DOS LIMITES OBJETIVOS IMPOSTOS PELA LEI Nº 11.101/05 AO DEFERIMENTO DO PROCESSAMENTO DO PEDIDO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL PELO ESTADO-JUIZ
Cleylton Mendes Passos
SUMÁRIO: 1 Introdução. 2 Dos Requisitos Objetivos Fixados pelo Art. 51 da Lei nº 11.101/05 ao Deferimento do Processamento do Pedido de Recuperação Judicial; 2.1 Das Vedações Fixadas pelo Art. 48 da Lei nº 11.101/05 ao Acesso à Recuperação Judicial; 2.2 Dos Limites Objetivos Impostos pela Lei nº 11.101/05 à Atividade Jurisdicional no que Toca ao Deferimento do Processamento do Pedido de Recuperação Judicial – Art. 52 da Lei nº 11.101/05 – Do Ato Vinculado; 2.3 Ato Vinculado X Ato Discricionário; 2.4 Do Ativismo Judicial – Princípio da Legalidade X Princípio da Eficiência; 2.5 Precedentes Jurisprudenciais. 3 Conclusão. 4 Referências Bibliográficas.
1 Introdução
O Estado-juiz, representado nos autos de um processo pela figura do juiz, encontra-se subsumido a inúmeros princípios em sua atuação, dentre os quais se destacam os seguintes: legalidade, impessoalidade, moralidade, eficiência e publicidade.
Na espécie, tem-se que, em decorrência do aumento exponencial do volume de recuperações judiciais ajuizadas no último biênio no Brasil, o Poder Judiciário tem adotado uma postura proativa, inerente ao ativismo judicial, no que tange à análise prima facie dos pedidos de recuperação judicial, em específico no que toca à aferição do preenchimento dos requisitos previstos em lei, a saber, arts. 48 e 51, incisos e parágrafos, da Lei nº 11.101/05, ao deferimento do processamento da recuperação judicial.
Ocorre que, em muitos casos reportados na jurisprudência dos Tribunais pátrios, o ativismo judicial vem se demonstrando contrário aos preceitos em lei fixados como vetores axiológicos da atuação jurisdicional, em específico no que tange à atuação vinculada esperada do Estado-juiz, amarrada, ou melhor dizendo, limitada pela taxatividade dos objetivos em lei traçados à sua consecução, com destaque ao estágio inicial de deferimento do processamento do pedido de recuperação judicial.
Isto posto, em inúmeros casos o julgador tem se imiscuído em atribuições inerentes à Assembleia Geral de Credores, analisando não somente os requisitos fixados pelos arts. 48 e 51 da Lei nº 11.101/05, ao deferimento do processamento do pedido de recuperação judicial, mas também a viabilidade econômico-financeira da pessoa jurídica em recuperação, a lisura e a idoneidade de suas declarações e a solidez de suas demonstrações financeiras, fluxo de caixa e afins.
Por tais motivos, denota-se a existência, ao menos aparente, de um conflito entre o ativismo judicial, pautado pelo princípio da eficiência, para com o princípio da legalidade, sedimentado na atuação esperada do Estado-juiz ao proferir um ato vinculado, assim concebido e descrito em lei, ao embutir neste um caráter discricionário que não lhe foi conferido pela vontade do legislador, bem como pela vontade da lei no tempo.
Dentro desse contexto, o presente trabalho se propõe a analisar e a identificar objetivos impostos pela Lei nº 11.101/05 ao deferimento do processamento do pedido de recuperação judicial pelo Estado-juiz, verificando, na espécie, se ao conferir ao ato vinculado um caráter discricionário/subjetivo estaria o julgador incorrendo em violação ao princípio da legalidade.
2 Dos Requisitos Objetivos Fixados pelo Art. 51 da Lei nº 11.101/05 ao Deferimento do Processamento do Pedido de Recuperação Judicial
O art. 51 da Lei nº 11.101/05 fixa em seus incisos e parágrafos os requisitos objetivos necessários à formatação da petição inicial do processo de recuperação judicial.
Segue transcrição do dispositivo acima citado:
“Art. 51. A petição inicial de recuperação judicial será instruída com:
I – a exposição das causas concretas da situação patrimonial do devedor e das razões da crise econômico-financeira;
II – as demonstrações contábeis relativas aos 3 (três) últimos exercícios sociais e as levantadas especialmente para instruir o pedido, confeccionadas com estrita observância da legislação societária aplicável e compostas obrigatoriamente de:
- a) balanço patrimonial;
- b) demonstração de resultados acumulados;
- c) demonstração do resultado desde o último exercício social;
- d) relatório gerencial de fluxo de caixa e de sua projeção;
III – a relação nominal completa dos credores, inclusive aqueles por obrigação de fazer ou de dar, com a indicação do endereço de cada um, a natureza, a classificação e o valor atualizado do crédito, discriminando sua origem, o regime dos respectivos vencimentos e a indicação dos registros contábeis de cada transação pendente;
IV – a relação integral dos empregados, em que constem as respectivas funções, salários, indenizações e outras parcelas a que têm direito, com o correspondente mês de competência, e a discriminação dos valores pendentes de pagamento;
V – certidão de regularidade do devedor no Registro Público de Empresas, o ato constitutivo atualizado e as atas de nomeação dos atuais administradores;
VI – a relação dos bens particulares dos sócios controladores e dos administradores do devedor;
VII – os extratos atualizados das contas bancárias do devedor e de suas eventuais aplicações financeiras de qualquer modalidade, inclusive em fundos de investimento ou em bolsas de valores, emitidos pelas respectivas instituições financeiras;
VIII – certidões dos cartórios de protestos situados na comarca do domicílio ou sede do devedor e naquelas onde possui filial;
IX – a relação, subscrita pelo devedor, de todas as ações judiciais em que este figure como parte, inclusive as de natureza trabalhista, com a estimativa dos respectivos valores demandados.
- 1º Os documentos de escrituração contábil e demais relatórios auxiliares, na forma e no suporte previstos em lei, permanecerão à disposição do juízo, do administrador judicial e, mediante autorização judicial, de qualquer interessado.
- 2º Com relação à exigência prevista no inciso II do caput deste artigo, as microempresas e empresas de pequeno porte poderão apresentar livros e escrituração contábil simplificados nos termos da legislação específica.
- 3º O juiz poderá determinar o depósito em cartório dos documentos a que se referem os §§ 1º e 2º deste artigo ou de cópia destes.”
Inicialmente, o inciso I do art. 51 da Lei nº 11.101/05 demanda um relato, pela pessoa jurídica que almeja a recuperação judicial, do cenário fático que deu origem à crise econômico-financeira, seguido da exposição de sua atual situação patrimonial.
Ato contínuo, o inciso II do art. 51 do referido diploma exige a apresentação, em anexo à petição inicial, de demonstrações contábeis dos últimos três exercícios sociais, confeccionadas especialmente para instruir o pedido, a saber: balanço patrimonial; demonstração de resultados acumulados; demonstração do resultado desde o último exercício social; e relatório gerencial de fluxo de caixa e de sua projeção – alíneas a, b, c e d, respectivamente.
Por sua vez, os incisos III e IV do referido artigo exigem a apresentação da relação integral e nominal dos credores e dos empregados da pessoa jurídica, respectivamente.
