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DO PLANO ESPECIAL DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL PARA MICROEMPRESAS E EMPRESAS DE PEQUENO PORTE

DO PLANO ESPECIAL DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL PARA MICROEMPRESAS E EMPRESAS DE PEQUENO PORTE

Adriano Biancolini

 

Caberá aos gestores da empresa fazerem a análise da conveniência em se adotar ou não o plano especial, levando em conta a equação simplicidade x maior liberdade na atuação.

A lei complementar 123/06 estruturou toda uma cadeia de benefícios e tratamento diferenciado para pequenas empresas em âmbito financeiro, fiscal, burocrático e de acesso aos mercados públicos. No entanto, o tratamento diferenciado a essas empresas não se restringe ao texto desta lei complementar. Há normas que tratam do assunto espalhadas por todo o sistema jurídico pátrio.

Aqui, pretendemos dar enfoque ao tratamento diferenciado conferido a essas empresas na lei 11.101/05 que regula a recuperação judicial, extrajudicial e falência da sociedade empresária.

Nessa lei, a diferenciação concedida às empresas que se enquadram nos moldes da LC 123/06, tem maior relevo especificamente no procedimento da recuperação judicial.

Pois bem, em parcas linhas, podemos definir que a recuperação judicial tem por objetivo a manutenção da empresa em crise no mercado, por meio de plano de ações apresentado em juízo, no qual se enumeram os credores da empresa e a forma em que serão saldadas as dívidas.

Pode-se dizer que há a recuperação judicial com plano ordinário de recuperação e a recuperação judicial com plano especial, do qual podem optar as empresas abrangidas pelo regime jurídico das microempresas e empresas de pequeno porte.

A microempresa ou empresa de pequeno porte que optar pelo plano especial, o que será feito de forma expressa na petição inicial, deverá se submeter aos regramentos específicos previstos entre os arts. 70 e 72 da lei 11.101/05. Claro é, no entanto, que naquilo em que for omisso, será aplicável o mesmo procedimento adotado ordinariamente nas demais recuperações judiciais (que não serão objeto de análise aqui).

Feita essa observação, impende destacar que poderão requerer a recuperação judicial – tanto no plano especial quanto no ordinário – as empresas que atendam aos requisitos do art. 48, quais sejam:

– estar exercendo atividade regularmente há pelo menos 2 anos;

– não ser falido e, se foi, ter responsabilidades declaradas extintas por sentença transitada em julgado;

– não ter obtido concessão de recuperação judicial, pelo plano ordinário ou especial, há menos de 5 anos;

– não ter sido condenado ou ter como administrador ou sócio controlador pessoa condenada por quaisquer dos crimes previsto nessa lei.

Atendidos esses requisitos, a empresa optante pelo plano especial elaborará a petição inicial conforme o disposto no art. 51 e incisos da lei, sendo instruída com o relato sobre a situação patrimonial e as razões da crise econômica (I); demonstrações contábeis (II); relação de credores e empregados (III, IV); certidões e documentos constitutivos da empresa (V, VIII); relação dos bens particulares dos sócios e administradores da empresa (VI); comprovantes de contas bancárias e outros investimentos (VII) e; relação de ações judiciais em que figure como parte (IX).

Especificamente acerca das demonstrações contábeis, a sistemática normativa autoriza aos pequenos empreendedores a possuírem contabilidade simplificada[1], o que é contemplado de forma expressa no § 2º do art. 51:

2º Com relação à exigência prevista no inciso II do caput deste artigo, as microempresas e empresas de pequeno porte poderão apresentar livros e escrituração contábil simplificados nos termos da legislação específica.

Estando a documentação adequada o juiz deferirá o processamento da recuperação e, nos moldes do art. 52, no mesmo ato nomeará administrador judicial (I); determinará dispensa da apresentação de certidões negativas para que a empresa exerça suas atividades, exceto quando contratar com o Poder Público (II); determinará ao devedor a apresentação de contas demonstrativas mensais enquanto perdurar a recuperação judicial (IV); ordenará a intimação do Ministério Público e a comunicação por carta às Fazendas Públicas Federal e de todos os Estados e Municípios em que o devedor tiver estabelecimento (V).

Quanto ao inciso III, necessário fazer ressalva, visto que o juiz, no caso da adoção do plano especial não poderá, de pronto, ordenar a suspensão de todas ações ou execuções contra o devedor (nomenclatura legal destinada à empresa recuperanda). Isso porque, o parágrafo único do art. 71 determina que a suspensão se dará somente em relação às ações e execuções por créditos abrangidos pelo plano. Logo, o juiz, estando apenas em posse da petição inicial tem impossibilidade fática de praticar tal ato. Será necessário aguardar a apresentação do plano, para após ordenar a suspensão das execuções e demais ações.

