DO PODER CONSTITUCIONALMENTE IMPUTADO DE INVESTIGAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Rocco Antonio Rangel Rosso Nelson
SUMÁRIO: Das considerações iniciais; 1 Do conteúdo do Projeto de Emenda Constitucional nº 37; 2 O Poder de investigação do Ministério Público nos Tribunais Superiores; 2.1 No Superior Tribunal Federal; 2.2 No Superior Tribunal de Justiça; 3 A teoria dos poderes implícitos; 3.1 Enquadramento no fenômeno do transconstitucionalismo; 4 A regulamentação do poder investigatório criminal do Ministério Público; 5 O reconhecimento do poder investigatório do Ministério Público na Lei nº 12.830, de 20 de junho de 2013; 6 Uma análise hipotética da (in)constitucionalidade da PEC 37; 6.1 Natureza jurídica do Ministério Público; 6.2 Limites materiais implícitos à reforma da Constituição; 7 A extinção do Projeto de Emenda Constitucional nº 37 por ausência de legitimidade – O acordar do titular do poder; Das considerações finais; Referências.
DAS CONSIDERAÇÕES INICIAIS
A proposta de Emenda Constitucional nº 37, mais do que uma questão jurídica, é fruto de um embate político entre a categoria da polícia judiciária e do Ministério Público, em que se questiona a exclusividade ou não da investigação criminal [1].
Esse é um debate acalorado que se desenvolve há vários anos, seja na seara acadêmica, seja nas lides perante tribunais. Todavia, o tema em questão ressurge de forma “explosiva” com a PEC 37, levando a discussão, agora, para a sociedade civil, vindo a se hastear uma bandeira de combate à corrupção, disseminada pelas redes sociais, arrastando a população a protestar em via pública.
É aterrador aferir que, por questões de brios feridos, houve uma real ameaça de se alijar a atuação criminal do Ministério Público, o qual, na ordem constitucional vigente, tornou-se um dos principais protagonistas de uma ardorosa esgrimatura contra a criminalidade, tanto em relação aos crimes perpetrados pelas classes menos abastadas quanto em relação aos delitos de “colarinho branco” cometidos pela “elite” e políticos inescrupulosos.
Deve-se advertir que o presente artigo em nenhum momento visa ostentar os méritos do Ministério Público em demérito à polícia. Ambas são duas instituições fundantes do Estado de Direito, com atribuições constitucionais, os quais devem trabalhar em um sistema de cooperação, com o fim de propiciar uma maior eficiência nas suas atuações.
O desiderato da dissertação em tela é ofertar argumentos jurídicos que justifiquem a legitimidade do Ministério Público em investigar, vindo a constatar que a PEC 37, muito mais que respaldar os interesses de uma categoria, é um ato atentatório à “Justiça”, por estar retirando uma ferramenta basilar para o desenvolvimento da persecução criminal do titular da ação penal.
1 DO CONTEÚDO DO PROJETO DE EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 37
O Projeto de Emenda Constitucional nº 37 fora proposto pelo Deputado Federal Lourival Mendes da Fonseca Filho, do PTdoB, apresentada no dia 8 de junho de 2011.
O presente projeto de Emenda Constitucional acrescentaria um décimo paragrafo ao art. 144 da Constituição Federal, o qual teria a seguinte redação:
Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:
[…]
- 10. A apuração das infrações penais de que trata os §§ 1º e 4º deste artigo, incumbem privativamente às polícias federal e civis dos Estados e do Distrito Federal, respectivamente. [2] (grifo nosso)
Nos fundamentos que vêm por respaldar essa alteração constitucional, apresentados na proposta de emenda supra, destaca-se:
A falta de regras claras definindo a atuação dos órgãos de segurança pública neste processo tem causado grandes problemas ao processo jurídico no Brasil. Nessa linha, temos observado procedimentos informais de investigação conduzidos em instrumentos, sem forma, sem controle e sem prazo, condições absolutamente contrárias ao estado de direito vigente.
Dentro desse diapasão, vários processos têm sua instrução prejudicada e sendo questionado o feito junto aos Tribunais Superiores. Este procedimento realizado pelo Estado, por intermédio exclusivo da polícia civil e federal propiciará às partes – Ministério Público e a defesa, além da indeclinável robustez probatório servível à propositura e exercício da ação penal, também os elementos necessários à defesa, tudo vertido para a efetiva realização da justiça. [3]
Por fim, corroborando com a justificativa apontada na proposta de emenda, é transcrita, apenas, a opinião do Desembargador aposentado Alberto José Tavares Vieira da Silva, explicitado no seu livro Investigação Criminal: Competência.
Sobreleva o seguinte trecho:
Ao Ministério Público nacional são confiadas atribuições multifárias de destacado relevo, ressaindo, entre tantas, a de fiscal da lei. A investigação de crimes, entretanto, não está incluída no círculo de suas competências legais. Apenas um segmento dessa honrada instituição entende em sentido contrário, sem razão.
Não engrandece nem fortalece o Ministério Público o exercício da atividade investigatória de crimes, sem respaldo legal, revelador de perigoso arbítrio, a propiciar o sepultamento de direitos e garantias inalienáveis dos cidadãos.
O êxito das investigações depende de um cabedal de conhecimentos técnico-científicos de que não dispõem os integrantes do Ministério Público e seu corpo funcional. As instituições policiais são as únicas que contam com pessoal capacitado para investigar crimes e, dessarte, cumprir com a missão que lhe outorga o art. 144 da Constituição Federal. [4]
E nesses termos, tem-se a exposição de uma proposta de modificação da Constituição Federal do Brasil.
2 O PODER DE INVESTIGAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NOS TRIBUNAIS SUPERIORES
2.1 No Superior Tribunal Federal
Por meio do Habeas Corpus nº 91.661, o qual teve a Ministra Ellen Gracie como relatora, a 2ª Turma do STF [5] acatou a tese de que o Ministério Público poderia investigar baseado na teoria dos poderes implícitos, segundo a qual, se a Constituição outorgou os fins, a mesma chancela os meios.
