursos cíveis. 5. ed. São Paulo: RT, 2011. p. 227; SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de direito processual civil. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. v. 3. p. 86. Era, ainda, a opinião que manifestava Chiovenda (Princípios de derecho procesal civil. Madrid: Reus, 1925. t. II. § 84. n. I. p. 488-489; Instituições de direito processual civil. 2. ed. Campinas: Bookseller, 2000. v. III. n. 396. p. 287-288).

[6] Expressamente neste sentido: GUIMARÃES, Luiz Machado. Efeito devolutivo da apelação. In: Estudos de direito processual civil. Rio de Janeiro/São Paulo: Jurídica e Universitária, 1969. p. 216; NERY Jr., Nelson. Teoria geral dos recursos. 6. ed. São Paulo: RT, 2004. p. 44. Quanto ao ponto, Carnelutti afirmava que o julgamento do recurso por órgão superior “no es um carácter essencial, ya que La apelación puede ser hecha también ante um juez de grado igual a aquel que pronuncio la sentencia impugnada” (Instituciones del proceso civil. Buenos Aires: EJEA, 1959. n. 551. v. II. p. 227).

[7] É a opinião manifestada por: BERMUDES, Sergio. Comentários ao Código de Processo Civil. 2. ed. São Paulo: RT, 1977. v. VII. p. 5-6. nota 7; LASPRO, Orestes Nestor de Souza. Duplo grau de jurisdição no direito processual civil. São Paulo: RT, 1995. p. 19-21; OLIVEIRA, Bruno Silveira de. Duplo grau de jurisdição: princípio constitucional? RePro, São Paulo: RT, n. 162, 2008, p. 363.

[8] É o caso de Flávio Cheim Jorge (Teoria geral…, p. 41).

[9] Comentários…, v. V. p. 239.

[10] Vale transcrever, por didáticas que são, as palavras de José Rogério Cruz e Tucci: “Tradicionalmente, dois são os modelos que regem o procedimento recursal em segundo grau de jurisdição. Diz-se que a apelação provoca um novum iudicium quando o órgão ad quem, nos limites da impugnação, tem a mais completa liberdade de valoração da causa, e, inclusive, dos novos pedidos e da prova apresentadas nas razões de recurso. Seguiram tal orientação os modelos francês e italiano. Concebe-se, por outro lado, a apelação como revisio prioris instantiae, quando enseja, apenas, o reexame das alegações feitas e das provas produzidas pelo Juízo de primeiro grau (revisio in facto et in iure). Nessa espécie, adotada, e.g., na Alemanha, na Áustria e no Brasil, proíbe-se a formulação de novas questões (ius novorum) no âmbito do recurso” (Diretrizes do novo processo civil italiano. In: Devido processo legal e tutela jurisdicional. São Paulo: RT, 1993. p. 225).

[11] Como ensina Machado Guimarães, a apelação nas Ordenações do Reino e no Regulamento 737 tinha amplo efeito devolutivo, tendo sido adotado o sistema do iudicium novum, com irrestrita possibilidade de alegação de questões de fato (Efeito devolutivo da apelação…, p. 221-223).

[12] “Vimos que, em princípio, o órgão julgador da apelação fica adstrito, no exame das questões de fato, ao material carreado para os autos no curso do procedimento de primeiro grau, e portanto já colocado à disposição do juízo inferior. (…) Quer isso dizer, ao ângulo da política legislativa, que o direito brasileiro atribui à apelação, precipuamente, a finalidade de controle. (…) Quer isso dizer que a finalidade de controle é atingida por meio do rejulgamento. Para saber se a apelação é ou não fundada – ou, o que é o mesmo, se a sentença decidiu mal ou bem -, examina o órgão superior a própria causa, ou antes os aspectos dela que o recurso lhe devolve. Do resultado desse exame é o que depende a conclusão sobre o acerto ou desacerto do pronunciamento de primeiro grau” (Comentários…, v. V. p. 458-459). Interessante notar que Liebman inverte os termos da equação, entendendo que “o controle da sentença constitui, em realidade, tão somente um meio para decidir segunda vez a controvérsia pendente”, e não o oposto (Notas à edição brasileira das instituições de direito processual civil. 2. ed. de Giuseppe Chiovenda. Campinas: Bookseller, 2000. v. III. p. 290).