Já o inciso V solicita a juntada de certidão de regularidade da pessoa jurídica no Registro Público de Empresas, ou seja, perante a Junta Comercial do respectivo Estado em que possui sede, bem como cópia atualizada do ato constitutivo, a saber, contrato social ou estatuto social, e ata de nomeação dos atuais administradores.
O inciso VI, em complemento ao anterior, demanda a apresentação de relação atualizada dos bens particulares dos sócios-administradores e dos administradores não sócios da pessoa jurídica.
O inciso VII demanda a juntada dos extratos atualizados das contas bancárias e das aplicações financeiras da pessoa jurídica. O inciso VIII solicita a juntada das certidões de protesto da pessoa jurídica.
Por fim, os §§ 1º e 3º dispõem acerca da disponibilização dos documentos de escrituração contábil e relatos auxiliares ao juízo, administradores e interessados, bem como acerca da possibilidade de que o juiz exija o depósito em cartório das vias originais da documentação mencionada.
Do exposto, denota-se que o art. 51 traça em seus incisos e parágrafos requisitos objetivos à formatação e à estruturação da peça inicial do processo de recuperação judicial.
Ademais, e em análise do conteúdo, restou constatado que os requisitos, em si, não abrem margem a interpretações e/ou a exigências discricionárias quanto ao seu conteúdo, devendo ser observadas as regras específicas atinentes a cada espécie de documento no que tange à sua confecção, p. ex., regras contábeis no tocante ao listado nas alíneas do inciso II do art. 51 da Lei nº 11.101/05 – demonstrações contábeis dos últimos três exercícios sociais.
Nesse esteio, denota-se que o art. 51 da Lei nº 11.101/05 é o dispositivo responsável por sedimentar os vetores balizadores da atividade jurisdicional, em específico no que toca à análise dos requisitos em lei fixados ao deferimento do processamento do pedido de recuperação judicial, tema esse a ser aprofundado no tópico 2.2.
2.1 Das Vedações Fixadas pelo Art. 48 da Lei nº 11.101/05 ao Acesso à Recuperação Judicial
Em complemento aos requisitos objetivos traçados pelo art. 51 da Lei nº 11.101/05, tem-se que o Estado-juiz, ao analisar a petição inicial de recuperação judicial, poderá exigir da pessoa jurídica que almeja a recuperação a comprovação dos requisitos listados nos incisos I a IV do art. 48 do referido diploma. Ex vi:
“Art. 48. Poderá requerer recuperação judicial o devedor que, no momento do pedido, exerça regularmente suas atividades há mais de 2 (dois) anos e que atenda aos seguintes requisitos, cumulativamente:
I – não ser falido e, se o foi, estejam declaradas extintas, por sentença transitada em julgado, as responsabilidades daí decorrentes;
II – não ter, há menos de 5 (cinco) anos, obtido concessão de recuperação judicial
III – não ter, há menos de 5 (cinco) anos, obtido concessão de recuperação judicial com base no plano especial de que trata a Seção V deste Capítulo; (Redação dada pela Lei Complementar nº 147, de 2014)
IV – não ter sido condenado ou não ter, como administrador ou sócio controlador, pessoa condenada por qualquer dos crimes previstos nesta Lei.”
Ou seja, afere-se se a pessoa jurídica não é falida, no sentido de ter passado por processo falimentar, ou, em tendo passado, que a sentença tenha transitado em julgado, com a respectiva extinção das obrigações decorrentes da falência; que a pessoa jurídica, no lapso temporal de protocolo do pedido de recuperação judicial, esteja no exercício regular de suas atividades há mais de dois anos.
Ainda, que a pessoa jurídica não tenha obtido recuperação judicial, regular ou com base no plano especial, há menos de cinco anos.
Por fim, que o administrador ou o sócio da pessoa jurídica, bem como a pessoa jurídica, não tenha sido condenado pelos crimes previstos na Lei nº 11.101/05.
Novamente, e tal como constatado no tópico 2, denota-se a objetividade dos requisitos exigíveis da pessoa jurídica, inexistindo, na hipótese, margem para a aplicação da discricionariedade pelo Estado-juiz.
2.2 Dos Limites Objetivos Impostos pela Lei nº 11.101/05 à Atividade Jurisdicional no que Toca ao Deferimento do Processamento do Pedido de Recuperação Judicial – Art. 52 da Lei nº 11.101/05 – Do Ato Vinculado
Pois bem. Traçados os requisitos em lei previstos ao alcance da recuperação judicial, bem como à formatação da petição inicial, buscamos, novamente na lei, os limites impostos ao julgador na análise dos referidos requisitos.
Isto é, buscamos na lei a espécie de ato que se espera do julgador ao analisar a presença dos requisitos inerentes ao deferimento do processamento do pedido de recuperação judicial, ou seja, se a atuação será vinculada ao texto da lei ou se a lei abre margem à atuação discricionária do julgador.
Nesse sentido, certo é que o art. 52, caput, da Lei nº 11.101/05 é indispensável à referida análise, eis ser o responsável por dispor acerca da atuação do julgador na hipótese.
Abaixo, segue transcrição do referido artigo:
“Art. 52. Estando em termos a documentação exigida no art. 51 desta Lei, o juiz deferirá o processamento da recuperação judicial e, no mesmo ato: (…)”
Do texto colacionado, denota-se que o comando normativo não abre margens à interpretação por parte do julgador quanto ao preenchimento – ou não – dos requisitos fixados pelos arts. 48 e 51 da Lei nº 11.101/55, ao deferimento do processamento do pedido de recuperação judicial.
Em outras palavras, certo é que o art. 52 da Lei nº 11.101/05 impõe ao julgador uma atividade vinculada, sem brechas para o emprego da discricionariedade.
2.3 Ato Vinculado X Ato Discricionário
Neste ponto, e em complemento ao exposto no tópico 2.2, impera delimitar os conceitos de ato administrativo, ato administrativo vinculado e ato administrativo discricionário.
Por certo, os conceitos acima possuem origem no direito administrativo, posto, até mesmo, ser o ato judicial um ato administrativo, praticado pelo Poder Judiciário, órgão que compõe a estrutura do Estado, com origem em um processo de desconcentração de atribuições e competências e repartição de poderes.
O ato administrativo, nas palavras de Bandeira de Mello (2010, p. 385):
“(…) é a declaração do Estado no exercício de prerrogativas públicas, manifestada mediante providências jurídicas complementares da lei a título de lhe dar cumprimento, e sujeitas a controle de legitimidade por órgão jurisdicional.”
No mesmo sentido, discorre Hely Lopes Meirelles (2004, p. 148):
“Condição primeira para o surgimento do ato administrativo é que a Administração aja nessa qualidade, usando de sua supremacia de Poder Público, visto que algumas vezes nivela-se ao particular e o ato perde a característica administrativa, igualando-se ao ato jurídico privado; a segunda é que contenha a manifestação de vontade apta a produzir efeitos jurídicos para os administrados, para a própria Administração ou para seus servidores; a terceira é que provenha de agente competente, com finalidade pública e revestindo forma legal.”
Por declaração jurídica subentende-se aquela por meio da qual o Estado produz efeitos de direito, ou seja, de forma verticalizada declara, cria, extingue, modifica, certifica ou transfere direitos ou obrigações compulsórias (BANDEIRA DE MELLO, 2010, p. 386).