HABEAS CORPUS – TRANCAMENTO DE AÇÃO PENAL – FALTA DE JUSTA CAUSA – EXISTÊNCIA DE SUPORTE PROBATÓRIO MÍNIMO – REEXAME DE FATOS E PROVAS – INADMISSIBILIDADE – POSSIBILIDADE DE INVESTIGAÇÃO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO – DELITOS PRATICADOS POR POLICIAIS – ORDEM DENEGADA – 1. A presente impetração visa o trancamento de ação penal movida em face dos pacientes, sob a alegação de falta de justa causa e de ilicitude da denúncia por estar amparada em depoimentos colhidos pelo ministério público. 2. A denúncia foi lastreada em documentos (termos circunstanciados) e depoimentos de diversas testemunhas, que garantiram suporte probatório mínimo para a deflagração da ação penal em face dos pacientes. 3. A alegação de que os pacientes apenas cumpriram ordem de superior hierárquico ultrapassa os estreitos limites do habeas corpus, eis que envolve, necessariamente, reexame do conjunto fático-probatório. 4. Esta Corte tem orientação pacífica no sentido da incompatibilidade do habeas corpus quando houver necessidade de apurado reexame de fatos e provas (HC 89.877/ES, Rel. Min. Eros Grau, DJ 15.12.2006), não podendo o remédio constitucional do habeas corpus servir como espécie de recurso que devolva completamente toda a matéria decidida pelas instâncias ordinárias ao Supremo Tribunal Federal. 5. É perfeitamente possível que o órgão do Ministério Público promova a colheita de determinados elementos de prova que demonstrem a existência da autoria e da materialidade de determinado delito. Tal conclusão não significa retirar da Polícia Judiciária as atribuições previstas constitucionalmente, mas apenas harmonizar as normas constitucionais (arts. 129 e 144) de modo a compatibilizá-las para permitir não apenas a correta e regular apuração dos fatos supostamente delituosos, mas também a formação da opinio delicti. 6. O art. 129, inciso I, da Constituição Federal, atribui ao Parquet a privatividade na promoção da ação penal pública. Do seu turno, o Código de Processo Penal estabelece que o inquérito policial é dispensável, já que o Ministério Público pode embasar seu pedido em peças de informação que concretizem justa causa para a denúncia. 7. Ora, é princípio basilar da hermenêutica constitucional o dos “poderes implícitos”, segundo o qual, quando a Constituição Federal concede os fins, dá os meios. Se a atividade fim – promoção da ação penal pública – foi outorgada ao Parquet em foro de privatividade, não se concebe como não lhe oportunizar a colheita de prova para tanto, já que o CPP autoriza que “peças de informação” embasem a denúncia. 8. Cabe ressaltar, que, no presente caso, os delitos descritos na denúncia teriam sido praticados por policiais, o que, também, justifica a colheita dos depoimentos das vítimas pelo Ministério Público. 9. Ante o exposto, denego a ordem de habeas corpus. (HC 91.661, Relª Min. Ellen Gracie, J. 10.03.2009, SegundaTurma, DJ 02.04.2009) [6]
Essa foi uma decisão unânime da turma, o qual seguiu o voto da relatora [7].
Hoje, essa matéria é pauta do pleno do STF, o qual tem reconhecida a Repercussão Geral dessa temática, sendo discutido no Recurso Extraordinário nº 593.727, de 2009, proveniente do Estado de Minas Gerais, tendo por relator o Ministro Cezar Peluso.
No mérito desse Recurso Extraordinário, o relator, dissertou longamente, em seu voto, não acolhendo a legitimidade do Ministério Público para o ato de investigação criminal, vislumbrando que o art. 144, § 1º, I e IV, e § 4º, da Constituição Federal atribuía à exclusividade da apuração de infrações criminosas as polícias [8].
Afirmou o Ministro Relator que a investigação direta feita pelo Ministério Público produziria consequências que ofenderiam sumamente o devido processo legal:
Decretou que a investigação direta pelo Ministério Público, no quadro constitucional vigente, não encontraria apoio legal e produziria consectários insuportáveis dentro do sistema governado pelos princípios elementares do devido processo legal: a) não haveria prazo para diligências nem para sua conclusão; b) não se disciplinariam os limites de seu objeto; c) não se submeteria a controle judicial, porque carente de existência jurídica; d) não se assujeitaria à publicidade geral dos atos administrativos, da qual o sigilo seria exceção, ainda assim sempre motivado e fundado em disposição legal; e) não preveria e não garantiria o exercício do direito de defesa, sequer a providência de ser ouvida a vítima; f) não se subjugaria a controle judicial dos atos de arquivamento e de desarquivamento, a criar situação de permanente insegurança para pessoas consideradas suspeitas ou investigadas; g) não conteria regras para produção das provas, nem para aferição de sua consequente validez; h) não proviria sobre o registro e numeração dos autos, tampouco sobre seu destino, quando a investigação já não interessasse ao Ministério Público. Esclareceu que haveria atos instrutórios que, próprios da fase preliminar em processo penal, seriam irrepetíveis e, nessa qualidade, dotados de efeito jurídico processual absoluto. Seriam praticados, na hipótese, à margem da lei.[9]
O voto do Ministro Cezar Peluso fora acompanhado pelo do Ministro Ricardo Lewandowski.
Divergindo dos ministros alhures, o Ministro Gilmar Mendes, em seu voto, acompanhado pelos dos Ministros Celso de Mello, Ayres Britto e Joaquim Barbosa, negou provimento ao recurso, reconhecendo a ilicitude da investigação feita pelo Ministério Público, resgatando os argumentos proferidos no Habeas Corpus nº 91.661, anteriormente mencionado [10].
O Ministro Celso de Mello vislumbrou a legitimidade do poder investigatório do Ministério Público, tendo em vista que a Constituição outorgara o monopólio da ação penal pública e o controle externo sobre a atividade policial [11].
Ao presidente, à época, Ayres Britto, restou que o poder de investigação permitiria um melhor cumprimento das finalidades do Ministério Público, além de destacar inúmeras leis ordinárias que prescreveriam a atribuição investigativa dessa instituição (Estatuto do Idoso; Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA; Lei Maria da Penha; Estatuto de Defesa e Proteção do Consumido) [12].
Em sessão (dezembro de 2012) na qual se discutia o presente assunto, o Ministro Luiz Fux proferiu o voto tanto no RE 593.727 como no HC 84.548/SP. O ministro, no RE, negou provimento e, em seguida, o Ministro Marco Aurélio pediu vistas [13].
Afira que, atualmente, temos uma votação pendendo para o reconhecimento da tese da legitimidade do Ministério Público em investigar, sendo este corolário lógico da titularidade da ação penal pública, conferida pelo Constituinte de 1988. Tem-se, em suma, dois votos contra e 5 favoráveis ao Ministério Público.
O Ministro Luiz Fux, no Habeas Corpus nº 84.548/SP, proferiu voto a favor do poder de investigação do Ministério Público, em que, por meio de uma interpretação sistêmica, o Parquet subsidiariamente poderia realizar investigações, não vislumbrando incompatibilidade com os ditames constitucionais.
Aduziu que a Constituição asseguraria o livre exercício das funções institucionais do Ministério Público, consagradas sua autonomia e independência. Destacou que a ausência de menção, no CPP de 1941, a modelo de investigação preliminar presidida por promotor decorreria da inexistência das garantias asseguradas hoje aos membros do Ministério Público. Pontuou não haver razão para alijar o Ministério Público da condução dos trabalhos que precedessem o exercício da ação penal de que seria titular. Asseverou que, além de compatível com a Constituição, a investigação direta pelo Ministério Público proporcionaria plena observância do princípio da obrigatoriedade, a militar em favor dos direitos fundamentais do sujeito passivo da persecução penal. Em consequência, evitar-se-iam delongas desnecessárias no procedimento prévio e proporcionar-se-ia contato maior do dominus litis com os elementos que informariam seu convencimento. [14]
Destacou, ainda, ser a investigação perpetrada pelo Ministério Público imprescindível quando da apuração de infrações penais acometidos por policiais. Além disso, concluiu que o art. 4º do Código de Processo Penal, ao designar a atribuição à polícia judiciária para apuração dos fatos criminais, não teria excluído que outras autoridades assim o fizessem.