Pois bem, deferida a recuperação, o plano especial deverá ser apresentado no prazo de 60 dias contados da publicação da decisão pelo deferimento limitando-se às seguintes condições:

– O plano abrangerá todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos, excetuados os decorrentes de repasse de recursos oficiais, os fiscais e os previstos nos §§ 3º e 4º do art. 49. Sobre esse ponto, bem sumariza a autora Camila Barboza Yamada:

Tanto no caso da recuperação baseada em plano comum quanto em plano especial, não podem ser objeto do plano, por força do disposto no artigo 49, parágrafos 3º e 4º, os créditos decorrentes de alienação fiduciária em garantia, leasing, promessa de compra e venda de imóvel com cláusula de irrevogabilidade ou irretratabilidade, contrato de venda com reserva de domínio e contrato de adiantamento de câmbio para exportação.[2]

– O plano preverá parcelamento em até 36 (trinta e seis) parcelas mensais, iguais e sucessivas, acrescidas de juros equivalentes à taxa Sistema Especial de Liquidação e de Custódia – SELIC, podendo conter ainda a proposta de abatimento do valor das dívidas;

– Preverá o pagamento da 1ª (primeira) parcela no prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias, contado da distribuição do pedido de recuperação judicial;

– Estabelecerá a necessidade de autorização do juiz, após ouvido o administrador judicial e o Comitê de Credores, para o devedor aumentar despesas ou contratar empregados.

Devidamente apresentado o plano especial, segundo o art. 72, não será convocada assembleia-geral de credores para deliberar sobre o plano. O juiz deferirá a recuperação se atendidos os requisitos legais.

Todavia, em que pese não haver necessidade de aprovação do plano por assembleia, caso credores titulares de mais da metade de qualquer uma das classes de créditos previstos no art. 413-4 , utilizando-se da prerrogativa prevista no art. 555 , se oponham ao plano, deverá o juiz julgar improcedente o pedido de recuperação judicial, na forma do parágrafo único do art. 72.

Após isso, como regra, a recuperação judicial com base em plano especial não terá procedimento diferente daquela baseada em plano ordinário.

Mas afinal de contas, a adoção do plano especial é um bom negócio? Para responder a tal pergunta necessário fazer uma análise comparativa entre o procedimento de recuperação em cada plano.

O plano especial é um bom negócio?

Bom, como era de se esperar, a lei pretende conceder algumas facilitações e reduções de encargos para as empresas enquadradas no regime jurídico das pequenas empresas. No entanto, no intento de simplificar procedimentos o legislador, muitas vezes, acabou por limitar as formas de implemento do plano de recuperação judicial dessas empresas.

Como afirmado, o legislador, determinou, por exemplo, que o juiz fixará a remuneração do administrador judicial de forma reduzida quando tratar-se de ME ou EPP, conforme art. 24, § 5º:

Art. 24. O juiz fixará o valor e a forma de pagamento da remuneração do administrador judicial, observados a capacidade de pagamento do devedor, o grau de complexidade do trabalho e os valores praticados no mercado para o desempenho de atividades semelhantes.

1º Em qualquer hipótese, o total pago ao administrador judicial não excederá 5{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6} (cinco por cento) do valor devido aos credores submetidos à recuperação judicial ou do valor de venda dos bens na falência.

2º Será reservado 40{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6} (quarenta por cento) do montante devido ao administrador judicial para pagamento após atendimento do previsto nos arts. 154 e 155 desta lei.

(…)

5º A remuneração do administrador judicial fica reduzida ao limite de 2{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6} (dois por cento), no caso de microempresas e empresas de pequeno porte.

No que se refere à interposição da petição inicial com o pedido de recuperação judicial, já referimos que quando da apresentação da contabilidade, para EPP e ME essa poderá ser simplificada, na forma da legislação específica (art. 51, §2º).

Em relação às dívidas perante Fazendas Públicas e INSS, além do parcelamento, deferido a empresas de todos os portes, a lei garante às ME e EPP, prazos 20{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6} superiores aos regularmente concedidos às demais empresas. É o que está disposto no parágrafo único do art. 68:

Art. 68. As Fazendas Públicas e o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS poderão deferir, nos termos da legislação específica, parcelamento de seus créditos, em sede de recuperação judicial, de acordo com os parâmetros estabelecidos na lei no 5.172, de 25 de outubro de 1966 – Código Tributário Nacional.