[13] Mais uma vez, oportuna a menção de lição de Machado Guimarães: “Ainda que o juiz do primeiro grau não tenha decidido todas as questões de mérito suscitadas pelas partes, ficará o tribunal da apelação investido do conhecimento integral das aludidas questões, em virtude do efeito devolutivo do recurso” (Efeito devolutivo da apelação…, p. 218).

[14] Liebman é expresso quanto ao ponto: “A apelação é igualmente no direito brasileiro o recurso típico, o recurso por excelência, destinado a realizar o princípio do duplo grau de jurisdição” (Notas…, p. 287).

[15] Comentários…, v. V. p. 431.

[16] Teoria geral…, p. 302.

[17] Atente-se que estes fatos novos não podem levar à ampliação do objeto do processo, vez que, em nosso sistema, a estabilização da demanda, iniciada com a citação do réu, completa-se com o saneamento do processo (NCPC, art. 329, I e II; CPC/73, arts. 264 e 294). Nesse sentido: CINTRA, Antônio Carlos de Araújo. Apontamentos sobre os fatos da causa e a apelação. In: FABRÍCIO, Adroaldo Furtado (Coord.). Meios de impugnação ao julgado cível: estudos em homenagem a José Carlos Barbosa Moreira. Rio de Janeiro: Forense, 2008. p. 103-104.

[18] Nesse sentido: DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. São Paulo: Malheiros, 2001. n. 92. v. I. p. 239-240; JORGE, Flávio Cheim. Teoria geral…, p. 226-228; NERY Jr., Nelson. Teoria geral…, p. 40-42. Ver, ainda, as referências constantes da nota nº 31, tratando especificamente do § 3º do art. 515 do CPC.

[19] Todavia, registre-se, embora escrevendo sob a égide da Constituição anterior, as posições de Ada Pellegrini Grinover (Os princípios constitucionais e o Código de Processo Civil. São Paulo: Bushatsky, 1975. p. 141-144) e Calmon de Passos (O devido processo e o duplo grau de jurisdição. Revista Forense Comemorativa – 100 anos. Coord. José Carlos Barbosa Moreira. Rio de Janeiro: Forense, 2006. t. 5. n. 7-9. p. 442-447).

[20] É o que ocorre nas hipóteses de competência originária dos Tribunais, para as quais nem sempre há previsão de recurso de devolutividade plena. Assim, por exemplo, nos mandados de segurança de competência dos TJs, TRFs e Tribunais Superiores, apenas o particular pode fazer uso do recurso ordinário (CF, arts. 105, II, b; e 102, II, a). Ao ente público não resta outra saída, uma vez vencido, além de buscar as vias extraordinárias que, como é cediço, possuem âmbito de cognição bem mais reduzido. Aliás, em se tratando de competência originária do STF, nenhuma das partes tem à disposição qualquer recurso de ampla devolutividade.

[21] Ao que consta, apenas a Constituição Federal de 1824 (art. 158) previa expressamente o duplo grau de jurisdição.

[22] Segundo Cândido Dinamarco, o duplo grau é um conselho dado: “(a) ao legislador, no sentido de que evite confinar causas a um nível só, sem a possibilidade de um recurso amplo, e (b) ao juiz, para que, em casos duvidosos, opte pela solução mais liberal, inclinando-se a afirmar a admissibilidade do recurso. Essa é a função dos princípios, nortear legislador e juiz, em busca de coerência no sistema e justiça nas decisões, sem se impor de modo absoluto” (O efeito devolutivo da apelação e de outros recursos. In: Nova era do processo civil. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2009. n. 87. p. 169).

[23] Duplo grau de jurisdição…, p. 370. De forma perspicaz, busca o autor, no mesmo estudo, desconstruir tais argumentos, para concluir que o duplo grau não seria propriamente um princípio constitucional.

[24] Demasiados recursos?…, p. 188.

[25] Duplo grau de jurisdição…, p. 374-378.

[26] É a feliz expressão empregada por Cândido Dinamarco (Instituições…, n. 92. p. 240). Entende o autor que casos assim transgrediriam o regime democrático e o devido processo legal.

