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DO VÍCIO AO DEFEITO: COMPARATIVO ONTOLÓGICO E INCOMUNICABILIDADE DOS SISTEMAS

DO VÍCIO AO DEFEITO: COMPARATIVO ONTOLÓGICO E INCOMUNICABILIDADE DOS SISTEMAS

Bruna Lyra Duque

     Gabriel Sardenberg Cunha

SUMÁRIO: Introdução – 1. Do vício ao fato – 2. Da dicotomia do regime de responsabilidade civil previsto no CDC – 3. Da incomunicabilidade dos sistemas – 4. Caso 1: explosão de fonte de televisor – 5. Caso 2: inseto/corpo estranho em alimento – Considerações finais – Referências.

INTRODUÇÃO

O Código de Defesa do Consumidor (CDC) é diploma cujo advento propôs-se a superar diversos paradigmas existentes no direito brasileiro. Tal codificação, como a criar um subsistema do direito civil, fomentou especificidades de direito material da agora positivada designação de relação de consumo e propôs a facilitação do acesso à justiça por meio de proteção – material e processual – àquele que convencionou chamar de hipossuficiente.

Ao mesmo tempo, colocou-se como fonte formal de direito coletivo, ampliando as noções previstas na Lei de Ação Civil Pública. Definiu os conceitos de direitos transindividuais, estabeleceu o regime da coisa julgada coletiva, bem como possibilitou a tutela de direitos (coletivos) de forma antes visionada, tão somente, no âmbito doutrinário.

No particular da responsabilidade civil, da mesma forma, propôs um regime de responsabilização diferenciado. Eliminou a tradicional dicotomia entre a responsabilidade aquiliana e contratual e criou um modelo de aplicabilidade única: derivado em função da relação de consumo, embebida, agora, na teoria do risco do empreendimento.

Para tanto, separou em dois o regime de responsabilidade aplicável à relação consumerista. O primeiro, compreendido pela ótica do chamado fato do produto e do serviço, regulado do artigo 12 ao 17 do CDC e o segundo, operado na forma do vício do produto e do serviço, por sua vez tratado do artigo 18 a 25 do diploma.

Contudo, ainda quase duas décadas após sua publicação, subsiste na prática forense uma imprecisa utilização da técnica de responsabilização civil aplicável na vigência da relação de consumo. Independentemente da cisão de ambos modelos em diferentes seções do diploma, muitos operadores do direito continuam a confundir a aplicação dos dispositivos pertinentes a cada uma das estruturas de responsabilidade civil como se complementares fossem.

Em razão disso, o presente artigo propõe fundamental comparativo entre o defeito e o vício, de modo a questionar a existência de eventuais diferenças, sob o prisma ontológico.

Somente assim, e partindo-se de um corte teórico fundado muito na doutrina contemporânea à edição do código e nos comentários traçados por aqueles que o visionaram, poder-se-á delimitar o escopo da ingerência destes conceitos fundamentais no regime de responsabilidade, para assim ser possível avaliar a lógica funcional e os consectários de cada um dos sistemas. Finalmente, restará averiguar a plausibilidade ou não de se admitir sua concomitância para regular uma mesma violação ocorrida no seio da relação de consumo.

1 DO VÍCIO AO FATO

A ideia de vício (de qualidade) trazida pelo CDC não é distante daquela firmada pela noção de vícios redibitórios,([1]) como regulados na forma do artigo 441 e seguintes do Código Civil. Muito embora se repute inaplicável, na vigência da relação de consumo,([2]) os dispositivos pertinentes aos vícios como na regra do Código Civil (CC), em razão do subsistema([3]) consumerista suplantar a Lei Civil nesse ponto por critério de especialidade, em ambos os casos vício traduz-se pela noção de impropriedade existente no produto.

Vício é característica inerente ao objeto decorrente de falha intrínseca no produto que de alguma maneira o reputa discrepante, em forma, qualidade, objetivo ou resultado daquele originalmente visionado em projeto.([4]) O mesmo ocorre no vício do serviço, havendo alguma falha na cadeia de prestação de modo a tornar sua forma ou resultado diferente daquela esperada ao tempo da contratação.

Por isso, constituem para o fornecedor forma de adimplemento imperfeito([5]) da obrigação, por não corresponderem àquilo que pretendeu o consumidor adquirir ao celebrar o contrato e cumprir com sua contraprestação. O elemento-chave que corresponde ao vício é expectativa do consumidor em relação ao que foi adquirido. Contudo, a tutela da responsabilidade civil no CDC não se limitou ao vício do produto e do serviço, mas fez menção também ao que o diploma convencionou chamar, em seus artigos 12 e 14, de defeito.

Adiantando a resposta do questionamento proposto, pode-se dizer que não existe qualquer diferença ontológica([6]) entre o vício e o defeito. Tanto um quanto o outro possuem significância equânime.([7]) Dessa forma, o vício e o defeito representam impropriedades existentes no objeto ou serviço de consumo que os tornam destoantes em forma; qualidade; objetivo ou resultado, daquilo que era originalmente visionado.

Quanto a isso, referido vício (ou defeito) pode aduzir tanto a uma falha apta a frustrar a expectativa do consumidor quanto a sua fruição, prestabilidade, aparência, informação, rotulagem ou mensagem publicitária. É falha diretamente ligada à possibilidade de regular utilização do bem. Nessa hipótese, há o chamado vício de qualidade por inadequação.([8])

Por outro lado, também pode consubstanciar falha existente no produto que oferece risco à segurança quando da fruição do objeto. Trata-se de um defeito que não impede a regular utilização esperada pelo consumidor, mas que, de toda sorte, apresenta uma impropriedade, seja aparente ou oculta. Assim, de igual modo importa adimplemento imperfeito, sendo que, nesse caso, o elemento que caracteriza o vício é propriamente a mácula à segurança pertinente aos resultados do uso do objeto ou serviço em questão. Ademais, característica que lhe é intrínseca é a latente possibilidade de ocasionar evento posterior e danoso. Aqui se fala em vício de qualidade por insegurança.

No que concerne ao vício, ainda inexiste evento danoso. O vício/defeito ainda se reputa inerente ao produto ou serviço. No primeiro caso, o produto não funciona, funciona mal, tem seu valor reduzido pelo vício ou então sua aparência destoa daquela anunciada, por exemplo. De modo diverso, quando o vício é de segurança, há alguma falha que viola o critério de segurança esperado do produto, capaz de incidir em posterior e iminente dano, seja ao consumidor, seja a terceiros,([9]) mas que não implique em vício de adequação.

Exemplo de vício de qualidade por inadequação é o que ocorre na compra de um veículo cujo ar condicionado simplesmente não funciona, a despeito de ser item incluso na venda. Por outro lado, se nesse mesmo veículo há falha que impede que os cintos de segurança fiquem devidamente fixados, subsiste vício de qualidade por insegurança. Contudo, quando o vício, seja de adequação, seja de segurança,([10]) dá ensejo a um evento danoso, a esfera de responsabilidade se dissocia propriamente do vício e evidencia efetivo dano a ser reparado pelo regramento do fato do produto e do serviço, no qual o diploma inseriu a expressão defeito.