Parágrafo único. As microempresas e empresas de pequeno porte farão jus a prazos 20{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6} (vinte por cento) superiores àqueles regularmente concedidos às demais empresas.

Outra vantagem que se pode visualizar na adoção do plano especial é de que a assembleia-geral de credores não será convocada para análise do plano. Esse será deferido diretamente pelo juiz ao serem atendidos os requisitos legais. A despeito disso, como frisamos anteriormente, caso os credores titulares de mais da metade de qualquer uma das classes de créditos venham a juízo se opor ao plano, o juiz deverá julgar improcedente o pedido de recuperação judicial, sendo decretada a falência!, segundo prescrito no parágrafo único do art. 72.

Aqui, acredito que a interpretação mais adequada às finalidades da lei seria antes de decretar a falência de imediato, deveria convocar assembleia para haver chance de proceder alterações no plano, conforme disposto no § 3º, art. 56. Não havendo uma resolução, aí sim se decretaria a falência.

Ao dispor especificamente sobre o plano especial de recuperação judicial, a lei, em seu art. 71, limita seu conteúdo à possibilidade de parcelamento em até 36 (trinta e seis) parcelas mensais, reajustadas pela Selic (II); pagamento da primeira parcela no prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias, contado da distribuição do pedido de recuperação judicia (III) e; estabelecerá a necessidade de autorização do juiz, após ouvido o administrador judicial e o Comitê de Credores, para o devedor aumentar despesas ou contratar empregados (IV).

Critica-se tal limitação, pois a lei concede ao plano de recuperação ordinário uma gama maior de alternativas para as empresas que adotam tal procedimento, conforme os 16 incisos do art. 50. Nesse dispositivo, autoriza-se, por exemplo, a redução de salários (VIII), dação em pagamento ou novação de dívidas (IX) e venda de bens (XI).

Todavia, ao meu ver, ao contrário do que muitas vezes defendido, não há violação ao tratamento diferenciado às microempresas e empresas de pequeno porte. A lei, ao permitir um plano de recuperação especial, tem intuito claro na simplificação e celeridade do processo de recuperação. Ademais, as ME e EPP podem livremente optar pelo plano ordinário se assim entenderem conveniente.

Por fim, como última vantagem a ser apontada na adoção do plano especial, e que foi prevista timidamente no parágrafo único do art. 71 (muitos que escrevem sobre o tema passam ao largo da previsão), é a não suspensão da prescrição em favor do devedor, de forma contrária ao que ocorre no art. 6º, transcrito a seguir:

Art. 6º A decretação da falência ou o deferimento do processamento da recuperação judicial suspende o curso da prescrição e de todas as ações e execuções em face do devedor, inclusive aquelas dos credores particulares do sócio solidário.

(…)

Art. 71 Omissis

(…)

Parágrafo único. O pedido de recuperação judicial com base em plano especial não acarreta a suspensão do curso da prescrição nem das ações e execuções por créditos não abrangidos pelo plano.

Fica fácil notar que a ME ou EPP pode se beneficiar da morosidade do processo de recuperação judicial, ao se cogitar a prescrição da exigibilidade dos créditos que ela é devedora nesse interim.

De outro lado, a suspensão de ações e execuções só ocorreram para aquelas que estiverem previstas no plano especial. No plano ordinário, como afirmado anteriormente haverá a suspensão de ações e execuções independentemente de constar no plano e serão deferidas pelo juízo já no deferimento da recuperação.

Diante do exposto, percebe-se que o plano especial pretende conceder um procedimento mais simples e célere de recuperação judicial às pequenas empresas. De outro lado, até para concretizar tal finalidade, limita as alternativas que podem ser utilizadas nesse plano.

Caberá aos gestores da empresa fazerem a análise da conveniência em se adotar ou não o plano especial, levando em conta a equação simplicidade x maior liberdade na atuação.

 

[1] Assim dispõe o art. 27 da LC 123/06:

Art. 27. As microempresas e empresas de pequeno porte optantes pelo Simples Nacional poderão, opcionalmente, adotar contabilidade simplificada para os registros e controles das operações realizadas, conforme regulamentação do Comitê Gestor.

[2] YAMADA, Camila Barboza. Recuperação judicial com base em plano especial para as microempresas e empresas de pequeno porte: alterações promovidas pela lei complementar 147/2014. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4388, 7 jul.2015. Disponível em: (clique aqui). Acesso em: 9 ago. 2017.