[27] Nesse sentido é a lição de Ada Pellegrini Grinover que vale ser transcrita: “Mais ainda que não se visse, a esse propósito, um princípio constitucional manifesto e autônomo, no sentido da garantia do duplo grau de jurisdição, sem dúvida alguma seu desrespeito configuraria ofensa ao princípio da isonomia. (…) Todos aqueles que ingressam em juízo devem ter, em igualdade de condições, a possibilidade de pleitear a revisão da sentença, por um Tribunal hierarquicamente superior àquele que proferiu a decisão. Se tal possibilidade for reservada apenas a alguns, como privilégio, enquanto a outros estará vedado esse direito, não podendo recorrer ou recorrendo apenas ao próprio órgão estatal de que emanou a sentença, estará de qualquer maneira desrespeitando o princípio constitucional da isonomia” (Os princípios constitucionais…, p. 143). No mesmo sentido, ainda, é o pensamento de Calmon de Passos (O devido processo legal…, n. 8. p. 444).

[28] É o escólio de Calmon de Passos (O devido processo legal…, p. 449-451). Em sentido contrário, porém coerente com a premissa então adotada de que basta que haja a previsão de recurso para que sejam atendidas as garantias constitucionais, é o pensamento de Flávio Cheim Jorge (Teoria geral…, p. 41 e 229/230). Também o STF já decidiu que não há qualquer inconstitucionalidade no dispositivo (STF, 1ª T., RE 460.162 AgR/RS, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ 12.03.09).

[29] Sobre o assunto, ver, por todos: DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 13. ed. São Paulo: Malheiros, 2008. n. 32. p. 271-279. É, ainda, corrente na doutrina tal afirmação em relação à tensão existente entre os recursos e a coisa julgada, no que, despiciendas outras referências, remetemos o leitor à lição de Barbosa Moreira transcrita na nota nº 1.

[30] Dentre os autores consultados, registre-se unicamente a opinião de José Rogério Cruz e Tucci, que, sem afirmar peremptoriamente a inconstitucionalidade do dispositivo, entende que o mesmo impõe sacrifício à garantia do contraditório: “Mais grave ainda é a crise imposta pela novel reforma à garantia do contraditório. A esse respeito, tudo leva a crer que o legislador desprezou a moderna concepção ditada pela literatura contemporânea acerca da participação conjunta e recíproca, durante as sucessivas fases do procedimento, de todos os protagonistas do processo. E isso, porque as partes jamais podem ser surpreendidas por uma decisão alicerçada em um fundamento ainda não debatido durante a tramitação do processo. (…) Ora, habilitando o tribunal a proferir decisão de mérito sobre tema que não foi objeto de debate no procedimento recursal, o novo § 3º do art. 515 afronta direito das partes, sobretudo do litigante que vier a experimentar derrota” (Lineamentos da nova reforma do CPC. 2. ed. São Paulo: RT, 2002. p. 101-102).

[31] Defendendo expressamente a constitucionalidade do dispositivo, ver, dentre outros: ASSIS, Araken de. Manual dos recursos. 3. ed. São Paulo: RT, 2011. p. 411-412; BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Apelação: questões sobre admissibilidade e efeitos. In: NERY Jr., Nelson; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (Coord.). Aspectos polêmicos e atuais dos recursos e de outros meios de impugnação às decisões judiciais. São Paulo: RT, 2003. v. 7. p. 449-450; DINAMARCO, Cândido Rangel. A reforma da reforma. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2002. n. 101. p. 150-152; O efeito devolutivo da apelação…, n. 87-88. p. 166-172; JORGE, Flávio Cheim. A nova reforma processual. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 148-152; THEODORO Jr., Humberto. Inovações da Lei 10.352/2001, em matéria de recursos cíveis e duplo grau de jurisdição. In: NERY Jr., Nelson; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (Coord.). Aspectos polêmicos e atuais dos recursos e de outros meios de impugnação às decisões judiciais. São Paulo: RT, 2002. v. 6. p. 269.