Assegurar-se-ia, ademais, a independência na condução dos trabalhos investigativos, mormente quando a referida atividade tivesse por escopo a apuração de delitos praticados por policiais. Frisou que a adoção de processo hermenêutico sistemático induziria à conclusão de que o Ministério Público poderia, ainda que em caráter subsidiário e sem o intuito de se substituir à polícia, realizar investigações para fins de instrução criminal. Dessumiu que o art. 144 da CF, conjugado com o art. 4º, parágrafo único, do CPP (“Art. 4º A polícia judiciária será exercida pelas autoridades policiais no território de suas respectivas circunscrições e terá por fim a apuração das infrações penais e da sua autoria. Parágrafo único. A competência definida neste artigo não excluirá a de autoridades administrativas, a quem por lei seja cometida a mesma função“), conduziria à exegese de legitimidade na atuação do órgão ministerial. [15]
Ao final do seu voto, o Ministro Luiz Fux listou uma série de diretrizes para a condução investigatória feita pelo Ministério Público. Sobressai o reforço feito pelo Ministro que a atuação do Parquet no que tange a atos investigatórios deve ser concomitante ou subsidiária à atuação da polícia.
Propôs diretrizes para o procedimento investigativo conduzido diretamente pelo parquet, que deve: a) observar, no que couber, os preceitos que disciplinam o inquérito policial e os procedimentos administrativos sancionatórios; b) ser identificado, autuado, numerado, registrado, distribuído livremente e, salvo nas hipóteses do art. 5º, XXXIII e LX, da CF, público. A decisão pela manutenção do sigilo deve conter fundamentação; e c) ser controlado pelo Poder Judiciário e haver pertinência entre o sujeito investigado com a base territorial e com a natureza do fato investigado. Ademais, o ato de instauração deve: a) formalizar o ato investigativo, delimitados objeto e razões que o fundamentem; e b) ser comunicado imediata e formalmente ao Procurador-Chefe ou ao Procurador-Geral. Além dessas diretivas: a) devem ser juntados e formalizados todos os atos e fatos processuais, em ordem cronológica, principalmente diligências, provas coligidas, oitivas; b) deve ser assegurado o pleno conhecimento dos atos de investigação à parte e ao seu advogado, nos termos da Súmula Vinculante nº 14 (“É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa“); e c) deve haver prazo para conclusão do procedimento investigativo e controle judicial quanto ao arquivamento. Por último, enfatizou que a atuação do Ministério Público deve ser concorrente ou subsidiária e ocorrer quando não for possível ou recomendável a atuação da própria polícia. [16] (grifos nossos)
Nesses termos, agora, só resta esperar o deslinde da matéria com o julgamento do RE 593.727, para pôr fim aos entraves processuais penais que essa matéria tem gerado.
Lembrar que, por se tratar de matéria ensejadora de repercussão geral, inúmeros/milhares de processos de natureza penal estão suspensos, aguardando uma posição definitiva da Suprema Corte Federal. Esse Recurso Extraordinário vem se arrastando desde outubro de 2008 [17].
2.2 No Superior Tribunal de Justiça
Essa matéria é há muito pacífica no STJ, sendo fruto da consolidação de sua jurisprudência, a Súmula nº 234: “A participação de membro do Ministério Público na fase investigatória criminal não acarreta o seu impedimento ou suspeição para o oferecimento da denúncia” [18].
Em decisão recente, tal posicionamento é reiterado:
HABEAS CORPUS IMPETRADO EM SUBSTITUIÇÃO AO RECURSO PREVISTO NO ORDENAMENTO JURÍDICO – 1. NÃO CABIMENTO – MODIFICAÇÃO DE ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL – RESTRIÇÃO DO REMÉDIO CONSTITUCIONAL – EXAME EXCEPCIONAL QUE VISA PRIVILEGIAR A AMPLA DEFESA E O DEVIDO PROCESSO LEGAL – 2. TORTURA – ART. 1º, INCISO I, DA LEI Nº 9.455/1997 – CRIME COMUM – RECEBIMENTO DA DENÚNCIA SEM NOTIFICAÇÃO PARA APRESENTAÇÃO DE DEFESA PRÉVIA – AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENTE – PROCEDIMENTO ESPECIAL RESTRITO AOS CRIMES FUNCIONAIS TÍPICOS – 3. INVESTIGAÇÃO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO – REITERAÇÃO DE PEDIDO – 4. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA – CERCEAMENTO DE DEFESA – NÃO OCORRÊNCIA – MÍDIAS JUNTADAS AO PROCESSO ANTES DO OFERECIMENTO DAS ALEGAÇÕES FINAIS – PREJUÍZO NÃO APONTADO – 5. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO.
[…]
- A tese relativa à ofensa aos princípios do contraditório e da ampla defesa, tendo em vista ter sido a diligência de interceptação telefônica conduzida pelo Ministério Público, já foi apreciada pelo Superior Tribunal de Justiça – HC 32.586/MG – oportunidade em que se reconheceu a legitimidade do Ministério Público para o procedimento preliminar de investigação. [19] (grifos nossos)
3 A TEORIA DOS PODERES IMPLÍCITOS
Essa teoria tem sua origem no sistema constitucional americano, desenvolvido no caso McCulloch v. Maryland, julgado pela suprema corte americana em 1819.
O caso tratava-se do fretamento em relação ao segundo banco dos Estados Unidos, feito pelo Congresso Nacional americano, em que este era depositário de reservas federais, emitia notas, bem como emprestava dinheiro ao governo federal em troca dos impostos.
Em decorrência de uma depressão financeira, em 1818, o Estado de Maryland baixou uma lei criando um imposto que afetaria todos os bancos não fretados pelo respectivo Estado. O único banco não fretado pelo Estado era o banco fretado pelo Congresso Nacional. O presidente do banco, no Estado de Maryland, era James McCulloch, o qual se negou a pagar a alta carga tributária, tendo em vista os privilégios outorgados pelo Congresso Nacional. O Estado de Maryland adentrou com uma ação de cobrança fiscal contra McCulloch.
O tribunal do Estado de Maryland e o tribunal de apelações deram ganho de causa ao Estado de Maryland. McCulloch recorre à suprema corte americana impugnando a constitucionalidade da lei tributária.
Em decisão unânime, proferida pelo chefe de justiça John Marshall, a suprema corte reconheceu a inconstitucionalidade da lei de Maryland, afirmando a legitimidade do banco fretado pelo Congresso, em decorrência da norma constitucional que permite ao Congresso criar leis necessárias e adequadas para execução dos poderes enumerados na própria Constituição, entre eles regular o comércio interestadual, recolher impostos e realizar a feitura de empréstimo de dinheiro [20].
Segundo o Juiz Black, “tudo o que for necessário para fazer efetiva alguma disposição constitucional envolvendo proibição ou restrição ou garantia a um poder deve ser julgado implícito e entendido na própria disposição” [21].
Essa teoria é assim conceituada por Marcelo Caetano: “A teoria dos poderes implícitos é a de que os órgãos federais têm competência para fazer tudo quanto seja necessário ou útil para se desempenharem cabalmente das atribuições que a Constituição lhes confere” [22].