Aqui, o vocábulo, ao contrário de estabelecer qualquer distinção ontológica entre os conceitos, se presta ao fim didático de diferenciar a aplicabilidade de uma ou outra modalidade de responsabilidade civil e dirimir eventuais equívocos. Pressupõe-se ocorrer maiores imprecisões caso os artigos 12, 14, 18 e 20 se utilizassem da expressão vício.

Isso porque o que difere o fato do produto e do serviço do mero vício é o evento danoso; é a ocorrência de um fato que desvincula a incidência da responsabilidade quanto à violação a direito subjetivo que surge do referido fato do elemento adequação/segurança do produto ou serviço, e a vincula a consequências extrínsecas que foram ocasionadas pelo vício anteriormente já inerente ao bem. É o que ocorreria se, no exemplo aludido, diante de uma colisão, o vício no cinto de segurança permitisse que o passageiro fosse lançado de seu assento, levando-o a óbito.

Quando isso ocorre, está-se diante de fato do produto e não mais apenas de um vício. Aí, em regra, não há mais responsabilidade pelo vício,(1[11]) mas pelo fato que dele derivou, cunhado de defeito – novamente, por didática – de modo a designar a incidência de responsabilidade na forma do artigo 12 e seguintes do CDC e não daquele sistema previsto nos artigos 18 e subsequentes.

Reputa-se imperioso repisar que tanto o vício por inadequação quanto o vício por insegurança podem ocasionar o fato reparável na forma da responsabilidade pelo fato do produto e do serviço. A norma, no caso, não pode ser interpretada de forma restritiva, levando em consideração apenas o parágrafo primeiro dos artigos 12 e 14, como se apenas os vícios por insegurança fossem dotados de potencialidade para ocasionar o que a doutrina costuma chamar de acidente de consumo. Isso seria subverter a lógica do diploma.

Entende-se que qualquer vício possui, em potencial, capacidade para efetivar evento danoso, ainda que tão exclusivamente moral, como propõe o artigo 186 do Código Civil. As circunstâncias fáticas, e não uma pobre convicção apriorística, é que irão possibilitar constatarem-se, na hipótese, danos indenizáveis provenientes do vício por inadequação. Serão hipóteses, em verdade, em que a própria ausência de adequação, diante das particularidades da espécie, pressuporá dano.

Deve haver análise em concreto e, acaso aferido qualquer dano advindo de quaisquer uma das espécies de vício, de adequação ou de segurança, impor-se reparação pelo fato do produto e do serviço na forma dos indigitados dispositivos.

2 DA DICOTOMIA DO REGIME DE RESPONSABILIDADE CIVIL PREVISTO NO CDC

A responsabilidade civil no Código de Defesa do Consumidor deriva de um único e especial elemento: o vício. Em razão da possibilidade de em uma relação de produção e consumo massificada existirem vícios intrínsecos a produtos e serviços, cria-se ao fornecedor um dever([12]) implícito de comercializar referidos bens e serviços isentos de quaisquer vícios de qualidade por insegurança ou inadequação.([13])

Contudo, se desde o ato de obtenção do produto ou serviço verifica-se violação a esse dever em razão da constatação de vício, ou da ocorrência de danos causados por vícios, há responsabilidade.([14]) Nesse caso, a responsabilidade por vícios ou por fato do produto e do serviço deriva de um denominador comum; um único fundamento, qual seja, o dever de comercializar produtos sem qualquer falha de adequação ou segurança,([15]) prescindindo, para tanto, que o pressuposto da responsabilidade emane ou não de um vínculo contratual.([16]) ([17])

Rompe assim, o diploma, com a clássica concepção de responsabilidade bipartida em contratual (inadimplemento) ou extracontratual (aquiliana) e as unifica([18]) em razão da necessidade de regular a disponibilização de produtos no mercado de consumo e sua indelével e inerente possibilidade de afetar a esfera de direitos do consumidor hipossuficiente, seja na forma de inadimplemento, seja na forma de ato ilícito.([19])

Dessa forma, o elemento vício permeia o regime de responsabilidade como previsto no CDC e delimita quais das disposições do diploma serão aplicáveis a cada singular violação percebida no cerne da relação de consumo, seja violação ao dever de adequação e/ou segurança correlato ao equilíbrio da relação obrigacional, seja violação a direito subjetivo. Se o vício existe por si só, subsiste uma forma de responsabilização, se ocasiona dano, subsiste a outra.

Com efeito, se o vício dá ensejo a um evento danoso, está-se diante de fato do produto ou do serviço, e a responsabilidade quanto a esse vilipêndio específico foge àquela prevista para a existência de impropriedades de prestabilidade, de informação, de aparência ou de segurança e desloca-se para o modelo previsto na forma dos artigos 12 a 17 do diploma, que regulam a responsabilidade por fato do produto e do serviço.

Aqui, a responsabilidade do fornecedor é adstrita à ocorrência de um fato. Não basta, para a responsabilização por fato do produto e serviço, a existência de mero vício/defeito, mas a ocorrência de um evento em específico no qual se ocasionou o dano. Ao mesmo tempo, não basta para a responsabilização pelo fato a isolada ocorrência do dano. O evento danoso, por sua vez, deve ser imediatamente decorrente do defeito no produto ou no serviço.([20])

Nesse particular, tem-se que para haver a responsabilidade em razão de fato do produto e do serviço deve primeiro: a) haver vício capaz de ensejar posterior dano;([21]) b) haver ocorrência de um evento danoso em razão de uma violação a um dever de adequação/segurança;([22]) e c) o evento danoso decorrer do vício no produto ou serviço.([23])

Por outro lado, se o dano, nem de forma incidental, decorre do vício, ainda que haja potencialidade de sê-lo, não há responsabilidade pelo fato do produto e do serviço, mas pelos vícios, na forma do artigo 18 e seguintes do diploma, uma vez que, nessa hipótese, eventual violação presente na circunstância concreta importa somente adimplemento imperfeito.

Dessa forma, para que se apliquem os dispositivos referentes à responsabilidade por fato do produto e do serviço, não basta que o vício oferte risco à qualidade ou segurança([24]) ou que haja um vício passível de causar um dano; deve haver, de fato, o evento danoso, e ainda se exige relação de causalidade entre o evento e o defeito.

Consigne-se que o defeito que oferece risco à segurança não é o defeito a que se referem o artigo 12 e o artigo 14 do CDC; este se vincula à existência de um evento danoso, aquele, se não há fato danoso dele advindo, somente vício é e se opera a partir do artigo 18.([25]) Diferentemente do fato do produto ou serviço, o vício macula de imperfeição o adimplemento. É modelo de responsabilidade civil na qual não há dano propriamente dito. Existe um produto ou serviço que é inadequado ou inseguro, por exemplo.

