DO PERICULUM IN MORA INVERSO (REVERSO) À LUZ DO CPC/15
Reis Friede
- Introdução
Ao registrar, de forma inédita, na literatura jurídico-brasileira, – quando da ocasião do lançamento da 1ª edição da nossa obra “Aspectos Fundamentais das Medidas Liminares em Mandado de Segurança, Ação Cautelar, Ação Civil Pública e Ação Popular“, Ed. Forense Universitária/RJ, 1993, p. 106 -, a expressão periculum in mora inverso (reverso)[1], não poderíamos imaginar, para nossa grata satisfação, como pesquisadores da Ciência Processual, que a mesma não somente viesse a se tornar, com o passar dos anos, uma designação técnica consagrada pela academia nacional, mas, particularmente, objeto das mais variadas e amplas citações jurisprudenciais e doutrinárias em todo o País[2].
A ideia original, concebida há mais de 20 anos, – numa época em que existiam poucos estudos aprofundados sobre o tema -, era de forjar, por imperiosa necessidade, uma concepção conceitual, com elevado rigor técnico, que traduzisse, com a almejada precisão, uma designação genérica a abranger as mais variadas (e diferentes) designações específicas (existentes à época) que buscavam nominar, naquele momento histórico de desenvolvimento do estudo da disciplina processual, o inconteste fenômeno dos efeitos inversos (ou reversos) do eventual deferimento das medidas liminares no Mandado de Segurança (Art. 1º da Lei nº 191 de 1936, Art. 1º da Lei nº 1.533 de 1951, Art. 1º da Lei nº 12.016 de 2009), na Ação Popular (Art. 5º, § 4º da Lei nº 4.717 de 1965, com a redação ampliada pela Lei nº 6.513, de 1977), na Ação Civil Pública (Art. 12 da Lei nº 7.347 de 1985) ou nas denominadas antecipações in limine (art. 804 do CPC de 1973) nas Ações Cautelares.
A despeito do fato de nossa análise originária ter tido um enfoque mais restrito às medidas liminares nas ações supramencionadas, o instituto do periculum in mora inverso é perfeitamente aplicável às tutelas de urgência em geral, inclusive as satisfativas. Não por outra razão, sua aplicabilidade encontrou guarida na jurisprudência formada a respeito da tutela antecipada, após a sua inserção no ordenamento jurídico pátrio pela Lei nº 8.952 de 1994, a qual promoveu alteração na redação do art. 273 do Código de Processo Civil de 1973 (CPC/73)[3].
Também não poderia ser diversa a adequação do instituto ao tratamento normativo dado às tutelas provisórias de urgência pelo novo Código de Processo Civil, Lei nº 13.015 de 2015 (CPC/15). Na verdade, os novos rumos do direito brasileiro, e especificamente do Direito Processual Civil, sob a ótica da constitucionalização do direito[4], revelam não só a adequação, mas também a necessidade do estudo e sistematização do periculum in mora inverso. O que resta corroborado pela aplicação prática do instituto, em diversas decisões judiciais, ainda que, por vezes, os órgãos jurisdicionais não declarem expressamente a sua utilização.
Contudo, para uma perfeita compreensão e aplicação do instituto do periculum in mora inverso, faz-se necessária uma abordagem ampla e sistematizada dos requisitos autorizadores da tutela provisória de urgência, tanto de viés satisfativo – consagrada na doutrina e no novel código sob o nomen juris de tutela antecipada -, como de viés cautelar.
O CPC/15 e os Requisitos para a Concessão de Tutelas Provisórias de Urgência
O novel codex processual, introduzido em 2015 (e com vigência a partir de 2016), conferiu nova (e, em muitos aspectos, inédita) disciplina normativa às chamadas tutelas provisórias de urgência, com correspondentes requisitos autorizadores.