Outro precedente sobre a teoria dos poderes implícitos tem-se no caso Myers v. Estado Unidos (US 272 – 1926), no qual se discutia a constitucionalidade do presidente da república em demitir os funcionários do Poder Executivo, tendo em vista que a Constituição Federal só tratava do processo de admissão, sendo omisso em relação à demissão.
A suprema corte reconheceu a dispensabilidade de tal previsão na Constituição, sendo essa omissão proposital, tendo em vista que, se fora dado o poder para nomeação de agentes públicos do Poder Executivo ao Presidente da República, implicitamente o mesmo poderia exonerar esses funcionários, não precisando de autorização ou ratificação dos Poderes Legislativos ou do Judiciário.
Como preleciona Marcelo Caetano, as normas constitucionais permitem uma interpretação extensiva de forma a manter atual com a dinamicidade social do momento, fazendo uso, para tanto, da teoria dos poderes implícitos.
O texto pode ser explorado logicamente de modo a dele se extraírem todos os sentidos que contenha e assim o manter atual.
[…] Em relação aos poderes dos órgãos ou das pessoas físicas ou jurídicas, admite-se, por exemplo, a interpretação extensiva, sobretudo pela determinação dos poderes que estejam implícitos noutros expressamente atribuídos. É o que se contém nas regras tradicionais de que quem quer os fins, quer os meios; quem pode o mais, pode o menos; e de que se a lei confere um direito legitima o uso dos meios indispensáveis ao seu exercício. [23] (grifos nossos)
3.1 Enquadramento no fenômeno do transconstitucionalismo
No momento em que a Suprema Corte Federal, com o fito de solucionar a lide apresentada sobre a constitucionalidade ou não do poder de investigar do Ministério Público, faz uso, como um dos seus fundamentos jurídicos, da teoria dos poderes implícitos, a qual fora desenvolvida no ordenamento jurídico americano, constata-se uma transversalidade [24] entre os ordenamentos jurídicos postos, apresentando o fenômeno chamado pelo Professor Marcelo Neves de transconstitucionalismo.
Ou seja, os dois ordenamentos jurídicos possuem “pontes de transição” [25], nas quais se desenvolvem “diálogos/conversação” [26] entre si para a solução de problemas constitucionais semelhantes, relacionados com direitos fundamentais ou controle e limitação do poder [27].
Marcelo Neves constata que o sistema jurídico é multicêntrico, em que o centro de uma constitui a periferia de outra, havendo uma “relação de observação mútua, no contexto da qual se desenvolvem formas de aprendizado e intercâmbio, sem que se possa definir o primado definitivo de uma das ordens, uma ultima ratio jurídica” [28].
O autor supracitado explicita que esse entrelaçamento nem sempre ocorre entre tribunais, podendo se dar por meio da “reinterpretação da própria ordem a que está vinculado o tribunal” [29], no qual o mesmo incorpora “sentidos normativos extraídos de outras ordens jurídicas” [30].
A partir do transconstitucionalismo, procura-se respaldar a legitimidade da incorporação da teoria dos poderes implícitos no ordenamento jurídico brasileiro, posto à existência de uma pluralidade de centros jurídicos, ao contrário da formação de uma unidade jurídico-global, no qual esses centros se comunicam, seja cooperativamente, seja conflituosamente, em prol de uma construção normativa, a partir dessas conversações mútuas, adequadas e satisfatórias aos problemas constitucionais.
4 A REGULAMENTAÇÃO DO PODER INVESTIGATÓRIO CRIMINAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Quando se argumenta em prol do poder de investigação do Ministério Público, não se está por sufragar um poder absoluto, alheio aos ditames constitucionais do baluarte do devido processo legal, sendo realizado segundo o alvitre “ditatorial” do membro do Parquet.
Atento ao respeito dos direitos fundamentais do investigado [31], o Conselho Superior do Ministério Público, em 2006, publicou a Resolução nº 13, que regulamenta a instauração e tramitação do procedimento investigatório criminal.
A investigação criminal realizada pelo Parquet dar-se-á por meio de uma portaria, a qual justificará a razão do procedimento, sendo registrada e autuada, indicando o fato a ser investigado e, quando possível, o possível autor, bem como as diligências iniciais [32]. Percebe-se a semelhança com as regras procedimentais do inquérito policial prescrito no Código de Processo Penal.
Chama-se atenção à obrigatoriedade de comunicação imediata e por escrito ao chefe do Ministério Público quando da instauração do procedimento investigatório criminal [33].
O Parquet poderá notificar o autor do fato investigado, em que este tem a faculdade de ser acompanhado por advogado, apresentando as informações que achar pertinentes. Será realizado auto circunstanciado das feituras das diligências.
Esse processo investigatório possui prazo para conclusão, o qual é de 90 dias, permitidas prorrogações, desde que fundamentadas.
Os atos investigatórios são públicos, podendo o investigado, vítima ou terceiro interessado, salvo, é claro, razões de interesse público ou conveniência da investigação [34]. Em caso de decretação de sigilo para o bem das elucidações dos fatos ou interesse público, o mesmo será fundamentado [35].
Sendo hipóteses de concluir pelo arquivamento do processo investigatório, o Parquet o fará motivadamente, solicitando o arquivamento à autoridade judicial ou superior interno responsável por sua apreciação [36].
Percebe-se com uma clareza solar que o Ministério Público, caso necessite realizar alguma investigação criminal para subsidiar a ação penal pública, essa investigação será regrada pelo próprio CNMP, tendo em vista os preceitos constitucionais e legais, sobressaindo, na Resolução nº 13, o princípio da publicidade, do controle da atividade pelo Judiciário e pelo órgão superior do Ministério Público, a necessidade de motivação de todos os atos, prazo para conclusão. Em suma, um conjunto normativo formador de arcabouço em defesa do devido processo legal.
O conteúdo da Resolução nº 13 do CNMP, como explicitado, adequa-se com perfeição às diretrizes apresentadas pelo Ministro Luiz Fux, em seu voto no HC 84.548/SP, como transcrito alhures.
Desse modo, não se coaduna com os argumentos do insigne Ministro Cezar Peluso, em seu voto, quando afirmar que “a investigação direta pelo Ministério Público, no quadro constitucional vigente, não encontraria apoio legal e produziria consectários insuportáveis dentro do sistema governado pelos princípios elementares do devido processo legal […]“, no RE 593.727.
5 O RECONHECIMENTO DO PODER INVESTIGATÓRIO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NA LEI Nº 12.830, DE 20 DE JUNHO DE 2013
Em 20 de junho de 2013 foi publicada a Lei nº 12.830, o qual dispõe sobre a investigação criminal conduzida pelo delegado de polícia [37].
No art. 2º, § 3º, da novíssima produção legislativa fora emitido veto presidencial. Sua redação no projeto de lei era: “O delegado de polícia conduzirá a investigação criminal de acordo com seu livre convencimento técnico-jurídico, com isenção e imparcialidade“.
As razões do veto têm seu embasamento no fato de que a forma como fora redigido o presente enunciado normativo poderia gerar conflitos de atribuições entre as instituições partícipes da persecução penal [38].