Já a verticalização do ato guarda relação para com as prerrogativas de atuação conferidas ao Estado pelo contrato social, prerrogativas estas insculpidas em seio normativo e, de preferência, em seio constitucional, uma vez serem os atos administrativos exarados sob a égide do direito público, do regime jurídico administrativo, constante esta que, nas palavras de Bandeira de Mello, distancia o ato estatal do ato de direito privado (2010, p. 386).
Neste ponto, Maria Sylvia Di Pietro (2010, p. 195) desenha em sua obra que a definição do ato administrativo encontra-se calcada em alguns dados, dentre os quais se destaca o regime jurídico administrativo, “pois a Administração aparece com todas as prerrogativas e restrições próprias do Poder Público; com isto, afastam-se os atos de direito privado praticados pelo Estado“.
No que toca à complementaridade da lei, tal fator guarda relação para com a vinculação da atividade administrativa às hipóteses legais de atuação estatal (BANDEIRA DE MELLO, 2010, p. 386).
Deste modo, como já reforçado anteriormente, ao se tornar sujeito de direitos e deveres, ao Estado é atribuída a competência para instituir normas jurídicas, as quais, ao mesmo tempo que impostas à sociedade tutelada, submetem o Estado e, por conseguinte, a atividade estatal ao seu crivo (rule of law), sendo, pois, sua atuação não somente limitada (como no caso dos particulares), mas também delimitada pelas disposições normativas – princípio da legalidade.
Assim sendo, seja em razão de previsão infraconstitucional – regra – ou em decorrência de expressa autorização constitucional, “a providência jurídica administrativa será, em tal caso, ao contrário da lei, plenamente vinculada” (BANDEIRA DE MELLO, 2010, p. 386).
Por fim, o exame da legalidade do ato administrativo em seara jurisdicional refere-se à competência do Poder Judiciário, no que tange à análise dos elementos formais de constituição do ato administrativo (seja vinculado ou discricionário), bem assim dos limites em lei fixados para a sua prática, caso discricionário o ato.
Sobre o tema, ainda, destaca-se lição de Carvalho Filho (2010, p. 109), ao aduzir que não há na doutrina pátria um conceito único, solidificado, relativo ao ato administrativo. Há, todavia, três critérios essenciais para a consubstanciação deste, sendo estes: o sentido subjetivo do ato, ou seja, que a vontade deste emane de um agente da Administração Pública ou dotado de suas prerrogativas; a produção de efeitos jurídicos que coadunem para com o interesse público; a subsunção do ato ao regime de direito público, critérios estes que, irrefutavelmente, encontram-se acobertados pela definição de ato administrativo primeiramente elencada, vide doutrina do Professor Bandeira de Mello, que de forma escorreita e minuciosa delineou o conceito do referido ato, sendo este, então, o conceito a ser adotado pelo vertente estudo.
Do mesmo modo o faz Maria Sylvia Di Pietro (2010, p. 195), elencando, todavia, cinco dados essenciais para a definição do ato administrativo, sendo estes: constituir declaração do Estado; sujeita ao regime jurídico administrativo; com o condão de produzir efeitos jurídicos imediatos; passível de controle judicial; e sujeito à lei. Arremata ao definir este como “a declaração do Estado ou de quem o represente, que produz efeitos jurídicos imediatos, com observância da lei, sob regime jurídico de direito público e controle pelo Poder Judiciário“.
Pois bem. Ao se analisarem as mais íntimas nuances do ato administrativo discricionário, por meio de sua conceituação e diferenciação dos demais atos, em específico em relação ao ato administrativo vinculado, denota-se que este, quando da exteriorização da vontade do agente que o pratica, deve reproduzir a própria mens legislatoris, tendo então aquele, nos ensinamentos de Carvalho Filho (2010, p. 120), que “fixar como objeto deste (ato administrativo) o mesmo que a lei previamente já estabeleceu“.
Bandeira de Mello (2012, p. 434), em consonância ao acima disposto, conceitua o ato administrativo vinculado como
“(…) aquele em que, por existir prévia e objetiva tipificação legal do único comportamento da Administração em face de situação igualmente prevista em termos de objetividade absoluta, a Administração, ao expedi-los, não interfere com apreciação subjetiva alguma.”
No mesmo sentido, segue Hely Lopes Meirelles (2004, p. 164):
“Atos vinculados ou regrados são aqueles para os quais a lei estabelece os requisitos e condições de sua realização. Nessa categoria de atos, as imposições legais absorvem, quase que por completo, a liberdade do administrador, uma vez que sua ação fica adstrita aos pressupostos estabelecidos pela norma legal para a validade da atividade administrativa.”
Por sua vez, o ato administrativo discricionário importa em situações nas quais o próprio texto normativo faculta “ao agente que faça o delineamento do que pretende com sua manifestação de vontade” (CARVALHO FILHO, 2010, p. 120).
Neste sentido, nas palavras de Bandeira de Mello (2012, p. 434):
“Atos ‘discricionários’, pelo contrário, seriam os que a Administração pratica com certa margem de liberdade de avaliação ou decisão segundo critérios de conveniência e oportunidade formulados por ela mesma, ainda que adstrita à lei reguladora da expedição deles.”
Em consonância, segue Hely Lopes Meirelles (2004, p. 166): “Atos discricionários são os que a Administração pode praticar com liberdade de escolha de seu conteúdo, de seu destinatário, de sua conveniência, de sua oportunidade e do modo de sua realização“.
Extrai-se do exposto que a diferença nuclear entre ambos reside na existência ou não de margem de liberdade quando da prática do ato administrativo pelo Poder Judiciário, haja vista que nos primeiros resta ausente a liberdade do julgador, vez ter o legislador, quando do edito da norma, esgotado antecipadamente as hipóteses de atuação daquele, vinculando seu comportamento ao expresso texto legal.
Já nos segundos, o texto normativo faculta ao julgador certa margem de manobra, em virtude das circunstâncias específicas do caso concreto, “impondo-lhe e simultaneamente facultando-lhe a utilização de critérios próprios para avaliar ou decidir quanto ao que lhe pareça ser o melhor meio de satisfazer o interesse público que a norma legal visa realizar” (BANDEIRA DE MELLO, 2012, p. 434).
Em assim sendo, torna perceptível que a discricionariedade consubstancia-se na liberdade de agir do julgador dentro da moldura normativa, segundo critérios subjetivos próprios do julgador, a fim de alcançar o interesse público.
Ou seja, não há uma ausência de lei, mas, sim, a abertura de hipóteses que norteiam a atuação do Poder Judiciário, seja em razão da previsão de múltiplos atos, seja em decorrência da utilização de termos ambíguos (BANDEIRA DE MELLO, 2010, p. 434).
Nesta senda, seguem as lições do ilustre mestre português André Gonçalves Pereira, citado por Bandeira de Mello, ao versar que “o poder discricionário não resulta da ausência de regulamentação legal de certa matéria, mas, sim, de uma forma possível de sua regulamentação” (2012, p. 434).
Fixadas premissas acerca da distinção entre o instituto da discricionariedade e da vinculação em seara judicial, passemos à análise do ativismo judicial constatado em precedentes de Tribunais pátrios.