[32] Nesse sentido: BERMUDES, Sergio. Comentários…, n. 106. v. VII. p. 134; GRINOVER, Ada Pellegrini. Os princípios constitucionais…, p. 150-152. Era a mesma, ainda, a orientação dominante na vigência do CPC/1939, lembrando que, à época, por força do art. 846, o recurso cabível contra as sentenças terminativas era o agravo de petição: GUIMARÃES, Luiz Machado. Efeito devolutivo…, p. 218; LIEBMAN, Enrico Tullio. Recurso da decisão que declara prescrita a ação. In: Estudos sobre o processo civil brasileiro. São Paulo: Bestbook, 2004. p. 124-125; MOREIRA, José Carlos Barbosa. Reformatio in pejus (processo civil). In: Direito processual civil (ensaios e pareceres). Rio de Janeiro: Borsoi, 1971. p. 168.

[33] É que, conforme dispunha a redação original do dispositivo, modificada pela Lei nº 11.232/05, apenas “ao publicar a sentença de mérito, o juiz cumpre e acaba o ofício jurisdicional”. Nesse sentido, ver: MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários…, n. 238. p. 432.

[34] A reforma da reforma…, p. 152-154; O efeito devolutivo da apelação…, p. 163-165.

[35] Cândido Dinamarco chega a afirmar que o dispositivo “opera uma verdadeira revolução” (A reforma da reforma…, p. 150). Em outra obra, todavia, adverte que “não é o caso (…) de receber com tanto frisson o parágrafo do art. 515 do Código de Processo Civil”. Isso, porque “já nas Ordenações do Reino havia uma disposição muito semelhante a essa”. Ademais, “no direito italiano vigente, a regra geral é a corte d’apello julgar o mérito quando acolhe apelação interposta contra sentença puramente processual (assolutória), só não o fazendo nos casos taxativamente excluídos pela lei” (O efeito devolutivo da apelação…, p. 170-171). De toda sorte, já na primeira obra sistemática de Chiovenda encontra-se orientação idêntica à que se extrai do § 3º do art. 515 do CPC: “Cuando la autoridad judicial de apelación reforme una sentencia interlocutoría o incidental y encuentre el pleito en estado de decisión definitiva, debe pronunciar, ella misma com la misma sentencia” (Princípios…, t. II. p. 493).

[36] Extrai-se da exposição de motivos do Anteprojeto de Lei que culminou na alteração que “cuida-se de sugestão que valoriza os princípios da instrumentalidade e da efetividade do processo” (CARNEIRO, Athos Gusmão; TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo. Anteprojeto de Lei [nº 15] – versão final. Revista Jurídica da Presidência, v. 1, n. 2, jun. 1999. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/Rev_02/anteproj_lei_cpc15.htm>. Acesso em: 13 set. 2012). Hoje, após o advento da EC nº 45/04, parece óbvia a referência também ao princípio da razoável duração do processo (CF/88, art. 5º, LXXVIII).

[37] Corretos, assim: ALVIM, José Manuel de Arruda. Notas sobre algumas das mutações verificadas com a Lei 10.352/2001. In: NERY Jr., Nelson; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (Coord.). Aspectos polêmicos e atuais dos recursos e de outros meios de impugnação às decisões judiciais. São Paulo: RT, 2002. v. 6. p. 79-80; BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Apelação: questões…, p. 449; CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil. 17. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. v. II. p. 83; DINAMARCO, Cândido Rangel. A reforma da reforma…, p. 150-152.

[38] Nesse sentido: ALVIM, José Manoel de Arruda. Notas sobre algumas das mutações…, p. 83; MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários…, n. 284. v. V. p. 528-529. Há, todavia, expressiva doutrina que vem admitindo o manejo dos embargos infringentes, argumentando, sobretudo, que na hipótese não há dupla conformidade, além de que teria sido intenção do legislador limitar o cabimento em casos em que o acórdão não seja de mérito: BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado…, v. 5. p. 244; CUNHA, Leonardo José Carneiro da; DIDIER Jr., Fredie. Curso de direito processual civil. 8. ed. Salvador: Juspodivm, 2010. v. 3. p. 223-224; DINAMARCO, Cândido Rangel. A reforma da reforma…, n. 139. p. 201-205; THEODORO Jr., Humberto. Curso de direito processual civil. 53. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2012. n. 557-b. v. I. p. 656. É exatamente esta última posição que vem sendo encampada pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça: STJ, 4ª T., AgRg no REsp 1.121.873/RJ, Relª Minª Maria Isabel Gallotti, DJ 09.02.2015; STJ, 3ª T., REsp 1.111.012/RS, Rel. Min. Sidnei Beneti, DJ 02.03.2011.