Com esse veto, tem-se o indicativo por parte da Presidência da República, bem como da Advocacia-Geral da União, os quais reconhecem, a priori, o poder de investigação criminal do Ministério Público, não sendo de exclusividade do delegado de polícia.
6 UMA ANÁLISE HIPOTÉTICA DA (IN)CONSTITUCIONALIDADE DA PEC 37
Adverte-se, em absoluto, que não se está levantando a bandeira de que o Ministério Público tenha como atribuição o dever de investigação, mas sim uma faculdade quando da necessidade do caso concreto, o qual seria um reforço ao cumprimento do seu desiderato. De tal sorte que se poderia dizer que seria uma função atípica do seu mister [39], um “poder” implícito, uma faculdade decorrente da sua missão constitucional [40].
Uma interpretação diversa ensejaria a quebra da independência do Ministério Público, pois ficaria preso ao conteúdo probatório e à atividade desenvolvida pela polícia, entidade do Poder Executivo [41], ensejando uma vinculação direta do conteúdo da denúncia com as conclusões do inquérito policial.
Como corolário normativo, qualquer atividade do Ministério Público na fase pré-processual da persecução criminal dará ensejo à ruptura do devido processo legal, configurando prova ilícita.
A faculdade de investigar do Ministério Público seria uma forma de reforço de sua independência em face dos três poderes, podendo ser dito como um instrumento para o checks and balances inerente ao princípio da separação dos poderes [42].
Poder-se-ia alegar que essa interpretação esposada seria uma interpretação muito além do conteúdo nuclear intangível da cláusula pétrea da separação dos poderes[43].
Acreditamos que não. É ululante que o conteúdo normativo da PEC 37 tinha por deslinde a transferência, com exclusividade, para uma entidade do Poder Executivo a função de investigação criminal. Destarte, em qualquer processo que se constatasse indícios de fatos criminosos, o mesmo terá que ser remetido a instâncias policiais.
Exsurge, assim, o morticínio do princípio da separação dos poderes, pois está havendo a concentração da função de investigação criminal em um único poder [44].
Ressalta-se que não se adentrará, de forma profícua, no mérito da discussão se o Ministério Público seria ou não um poder, mas fica tangível que, com a proposta de emenda, supraproporciona um esvaziamento à atribuição típica da ação penal, no qual o Ministério Público é o dominus litis, bem como interfere em sua independência.
Por mais que se interceda pela não configuração de um poder, o Ministério Público sem dúvida é um importante protagonista na manutenção da harmonia dos três poderes, em que sua função é uma função estatal constitucionalmente adequada [45] na busca da concretização dos ditames constitucionais, em face da dinâmica social vigente.
Dissenso, afetar a independência dessa entidade política vindo simultaneamente a concentrar a função de investigação criminal em um único poder acarretará o comprometimento do equilíbrio supra[46], afetando, diretamente, o núcleo da cláusula pétrea da separação dos poderes [47].
6.1 Natureza jurídica do Ministério Público
Não se adentrará, sobremaneira, em um estudo de profundidade em relação à posição institucional do Ministério Público. Todavia, em face das ilações mencionadas, fazem-se necessárias algumas ponderações.
Deve se advertir que não se vislumbra o Ministério Público como um quarto poder [48], mas sim como uma entidade promovente do equilíbrio entre a interlocução dos três poderes [49].
Não se pode galgar raciocínio que enquadre o mesmo em um órgão que integre os quadros do Poder Executivo, como outrora foi [50].
A Constituição Federal de 1988 conferiu a essa entidade a independência, de forma a não ser subjugada ou sofrer ingerências externas por qualquer dos poderes, isso com o fito de garantir o bem, exercer das suas árduas atribuições constitucionais, sendo incumbindo à defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis [51].
Tornam-se pertinentes as palavras do Professor Fabio Konder Comparato, que corrobora com as afirmações citadas, quando disserta sobre especialização e controle recíproco dos órgãos do Estado, tecendo considerações sobre o Ministério Público:
Resta dizer algumas palavras sobre o Ministério Público.
[…]
Sucedeu, porém, que a superação das monarquias absolutas não conseguiu apagar os traços genéticos dessa primitiva vinculação do Ministério Público ao chefe de Estado, ou ao chefe do governo. A situação é tão absurda, nos sistemas presidenciais de governo, que o chefe do órgão, nomeado pelo presidente, e portanto a ele pessoalmente grato, aparece, em geral, como o único agente público competente para denunciá-lo em processos criminais.
Hoje, quando o Ministério Público dispõe de poderes ampliados, notadamente para a defesa dos chamados direitos difusos ou transindividuais, e para a responsabilização pessoal de todos os agentes públicos por condutas imorais ou lesivas ao bem comum, esse resquício de ligação do órgão com o Poder Executivo é preocupante. O Ministério Público serve, não raras vezes, os interesses político-partidários do governo, propondo, a pedido deste, ações de inconstitucionalidade de leis, julgadas inconvenientes ao Executivo ou à maioria parlamentar. Outras vezes, as instâncias superiores do órgão deixam de agir com o necessário zelo contra membros do governo, sob o curioso pretexto de que o assunto é de natureza político-partidária.
Ora, a denominação do órgão indica, já por si, a natureza das suas atribuições. Trata-se de um servidor do povo, não de um dependente ou agregado governamental. Para que o Ministério Público possa, portanto, defender com absoluta autonomia o bem comum do povo, é indispensável desvincular totalmente o órgão do Poder Executivo, retirando-se deste a atribuição de nomear qualquer dos seus integrantes. [52] (grifos nossos)
Salienta-se a posição constitucional da entidade do sistema português. Em Portugal, o Ministério Público é um órgão que compõe o Poder Judiciário, não tendo natureza administrativa [53].
Apesar de compor o Poder Judiciário, sua independência e autonomia são patentes do ordenamento português, vinculado às disposições legais [54]. Destaca Canotilho: “[…] Ministério Público é um poder autónomo do Estado, dotado de independência institucional em relação a qualquer outro poder incluindo os juízes” [55].
6.2 Limites materiais implícitos à reforma da Constituição
Vislumbrando o comprometimento direto da cláusula pétrea da separação dos poderes pela PEC 37, em face de uma interpretação restritiva e gramatical, associado à controvérsia sobre a natureza jurídica do Ministério Público, pode-se defender que o projeto em tela viola os limites matérias implícitos [56] da Constituição Federal.
Mas por que entrever o poder de investigação criminal como um limite material implícito?
Pois o mesmo é corolário para o bom cumprimento do desiderato constitucional atribuído ao órgão, evitando, de tal sorte, a concentração do poder de investigação, tão somente nas mãos do Poder Executivo, contribuindo com a função estabilizadora entre os poderes.
7 A EXTINÇÃO DO PROJETO DE EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 37 POR AUSÊNCIA DE LEGITIMIDADE – O ACORDAR DO TITULAR DO PODER
Entre o mês de maio e junho do corrente ano, as ruas do Brasil são invadidas pelos cidadãos, em ato de protesto gerado em decorrência da indignação em relação ao aumento das tarifas de ônibus.