2.4 Do Ativismo Judicial – Princípio da Legalidade X Princípio da Eficiência
Elival da Silva Ramos (2010, p. 129) delimita o conceito de ativismo judicial como sendo o
“(…) exercício da função jurisdicional para além dos limites impostos pelo próprio ordenamento que incumbe, institucionalmente, ao Poder Judiciário fazer atuar, resolvendo litígios de feições subjetivas (conflitos de interesse) e controvérsias jurídicas de natureza objetiva (conflitos normativos). Há, como visto, uma sinalização claramente negativa no tocante às práticas ativistas, por importarem na desnaturação da atividade típica do Poder Judiciário, em detrimento dos demais Poderes. Não se pode deixar de registrar mais uma vez: tanto pode ter o produto da legiferação irregularmente invalidado por decisão ativista (em sede de controle de constitucionalidade) quanto o seu espaço de conformação normativa invadido por decisões excessivamente criativas.”
Do exposto, denota-se que o ativismo judicial nada mais é do que a efetivação, ainda que teórica, e sem analisar, nessa descrição, o caráter justo ou injusto do instituto, mas tão somente o seu conceito, do princípio da eficiência pelo Estado-juiz, ao conferir soluções a casos postos sub judice, ultrapassando os limites impostos pelo ordenamento jurídico a sua atuação.
Neste ponto, e retomando o início do trabalho, denota-se que o ativismo pode, em muitos casos, ir de encontro ao princípio da legalidade e, tendo por base o presente estudo, aos limites impostos pelo ordenamento jurídico ao aplicador da norma, em casos em que o julgador ultrapassa as barreiras a ele impostas, tais como o caráter vinculado de um ato a ser praticado por ele, praticando, então, um ato discricionário, quando a lei, na hipótese, exige-lhe um comportamento diverso, a saber, um comportamento vinculado, pré-moldado pela letra da lei.
Nesse sentido, impera destacar o conceito do princípio da legalidade, sendo esse, na visão de Alexandre de Moraes (2011, p. 45):
“O art. 5º, II, da Constituição Federal preceitua que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei. Tal princípio visa combater o poder arbitrário do Estado. Só por meio das espécies normativas devidamente elaboradas conforme as regras do processo legislativo constitucional podem se criar obrigações para o indivíduo, pois são expressões da vontade geral. Com o primado soberano da lei, cessa o privilégio da vontade caprichosa do detentor do poder em benefício da lei. Conforme salientam Celso Bastos e Ives Gandra Martins, no fundo, portanto, o princípio da legalidade mais se aproxima de uma garantia constitucional do que de um direito individual, já que ele não tutela, especificamente, um bem da vida, mas assegura ao particular a prerrogativa de repelir as injunções que lhe sejam impostas por uma ou outra via que não seja a da lei (…).“
Do acima colacionado, denota-se que um particular não pode ter um direito que a lei lhe confere ceifado por um ato que não esteja autorizado por lei.
Em outras palavras, tem-se que direitos e garantias em lei conferidas somente podem ser limitados por outra previsão legal que autorize a suspensão e/ou a supressão do que foi conferido inicialmente, de modo que o Estado-juiz não poderá limitar direitos e garantias sem que haja lei expressa nesse sentido que lhe autorize.
De outra sorte, interessante delimitar o conceito do princípio da eficiência:
“O princípio da eficiência não derroga nem supera o princípio da legalidade. Sua inserção no texto constitucional significa que não basta atuar de maneira conforme a lei. Não faz sentido emperrar a Administração para dar estrito cumprimento à literalidade da lei. Agora é preciso mais: a Administração deve buscar a forma mais eficiente de cumprir a lei, deve buscar, entre a as soluções teoricamente possíveis, aquela que, diante das circunstâncias do caso concreto, permita atingir os resultados necessários à melhor satisfação do interesse público.” (DALLARI, 2006, p. 200)
Do exposto, denota-se que o princípio da eficiência compele a Administração, ou, no caso, o Estado-juiz, a conferir a solução ao caso concreto que melhor atenda à satisfação do interesse público.
Por certo, a recuperação judicial, ao ser pensada sob o prisma social, detém reflexos imensuráveis sobre o interesse público, dada a função social da empresa, bem como os reflexos desta sobre a sociedade de mercado.
Todavia, até que ponto o ativismo judicial, na busca pelo interesse público, é permitido, sob as amarras que o texto normativo, em sua moldura fechada, impõe à atividade jurisdicional?
Essa, por certo, é a questão central do presente estudo, a qual será respondida logo mais quando da conclusão do trabalho.
Portanto, resta demonstrado que o ativismo judicial, encampado no princípio da eficiência, pode vir a colidir com o princípio da legalidade, nos casos em que o julgador ultrapassa os limites impostos pelo ordenamento jurídico na busca pelo interesse público que melhor solucione a lide posta em juízo.
2.5 Precedentes Jurisprudenciais
Em recente decisão proferida pela 13ª Vara Cível Especializada Empresarial de Recuperação Judicial e Falência de Vitória/ES, pertencente ao Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo, o julgador indeferiu a petição inicial de recuperação judicial, por conseguinte, extinguiu o processo sem o exame de mérito – Processo 0030427-50.2016.8.08.0024.
Assim procedeu, em suas palavras (2016), eis que
“(…) a viabilidade da empresa é pressuposto processual e lógico da recuperação judicial e, uma vez ausentes tais pressupostos ou sendo impossível inferi-los ante a análise de documentos inconsistentes, o processo deve ser extinto sem resolução do mérito, haja vista a constatação de que a recuperação não é factível, tampouco poderá se prestar ao fim objetivado por lei.”
Assentou, ainda (2016)
“Diante desse contexto, não se mostra razoável deferir o processamento da presente recuperação judicial blindando o patrimônio da Steelmec Service Ltda. ME e de seus sócios em relação a seus credores, se já se pode inferir desde logo que não será possível a divisão equilibrada de ônus e que não serão obtidos os benéficos resultados sociais e econômicos que a lei pretende preservar.”
Do texto transcrito, denota-se que o julgador analisou, na hipótese, os documentos contábeis, bem como os documentos listados pelo art. 51 da Lei nº 11.101/05 e protocolados pela requerente em anexo à petição inicial.
Ao assim proceder, emitiu o julgador juízo de valor acerca destes, os tomando por inconsistentes, bem como concluindo pela inviabilidade da recuperação judicial, caso fosse deferida, posto não ser factível em seu entendimento a viabilidade da empresa, entendimento esse extraído da análise contábil da documentação apresentada.
A seguir, transcrevo trechos da decisão, aptos a demonstrar o entendimento e o raciocínio empreendidos pelo julgador (2016):
“De início, saliento que a autora é empresa constituída em 31 de maio de 2012, ou seja, há menos de 5 (cinco) anos, e, conforme declaração da própria autora em sua inicial, atua em mercado de grande risco.
Com efeito, é cediço que o deferimento do pedido para processamento da recuperação judicial requer a demonstração dos requisitos formais e objetivos previstos pelos arts. 48 e 51 da Lei nº 11.101/05.
Porém, mesmo que a lei, no primeiro momento, tenha atribuído apenas condições formais para o deferimento do processamento da recuperação judicial, a análise prévia destes documentos não pode se restringir ao simples ato de conferência de sua integral apresentação ou não.