[39] É o que expõem: ALVIM, José Manuel de Arruda. Notas sobre algumas das mutações…, p. 77-78; BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Apelação: questões…, p. 454; CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições…, v. II. p. 85.

[40] Equivocados, portanto, os seguintes julgados do Superior Tribunal de Justiça, que afirmam não haver reformatio in pejus: STJ, 4ª T., AgRg no REsp 704.218/SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJ 18.03.2011; STJ, 2ª T., REsp 859.595/RJ, Relª Minª Eliana Calmon, DJ 14.10.08; STJ, 5ª T., REsp 645.213/SP, Relª Minª Laurita Vaz, DJ 14.11.05.

[41] Comentários…, n. 240. v. V. p. 435-439.

[42] O efeito devolutivo…, p. 181.

[43] É, mais uma vez, a lição de Barbosa Moreira (Reformatio in pejus…, p. 149). Aliás, no mesmo estudo, o autor utiliza a situação de que tratamos como exemplo do que chama de “modificação qualitativa” (p. 163).

[44] Nesse sentido: ALVIM, José Manoel de Arruda. Notas sobre algumas das mutações…, p. 81-83; ASSIS, Araken de. Manual dos recursos…, p. 412; BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Apelação: questões…, p. 448; CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições…, v. II. p. 84-85; DINAMARCO, Cândido Rangel. O efeito devolutivo…, p. 173-175; JORGE, Flávio Cheim. A nova reforma…, p. 143-144; MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários…, n. 238. p. 433; WAMBIER, Luiz Rodrigues; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Breves comentários à 2ª fase da reforma do Código de Processo Civil. 2. ed. São Paulo: RT, 2002. p. 142.

[45] É a opinião de: APRIGLIANO, Ricardo de Carvalho. A apelação e seus efeitos. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 170-175; THEODORO Jr., Humberto. Curso…, n. 543-a-1. v. I. p. 624-625. Na verdade, o primeiro dos dois autores mencionados, em posição digna de destaque, permite a aplicação do dispositivo em casos em que as questões de fato acaso existentes possam ser solucionadas pela análise da prova documental constante dos autos. É que, “nesse caso, é mesmo irrelevante o contato do juiz com as partes – que pode nem mesmo ter ocorrido – e não há possíveis prejuízos se o mérito puder ser analisado diretamente pelo tribunal” (p. 171).

[46] No Superior Tribunal de Justiça, é o que se extrai, dentre outros, dos seguintes julgados: STJ, 2ª T., AgRg no REsp 1.494.273/MG, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe 12.02.2015; STJ, 1ª T., AgRg no AREsp 303.090/SC, Rel. Min. Sérgio Kukina, DJe 19.12.2014; STJ, 2ª T., AgRg no AREsp 533.430/RJ, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe 27.11.2014; STJ, 4ª T., AgRg no AREsp 371.320/SC, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJe 22.05.2014. Em sentido contrário: STJ, 2ª T., REsp 829.836 / RS, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJ 21.05.2010.

[47] “(…) 1. Divergência devidamente demonstrada. Segundo a Quarta Turma, conforme entendimento exposto no acórdão embargado, é possível a aplicação do art. 515, § 3º, do CPC, ainda que seja necessário o exame do conjunto probatório pelo Tribunal. No entanto, em sentido diametralmente contrário, para a Segunda Turma, a regra ali preconizada não se mostra cabível quando demandar essa providência. 2. A regra do art. 515, § 3º, do CPC deve ser interpretada em consonância com a preconizada pelo art. 330, I, do CPC, razão pela qual, ainda que a questão seja de direito e de fato, não havendo necessidade de produzir prova (causa madura), poderá o Tribunal julgar desde logo a lide, no exame da apelação interposta contra a sentença que julgara extinto o processo sem resolução de mérito. 3. Embargos de divergência rejeitados.” (EREsp 874.507/SC, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, Corte Especial, j. 19.06.2013, DJe 01.07.2013)

[48] Discorda Ricardo Aprigliano, fornecendo interessantes exemplos de demandas em que acabam por surgir tão somente questões de direito: “De toda forma, é necessário esclarecer que o âmbito de possível aplicação desta novidade legislativa é, ainda assim, muito grande. Pense-se em todas as questões de natureza tributária, envolvendo servidores públicos, ações previdenciárias, ou que envolvam aplicações de índices inflacionários e taxas de juros, constitucionalidade de leis, as ações relativas ao FGTS, e tantas outras, que se repetem aos milhões perante o Poder Judiciário” (A apelação e seus efeitos…, p. 174).