Nessa hipótese, a responsabilidade não decorre de um dano, mas da garantia de cumprimento perfeito da obrigação, segundo o dever de adequação e de segurança. Isso ocorre mesmo se houver risco latente à segurança passível de ocasionar um evento danoso, afinal, aqui não se alega falta de segurança, mas a ausência do adimplemento em sua totalidade já que o produto é imperfeito – a responsabilidade é in re ipsa.([26])

Por cumprimento perfeito da obrigação, entende-se a relação obrigacional integralmente respeitada pelo devedor e que proporciona ao credor a satisfação plena daquilo que fora prometido, isto é, o alcance ao resultado patrimonial esperado. É justamente por isso que o fato do produto e serviço está para a prescrição e o vício está para a decadência. A prescrição, como regulada no Código Civil, é a perda do direito de pretensão([27]) em razão do decurso do tempo.([28])

Decadência, por outro lado, é efetivamente a extinção do próprio direito potestativo pela perda de prazo previsto em lei. Remonta à perda da capacidade de o detentor do direito sujeitar alguém a determinada conduta e refere-se àqueles direitos impassíveis de sofrerem qualquer violação,([29]) inexistindo, pois, pretensão, uma vez que quanto a esses não há qualquer dever imediatamente oposto a ser violado, mas a faculdade, explicitada por lei, de sujeitar outrem às consequências surgidas da titularidade do direito potestativo.([30]) Não há, assim, violação a qualquer direito subjetivo patrimonial; não há dano a ser reparado, mas a faculdade de obrigar alguém a adotar determinada conduta.

Assim, na responsabilidade por fato do produto e do serviço, como há violação de um direito subjetivo pela ocasião de um dano, não há que se falar em decadência, mas em perda da pretensão. Já quando o vício não remonta a um fato, a violação existente cinge-se ao elemento dever de adequação/segurança. Não há direito subjetivo, caracterizando-se o inadimplemento e, diante da faculdade atribuída pelo CDC de o consumidor sujeitar o fornecedor a determinadas condutas de modo a corrigi-lo, há direito potestativo que decai, não prescreve.

Também, por isso, em um caso há indenização e no outro há uma obrigação positiva que não se confunde com dever de indenizar. Quando diante da hipótese somente de vício o pressuposto para a responsabilidade é o defeito (inadimplemento). Quando, porém, há acidente de consumo, o pressuposto, por sua vez, é o dano. Isso explica porque no caso da responsabilidade pelo vício, intrínseco, há responsabilidade sem que ao mesmo tempo haja dano. O dano não é pressuposto da responsabilidade, mas da indenização.([31])

Isso explica também porque optou o diploma em responsabilizar solidariamente o comerciante, fornecedor direto, somente em hipóteses de responsabilidade por vício do produto e do serviço.([32])

Parece ônus irrazoável impor ao comerciante o dever de reparar o consumidor por um evento danoso ocasionado por um defeito intrínseco ao produto ou serviço. A assertiva deriva do fato de que os vícios que não ligados ao armazenamento de produtos perecíveis decorrem do processo produtivo na cadeia de fabricação, motivo pelo qual o distribuidor não tem como avaliar todos os riscos do produto que comercializa,([33]) muito menos como contemplar todos os possíveis vícios intrínsecos ao produto. Mais sensato responsabilizar somente aquele que de fato criou o risco, até porque é aquele que está em melhores condições de controlar a segurança dos bens produzidos e coibir futuros incidentes.([34])

Referido entendimento subsiste em razão da teoria do risco criado, que se vale do pressuposto lógico de distribuição da responsabilidade àquele que inaugurou a existência do risco.([35]) Nesse contexto, o proveito econômico da atividade que cria risco a direito alheio torna coerente a atração automática de responsabilidade quanto aos prejuízos daí provenientes.([36])

Com efeito, se é o fabricante quem, efetivamente, concebe o risco, singularmente a ele faz-se necessário reportar a responsabilidade por sinistro que o justifica. Ao comerciante é delegada uma responsabilidade “subsidiária”([37]) por influxo reflexo da teoria do risco do empreendimento. Opta o legislador por ser preferível incumbir ao varejista o prejuízo a transferi-lo ao consumidor, sob pena de se revolver à teoria do risco de consumo. De todo modo, apesar de o comerciante não ser responsável pela gênese do risco, também pelo produto obtém proveito econômico.

Contudo, o comerciante é incluído automaticamente no rol dos responsáveis pelo vício, na forma dos artigos 18 a 25 do CDC, em razão de assumir o risco pela garantia da obrigação – consectário direto do risco do empreendimento. Novamente, não está respondendo pelo vício em si, mas pela imperfeição que referido defeito provoca na cadeia obrigacional. O que dá ensejo à responsabilidade não é nada além do descompasso entre a contraprestação do consumidor – perfeita, e do fornecedor – imperfeita, em razão da existência do defeito.

Como nessa simples desconformidade com o dever de adequação/segurança não há dano extrínseco ao objeto ou serviço, a responsabilidade deriva do fato de o consumidor ter direito a receber um produto perfeito e, já que a comercialização de bens e serviços de consumo constitui atividade comercial do fornecedor, a ele é delegado somente o risco de ao menos fornecer um produto que não seja viciado. Opta o diploma, assim, em delegar o risco pela impropriedade do bem àquele que, pelo menos em tese, possui melhores condições de arcar com o prejuízo de um produto defeituoso e cujo objeto social é a sua comercialização, aí incluído, é claro, o comerciante.

Existem, então, dois sistemas de responsabilidade civil que se operam por pressupostos diversos e em resposta a violações específicas. Cabe ao jurista, diante do caso concreto, identificar se se está diante de responsabilidade pelo fato ou pelo vício, até mesmo porque a dicotomia apresenta consequências no plano prático, como é o caso da tutela cabível e da existência de prescrição ou de decadência.

Por isso, para fins de se observar a técnica necessária no campo da responsabilidade, não se pode aplicar os mesmos dispositivos do CDC como se fossem complementares. Para uma mesma violação ou se aplica o regramento para fato do produto e do serviço ou se aplica o regramento referente à responsabilidade por meros vícios.

3 DA INCOMUNICABILIDADE DOS SISTEMAS

Feita a análise, surge a inafastável afirmativa de que os sistemas de responsabilidade civil como previstos no Código de Defesa do Consumidor são incomunicáveis. São formados a partir de uma lógica excludente e não complementar.

Se da análise do caso concreto o operador do direito vê-se diante somente de uma hipótese de um produto meramente viciado, não havendo evento danoso pressuposto de uma indenização decorrente desse defeito, aplica-se o regramento previsto do artigo 18 ao 25 do diploma, por somente haver-se violado o dever de adequação/segurança imposto pela lei. Ao mesmo tempo, somente há de se falar em decadência.