II.1 – Alterações Promovidas pelo CPC/15 no que Tange às Tutelas de Urgência
O novo Código de Processo Civil de 2015 (CPC/15), Lei federal nº 13.105/2015, que entrou em vigor em 18 de março de 2016[5], deu uma nova roupagem jurídica aos institutos da tutela antecipada e da tutela cautelar. Atualmente, o novel código trata de tais institutos em livro próprio, o livro V, da parte geral, como espécies do gênero “tutelas provisórias de urgência”. Contudo, seguindo a lógica dos diplomas normativos anteriores e da legislação especial, o CPC/15, em nenhuma hipótese, permite o excepcional[6]deferimento dessas espécies de tutela jurisdicional, sem a devida comprovação de seus pressupostos vinculantes positivos clássicos[7], fumus boni iuris[8]e periculum in mora[9]– que apesar de mantidos, assumem novos conteúdos normativos –; além do seus requisitos negativos, explícitos[10] ou implícitos[11].
Em outros termos, os requisitos do fumus boni iuris e do periculum in mora, assim como a ausência de perigo de irreversibilidade para o caso de tutela antecipada, devem ser sempre constatados em perfeita consonância com a efetiva presença do condicionante inafastável da não produção do denominado periculum in mora inverso (a concretização de grave risco de ocorrência de dano irreparável, ou de difícil reparação, contra o demandado ou terceiro, como consequência direta da própria concessão da tutela provisória deferida ao demandante).
Muito embora o deferimento da medida provisória possa assumir um caráter satisfativo de um direito provável (no caso de tutela antecipada) ou preservatório (de garantia da inteireza da sentença – no caso da cautelar), não pode, em nenhuma hipótese, a concessão de tal medida produzir desproporcional perigo ou risco de grave dano ao demandado ou a terceiros. Como, por exemplo, o que, há muito, passou-se a denominar grave lesão à ordem pública, compreendendo nesse conceito a chamada ordem administrativa em geral, ou seja, o normal andamento da execução do serviço público, o regular prosseguimento das obras públicas e o devido exercício das funções da Administração pelas autoridades constituídas (TFR; suspensão da segurança no4405-SP, DJU 7.12.79, p. 9.221; Agravo Regimental Na Suspensão De Liminar Ou Antecipação De Tutela 00094204420124010000. TRF1. Corte Especial. Pub.: 11/01/2013), e, em uma ótica mais ampla, grave lesão ao direito da parte requerida ou de terceiros.
Nesse panorama, faz-se necessária uma abordagem sistemática e aprofundada dos atuais requisitos para a concessão das diversas espécies de tutela de urgência, que, como demonstrar-se-á, são os seguintes: para a concessão da tutela provisória de urgência do tipo antecipada ou satisfativa, concedida ou não em caráter liminar,devem restar atendidos quatro requisitos: o fumus boni iuris e o periculum in mora (como requisitos positivos); o perigo de irreversibilidade e o periculum in mora inverso (os quais devem estar ausentes, pelo que se caracterizam como requisitos negativos), incluindo-se neste último requisito negativo o anteriormente mencionado conceito restritivo da “grave lesão à ordem pública”.
Por outro lado, para a concessão da tutela provisória de urgência do tipo cautelar, concedida ou não em caráter liminar, devem restar atendidos três requisitos: o fumus boni iuris e o periculum in mora, como requisitos positivos; e a ausência de periculum in mora inverso, como requisito negativo.
Esses requisitos devem ser comprovados e independem da vontade, imposição de ordem moral, senso de justiça ou qualquer outro condicionante subjetivo que possa estar adstrito ao magistrado no momento de seu julgamento [12], [13] e [14], a despeito da controvérsia quanto à possibilidade de deferimento de ofício das espécies de tutela de urgência.
Por sinal, a prévia solução dessa controvérsia é curial para o presente estudo. Com efeito, a necessidade de formulação expressa de pedido de tutela de urgência, como pressuposto – e por isso não é tratado neste trabalho como requisito – para a apreciação e concessão das tutelas de urgência, não foi solucionada expressamente no CPC/15. Enquanto o art. 299 do CPC determina que a tutela incidental ou antecedente será “requerida” ao juízo competente para conhecer do pedido principal, o artigo 300 determina que a tutela de urgência “será concedida” quando presentes os elementos (requisitos autorizadores) que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.