O instituto da recuperação judicial deve ser utilizado como uma ferramenta de equilíbrio do mercado, permitindo que empresas ‘viáveis’, porém, em período transitório de déficit de caixa, se reestruturem e continuem a prover à sociedade seus frutos: emprego, geração de renda, tributos, etc.
Em compasso com os preceitos do instituto da recuperação judicial, é possível ao juiz proceder com a análise dos documentos e dos demonstrativos apresentados pelo autor que carreiam e fundamentam o seu pleito, mesmo que de forma superficial e sem grandes aprofundamentos, verificando um mínimo de viabilidade e evitando um maior custo para toda a sociedade no processamento de medidas natimortas.
Assim procedendo, verifico que as demonstrações contábeis apresentadas pela autora são incongruentes e espelham uma realidade diferente da relatada no pedido.
Impõe esclarecer que nas fls. 54, 61, 99 e 110 estão as Demonstrações de Fluxo de Caixa cujo objetivo é retratar as entradas e as saídas de dinheiro do caixa durante um período, que neste caso refletem os anos de 2012/2013, 2013/2014, 2014/2015 e 2015/2016, respectivamente, fato que impacta diretamente na capacidade da requerente arcar com seus compromissos.
Mesmo que em algumas dessas demonstrações os períodos contábeis não estejam completos, ou seja, não englobem o exercício completo do ano, analisando tais demonstrativos é de fácil constatação que existem incongruências nos valores apresentados.
Tem-se o Demonstrativo de Fluxo de Caixa (DFC) – método direto de fl. 110, em que apresenta um valor zerado de recebimento de clientes, tanto para o ano de 2016 quanto para 2015, o que significa que durante todo esse período a autora não recebeu nenhum valor, ou seja, mesmo que tenha operado nesse período, não teve qualquer ingresso de valor em seu caixa.
Quando contraposta essa Demonstração de Fluxo de Caixa com a Demonstração do Resultado do Exercício (DRE) de fl. 107, também do mesmo período, fica ainda mais evidente a incongruência das informações. Observe-se que na DRE se apresenta uma Receita Líquida Operacional de R$ 866.318,56 e uma Despesa Operacional de R$ 1.487.924,64, enquanto que na DFC se apresenta o pagamento de R$ 2.325.844,11 a título de Despesas Operacionais, e que ainda é diferente do relatado nas notas explicativas do mesmo período contido à fl. 112. Dita incongruência é apenas um dos pontos observados por este juízo mediante análise sumária dos documentos.
Outro ponto de destaque e que impacta diretamente na análise de viabilidade da empresa e no consequente deferimento do processamento da recuperação judicial é a projeção de fluxo de caixa apresentado às fls. 338-339, onde se projeta um resultado de caixa operacional negativo em R$ 11.842,51 para os meses de setembro a dezembro de 2016, acumulando um prejuízo de R$ 46.370,04, porém, sem projetar qualquer pagamento aos credores.
Já em janeiro de 2017, projeta-se uma duplicação das entradas, sem qualquer justificativa possível, mantendo-se a exclusão de qualquer pagamento aos credores, e, assim, apresentando um resultado de R$ 47.799,00.
Este aumento da receita de forma repentina se apresenta insustentável até pela própria declaração da autora atestando que seu mercado é de grande risco e se encontra em recessão, corroborando ainda mais para a conclusão de que as demonstrações contábeis não refletem com exatidão a realidade da empresa.” (grifo nosso)
Dos trechos grifados, denota-se a análise contábil, da própria viabilidade da empresa, pelo juiz, tendo este concluído pela inviabilidade da recuperação judicial pela empresa.
Na análise efetivada, o próprio juízo reconhece, no trecho sublinhado, que a lei somente atribuiu como requisito ao deferimento do processamento da recuperação judicial a análise de requisitos formais, todavia, e tendo por base a sociedade de mercado, o objetivo final do instituto da recuperação judicial, sendo esse o restabelecimento da empresa e seus reflexos, o julgador entendeu que, no caso em análise, deveria adentrar no mérito da recuperação, proferindo juízo de valor acerca da viabilidade – ou não – do procedimento.
A referida decisão, contudo, não se encontra uniformizada com o entendimento majoritário que tem sido adotado pelos Tribunais pátrios, os quais, em casos com identidade fático-normativa para com o presente, têm reformado decisões de primeira instância nas hipóteses em que o julgador adentra no mérito da recuperação judicial, aferindo, na espécie, a viabilidade da empresa que pleiteia o benefício.
Nesse sentido, colaciono abaixo precedente com identidade fático-normativa para com o caso anteriormente tratado, precedente esse proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, oportunidade em que, em sede de apelação, restou assentado o descabimento da análise da viabilidade econômica da pessoa jurídica em recuperação, pelo magistrado de primeira instância, como requisito ao deferimento do processamento do pedido de recuperação judicial.
“APELAÇÃO. PEDIDO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL. INDEFERIMENTO DO PROCESSAMENTO. IMPOSSIBILIDADE. CUMPRIMENTO DO ART. 51, I, DA LEI Nº 11.101/05. DESCABIMENTO DA ANÁLISE DA VIABILIDADE ECONÔMICA DA EMPRESA.
A recuperação judicial constitui uma ação judicial destinada a sanear a situação de crise econômico-financeira do empresário devedor, viabilizando a manutenção de suas atividades. Com isso, a nova Lei de Falências trouxe a possibilidade de reestruturação aos empresários economicamente viáveis que passem por dificuldades passageiras, mantendo os empregos e os pagamentos aos credores. Nesse dispositivo, está expresso o princípio maior da recuperação da empresa que informa a essência do instituto: o princípio da preservação da empresa. A manutenção da fonte produtora e de circulação de riquezas é uma preocupação enorme do legislador, diante do papel fundamental que a atividade econômica representa na estabilidade e no desenvolvimento social. A recuperação empresarial só assiste a empresários ou a sociedades empresárias que cumpram os requisitos legais trazidos no art. 48 e demonstrem a sua viabilidade econômica. Não é porque vige o princípio da preservação da empresa que qualquer recuperação judicial será deferida.