Ao revés, acaso se verifique a existência de fato do produto ou do serviço derivado de um vício existente no produto ou serviço adquirido, estar-se-á diante da hipótese de dano indenizável, não havendo de se cogitar aplicar quaisquer das previsões ou mecanismos referentes aos dispositivos supra. Nesse caso, havendo pretensão, e, consequentemente, violação a direito subjetivo, há prescrição.

Uma singular violação, para fins de delimitação técnica, precisa ser identificada como redibitória ou indenizatória. Desse modo, a violação específica, e, diga-se, seu fato gerador de responsabilidade, acarreta o descumprimento com o dever legal ou então o dano indenizável referente à violação de um direito subjetivo.

Do contrário, se admitiria assumir que uma mesma violação corresponderia a direito potestativo e a direito subjetivo, e, assim, paradoxalmente incidiria prescrição e decadência em simultaneidade.

O que pode ocorrer, ao revés, é que em uma mesma circunstância fática haja duas violações, isto é, violações simultâneas, porém diversas, correspondentes cada qual a um sistema em específico. É o que ocorre, por exemplo, em uma hipótese em que o vício dá causa ao evento danoso, e assim, há violação ligada ao fato do produto, mas em que, contudo, não há perda do bem, subsistindo ainda vício de qualidade por inadequação ou insegurança no produto, havendo, com efeito, ao mesmo tempo que a pretensão indenizatória, uma “pretensão redibitória”.([38])

O que ocorre aqui é a concomitância tanto do adimplemento imperfeito quanto do dano. Nessa hipótese, o que se autoriza é a cumulatividade de pedidos e, consequentemente, o chamando litisconsórcio objetivo. Na mesma demanda haverá tanto o pedido indenizatório quanto o pedido redibitório. No caso, a causa de pedir do primeiro é o dano surgido do vício e a seção referente ao fato do produto. De outro modo, a causa de pedir do segundo é o adimplemento imperfeito e a seção referente ao vício. Ambas as violações, sendo assim, não podem se misturar e os sistemas são, pois, incomunicáveis. Possuem, também, ao mesmo tempo, regra de legitimidade distinta. Quanto a um pedido, somente será o fabricante legítimo, quando ao outro, haverá solidariedade.

Sem embargo, a situação se inverte quando o bem se perde em razão do fato gerador dano. Nesse caso, não há mais vício, muito menos inadimplemento (já que a coisa se perdeu), mas apenas o fato danoso, inexistindo, pois, causa de pedir redibitória, devendo somente o fabricante ser responsabilizado pelo fato do produto, cuja indenização deve incluir também o dispêndio material. A causa de pedir, nessa hipótese, ante o fato da perda da possibilidade de redibição, deve-se limitar ao pleito indenizatório, cuja destinação cinge-se à figura do fabricante.

A indenização é medida que se sujeita a reestabelecer um almejado status quo ante e reparar o consumidor pelo injusto sofrido, já as obrigações previstas nos artigos 18 e seguintes, a seu modo, pretendem corrigir um inadimplemento do fornecedor e restaurar o equilíbrio obrigacional.

Ressalta-se, conforme proposto por Bruna Lyra Duque e Julia Carone,([39]) faz-se importante entender a separação do inadimplemento em duas espécies, o absoluto e o relativo. O Código Civil, nessa linha, pontua os efeitos do inadimplemento – entre eles a mora e as perdas e danos -, inferindo-se tal distinção “quando o descumprimento da obrigação torna seu objeto inútil em momento posterior ou quando o mero retardamento da prestação não é suficiente para inutilizá-la”.

Nada obriga, contudo, que a obrigação advinda da indenização seja exclusivamente pecuniária. A ideia é indenizar, ou seja, tornar indene. Portanto, o consumidor pode, sem prejuízo algum, pretender condenação do fabricante em substituir a coisa, por exemplo, se assim o interessar e se essa for a tutela capaz de sanar e torná-lo efetivamente indene. Inclusive, a contar do teor do disposto no artigo 84([40]) do regime consumerista, nesse sentido parece convergir o mens legis do subsistema. Afinal, o próprio parágrafo primeiro do dispositivo dispõe sobre essa conclusão, já que o pedido pecuniário assume, invariavelmente, caráter alternativo, caso o pedido principal seja de obrigação de fazer ou dar.

Neste particular, a indenização imputável ao fabricante deixará de corresponder a uma obrigação pecuniária, consubstanciando verdadeira obrigação de dar ou de fazer, conforme a hipótese. Inclusive, a obrigação pecuniária pode ser sob a forma de pedido alternativo dessa mesma demanda, cujos pedidos e causa de pedir volvem-se ao dano, a essa violação em particular. Uma demanda, mas dois pedidos.

Todavia, nesse caso não há direito potestativo, mas direito subjetivo, inaplicável, pois, o artigo 18 e os demais dispositivos subsequentes. Eventual condenação quanto a essa violação, ainda que consubstancie obrigação de fazer ou de dar coisa, com efeito prático idêntico às faculdades previstas nos artigos 18, 19 e 20, terá como fundamento o artigo 12 e seguintes. Isso implica dizer que referido pleito, nessas circunstâncias, se sujeita à prescrição, e não ao prazo decadencial de trinta ou de noventa dias.

Ademais, eventuais pedidos redibitórios, nesse caso, equivalem a verdadeiro cúmulo de demandas, e somente podem existir se, apesar do dano, ainda subsistir vício inato a ser reparado em concomitância com o dano extrínseco a ele. Do contrário, qualquer redibição na forma da seção específica para a responsabilidade referente aos vícios desprovê-se de sentido, já que o vício, de igual modo, perdeu-se com a coisa.

Por esses motivos, um carro cujo motor explode em decorrência de um vício no sistema de combustão, ocasionando a perda total do veículo, inclusive do motor viciado, não pode ser objeto de redibição na forma da responsabilidade pelo vício do produto e do serviço. Do contrário, verifica-se fato danoso pelo qual somente é responsável o fabricante. O pleito indenizatório, contudo, pode abranger tanto o pedido de obrigação pecuniária quanto o pedido de substituição da coisa (= obrigação de dar), sem prejuízo, é claro, de eventuais perdas e danos. Todos pedidos alvos de prescrição.

Se nessa mesma hipótese, por exemplo, apesar da explosão do motor, não há perda do resto dos componentes do carro e o condutor se fere gravemente, há duas violações, tanto aquela relativa ao vício (carro viciado) e ao fato do produto (dano sofrido pelo condutor). Quanto à primeira, serão responsáveis todos os fornecedores de modo solidário, quanto à segunda, porém, somente será responsável o fabricante. Dois pedidos distintos: um sujeito à decadência, o outro sujeito à prescrição.