Diante disso, formaram-se três correntes a respeito: a primeira no sentido de que toda e qualquer tutela provisória requerida depende de pedido – nesse sentido, GUILHERME MARINONI (2017, p. 215) e FREDIE DIDIER JR. (2018, p. 682/684); a segunda, no sentido de que nenhuma espécie de tutela de urgência depende de pedido expresso da parte (SCARPINELLA, 2017, p. 32) e (NEVES, 2015, p. 209) ; e, por fim, a corrente com a qual concordamos, no sentido de que depende da natureza da tutela pleiteada. Se se tratar de tutela de urgência cautelar, que visa precipuamente à proteção do resultado útil do processo, caso em que incide o poder geral de cautela, o magistrado pode conceder a tutela de ofício. Porém, tratando-se de tutela de urgência antecipada, resta imprescindível a formulação de pedido expresso da parte, como pressuposto para a apreciação judicial. Nesse sentido também: RODOLFO HARTMANN (2016, p. 120).
O motivo de adotarmos tal distinção decorre de dois fundamentos: um legal e outro de ordem jurídico-filosófica. O primeiro decorre da aplicação do texto constante do art. 299 do CPC/15, que se encontra dentro das disposições gerais da tutela provisória e expressamente salienta que a tutela provisória será requerida. Esta é a regra geral para ambas as espécies de tutela de urgência. Contudo, o art. 301 que trata especificamente da tutela de urgência cautelar garante que esta pode ser efetivada mediante diversas medidas cautelares, como arresto, sequestro etc., bem como por qualquer outra medida idônea para a “asseguração do direito”. Ou seja, no caso da cautelar, o juiz pode se valer de qualquer meio eficaz para assegurar, proteger ou garantir o direito provável alegado (art. 300 1ª parte do CPC/15), ainda que diverso daquele pedido pela parte (o artigo detalha espécies de cautelares para depois trazer uma clausula geral de medidas cautelares). Na mesma toada, se o juiz pode conceder de ofício medida cautelar diversa da requerida é porque a medida cautelar adotada pelo juiz imprescinde dos termos de eventual medida pleiteada.
Cabe ressaltar que tal situação não se confunde com a prevista no art. 297, § único, do CPC/15, o qual trata não da possibilidade de aplicação de medias cautelares idôneas para “asseguração do direito”, mas sim de medidas adequadas para “efetivação da tutela provisória” deferida, ou seja, para dar cumprimento efetivo a uma tutela provisória eventualmente deferida. Decerto, este poder de efetivação de uma tutela provisória deferida aplica-se tanto à cautelar como à tutela antecipada.
O outro fundamento decorre do necessário – e tradicionalmente consagrado na doutrina e na jurisprudência -, poder geral de cautela do juiz, que importa em um meio, a um só tempo, de proteger o direito assegurado e o resultado útil do processo. Ora, não houvesse essa possibilidade, as partes poderiam se utilizar de subterfúgios para tornar a tutela provisória inútil, afastando a sua coercitividade. A proteção da atividade jurisdicional e de seus efeitos é inerente à garantia da independência do Poder Judiciário e da Justiça. Por outro lado – e ainda mais relevante -, a tutela antecipada, como forma de antecipar os efeitos de uma tutela requerida em caráter definitivo, submete-se ao princípio da demanda (art. 2º e 141 do CPC/15) e da congruência (art. 492 CPC/15).
Outra inovação relevante diz respeito ao momento de requerimento – que não se confunde com o momento de concessão – das tutelas de urgência. Estas podem ser requeridas de forma antecedente (ou seja, a parte pode requerê-las antes da existência de qualquer demanda principal) ou incidental (no curso de um processo com demanda já formulada). Tendo em vista que a matéria é nova e pode haver divergência de entendimentos, é razoável admitir-se a fungibilidade, i. e., a possibilidade de a parte ingressar com pedido de tutela cautelar antecedente requerendo, subsidiariamente, que seja recebido como pedido de tutela antecipada. Não por outra razão, o Código de Processo Civil de 2015, em seu artigo 305, parágrafo único, admite que o juiz receba como tutela antecipada o pedido de tutela cautelar apresentado de forma inadequada, aplicando-se o princípio da fungibilidade.