[49] Arrola Dinamarco diversas situações que a orientação restritiva deixaria fora do âmbito de incidência da norma, sendo todas elas de ocorrência muito mais plausível que a existência de processo em que não surja qualquer quaestio facti: “É o que se dá a) quando todo o procedimento legal já houver sido percorrido perante o juízo de primeiro grau, proferindo o juiz uma sentença terminativa em audiência ou depois dela; b) quando, proferida essa sentença na oportunidade do art. 329 do Código de Processo Civil, estiverem presentes os pressupostos para o julgamento antecipado do mérito, segundo um dos incisos do art. 330 deste. Se o réu for revel e ocorrer o efeito da revelia, provavelmente o juiz teria julgado o meritum causae no momento em que proferiu a sentença terminativa, não fosse o impedimento a esse julgamento, que ele entendeu existir. A situação é a mesma quando, sem ter ocorrido o efeito da revelia, já não houver prova alguma a ser produzida, o que acontece: a) quando nenhuma prova houver sido requerida pelas partes e não for o caso de determinar-se de ofício a sua realização; b) quando as provas requeridas forem inadmissíveis e assim o juiz entender, não havendo outras a produzir; e c) quando todas as questões de fato já estiverem suficientemente esclarecidas pela prova dos autos, notadamente pela documental” (O efeito devolutivo…, p. 174).

[50] Como será visto, entendemos que a regra pode ser excepcionada nos casos em que o próprio sistema processual permite a prolação de decisão meritória contrária ao autor antes da citação do réu.

[51] Nesse sentido: APRIGLIANO, Ricardo de Carvalho. A apelação e seus efeitos…, p. 175-176; DINAMARCO, Cândido Rangel. O efeito devolutivo…, n. 89. p. 172-173; THEODORO Jr., Humberto. Inovações…, p. 269.

[52] É o pensamento manifestado por: ALVIM, José Manoel de Arruda. Notas sobre algumas das mutações…, p. 78; BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Apelação: questões…, p. 452; DINAMARCO, Cândido Rangel. O efeito devolutivo…, p. 177-179; MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários…, n. 238. v. V. p. 432. nota 48; WAMBIER, Luiz Rodrigues; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Breves comentários…, p. 143-144.

[53] É essa, ainda, a tese que vem prevalecendo na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça: STJ, 2ª T., REsp 1.166.052/AM, Rel. Min. Og Fernandes, DJe 18.03.2014; STJ, 3ª T., AgRg no AREsp 292.166/SP, Rel. Min. Sidnei Beneti, DJe 03.05.2013; STJ, 6ª T., AgRg nos EDcl no REsp 1.142.225/PA, Rel. Min. Sebastião Reis, DJ 29.06.2012; STJ, 1ª T., AgRg no REsp 1.192.287/SP, Rel. Min. Benedito Gonçalves, DJ 10.05.2011.

[54] Nesse sentido: APRIGLIANO, Ricardo de Carvalho. A apelação e seus efeitos…, p. 163-170; ASSIS, Araken de. Manual dos recursos…, p. 413; CUNHA, Leonardo José Carneiro da; DIDIER Jr., Fredie. Curso…, v. 3. p. 109; JORGE, Flávio Cheim. A nova reforma…, p. 146-148 (com expressa referência à posição exposta por Cleanto Guimarães Siqueira em palestra); THEODORO Jr., Humberto. Inovações…, p. 271.

[55] Nesse sentido: APRIGLIANO, Ricardo de Carvalho. A apelação e seus efeitos…, p. 162 e 165-166; JORGE, Flávio Cheim. A nova reforma…, p. 147; THEODORO Jr., Humberto. Inovações…, p. 270-271.

[56] Nesse sentido: ASSIS, Araken de. Manual dos recursos…, p. 413; JORGE, Flávio Cheim. A nova reforma…, p. 148.