Nesse sentido, também, não há como, em relação a uma mesma violação (nessa hipótese, singularmente fundada no vício), o requerimento para que o fornecedor substitua o produto em caso de um defeito, por exemplo, e ao mesmo tempo contemple indenização por dano moral.([41]) Afinal, se somente há vício de adequação ou de segurança e não há fato danoso, nem sequer há pressuposto para indenização. Recorde-se: responsabilidade não é sinônimo de indenização. Há responsabilidade sem dano e, logo, sem dever de indenizar, como é o caso da responsabilidade por vício do produto ou do serviço.

Aliás, aquele que insere em sua inicial um mesmo pedido, fundado tanto nos artigos 12 ou 14 quanto nos artigos 18 ou 20, e decorrente da mesma violação, propõe inconteste paradigma: seu pedido será alvo de prescrição ou de decadência? Melhor exegese técnica da norma, pois, enfatiza a incomunicabilidade de seus sistemas; modelos específicos destinados a cada uma espécie de violação.

Da mesma forma, não pode o autor indicar como polo passivo da demanda tanto o comerciante quanto o fabricante em se tratando de hipótese de fato do produto,([42]) tentando se valer dos dispositivos referentes aos dois sistemas como se, em parte, o caso fosse hipótese de vício intrínseco quanto a um ponto e de dano quanto a outro.

Tentativa ou não de obter maiores chances de sucesso no pagamento de eventual indenização, a prática é condenável e explicita má aplicação da lei. Não há, em uma mesma violação, a ocorrência de responsabilidade pelo vício e responsabilidade pelo fato. Nesse tipo de caso, o comerciante é parte flagrantemente ilegítima e deve ser excluído da demanda.

Por fim, na tentativa de dirimir eventuais indagações que ainda existam sobre o funcionamento da lógica pela qual se opera a responsabilidade civil no CDC afasta-se, por ora, a continuidade da análise hermenêutica e aproxima-se do estudo do caso concreto, capaz de explicitar os pontos sustentados com maior didática.

4 CASO 1: EXPLOSÃO DE FONTE DE TELEVISOR

Cita-se como exemplo o caso de um consumidor que adentra uma loja de eletrodomésticos e eletrônicos e lá adquire diversos aparelhos, incluindo, aí, um televisor de LED de sessenta polegadas.

Por trinta dias o televisor funciona perfeitamente, até que, no trigésimo primeiro dia, apresenta um superaquecimento que ocasiona a explosão de sua fonte de energia. Por sua vez, em razão da explosão, todos os outros equipamentos que estavam conectados ao televisor também se perdem.

Após infrutífera reclamação feita tanto ao fabricante quanto ao comerciante, o consumidor propõe ação em face de ambos, exigindo: I) a substituição do televisor por outro do mesmo modelo ou superior e II) a indenização no valor aproximado de trinta e cinco mil reais (valor dos demais aparelhos).

Na hipótese, imagine-se que magistrado acolha preliminar de ilegitimidade passiva arguida pelo varejista com base nos artigos 12 e 13 do CDC e, ao mesmo tempo, reconheça a decadência do direito autoral alegada pelo fabricante, considerando que haveria decorrido mais de noventa dias entre a data do surgimento do defeito e a data do ajuizamento da ação. Considere-se, assim, a possibilidade de uma apelação.

Partindo para a análise do caso, conclui-se tratar-se de clara hipótese de fato do produto por haver um vício existente no televisor capaz de oferecer risco à segurança, representado pela figura do superaquecimento do equipamento. Ou seja, vício de qualidade por insegurança.

Todavia, o problema não se limitou ao defeito intrínseco do produto, mas ocasionou um evento danoso posterior e dele decorrente, na hipótese representado pela explosão da fonte de energia e na perda dos demais equipamentos que haviam sido adquiridos juntamente com o televisor. Se o consumidor não sofreu quaisquer danos físicos, vislumbram-se danos adstritos aos equipamentos eletrônicos, tanto a TV quanto os outros adquiridos na mesma ocasião.

Assim, considerando que havia vício capaz de ensejar posterior dano; que ocorreu um evento danoso em razão da violação do dever de adequação/segurança imposto ao fornecedor; e que o evento danoso decorreu diretamente do vício (superaquecimento), aplica-se à hipótese o modelo de responsabilidade vinculado à ocorrência de fato do produto e do serviço.

Há, portanto, dano, pressuposto da indenização que pode abranger tanto qualquer obrigação de dar (substituição do produto) quanto o pedido em condenação pecuniária. Contudo, como ambos os pedidos se fundam no dano, e não na possibilidade de redibição – impossível como é -, há, no cerne de todos os pleitos, pretensão, e não direito potestativo. Incide, pois, prescrição, e não decadência.

Quanto a esse dano, somente pode ele ser imputado ao fabricante, pois é quem inaugura o risco. Como foi passível de identificação pelo consumidor e não há especificidades na relação fática que ensejem a responsabilização também do comerciante, será devida a legitimidade passiva do varejista. Equivocada seria, pois, a aplicação da decadência, ignorando existir dano sobre o qual pende prazo prescricional.

5 CASO 2: INSETO/CORPO ESTRANHO EM ALIMENTO

Caso emblemático tipicamente noticiado quando envolve algum fabricante de amplo renome e apreço, encontrar um inseto, morto ou vivo, ou qualquer outro corpo estranho em um alimento é um risco real a que se submete todo consumidor.

Como anteriormente explicado, dada a massificação do processo produtivo, não é incomum que na cadeia de fabricação algum corpo estranho acidentalmente vá parar dentro da embalagem do produto final. Justamente por isso, considerando a lógica do dever de adequação/segurança, é que o CDC elege a responsabilidade por vícios dessa natureza.

Note-se que hipóteses desse tipo tratam de responsabilidade por vícios e não por fato do produto, uma vez que, o simples fato de encontrar um inseto ou objeto estranho dentro de um alimento adquirido, além de susto e repugno, não causa dano algum ao indivíduo.

Por essa razão é que assusta o número de demandas em que a parte autora pretende dano moral pelo simples fato de, ao abrir a embalagem de algum alimento, ter encontrado uma barata ou um rato morto, a exemplo. Nesses casos, inexiste dever de indenizar justamente por não haver dano.

Há descompasso na relação obrigacional, dado que o consumidor adquiriu um produto que padece tanto de vício de qualidade por inadequação quanto de vício de qualidade por insegurança. O produto reputa-se inutilizável, perde seu valor comercial e configura o adimplemento imperfeito da obrigação. Logo, há para o consumidor o direito potestativo de exigir das faculdades previstas no artigo 18 do CDC.

Todavia, a situação se inverte acaso o consumidor tenha ingerido o produto maculado pela presença do corpo estranho, ante a viabilidade não só de risco à saúde, mas pelo óbvio constrangimento moral da constatação de se haver consumido alimento em tais condições. Essa hipótese abre a possibilidade de constatar-se dano, físico ou moral, não havendo mais mero dissabor. Verificado o dano no caso concreto, ao mesmo tempo há fato do produto, subsistindo dever de indenizar.