Para uma visão sistemática da tutela de urgência, cabe ressaltar, ainda, que as tutelas de urgência não se confundem com as tutelas de evidência, embora ambas sejam espécies de tutelas provisórias. Estas últimas espécies são aquelas aplicáveis quando o direito da parte contrária for claramente inconsistente, independente da caracterização de periculum in mora. Além disso e diferentemente das tutelas de urgência, as tutelas de evidência apenas podem ser concedidas de forma incidental.
Para a concessão da tutela de evidência basta a plausibilidade do direito afirmado (fumus boni iuris). Em outras palavras, basta que o direito da parte se revele evidente, tal como o direito líquido e certo do mandado de segurança. Ressalte-se que a tutela de evidência não é nova, vez que já encontrava equivalente no artigo 273, inciso II, do Código de Processo Civil de 1973, que permitia a sua concessão quando: a) existisse prova inequívoca da verossimilhança da alegação; e b) ficasse caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu.
O artigo 311 do Código de Processo Civil de 2015, contudo, ampliou as hipóteses de concessão da tutela de evidência, prevendo a sua concessão, por exemplo, quando o direito que se pretende tutelar estiver fundamentado em fatos comprovados documentalmente; e houver tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante. Diante desse novo cenário processual, cabe escolher a tutela provisória mais adequada para resguardar o direito vindicado, no caso concreto. Para tanto, faz-se necessário adequar a técnica processual ao finalidade da tutela almejada.
Por fim, é digno de nota também o novo o tratamento dado expressamente pelo CPC/15 à reparação dos prejuízos causados pelas concessões de tutelas de urgência e a nova abordagem das contracautelas, no livro sobre tutelas de urgência. O novel código impõe a reparação do prejuízo decorrente da efetivação de tutela de urgência, independentemente do dano processual (causado maliciosamente), especificamente no art. 302 do CPC/15. Da mesma forma, incorpora, em parte, o tratamento dado pelo CPC/73 quanto às contracautelas em tutela provisória. Em especial aquelas anteriormente previstas para a concessão de medidas cautelares, em caráter liminar (antes do contraditório). Isto é: o CPC/15 traz a possibilidade de o magistrado exigir, conforme a necessidade do caso, caução real ou fidejussória idônea com o fim de garantir eventual ressarcimento dos danos que eventualmente possam vir a sofrer a outra parte. Na lógica no novo CPC, contudo, essa contracautela é aplicável não somente à tutela de urgência cautelar concedida em caráter liminar, como previa o CPC/73, mas também a ambas as espécies de tutela de urgência, seja no caso de concessão liminar, seja após a oitiva da parte contrária (art. 300 §1º e §2º do CPC/15).
II.2. Dos Requisitos Expressos
A normatividade processual codificada em 2015 expressamente estabelece três requisitos (ou pressupostos) para a concessão da tutela provisória de urgência: o fumus boni iuris e o periculum in mora, de forma presencial (e geral) e a ausência de irreversibilidade da medida, de modo específico para a denominada tutela de urgência antecipada.
II.2.1 Do Fumus boni iuris
O primeiro requisito previsto no CPC/15 para a concessão da tutela provisória de urgência é o fumus boni iuris[15]. De certo, antes do novo CPC de 2015, havia certa celeuma sobre o conteúdo jurídico do requisito do fumus boni iuris, tanto no que tange às tutelas cautelares, quanto no que tange às tutelas antecipadas. Por exemplo, ao tratar da tutela provisória cautelar, ensinava PIERO CALAMANDREI(1945, p. 40), que o objetivo último da providência cautelar era prevenir o dano jurídico que, em última instância, poderia advir com a demora natural da solução final do litígio ou até mesmo em decorrência de má-fé de uma das partes.
Dada a própria urgência da medida, evidentemente não é possível ao julgador o exame pleno do direito material invocado pelo interessado (mesmo porque isto é objetivo do julgamento definitivo), restando, apenas, uma rápida avaliação quanto a uma “provável (não simplesmente possível) existência de um direito” – a ser verificado pelo juízo próprio de plausibilidade –, que, em última análise, será oportunamente tutelado no momento da apreciação em cognição exauriente.