[57] A apelação e seus efeitos…, p. 166-167.

[58] Fazem tal advertência os autores mencionados na nota nº 51. Nesse sentido, encontram-se diversos arestos extraídos da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, como por exemplo: STJ, 2ª T., RMS 33.395/SP, Relª Minª Eliana Calmon, DJe 22.04.2013; STJ, 3ª T., REsp 1.136.276/MG, Relª Minª Nancy Andrighi, DJ 17.04.2012; STJ, 2ª T., RMS 33266/RO, Rel. Min. Herman Benjamin, DJ 11.05.2011.

[59] É exatamente esta a sempre oportuna lição de Barbosa Moreira: “A exigência da correlação entre a sentença e o pedido tem outro aspecto muito importante para o autor: a segurança de que, desde que satisfeitos os requisitos de validade do processo e as chamadas condições da ação, o seu pedido será totalmente julgado. O princípio de que a sentença deve ser congruente com o pedido funciona em dois sentidos: mão e contramão. Às vezes esquecemos um desses aspectos e damos maior ênfase ao outro. Ao juiz é proibido exceder o pedido ou julgar fora do pedido, mas não nos esqueçamos de que há o dever, para o juiz, de pronunciar-se sobre todo o pedido; nada além do pedido, mas todo o pedido. O vício de uma sentença que não julga o pedido por inteiro é tão grave quanto o vício de uma sentença que extravasa os limites do pedido. O chamado vício do julgamento citra petita é tão grave quanto o do julgamento ultra ou extra petita” (Correlação entre o pedido e a sentença. RePro, São Paulo: RT, n. 83, 1996, p. 210).

[60] Interessante notar que tanto no anteprojeto entregue pela Comissão de Juristas quanto no projeto resultante das alterações feitas no Senado não constava a subdivisão (os arts. 925 e 965, respectivamente, falavam apenas em nulidade por não observância dos limites do pedido), que veio a ser acrescentada por ocasião do relatório parcial do Deputado Hugo Legal. A justificativa do Deputado, que como veremos não convence, é a seguinte: “No que diz respeito ao § 3º, há um erro técnico na redação original do inciso II, na medida em que se a decisão é ultra ou extra petita, houve decisão de mérito e a sua invalidação limita-se a extirpar da decisão aquilo que extrapolou o limite da demanda. A decisão citra petita pode ocorrer quando a) não ocorre o exame de um fundamento relevante, ou quando b) não se examinar um pedido. Na primeira hipótese, há vício de fundamentação, cujo dispositivo em comento prevê solução no inciso III. Na segunda hipótese é que deve incidir esse inciso II, mas não se trata de anulação da decisão, pois, rigorosamente, não há vício na decisão porque, simplesmente, não existe decisão. Assim, optou-se por alterar a redação do inciso II e criar o inciso III, abrangendo, dessa forma, as duas hipóteses mencionadas acima” (Disponível em: <http://www.migalhas.com.br/arquivo_artigo/art20120514-04.pdf>. Acesso em: 21 set. 2012).

[61] Recorremos, ainda e sempre, às lições de Barbosa Moreira: “Qual a consequência da violação do princípio que impõe a congruência, a correlação entre a sentença e o pedido? Como se deve considerar uma sentença que viole esse princípio? A consequência normal é a nulidade da sentença – mas, como sempre acontece com matéria de sentenças, convém fazer uma ressalva. No tocante ao julgamento ultra petita, há uma observação que atenua o rigor do princípio. O Código, em matéria de nulidades, adotou uma sistemática inspirada no princípio de que, tanto quanto possível, se deve aproveitar o que foi feito: princípio da aproveitabilidade (…). Se se trata de sentença com objeto divisível, como sempre acontece nas condenações pecuniárias – as importâncias são sempre divisíveis -, em tais casos, e essa tem sido a orientação da jurisprudência, não se deve inutilizar a sentença só pelo fato de ela haver ultrapassado o limite numérico do pedido. Corta-se o excesso. (…) Isso só é possível nos casos de julgamento ultra petita, não nos de julgamento extra petita. Se o autor pediu um boi e o juiz concedeu um cavalo, o órgão de segundo grau não pode transformar o cavalo em boi; tem de anular a sentença” (Correlação…, p. 214). No mesmo sentido: SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas…, n. 723. v. 3. p. 23.