E em um furor, há tempos não visto (desde as “Diretas-já“), o povo brasileiro passa a questionar não só o aumento das tarifas de transporte público, mas sim um conjunto de descasos públicos e arbitrariedades dos dirigentes estatais, desde a saúde, a educação, a segurança pública, os gastos exorbitantes com os eventos da Copa das Confederações e Copa do Mundo, os escândalos com corrupção, entre outros.
Em pouco mais de um mês, instaura-se na República Federativa do Brasil uma verdadeira crise de legitimidade [57], na qual os representantes do povo têm sua posição em cheque pela omissão em concretizar os pleitos sociais [58].
Os atos políticos e legislativos passam a ser questionados, não em relação à técnica-formal jurídica, mas sim em relação a sua legitimidade, pois, no momento em que se tem uma série de atos que vão de encontro aos anseios do povo, o qual é o detentor do poder, o ato cai na iniquidade e aquele representante do povo passa a carecer do poder da representação.
No seio dos protestos que se desenvolvem, principalmente nas capitais dos Estados e no Distrito Federal, há insurgência da bandeira em relação à PEC 37, na qual o povo questiona o alijamento do Ministério Público ao proibir a entidade em exercer o poder investigatório na seara criminal.
O cidadão brasileiro vê nesse projeto de alteração da Constituição Federal um empecilho ao processo de persecução criminal, e, consequentemente, da promoção da “justiça“, a qual tanto anseia [59]. Ter-se-ia mais um obstáculo à segurança pública, em sentido lato.
A partir dessas manifestações, as quais estão parando o País, os “representantes do povo“, depois de instados, deram uma resposta a esse pleito, com uma celeridade digna dos preceitos constitucionais.
No dia 25 de junho de 2013 [60], em pauta de sessão extraordinária, o pleno da Câmara dos Deputados deliberou sobre a PEC 37, sendo ela rejeitada, de forma esmagadora, pelo voto de 430 deputados federais, manifestando apenas 9 parlamentares em favor da alteração constitucional.
O consectário dessa votação fora o arquivamento da Proposta de Alteração Constitucional nº 37, de 2011.
Muito além de todos os argumentos outrora apresentados justificantes do poder de investigação do Ministério Público para embasar uma ação penal púbica, não olvidando ser essa uma função constitucional também das forças policiais, perpassando pelas decisões dos tribunais superiores, pelas teorias do ordenamento jurídico americano, alegações de violação de cláusulas pétreas, além da regulação da matéria em Resolução do CNMP, comprova-se, cabalmente que o Projeto de Emenda Constitucional nº 37 não é detentor de legitimidade, não possuindo respaldo do titular do poder, o povo.
Nesses termos, ovaciona as palavras de Paulo Bonavides:
Uma organização institucional que não coloque os Poderes políticos – Legislativo e Executivo – da União, dos Estados e dos Municípios debaixo do controle direto, imediato e diuturno da vontade popular, jamais há de levar a cabo, bem-sucedida, a cruzada de anticorrupção administrativa de que tanto precisa o País. [61]
DAS CONSIDERAÇÕES FINAIS
É imanente que Projeto de Emenda Constitucional nº 37, de 2011, que procurou garantir exclusividade da atividade investigativa criminal apenas às forças policiais judiciais, estava embebecido em um viés unicamente política, alheio aos interesses sociais, aos argumentos e às implicações jurídicas [62].
Aferiu-se o profícuo debate do tema pelo Plenário do STF, em face da repercussão geral do tema, constatando uma tendência para o reconhecimento da legitimidade do Ministério Público em investigar, como outrora decidira por unanimidade a 2ª Turma do egrégio Tribunal. Nos votos dos ministros, destacou-se a necessidade de impor limitações a esse poder de investigação com fulcro a respeitar as garantias básicas do investigado.
No que tange ao Superior Tribunal de Justiça, a matéria é pacífica, e reconhece a legitimidade investigatória do Ministério Público, sendo a matéria sumulada nesse tribunal, no Enunciado nº 234.
Destarte, contata-se que a tessitura redacional da Resolução nº 13 do Conselho Superior do Ministério Público normatiza suficientemente processo investigatório criminal, quando da sua feitura pelo membro do Parquet, vindo a instrumentalizar os meios ao desenvolvimento do devido processo legal, coadunando-se com os votos já proferidos no citado RE 593.727.
A chancela do poder investigativo criminal do Ministério Público tem por ponto nodal a teoria dos poderes implícitos, a qual se sufraga que, se a carta constitucional instituiu o membro do Parquet como o único titular da ação penal pública, ficam implícitos os poderes necessários para o bem cumprir do desiderato constitucional, limitando esses poderes, é claro, às demais normatividades constitucionais.
A utilização dessa construção normativa a partir do sistema jurídico americano configura o fenômeno do transconstitucionalismo, no qual os multicentros jurídicos “dialogam“, seja em cooperação ou em conflito, para a solução de problemas jurídicos comuns.
Ousamos, em uma análise hipotética de constitucionalidade do respectivo projeto de emenda constitucional, argumentar pela sua inconstitucionalidade, por violação da clausula pétrea da separação dos poderes (limitação material ao poder de reformar), em decorrência da concentração exclusiva do poder de investigação no Poder Executivo, o que feriria o núcleo intangível dessa cláusula [63].
Atento ao fato de que essa afirmação levasse a discussão da natureza institucional do Ministério Público, em que não coadunamos com a tese de ser um quarto poder, fora elaborada a ilação de que, caso não se vislumbrasse a violação da cláusula pétrea da separação dos poderes, de forma direta, construiu-se o raciocínio de que o poder de investigação do Ministério Público seria uma cláusula pétrea implícita, tendo em vista que o órgão alhures é um protagonista fundante na dinâmica do checks and balances entre os poderes.
Não obstante aos argumentos dissertados em prol do poder de investigação do Ministério Público, ocorreu o arquivamento do Projeto de Emenda Constitucional nº 37, no dia 25 de junho de 2013. Isso decorrente de uma das reinvindicações clamadas pelo povo, que tomara as ruas do Brasil de assalto. Mais do que uma PEC contrária à sistemática normativa brasileira, tem-se um projeto carecedor de legitimidade popular.
REFERÊNCIAS
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TRIGUEIRO, Oswaldo. Problemas do governo democrático. Brasília: Senado Federal, 1976.
[1] Vale destacar que o autor da PEC 37, o Deputado Federal Lourival Mendes da Fonseca Filho, é delegado de polícia de classe especial do Maranhão.
[2] BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Emenda Constitucional nº 37. Brasília: 2011 Disponível:<http://www.camara.gov.br/proposicoesweb/prop_mostrarintegra?codteor=969478&filename=pec+37/2011>. Acesso em: 20 jun. 2013, p. 1.
[3] Idem, p. 2-3.
[4] Idem, p. 3.
[5] Na época, a 2ª Turma do STF era composta pelos Ministros Eros Roberto Grau, Celso de Mello, Joaquim Barbosa, Cesar Peluso e pela Ministra Ellen Gracie.
[6] Idem.
[7] O Ministro Eros Grau estava ausente, justificadamente, à sessão.
[8] Cf. Informativo nº 671 do STF, de junho de 2012.
[9] Idem.
[10] Cf. Informativo nº 672 do STF, de junho de 2012.