Há, ainda, algumas situações especiais, que, é claro, devem ser analisadas conforme o caso concreto. Imagine que pai e filha iniciem um escritório de contabilidade e, para comemorar, convidam comerciantes para um jantar. Durante a festa, porém, ao abrir uma garrafa de cerveja constatam a presença de uma minhoca, além de verificar que o produto estava com validade vencida.([43])

Segundo pai e filha, o episódio foi causa de vexame na comunidade na qual estavam inseridos, rendendo piadas e provocação. Por esse motivo, foram impossibilitados de proceder com os planos iniciais e deram fim ao referido escritório. Note que o problema também não fala em qualquer ingestão do produto na qual estava imerso o animal.

O Superior Tribunal de Justiça entendeu tratar-se de vício do produto e afastou recurso do comerciante que buscava ser declarada sua ilegitimidade. Mantendo inalterado o acórdão do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, permitiu que o comerciante fosse condenado solidariamente à indenização por dano moral por vício do produto.

Verifica-se que, não obstante a não ingestão do produto, o vício acarretou situação vexatória e humilhante que ultrapassou a inadequação e insegurança inerente ao produto viciado. Em outras palavras: o vício não existiu por si só, mas deu ensejo a situação extrínseca e ocasionadora de dano, no caso, moral.

Por esse motivo, pelo que ficou consignado no caso no que se refere ao constrangimento de pai e filha, não se pode conceber o caso como hipótese de responsabilidade por vício do produto, mas de responsabilidade por fato do produto, sendo parte ilegítima o comerciante.

Além do mais, na eventualidade de considerar-se cabível a responsabilização por vício do produto, afastar-se-ia a responsabilidade por fato, excluído, portanto, também o dever de indenizar. Entretanto, o Superior Tribunal de Justiça pareceu, na hipótese, permitir a coexistência de responsabilidade por vício com tutela condenatória consistente em indenização por dano moral e material, posicionamento contrário da distinção aqui defendida.

           

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Uma análise ontológica dos conceitos-chave atrelados a uma ou outra forma de responsabilidade civil prevista no CDC demonstra a importância de o jurista ir além da literalidade do texto legal. Isso porque defeito e vício são vocábulos com mesmo significado jurídico.

Nesse ponto, pode-se afirmar não haver qualquer diferença conceitual entre o vício e o defeito. O conceito alhures construído cabe a uma ou a outra figura, de igual forma, sem qualquer necessidade de alargamentos. Tratam-se, pois, de vocábulos cuja significância jurídica remete à frustração da expectativa ou segurança do consumidor na forma de adimplemento imperfeito da obrigação, consequência direta da filiação, do diploma, à teoria do risco do empreendimento.

Assim, não há como sustentar a impropriedade conceitual que ainda vige. Defeito não corresponde ao fato do produto. Pelo contrário, é vocábulo com mesmo significado de vício, que, no momento que se atrela à ocorrência de um evento – fato danoso – desvincula a responsabilidade do elemento adequação/segurança vinculando-a, porém, à existência de dano.

Com efeito, o reconhecimento de uma definição uniforme importa, ao mesmo tempo, verificar que o que definirá a aplicabilidade do sistema de vícios ou o sistema do fato do produto e do serviço não é uma alegada diferença ontológica entre dois conceitos supostamente complementares, mas a existência de evento danoso imediatamente decorrente de uma construção que é simétrica em ambos os sistemas. Isso vai explicar ainda a incidência de uma hipótese de responsabilidade sujeita à prescrição, por estar violado direito subjetivo; e outra, ligada à decadência, uma vez inexistente qualquer dano, direito de exigir do fabricante conformidade com o dito dever de adequação/segurança. São formas de responsabilização que se operam por pressupostos diversos. Na responsabilidade pelo vício o pressuposto é o adimplemento imperfeito. Na responsabilidade pelo fato, entretanto, o pressuposto é o dano.

Para além, fica claro tratar-se de modalidades incomunicáveis. Tomada uma singular violação ou há responsabilidade pelos vícios ou há responsabilidade pelo fato do produto do serviço, aplicando as normas cabíveis a uma ou a outra modalidade. Reconhecer uma concomitância entre os sistemas é propor inglório antagonismo de normas cujos efeitos jurídicos não se cumulam, ao revés, se excluem.

REFERÊNCIAS

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[1] Paulo Luiz Neto Lôbo recorda que o CDC dota os mesmos pressupostos que fundamentam os vícios redibitórios: “a) contrato comutativo; b) tradição da coisa (apenas para os vícios aparentes); c) preexistência ou contemporaneidade do vício à entrega da coisa (ou do serviço); d) gravidade do vício; e) brevidade do tempo para a pretensão” In: LÔBO, Paulo Luiz Neto. Responsabilidade por vícios na relação de consumo. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo: RT, v. 14, 1995. p. 34.

[2] Até mesmo porque a tratativa dos vícios dos produtos e serviços, no regime consumerista não só se limita, como no Código Civil, aos vícios ocultos, mas aos ocultos e aparentes. In: CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de direito do consumidor. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2010. p. 295.

[3] Eduardo Cambi se utiliza da expressão subsistema, ao revés da comumente utilizada microssistema, para qualificar o sistema processual existente no CDC em oposto ao CPC. A expressão designa o regime de responsabilidade civil existente no diploma, uma vez que regula em específico a tutela da responsabilidade civil na relação de consumo. In: CAMBI, Eduardo. Inversão do ônus da prova e tutela dos direitos transindividuais: alcance exegético do art. 6º, VIII, do CDC. Revista de Processo, São Paulo: RT, n. 127, set. 2005. p. 101.

[4] Zelmo Denari conceitua vício como “a qualificação de desvalor atribuída a um produto ou serviço por não corresponder à legítima expectativa do consumidor quanto à sua utilização ou fruição (falta de adequação), bem como por adicionar riscos à integridade física (periculosidade) ou patrimonial (insegurança) do consumidor ou de terceiros”. DENARI, Zelmo. Da qualidade de produtos e serviços. In: GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p. 191.

[5] João Calvão da Silva entende que a responsabilidade decorrente do vício no objeto tem o objetivo de resguardar “o interesse (da equivalência entre prestação e a contraprestação) subjacente ao cumprimento perfeito.” In: SILVA, João Calvão da. Responsabilidade civil do produtor. Coimbra: Almedina, 1990. p. 634.

[6] Zelmo Denari considera “artificiosa a construção doutrinária que, no plano terminológico, pretende conectar o dano a um defeito, inadmitindo a referência a um vício do produto ou serviço”. In: DENARI, op. cit., p. 191.