O art. 53, II, da Lei nº 11.101/05 evidencia essa lógica. O juiz não pode, porém, analisar a viabilidade econômica da empresa para deferir ou não o processamento da recuperação, na oportunidade mencionada no art. 52 da Lei nº 11.101/05. No caso em tela, houve o indeferimento do processamento do pedido de recuperação judicial feito pela sociedade apelante por não ter sido preenchido o requisito legal do art. 51, I, da Lei nº 11.101/05. Da leitura da peça inicial, verifica-se que houve a exposição das causas concretas da situação patrimonial da sociedade apelante e as razões de sua crise econômico-financeira. Com efeito, a sociedade apelante narra, em síntese, que a origem de sua crise econômico-financeira deu-se com a assunção da mantença de duas instituições de ensino (UGF e UniverCidade), uma vez que teve que assumir obrigações com valores elevados e, em razão de tal cenário, sofreu com paralisações de atividade do corpo docente, o que acabou culminando no descredenciamento de tais instituições perante o Ministério da Educação e queda brutal de suas receitas. Afirma ainda que vem diligenciando administrativamente e judicialmente, com a interposição de recurso administrativo e a impetração de mandado de segurança, para a reversão da decisão do Ministério da Educação para que ambas as instituições voltem a funcionar. Tal narrativa atende perfeitamente aos ditames do art. 51, I, da Lei nº 11.101/05, sendo certo que nessa fase processual o juiz avaliará apenas o preenchimento dos requisitos formais, não podendo se imiscuir no mérito da viabilidade econômica da empresa e, portanto, atendidos os requisitos formais, o processamento da recuperação judicial deverá ser deferido. A doutrina e a jurisprudência majoritárias entendem que não cabe ao magistrado interferir na viabilidade do plano de recuperação judicial e sua atuação se resume à verificação dos requisitos formais, bem como exercer controle quanto à legalidade do plano, devendo ser privilegiado o debate travado entre os principais interessados: o devedor e seus credores. Ora, se não cabe o controle da viabilidade do plano de recuperação no momento da concessão da recuperação judicial, quando possui uma grande quantidade de elementos para fazer a análise da viabilidade econômica da empresa, especialmente à luz do teor do plano de recuperação, não será na fase de deferimento do processamento que o magistrado estará autorizado a adentrar nesse mérito, até porque carecerá de elementos contundentes e conhecimento técnico para tanto. Dessa forma, considerando o cumprimento do art. 51, I, da Lei nº 11.101/05, bem como a impossibilidade de controle nessa fase processual da viabilidade econômica da empresa, deve ser deferido o processamento da recuperação judicial requerida pela sociedade apelante. Provimento do recurso.” (TJRJ, Apelação 0105323-98.2014.8.19.0001, Relª Desª Renata Machado Cotta, j. 25.02.2015, DJe 27.02.2015)
Em seu voto, a Relatora deixou claro que ao juiz, na fase de análise do deferimento – ou não – do processamento do pedido de recuperação judicial, cabe tão somente avaliar o preenchimento dos requisitos formais traçados pelo art. 48 c/c o art. 51 da Lei nº 11.101/05, sendo vedada a análise do mérito da recuperação judicial, a saber, a viabilidade econômica da empresa.
Até mesmo porque, no entendimento da Relatora, o magistrado careceria de conhecimento técnico apto a lastrear sua decisão. Ponto correto, tendo em vista que aferir a viabilidade econômica de uma empresa demanda conhecimentos técnicos contábeis e econômicos, além de um profundo conhecimento acerca do segmento de mercado explorado, público, enfim, do dia a dia da pessoa jurídica que busca a recuperação judicial.
Somado ao precedente acima, colaciono outro precedente do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. No precedente abaixo, o Tribunal julgou um recurso de agravo de instrumento, interposto pela pessoa jurídica que pleiteava a recuperação judicial, em face de decisão prolatada pelo magistrado de primeira instância determinando a realização de perícia prévia com o fito de atestar a viabilidade econômico-financeira da pessoa jurídica pleiteante.
“ACÓRDÃO
DIREITO EMPRESARIAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. DECISÃO QUE DETERMINOU A REALIZAÇÃO DE PERÍCIA PRÉVIA PARA ANÁLISE DA VIABILIDADE DE PROCESSAMENTO DO PEDIDO DE RECUPERAÇÃO.
INEXISTÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. AO JUIZ CABE, APÓS A VERIFICAÇÃO DO CUMPRIMENTO DOS REQUISITOS ELENCADOS NO ART. 51 DA LEI Nº 11.101/05, DEFERIR OU NÃO O PROCESSAMENTO DA MEDIDA. COMPETE AO ADMINISTRADOR JUDICIAL A FISCALIZAÇÃO DAS ATIVIDADES DO DEVEDOR E O CUMPRIMENTO DO PLANO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL. INTELIGÊNCIA DO ART. 22, II, A, DA LRF.
PRINCÍPIO DA PRESERVAÇÃO DA EMPRESA. PROVA QUE REQUER UM LAPSO DE TEMPO PARA SUA ELABORAÇÃO, QUE ULTRAPASSA FACILMENTE 2 MESES DIANTE DAS PECULIARIDADES DESTA ESPÉCIE DE PROVA. DETERMINAÇÃO QUE É CAPAZ DE GERAR PREJUÍZOS À EMPRESA E, EVENTUALMENTE, COMPROMETER A PRÓPRIA VIABILIDADE DA RECUPERAÇÃO. OBSERVÂNCIA DOS PRINCÍPIOS DA CELERIDADE, DA LEGALIDADE E DA EFETIVIDADE DA PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. DECISÃO QUE SE REFORMA.
PLEITO DE APRECIAÇÃO DE MEDIDAS CAUTELARES PARA LIBERAÇÃO DE CRÉDITOS ORIUNDOS DE OPERAÇÕES BANCÁRIAS. MATÉRIA NÃO APRECIADA EM PRIMEIRA INSTÂNCIA
IMPOSSIBILIDADE DE ANÁLISE NESTA INSTÂNCIA RECURSAL, SOB PENA DE SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. DÁ-SE PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO.” (TJRJ, AgI 0055037-85.2015.8.19.0000, Rel. Des. Marcelo Lima Buhatem, j. 17.11.2015, DJe 18.11.2015)
Abaixo, destaco trechos do voto do Desembargador-Relator:
“Com efeito, o art. 52 da Lei nº 11.101/05 dispõe de forma imperativa que:
‘Estando em termos a documentação exigida no art. 51 desta Lei, o juiz deferirá o processamento da recuperação judicial (…).’
Da leitura do dispositivo em comento, infere-se que não há previsão legal para a realização de perícia prévia, sendo de todo relevante destacar que este ato inicial do juiz não é o de concessão da recuperação judicial, mas de simples determinação de seu processamento.
Gize-se, ademais, que no despacho inicial que defere o processamento da recuperação o juiz também deve nomear o administrador judicial; a quem compete, dentre outras atribuições, fiscalizar as atividades do devedor e o cumprimento do plano de recuperação judicial. Confira-se:
‘Art. 52. Estando em termos a documentação exigida no art. 51 desta Lei, o juiz deferirá o processamento da recuperação judicial e, no mesmo ato:
I – nomeará o administrador judicial, observado o disposto no art. 21 desta Lei;’
‘Art. 22. Ao administrador judicial compete, sob a fiscalização do juiz e do Comitê, além de outros deveres que esta Lei lhe impõe:
(…)
II – na recuperação judicial:
- a) fiscalizar as atividades do devedor e o cumprimento do plano de recuperação judicial;’
Assim, a idoneidade das informações apresentadas inicialmente pela parte autora será verificada pelo administrador judicial, sendo de todo pertinente destacar que a norma processual prevê consequências caso não observados pelas partes os deveres de lealdade e boa-fé.
Por outra perspectiva, não se pode olvidar da importância da empresa no contexto social, em face dos reflexos da exteriorização de sua função de estímulo às atividades econômicas, geração de empregos e de alavancagem dos princípios constitucionais da livre-iniciativa e da livre-concorrência.
Ademais, é cediço que a realização de qualquer prova pericial, mesmo que não exauriente, requer um lapso de tempo para sua elaboração, sendo notório que este ultrapassa facilmente 2 meses; diante das peculiaridades próprias desta espécie de prova.
Nesse trilho, entendo que o pedido de ‘socorro’ ao regime de recuperação judicial feito por empresas que estejam em momento de dificuldades deve ser analisado o mais breve possível, em observância aos princípios da celeridade processual e da efetividade da prestação jurisdicional, notadamente porque neste estado instável o que mais teme o devedor são as execuções de seus débitos que podem levar à penhora imediata de seus bens ou ao pedido de falência.