[62] Barbosa Moreira fala em vício de inexistência parcial em relação a pedido não julgado (Item do pedido sobre o qual não houve decisão. Possibilidade de reiteração noutro processo. In: Temas de direito processual civil: segunda série. São Paulo: Saraiva, 1980. n. 10. p. 247). A ideia, todavia, parece-nos perfeitamente aplicável à omissão no julgamento de uma das causas de pedir. É de se lembrar que cada causa de pedir representa ação distinta (art. 301, §§ 1º a 3º, do CPC/73), razão pela qual a pluralidade delas num mesmo processo leva à pluralidade de ações a serem julgadas. E, nessa linha, não é possível a incidência da coisa julgada sobre ação que não foi efetivamente julgada, lembrando que a eficácia preclusiva da res judicata não atinge outras causas de pedir (por todos: MOREIRA, José Carlos Barbosa. A eficácia preclusiva da coisa julgada material no sistema do Código de Processo Civil brasileiro. In: Temas de direito processual civil: primeira série. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1988. p. 104. nota 11). No sentido defendido no texto: LOPES, Bruno Vasconcelos Carrilho. Limites objetivos e eficácia preclusiva da coisa julgada. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 50-51. nota 106.

[63] É o que defendiam: ASSIS, Araken de. Manual dos recursos…, p. 414; BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Apelação: questões…, p. 450-451; DINAMARCO, Cândido Rangel. O efeito devolutivo…, n. 95. p. 183-184; JORGE, Flávio Cheim. A nova reforma…, 145-146. Contra: MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários…, n. 243. v. V. p. 446.

[64] Para as sentenças infra petita, ver: STJ, 4ª T., REsp 918.084/AL, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJ 24.08.09. Para as sentenças extra petita, conferir: STJ, 3ª T., AgRg no REsp 1.194.018/SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, DJe 14.05.2013.

[65] É o caso, por exemplo: STJ, 1ª T., REsp 1.096.908/AL, Rel. Min. Luiz Fux, DJ 19.10.09. Em sentido contrário, negando a aplicação do § 3º do art. 515 para sentença nula por fundamentação deficiente: STJ, 4ª T., REsp 1.236.732/PR, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJ 24.06.2011.

[66] É a opinião dos seguintes autores, que, na esteira de Barbosa Moreira (Comentários…, n. 238. v. V. p. 432), entendem que a validade da sentença é requisito para aplicação do dispositivo: CUNHA, Leonardo José Carneiro da; DIDIER Jr., Fredie. Curso…, v. 3. p. 110-111; JORGE, Flávio Cheim. Teoria geral…, p. 310.

[67] No que tange à prescrição, era essa, aliás, a lição de Enrico Tullio Liebman, em conhecido ensaio escrito para o Código de 1939, que não continha dispositivo semelhante aos arts. 487, II, do NCPC e 269, IV, do CPC/73: Recurso da decisão que declara prescrita…, passim, especialmente p. 124-125.

[68] Neste sentido: GRINOVER, Ada Pellegrini. Os princípios constitucionais…, p. 152-153; MOREIRA, José Carlos, Comentários…, n. 243. p. 443-444.

[69] Na jurisprudência do STJ, porém, encontram-se diversos julgados que, equivocadamente, tratam da hipótese no contexto do § 3º do art. 515 do CPC/73: STJ, 2ª T., AgRg no REsp 1.348.732/MG, Relª Minª Assusete Magalhães, DJe 18.03.2015; STJ, 2ª T., AgRg nos EDcl no AREsp 46.650/PR, Rel. Min. Humberto Martins, DJe 13.08.2014; STJ, 2ª T., REsp 968.409/PE, Rel. Min. Castro Meira, DJe 12.09.2013.

[70] É o que esclarece Cassio Scarpinella Bueno, que deixa claro se tratar de sentença terminativa (Mandado de segurança: comentários às Leis ns. 1.533/51, 4.384/64 e 5.021/66. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 198-199).

[71] Correto, portanto: STJ, 6ª T., RMS 15720/SC, Rel. Min. Paulo Medina, DJ 19.03.07.