[7] Em sentido imediatamente oposto Flavia Püschel afirma que “na linguagem do Código de Defesa do Consumidor, a característica do produto que resulta na sua insegurança. Isto é, que faz com que o bem não corresponda à legítima expectativa da sociedade em relação à segurança que oferece, chama-se defeito. A característica do produto que resulta na sua falta de adequação para o uso, fazendo com que o bem não corresponda à legítima expectativa do consumidor no que se refere à sua utilização ou fruição, o Código de Defesa do Consumidor denomina vício”. In: PÜSCHEL, Flavia Portella. Consequências práticas da distinção entre vício e fato do produto: uma análise de decisões judiciais escolhidas. Revista de Direito Privado, São Paulo: RT, v. 25, p. 164-176, 2006.

[8] BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcellos e et al, Comentários ao Código de Proteção do Consumidor. São Paulo: Saraiva, p. 50.

[9] Aqui se tem a figura dos bystanders, em nossa legislação chamados de consumidores por equiparação, conforme artigo 17 do CDC. Segundo Eduardo Gabriel Saad “depreende-se do art. 17 do Código que não ampara apenas o consumidor que adquiriu um bem diretamente do fabricante ou por intermédio do comerciante. Protege, por igual, o terceiro que sofreu dano físico ou patrimonial tendo, como causa, defeito ou vício do produto”. In: SAAD, Eduardo Gabriel. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: LTr, 1991. p. 126.

[10] Não há qualquer impedimento ao fato de que um produto seja viciado, ao mesmo tempo, sob o escopo da adequação ou da segurança. Quanto a isso, Luiz Guilherme Marioni afirma que “um produto entregue com vício de qualidade pode configurar adimplemento imperfeito e, ao mesmo tempo, defeito de insegurança, por expor o consumidor a riscos que dele não se poderiam esperar. Ou seja, a imperfeição do adimplemento pode gerar insegurança, como acontece em relação a um defeito no sistema de freios”. In: MARINONI, Luiz Guilherme. A tutela específica do consumidor. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo: RT, v. 50, p. 71-116, 2004.

[11]  Exceto se a coisa não se perde com o fato, uma vez que, aí, diante de uma mesma circunstância fática, haveria tanto o dano a ser reparado pelo fato do produto quanto subsistiria o vício sujeito à redibição. Duas demandas distintas, passíveis de serem cumuladas em litisconsórcio objetivo.

[12] Trata-se da adoção, pelo CDC, da teoria do risco do empreendimento. A simples atividade econômica exercida pelo fornecedor o imputa do dever de responder por eventuais danos e vícios decorrentes de sua atividade In: NERY JR., Nelson. Os princípios gerais do Código Brasileiro de Defesa do Consumidor. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo: RT, v. 3, 1992. p. 56.

[13] BECKER, Anelise. Elementos para uma teoria unitária da responsabilidade civil. In: Revista de Direito do Consumidor, São Paulo: RT, v. 12, 1994. p. 54.

[14] Como bem sintetiza Adalberto Pasqualotto “a responsabilidade civil do fabricante não se funda mais em culpa pelo dano da vítima, mas no risco de que o produto tenha defeito e cause dano a alguém. A lei imputa-lhe o risco, mas não em sentido integral ou absoluto, porque não o relaciona com o só fabricar o produto, mas com a existência de defeito” In: PASQUALOTTO, Adalberto. Proteção contra produtos defeituosos: das origens ao Mercosul. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo: RT, v. 42, 2002. p. 77.

[15] Referida segurança deve ser aquela esperada pelo público ao qual se destina o produto. In: ALVIM, Eduardo Pellegrini Arruda. Responsabilidade civil pelo fato do produto no Código de Defesa do Consumidor. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo: RT, v. 15, p. 132-150, 1995.

[16] Anelise Becker esclarece que “este dever de qualidade imprime no próprio produto ou serviço a garantia de ausência de vício de qualidade por insegurança ou inadequação, funcionando, assim, como fundamento único da responsabilidade, contratual e extracontratual […]”. In: BECKER, op. cit., p. 54.

[17] Sutil, mas importante ressalva aqui deve ser feita: não é o risco da atividade que, por si só, acarreta responsabilidade, mas a existência fática de vício que foi de fato criado por esse risco.

[18] João Calvão esclarece que “essa unidade de fundamento da responsabilidade do produtor impõe-se, pois o fenômeno real dos danos dos produtos conexos ao desenvolvimento industrial é sempre o mesmo, o que torna injustificada a diferenciação ou discriminação normativa do lesado, credor contratual ou terceiro. Trata-se, portanto, da unificação das responsabilidades contratual ou extracontratual – devendo falar-se de responsabilidades do produtor tout court – ou pelo menos da unificação do regime das duas, em ordem a proteger igualmente as vítimas, expostas aos mesmos riscos”. In: SILVA, op. cit., p. 478.

[19] DENARI, op. cit., p. 190.

[20] ALVIM, op. cit., p. 134.

[21] Sílvio Luís Ferreira da Rocha relembra que “um pressuposto essencial da responsabilidade do fornecedor é que o produto seja defeituoso, isto é, no momento em que foi colocado no mercado apresente um defeito potencial ou real e que esse defeito seja a causa do dano”. In: ROCHA. Sílvio Luís Ferreira da. Responsabilidade civil do fornecedor pelo fato do produto no direito brasileiro. São Paulo: RT, 1992. p. 92.

[22] Sergio Cavalieri Filho, ao dissertar sobre o risco do empreendimento e o consequente dever de adequação e segurança afirma que, nesses casos, “a responsabilidade decorre do simples fato de dispor-se alguém a realizar a atividade de produzir, estocar, distribuir e comercializar produtos ou executar determinados serviços. O fornecedor passa a ser o garante dos produtos e serviços que oferece no mercado de consumo, respondendo pela qualidade e segurança dos mesmos”. In: CAVALIERI FILHO, op. cit., p. 264.

[23] Se o dano não decorre do defeito, não existe responsabilidade por fato do produto. É justamente por isso que em hipótese de culpa exclusiva da vítima inexiste responsabilidade. Se a culpa exclusiva da vítima ocasionou o dano, não importa que exista defeito, pois não foi ele que causou o fato danoso. Assim, ainda que exista defeito, somente haverá responsabilidade pelo fato do produto ainda que só em parte ele tenha contribuído para o acidente (culpa concorrente, p. e.), do contrário será o defeito, para fins de responsabilização por fato do produto, “juridicamente irrelevante”. In: ARRUDA ALVIM NETTO, José Manoel de et al. Código do Consumidor comentado. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. p. 126.

[24] Esses são os vícios de qualidade por insegurança.

[25] Recorde-se que vício e defeito são ontologicamente sinônimos. A palavra defeito é empregada nos artigos que tratam da responsabilidade por fato do produto e do serviço para diferenciar este sistema daquele previsto a partir do artigo 18.

[26] Luiz Guilherme Marinoni afirma que “se a causa de pedir parte do inadimplemento imperfeito, e sustenta a garantia de perfeição do cumprimento, a tutela será do adimplemento na forma específica. Nesse último caso sequer se pensa em responsabilidade pelo dano, e assim não precisa ser arguida a falta de segurança, pois a responsabilidade está in re ipsa, e desse modo é completamente diferente da responsabilidade pelo dano. O fundamento da responsabilidade, nessa hipótese, deriva da garantia de cumprimento perfeito da obrigação”. In: MARINONI, op. cit.