Assim, a determinação de realização de perícia prévia é capaz de comprometer, inclusive, em algumas situações extremas, a própria viabilidade da recuperação judicial.
Por certo, o intérprete e aplicador das normas de direito deve sempre ter presente, em suma, que a lei que regula a recuperação judicial e a falência visa, em suas regras, criar condições para que a atividade empresarial desenvolvida pelo devedor (a empresa) não seja indevidamente sacrificada.
Destarte, tenho que a decisão recorrida merece ser reformada, para afastar a necessidade de realização de perícia prévia, cabendo ao magistrado a quo a análise da documentação já apresentada, com escopo de proferir decisão sobre o pleito de processamento da recuperação judicial.” (grifo nosso)
Na hipótese, o Relator destacou que a Lei, em específico no que toca aos arts. 51 e 52, não traz em seu corpo previsão acerca da realização de perícia, sendo certo que, no caso concreto, a lisura e a certeza da documentação apresentada, sob o crivo do art. 51, já mencionado, serão atestadas pelo administrador judicial.
Ainda, destaca que a realização de prova pericial vai de encontro à razão de ser do instituto da recuperação judicial, ao passo que a empresa em crise demanda urgência, tanto no estancamento de seus débitos quanto na retomada da regularidade em seu dia a dia. Portanto, a espera pela realização de prova pericial seria incompatível para com o rito célere que se espera do processo de recuperação judicial.
Por fim, lembrou o Relator que não cabe ao juiz, em sede de despacho inicial, deferir ou não a recuperação judicial, mas tão somente o processamento dessa, seu início.
Por assim ser, certo é que no decorrer de seu processamento, com a apresentação do plano de recuperação judicial, bem assim publicidade conferida à documentação apresentada pela empresa pleiteante, tanto o juízo, representado pelo administrador judicial, quanto a Assembleia de Credores, órgão superior do processo de recuperação judicial, terão a oportunidade de aferir, contestar e ratificar – ou não – a viabilidade da empresa pleiteante.
Neste ponto, e no que tange ao papel da Assembleia de Credores, enquanto órgão supremo do processo de recuperação judicial, vale destacar o ensinamento de Fábio Ulhoa Coelho (2011, p. 246-247):
“O procedimento da recuperação judicial, no direito brasileiro, visa criar um ambiente favorável à negociação entre o devedor em crise e seus credores. O ato do procedimento judicial em que privilegiadamente se objetiva ambientação favorável ao acordo é, sem dúvida, a Assembleia de Credores. Por essa razão, a deliberação assemblear não pode ser alterada ou questionada pelo Judiciário, a não ser em casos excepcionais como a hipótese do art. 58, § 1º, ou a demonstração de abuso de direito de credores em condições formais de rejeitar, sem fundamentos, o plano articulado pelo devedor.”
A doutrina acima colacionada deve ser aplicada ao caso em análise por analogia, ao reforçar o entendimento de que ao Poder Judiciário, no curso do processo de recuperação judicial, cabe o papel próximo à figura de custos legis, ou seja, não cabe ao julgador o papel de valorar a recuperação, mas, sim, atuar enquanto um maestro na direção de uma orquestra, coordenando e impulsionando o feito, com o objetivo de conferir-lhe o devido processo legal, a ampla defesa e o contraditório, fazendo com que a recuperação judicial alcance, ao final, o melhor resultado possível sob a ótica da Assembleia de Credores.
Portanto, em razão das renúncias e dos ônus suportados pela Assembleia de Credores, certo é que a ela cabe a decisão final quanto ao deferimento final da recuperação judicial, de modo que ao ser constatada a presença formal de toda a documentação exigida pelo art. 51 da Lei nº 11.101/05, bem assim a presença dos demais requisitos exigidos em lei, caberá ao julgador tão somente impulsionar o feito, sendo incabível a emissão de juízo valorativo acerca de seu conteúdo, lisura e idoneidade.
Aliás, de se destacar que os entendimentos prolatados nos acórdãos do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, somados à doutrina de Fábio Ulhoa Coelho, encontram amparo em jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de Justiça, a seguir colacionada:
“DIREITO EMPRESARIAL. PLANO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL. APROVAÇÃO EM ASSEMBLEIA. CONTROLE DE LEGALIDADE. VIABILIDADE ECONÔMICO-FINANCEIRA. CONTROLE JUDICIAL. IMPOSSIBILIDADE.
- Cumpridas as exigências legais, o juiz deve conceder a recuperação judicial do devedor cujo plano tenha sido aprovado em assembleia (art. 58, caput, da Lei nº 11.101/05), não lhe sendo dado se imiscuir no aspecto da viabilidade econômica da empresa, uma vez que tal questão é de exclusiva apreciação assemblear.
- O magistrado deve exercer o controle de legalidade do plano de recuperação – no que se insere o repúdio à fraude e ao abuso de direito -, mas não o controle de sua viabilidade econômica. Nesse sentido, Enunciados ns. 44 e 46 da I Jornada de Direito Comercial do CJF/STJ.
- Recurso especial não provido.” (REsp 1.359.311/SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, j. 09.09.2014, DJe 30.09.2014)
Novamente, destaca-se que o acórdão acima, por certo, deve ser aplicado em analogia ao presente caso, posto tratar-se de hipótese em que o juiz não concedeu a recuperação judicial da empresa, apesar de ter sido aprovado o plano de recuperação judicial em sede de Assembleia de Credores, por entender não ser o mesmo viável.
Na hipótese, o Superior Tribunal de Justiça assentou entendimento no sentido de que ao juiz incumbe o controle da legalidade, mas não o da viabilidade da recuperação judicial.
Quanto ao tema, ainda, destaca-se que os Enunciados ns. 44 e 46, aprovados na I Jornada de Direito Comercial do CJF/STJ, ratificam o entendimento até aqui exposto:
“44. A homologação de plano de recuperação judicial aprovado pelos credores está sujeita ao controle de legalidade.
(…)
- Não compete ao juiz deixar de conceder a recuperação judicial ou de homologar a extrajudicial com fundamento na análise econômico-financeira do plano de recuperação aprovado pelos credores.”
De todo o exposto, denota-se que a jurisprudência pátria tem se posicionado no sentido de ser vedada a análise do mérito do pedido de recuperação judicial pelo julgador, quando da aferição do preenchimento – ou não – pela pessoa jurídica dos requisitos listados nos arts. 48 e 51 da Lei nº 11.101/05 para o deferimento do processamento do pedido de recuperação judicial, motivo pelo qual estaria a atuação jurisdicional amarrada ao campo vinculado de atuação previsto no art. 52 da Lei nº 11.101/05.
Isto posto, o julgador no caso concreto detém atuação restrita ao acompanhamento, à fiscalização e à impulsão do processo, sendo a decisão acerca da viabilidade – ou não – da empresa, no bojo do processo de recuperação judicial, restrita à deliberação da Assembleia de Credores, órgão supremo dessa espécie de processo.
3 Conclusão
O presente trabalho se propôs a analisar e a identificar objetivos impostos pela Lei nº 11.101/05 ao deferimento do processamento do pedido de recuperação judicial pelo Estado-juiz, verificando, na espécie, se ao conferir ao ato vinculado um caráter discricionário/subjetivo estaria o julgador incorrendo em violação ao princípio da legalidade.