[11] Idem.
[12] Idem.
[13] Cf. Informativo nº 693 do STF, de dezembro de 2012.
[14] Idem.
[15] Idem.
[16] Idem.
[17] Andamento do RE 593.727. Acesso em: 15 jun. 2013. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?numero=593727&classe=RE&origem=AP&recurso=0&tipoJulgamento=M>.
[18] STJ, Súmula nº 234, de 13.12.1999, DJ 07.02.2000.
[19] STJ, HC 167503, 5ª T., Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, J. 21.05.2013, DJe 29.05.2013.
[20] “[…] a Constituição não diz que o governo federal pode criar bancos; mas se dá à União o poder de emitir moeda, implicitamente lhe permite que crie bancos emissores. É que toda a lei que reconhece um direito legitima os meios adequados para o seu exercício. Ou por outras palavras: quem quer os fins tem de querer os ‘meios idôneos’ para os alcançar”. (CAETANO, Marcelo. Direito constitucional. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, v. I, 1987. p. 99)
[21] LIMA, Renato Brasileiro. Manual de processo penal. Rio de Janeiro: Impetus, v. I. p. 213.
[22] CAETANO, Marcelo. Op. cit., p. 99.
[23] Idem, v. II, p. 12-13.
[24] Cf. NEVES, Marcelo. Transconstitucionalismo. São Paulo: Martins Fontes, 2009. p. 115.
[25] Idem, p. 117. “O novo, nos entrelaçamentos entre uma pluralidade de ordens jurídicas na sociedade mundial do presente, é a sua relativa independência das formas de intermediação política mediante tratados jurídico-internacionais t legislação estatal. As formas em que ocorrem relacionamentos formais c informais entre atores governamentais e ia governamentais multiplicam-se no âmbito do direito. Essa situação ganha relevância quando se considera que, em ande parte, as ‘pontes de transição’ entre ordens jurídicas desenvolvem-se diretamente a partir dos seus respectivos centros, ou seja, os seus juízes e tribunais”. (NEVES, Marcelo. Op. cit., p. 116-117).
[26] Idem, p. 117/122.
[27] Idem, p. XXI.
[28] Idem, p. 117.
[29] Idem, p. 118.
[30] “No caso do transconstitucionalismo, as ordens se inter-relacionam no plano reflexivo de suas estruturas normativas que são autovinculantes e dispõem de primazia. Trata-se de uma ‘conversação constitucional’, […] Ou seja, não cabe falar de uma estrutura hierárquica ente ordens: a incorporação recíproca de conteúdos implica uma releitura de sentido à luz da ordem receptora.” (Idem, ibidem)
[31] Art. 17 da Resolução nº 13 do CNMP.
[32] Art. 4º da Resolução nº 13 do CNMP.
[33] Art. 5º da Resolução nº 13 do CNMP.
[34] Art. 13 da Resolução nº 13 do CNMP.
[35] Art. 14 da Resolução nº 13 do CNMP.
[36] Art. 15 da Resolução nº 13 do CNMP.
[37] BRASIL. Lei nº 12.830, de 20 de junho de 2013. Dispõe sobre a investigação criminal conduzida pelo delegado de polícia. Diário Oficial da União, Brasília/DF, 21 de junho de 2013. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12830.htm>. Acesso em: 28 jun. 2013.
[38] “Da forma como o dispositivo foi redigido, a referência ao convencimento técnico-jurídico poderia sugerir um conflito com as atribuições investigativas de outras instituições, previstas na Constituição Federal e no Código de Processo Penal. Desta forma, é preciso buscar uma solução redacional que assegure as prerrogativas funcionais dos delegados de polícias e a convivência harmoniosa entre as instituições responsáveis pela persecução pena.” (BRASIL. Mensagem nº 251, de 20 de junho de 2013. Diário Oficial da União, Brasília/DF, 21 de junho de 2013. Disponível: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/msg/vep-251.htm>. Acesso em: 28 jun. 2013)
[39] Faz-se aqui uma analogia com as funções típicas e atípicas no caso da tripartição dos poderes.
[40] Canotilho utiliza a mesma lógica na seguinte afirmação: “[…] De salientar que a já referida participação Ministério Público (cfr. Lei nº 60/1998, de 27.08, Estatuto do Ministério Público, art. 1º) na execução da política criminal definida pelos órgãos de soberania, embora se possa considerar um ‘corolário lógico’ das competências constitucionais do Ministério Público, […]” (CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2003. p. 685).
[41] “A especialização funcional inclui a titularidade, por cada poder, de determinadas competências privativas. A independência orgânica demanda, na conformação da experiência presidencialista brasileira atual, três requisitos: (i) uma mesma pessoa não poderá ser membro de mais de um Poder ao mesmo tempo, (ii) um Poder não pode destituir os integrantes outro por força de decisão exclusivamente política; e (iii) a cada Poder são atribuídas, além das funções típicas ou privativas, outras funções (chamadas normalmente de atípicas), como reforço de sua independência frente aos demais Poderes”. (BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 175)
[42] “Ressalva-se, contudo, que, porque uma separação orgânico-funcional rígida não é viável na prática, a independência entre os vários órgãos não pode ser absoluta, antes devendo existir entre eles mecanismos de coordenação e interdependência – o que, em última análise, reforçará a fiscalização e o controlo recíprocos”. (PIÇARRA, Nuno. A separação dos poderes como doutrina e princípio constitucional – Um contributo para o estudo das suas origens e evolução. Coimbra: Coimbra, 1989. p. 13).
[43] “Pois bem. Na linha do que já se expôs acima, é evidente que a cláusula pétrea de que trata o art. 60, § 4º, III, não imobiliza os quase 100 (cem) artigos da Constituição que, direta ou indiretamente, delineiam determinada forma de relacionamento entre Executivo, Legislativo e Judiciário. Muito diversamente, apenas haverá violação às cláusulas pétrea da separação de Poderes se o seu conteúdo nuclear de sentido tiver sido afetado. Isto é: em primeiro lugar, e a modificação provocar uma concentração de funções em um poder ou consagrar, na expressão do STF, uma ‘instância hegemônica de poder’; e, secundariamente, se a inovação introduzida no sistema esvaziar a independência orgânica dos Poderes ou suas competências típicas”. (BARROSO, Luís Roberto. Op. cit., p. 175)
[44] A única exceção seria a hipótese do poder de investigação da CPIs, realizado pelo Poder Legislativo.