[27] A prescrição não acarreta a perda do direito subjetivo, mas apenas impossibilidade de se exigi-lo em juízo (FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito civil: teoria geral. 9. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. p. 720-721). Até mesmo por isso que não se confunde a prescrição com perda do direito de ação, como apontam alguns autores (DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. 18. ed. São Paulo: Saraiva, v. 1, 2002. p. 383), até porque nada impede que o titular do direito prescrito ingresse com ação. O que ocorrerá, nesse caso, é a prolação de uma sentença de improcedência. Não há qualquer óbice, pois, ao direito de ação, mas suprime-se a possibilidade de, nessa mesma demanda, haver procedência quanto à tentativa de exercício de pretensão prescrita. Nesse mesmo sentido afirma Humberto Theodoro Júnior que “não é o direito subjetivo descumprido pelo sujeito passivo que a inércia do titular faz desaparecer, mas o direito de exigir em juízo a prestação inadimplida que fica comprometida pela prescrição” In: THEODORO JÚNIOR, Humberto. Comentários ao novo Código Civil. Rio de Janeiro: Forense, v. III, t. II, 2003. p. 152.

[28] Sobre a prescrição sob a concepção de neutralização da pretensão, ver: FARIAS; ROSENVALD, op. cit., p. 720. E ainda, quanto à prescrição ligada à ideia de dano: AMARAL, Francisco. Direito civil: introdução. 4. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 557.

[29] Ao fornecedor inexiste a possibilidade de violar o direito potestativo do consumidor de fazer uso das opções listadas no artigo 18, por exemplo. O que se viola, com o vício, é o dever jurídico de adequação ligado ao equilíbrio obrigacional. O que a lei faz, nessa hipótese em específico, é eleger ao consumidor o direito (potestativo) de submeter o fornecedor a sua vontade, e essa submissão que não importa violação.

[30] MOREIRA ALVES, José Carlos. A parte geral do projeto de Código Civil brasileiro. 2. ed. São Paulo, Saraiva, 2003. p. 161.

[31] Adalberto Pasqualotto esclarece que “a pedra de toque da responsabilidade civil do fabricante é o defeito do produto, seja para prevenir, seja para reparar. O dano é pressuposto da indenização, não da responsabilidade. Pode haver responsabilidade sem dano, sendo a obrigação retirar o produto defeituoso do mercado para afastar o perigo.” In: PASQUALOTTO, op. cit., p. 75.

[32] Salvo, é claro, as hipóteses previstas no artigo 13 do Código de Defesa do Consumidor.

[33] PÜSCHEL, op. cit.

[34] GARAU, Guillermo Alcover. La responsabilidad civil del fabricante. 1. ed. Madrid: Civitas, 1990. p. 25.

[35] Note não se confundir com a teoria do risco proveito, atrelada à necessidade de prova de benefício do agente em razão do dano. Como afirma Caio Mário: “A teoria do risco criado importa em ampliação do conceito do risco proveito. Aumenta os encargos do agente, é, porém; mais equitativa para a vítima, que não tem de provar que o dano resultou de uma vantagem ou de benefício obtido pelo causador do dano” In: PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1992. p. 24.

[36] Não se confunda, aqui, o risco do empreendimento, que elege a existência de responsabilidade na relação de consumo em função da potencialidade e previsibilidade de defeitos; da necessidade de atendimento a padrões de segurança e normas técnicas; e da atuação do fabricante como garantidor dos bens de consumo (CAVALIERI FILHO, op. cit., p. 264), conforme algures explanado, com o risco criado, que melhor explica a responsabilidade primária do fabricante no caso do fato do produto ou serviço, pois é ele, e não o varejista, que deu cabo ao vício. Para esse segundo, a responsabilidade só existe em hipóteses específicas – acaso esteja-se diante das situações descritas no artigo 13.

[37] Não se trata, de fato, de responsabilidade subsidiária propriamente dita, pois isso implicaria legitimidade passiva automática do varejista para reparar ao dano. O vocábulo foi utilizado somente como forma de demonstrar que se trata de uma responsabilidade que só existe nos casos expostos no artigo 13 ou nos quais, pelas peculiaridades das circunstâncias fáticas, haja dano atribuível ao comerciante.

[38] Não custa lembrar que a o termo pretensão é usado somente para efeito argumentativo, uma vez inexiste pretensão em se tratando de direito potestativo.

[39] DUQUE, Bruna Lyra; CARONE, Julia Silva. Os efeitos do inadimplemento das obrigações. Revista Âmbito Jurídico, 2009. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=5907>. Acesso em: abr. 2018

[40] “Art. 84. Na ação que tenha por objeto o cumprimento da obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento. § 1º A conversão da obrigação em perdas e danos somente será admissível se por elas optar o autor ou se impossível a tutela específica ou a obtenção do resultado prático correspondente.”

[41] Uma pequena digressão vale ser feita em respeito a julgados reincidentes no Superior Tribunal de Justiça envolvendo o comprador de carro zero quilômetro que por várias vezes leva o veículo com problemas na concessionária, porém não vê sanado o defeito. Nessas hipóteses, costuma-se ver a condenação simultânea tanto do fabricante quanto da concessionária no sentido do conserto do vício/devolução do dinheiro, na forma do artigo 18 e ao mesmo tempo em dano moral. Precedentes: (REsp 1632762/AP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 14.03.2017); (AgInt no AREsp 403.237/ES, Rel. Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 07.03.2017); (AgInt no AREsp 821.945/PI, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 23.06.2016); (AgRg no AREsp 672.872/PR, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 26.05.2015). Nessas hipóteses, parece que quando o consumidor é obrigado a por várias vezes retornar à concessionária na tentativa de reparar o veículo, o dano moral daí surgido emana não por consequência do vício, mas da desídia dos fornecedores. Assim, se o dano não decorre do vício, a responsabilidade parece decorrer de verdadeiro ato ilícito, operável na forma do artigo 186 do Código Civil. Como ambos os fornecedores são responsáveis pela redibição/reparos, se os dois atuam com desídia, compartilham o ato ilícito, razão pela qual devem responder na forma do Código Civil, porém na modalidade objetiva, por força do art. 927, parágrafo único do mesmo diploma. Não há, portanto, qualquer incompatibilidade, nesse caso, na procedência do pedido redibitório em concomitância com o dano moral. Afinal, um decorre da falha com o dever se adequação/segurança, o outro decorre de ato ilícito. O dialogo das fontes é que autoriza essa interpretação.

[42] A não ser, é claro, se se tratar de alguma das hipóteses do artigo 13 do diploma.

[43] Caso julgado pelo Superior Tribunal de Justiça: (REsp 414.986/SC, Rel. Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, Terceira Turma, julgado em 29.11.2002).