Nesse contexto, identificou-se que o art. 51 da Lei nº 11.101/05 fixa em seus incisos e parágrafos os requisitos objetivos necessários à formatação da petição inicial do processo de recuperação judicial.
Ao mais, ao ser analisado o conteúdo do dispositivo acima mencionado, restou constatado que os requisitos ali fixados, per se, não abrem margem a interpretações e/ou a exigências discricionárias quanto ao seu conteúdo, devendo ser observadas as regras específicas atinentes a cada espécie de documento no que tange à sua confecção, p. ex., regras contábeis no tocante ao listado nas alíneas do inciso II do art. 51 da Lei nº 11.101/05 – demonstrações contábeis dos últimos três exercícios sociais.
Ato contínuo, identificou-se que, em complemento aos requisitos objetivos traçados pelo art. 51 da Lei nº 11.101/05, o Estado-juiz, ao analisar a petição inicial de recuperação judicial, poderá exigir da pessoa jurídica que almeja a recuperação a comprovação dos requisitos listados nos incisos I a IV do art. 48 do referido diploma.
Novamente, e tal como constatado no que toca aos requisitos listados pelo art. 51 da Lei nº 11.101/05, concluiu-se pela natureza objetiva dos requisitos traçados pelo art. 48 do referido diploma legal, inexistindo, na hipótese, margem para aplicação da discricionariedade pelo Estado-juiz.
Pois bem. Traçados os requisitos em lei previstos ao alcance da recuperação judicial, bem como à formatação da petição inicial, buscamos, novamente na lei, os limites impostos ao julgador na análise dos referidos requisitos.
Isto é, buscamos na lei a espécie de ato que se espera do julgador ao analisar a presença dos requisitos inerentes ao deferimento do processamento do pedido de recuperação judicial, ou seja, se a atuação será vinculada ao texto da lei ou se a lei abre margem à atuação discricionária do julgador.
Nesse sentido, certo é que o art. 52, caput, da Lei nº 11.101/05 emite comando normativo que não abre margens à interpretação por parte do julgador quanto ao preenchimento – ou não – dos requisitos fixados pelos arts. 48 e 51 da Lei nº 11.101/05, ao deferimento do processamento do pedido de recuperação judicial.
Em outras palavras, identificou-se que o art. 52 da Lei nº 11.101/05 impõe ao julgador uma atividade vinculada, sem brechas para o emprego da discricionariedade.
Neste ponto, identificou-se a necessidade de delimitar os conceitos de ato administrativo vinculado e ato administrativo discricionário, com o fito de subsidiar o melhor entendimento do leitor.
Por conseguinte, identificou-se que os conceitos acima possuem origem no direito administrativo, posto, até mesmo, ser o ato judicial um ato administrativo, praticado pelo Poder Judiciário, órgão que compõe a estrutura do Estado, com origem em um processo de desconcentração de atribuições e competências e repartição de poderes.
Ainda, restou comprovado que a diferença nuclear entre ambos reside na existência ou não de margem de liberdade quando da prática do ato administrativo pelo Poder Judiciário, haja vista que nos primeiros resta ausente a liberdade do julgador, vez ter o legislador, quando do edito da norma, esgotado antecipadamente as hipóteses de atuação daquele, vinculando seu comportamento ao expresso texto legal.
Já nos segundos, o texto normativo faculta ao julgador certa margem de manobra, em virtude das circunstâncias específicas do caso concreto.
Em assim sendo, tornou-se perceptível que a discricionariedade consubstancia-se na liberdade de agir do julgador dentro da moldura normativa, segundo critérios subjetivos próprios do julgador, a fim de alcançar o interesse público.
Fixados os conceitos acima, adentramos na análise do conceito do ativismo judicial, o qual restou delimitado como sendo a efetivação, ainda que teórica, do princípio da eficiência pelo Estado-juiz, ao conferir soluções a casos postos sub judice, ultrapassando os limites impostos pelo ordenamento jurídico a sua atuação.
Neste ponto, destacou-se que o ativismo pode, em muitos casos, ir de encontro ao princípio da legalidade e, tendo por base o presente estudo, aos limites impostos pelo ordenamento jurídico ao aplicador da norma, em casos em que o julgador ultrapasse as barreiras a ele impostas, tais como o caráter vinculado de um ato a ser praticado por ele, praticando, então, um ato discricionário, quando a lei, na hipótese, exige-lhe um comportamento diverso, a saber, um comportamento vinculado, pré-moldado pela letra da lei.
Assim, restou consignado que o princípio da eficiência compele a Administração, ou, no caso, o Estado-juiz, a conferir a solução ao caso concreto que melhor atenda à satisfação do interesse público.
Ainda, destacou-se que a recuperação judicial, ao ser pensada sob o prisma social, detém reflexos imensuráveis sobre o interesse público, dada a função social da empresa, bem como os reflexos desta sobre a sociedade de mercado.
Feitas essas considerações, lançou-se o seguinte questionamento: até que ponto o ativismo judicial, na busca pelo interesse público, é permitido, sob as amarras que o texto normativo, em sua moldura fechada, impõe à atividade jurisdicional?
Sendo essa, por certo, a questão central do presente estudo.
Nesse esteio, buscaram-se na jurisprudência pátria orientações acerca dos limites impostos ao julgador, no bojo do processo de recuperação judicial, em específico no que toca à análise do preenchimento dos requisitos fixados pelo art. 48 c/c o art. 51 da Lei nº 11.101/05, sob o crivo analítico do art. 52 do mesmo diploma.
Nesse sentido, aferiu-se que jurisprudência pátria tem se posicionado no sentido de ser vedada a análise do mérito do pedido de recuperação judicial pelo julgador, quando da aferição do preenchimento – ou não – pela pessoa jurídica dos requisitos listados nos arts. 48 e 51 da Lei nº 11.101/05 para o deferimento do processamento do pedido de recuperação judicial, motivo pelo qual estaria a atuação jurisdicional amarrada ao campo vinculado de atuação previsto no art. 52 da Lei nº 11.101/05. Isto é, trata-se, na espécie, de ato vinculado aos ditames da lei.
Isto posto, o julgador no caso concreto detém atuação restrita ao acompanhamento, à fiscalização e à impulsão do processo, sendo a decisão acerca da viabilidade – ou não – da empresa, no bojo do processo de recuperação judicial, restrita à deliberação da Assembleia de Credores, órgão supremo dessa espécie de processo.
Até mesmo porque o magistrado careceria de conhecimento técnico apto a lastrear sua decisão, tendo em vista que aferir a viabilidade econômica de uma empresa demanda conhecimentos técnicos contábeis e econômicos, além de um profundo conhecimento acerca do segmento de mercado explorado, público, enfim, do dia a dia da pessoa jurídica que busca a recuperação judicial.
Portanto, restou demonstrado que o ativismo judicial, encampado no princípio da eficiência, colide e viola o princípio da legalidade, nos casos em que o julgador ultrapassa os limites impostos pelo ordenamento jurídico na busca pelo interesse público que melhor solucione a lide posta em juízo, eis que cabe à Assembleia Geral de Credores essa análise, não sendo correta a análise da viabilidade da empresa, pelo julgador, quando do despacho de deferimento do processamento do pedido de recuperação judicial.
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