[45] “A falência daquela tripartição, como classificação universal e intemporalmente válida das funções estaduais, e, sobretudo, o progressivo esbatimento de fronteiras entre as diversas funções do Estado e a fluidez e relatividade dos critérios de caracterização material e de diferenciação entre elas, tem levado a doutrina a desinteressar-se progressivamente da elaboração de uma teoria geral das funções estaduais como elemento essencial do princípio da separação dos poderes, para se fixar numa análise das funções do Estado constitucionalmente adequada, no quadro de uma constituição concreta. […]. Esta evolução está, aliás, em consonância com a progressiva transição de um método abstracto-dedutívo para um método normativo-concreto na abordagem e no tratamento dogmático do princípio da separação dos poderes. Ele tende hoje a construir-se a partir da ordenação de competências jurídico-constitucionais concreta” (PIÇARRA, Nuno. Op. cit., p. 264). “No direito constitucional brasileiro a crise que analisamos é mais ampla e de efeitos mais prejudiciais. Em matéria de separação de poderes nosso constitucionalismo é ortodoxo e tanto o direito positivo como a doutrina dominante se apegam à ilusão de que, em meados do século vinte, câmaras numerosas e multipartidárias ainda possam exercer o monopólio da elaboração das leis. Aferramo-nos a Montesquieu, como se ele fosse o revelador de um dogma imutável e fechamos os olhos à revisão crítica que já afastou como inteiramente inútil uma teoria que Marcel de La Bigne de Villeneuve qualifica de mal construída, mal denominada, pior interpretada, e considera mesmo uma manifestação da crise do senso comum” (TRIGUEIRO, Oswaldo. Problemas do governo democrático. Brasília: Senado Federal, 1976. p. 17.)
[46] Nuno Piçarra, ao dissertar sobre a tripartição dos poderes, menciona que o instituto tem sido tomado em diversas acepções, vindo a enumerar algumas. Chama-se atenção a quarta acepção: “participação de dois ou mais órgãos, independentes entre si, na mesma função estadual, em ordem à prática de um acto imputável a todos” (PIÇARRA, Nuno. Op. cit.,
- 12). Afira a terminologia órgão (ao invés de poder) independente, o qual exercita mais de uma função. Isso permite evitar a concentração de função/poder em uma única entidade.
[47] “[…] Aqui, explica-se que o princípio pressupõe uma distinção material das funções estaduais, devendo o desempenho de cada uma delas caber a um órgão ou grupo de órgãos específico, independentemente dos demais: que esta distinção material das funções estaduais e a separação orgânico-pessoal ne1a fundada se pautam não só por preocupações de ordem jurídico-dogmática mas também ou, sobretudo, por preocupações garantísticas: pretende-se que nenhum desses órgãos chegue a controlar, por si só, a·totalidade do poder do Estado: que a entrega de cada uma das fracções em que o poder político seja dividido a diversos órgãos há-de fazer com que cada um constitua perante o outro um freio e simultaneamente um contrapeso, prevenindo-se assim a concentração e o abuso do poder, a favor da liberdade individual”. (PIÇARRA, Nuno. Op. cit., p. 12-13)
[48] BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.
- 1367. “Não é um quarto poder do Estado, mas a Constituição coloca o Ministério Público a salvo de ingerências dos outros Poderes, assegurando aos seus membros independência no exercício de suas funções. Com efeito, Ministério Público e conceituado pela Constituição como instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis” (CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito constitucional. 12. ed. Belo Horizonte: DelRey, 2006. p. 941). Cf. SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 22. ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 582.
[49] Em Portugal, o Ministério Público é um órgão do poder judicial. Destaca Canotilho: “Ministério Público é um poder autónomo do Estado, dotado de independência institucional em relação a qualquer outro poder incluindo os juízes”.
[50] “Já foi lembrada, aqui, a observação de Montesquieu sobre o aperfeiçoamento político que representou a criação, no regime monárquico, do cargo de oficial do rei, encarregado de exercer em cada tribunal o ofício de acusação nos processos-crimes”. (COMPARATO, Fábio Konder. Ética – Direito, moral e religião no mundo moderno. 3. ed. São Paulo: Companha das Letras, 2011. p. 678)
[51] “[…] Globalmente consideradas, as funções do Ministério Público tem, em geral, como denominador comum, o serem exercidas no interesse do “Estado-comunidade” e não do “Estado-pessoa”. (CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Op. cit., p. 685)
[52] COMPARATO, Fábio Konder. Op. cit., p. 678-679. Cf. BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional Op. cit., p. 1367.
[53] Cf. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Op. cit., p. 684.
[54] Idem, ibidem.
[55] Idem, ibidem.
[56] “Também no Brasil a doutrina majoritária reconhece a existência – para além dos limites expressamente positivados na Constituição – de limites materiais implícitos à reforma constitucional, não se registrando, contudo, unanimidade a respeito de quais sejam exatamente estes limites” (SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Curso de direito constitucional. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais. p. 136). Cf. BARROSO, Luís Roberto. Op. cit., p. 166. “Outras vezes, as constituições não contem quaisquer preceitos limitativos do poder de revisão, mas entende-se que há limites não articulados ou tácitos, vinculativos do poder de revisão. Esses limites podem ainda desdobrar-se em limites texttuais implicitos, deduzidos do proprio texto constitucional, e limites tácitos imanentes numa ordem de valores pré-positiva, vinculativa da ordem constitucional concreta” (CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Op. cit., p. 1064).
[57] “A classe dominante perdeu em grande parte a legitimidade do seu atual modelo de exercício da autoridade, sendo patente o hiato entre a vontade dos que governam e a vontade dos que são governados”. (BONAVIDES, Paulo. A constituição aberta. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 29)
[58] “Observa-se uma ruptura entre o Estado e a Sociedade, entre governantes e governados, entre o representante e o cidadão, tudo em proporções nunca vistas, acentuadas, ao mesmo passo, por um estado geral de desconfiança e descrença e até mesmo menosprezo da cidadania em relação aos titulares do poder”. (idem, ibidem)
[59] “Num tema tão sensível e caro à efetiva realização da justiça, não pode haver espaço para ingenuidades. A tese da impossibilidade da investigação direta pelo Parquet tem sido levada aos tribunais, via de regra, pela defesa de acusados alto coturno: políticos, grandes empresários, agentes públicos com notável poder dentro da estrutura do Estado, muitos dos quais com direito a foro por prerrogativa de função […]”. (CALABRICH, Bruno. Investigação criminal pelo Ministério Público: uma renitente e brasileira polêmica. In: FARIAS, Cristiano Chaves; ALVES, Leonardo Barreto Moreira; ROSENVALD, Nelson (Coord.). Temas atuais do Ministério Público. 4. ed. Salvador: JusPodivm, 2013. p. 795)
[60] Tem-se a votação da matéria com menos de um mês em que as manifestações populares passam a questionar a representatividade do governo, indo além dos reclames sobre o aumento das passagens de ônibus.
[61] BONAVIDES, Paulo. Op. cit., p. 29.
[62] “Fala-se aqui em pudor porquanto o cerne da tese contrária, tal qual veiculada – centrada, via de regra, no argumento da exclusividade da investigação criminal pelas polícias, com base no art. 144 da CF/1988 -, é de uma fragilidade incrível. […]”. (CALABRICH, Bruno. Investigação criminal pelo Ministério Público: uma renitente e brasileira polêmica. In: FARIAS, Cristiano Chaves; ALVES, Leonardo Barreto Moreira; ROSENVALD, Nelson (Coord.). Op. cit., p. 796)
[63] “Na sua dimensão orgânico-funcional, o princípio da separação dos poderes deve continuar a ser encarado como princípio de moderação, racionalização e limitação do poder político-estadual no interesse da liberdade. Tal constitui seguramente o seu núcleo imutável”. (PIÇARRA, Nuno. Op. cit., p. 26)