Fiel ao seu entendimento de que a cautela é medida antecipatória da eficácia do provimento definitivo, ensinava Calamandrei (1984, p. 77) que a declaração de certeza de existência do direito é função do processo principal: “para a providência cautelar basta que, segundo um cálculo de probabilidades, possa-se prever que a providência principal declarará o direito em sentido favorável àquele que solicita a medida cautelar”.
Mas este não era, contudo, o único entendimento aceito pela doutrina a respeito do tema. Segundo o pensamento de vários autores que seguiam os ensinamentos de FRANCESCO CARNELUTTI, não se deveria ver na tutela cautelar qualquer tipo de acertamento da lide, nem mesmo provisório, mas, sim, “uma verdadeira tutela ao processo”, a fim de assegurar-lhe unicamente eficácia e utilidade práticas ou, em outras palavras, uma tutela específica que busca apenas e tão-somente “evitar, no limite do possível, qualquer alteração no equilíbrio inicial das partes, que possa resultar da duração do processo” (Carnelutti, 1958, p. 356).
Já tivemos a oportunidade de nos manifestar sobre o assunto em edições anteriores deste trabalho, anteriores até mesmo à adoção do instituto da tutela antecipada em nosso ordenamento jurídico. Afirmamos que comungávamos do ponto de vista de que a essência da verdade sobre tão complexa questão não estava definitivamente firmada, de forma irredutível, nas posições extremadas de ambas as doutrinas sobre a matéria em epígrafe. Entendíamos possuir a medida liminar agora tratada como provisória, conforme anteriormente nos referimos, uma natureza jurídica tipicamente administrativo-cautelar, com conteúdo de julgamento discricionário, fundado na prudente valoração do magistrado (e não no simples arbítrio) em torno da oportunidade e da conveniência da decretação da medida, e com nítido objetivo de provisão cautelar, por excelência, garantidora, em última análise, da efetividade da sentença – sem almejar, por outro lado, tocar diretamente no seio do conflito, ainda que o fizesse, de forma limitada e por vias transversas –, em flagrante caráter excepcional, como antecipação parcial e provisória da própria decisão meritória (e, por consequência, não se constituía numa simples “tutela do processo”, desprovida de qualquer essência mais abrangente, como doutrina CARNELUTTI), mas que, ao mesmo tempo, e, em nenhuma hipótese, poderia ser confundida, em sua plenitude, com o mérito do pedido principal (como, em parte, defende CALAMANDREI), por corresponder exatamente a um conteúdo específico e particular, inerente à própria natureza da medida liminar, de forma ímpar e, portanto, dotada do atributo de exclusividade (cf. REIS FRIEDE; Aspectos Fundamentais das Medidas Liminares, 5ª ed., Rio de Janeiro, Forense Universitária, 2002). Também neste sentido havia forte manifestação jurisprudencial:
O fumus boni iuris consiste na probabilidade de existência do direito invocado pelo autor da ação cautelar. Direito a ser examinado aprofundadamente em termos de certeza, apenas no processo principal já existente, ou então a ser instaurado. A existência do direito acautelado é, no processo cautelar, aferida em termos de probabilidade e, por isso, seu exame é menos aprofundado, superficial mesmo – sumaria cognitio (TJSP; ac. unân. na apel. 144.007-2 da 15a Câmara, Rel. Des. Ruy Camilo, DJAL de 7.6.89, RJTJSP 121/104).
A existência do direito acautelado é, no processo cautelar, aferida em termos de probabilidade e por isso seu exame é menos aprofundado,superficial mesmo –sumaria cognitio. Sobre o insucesso da ação principal, diga-se, em tese, que o Código admite, expressamente, a possibilidade de que alguém obtenha uma providência cautelar e, no entanto, venha depois a sucumbir no processo principal. Que mostra isso? Mostra exatamente que a concessão da providência cautelar não está condicionada à demonstração plena da existência do direito alegado pela parte. Pode acontecer que o juiz, diante dos elementos que lhe foram trazidos, suponha provável a existência desse direito, e, no entanto, mais tarde, através de investigação aprofundada que vai fazer sobre a matéria, chegue à convicção de que na realidade o suposto direito não existia. Agora, é evidente que pelo menos tem de haver elementos capazes, prima facie, de tornar razoável, aos olhos do juiz, a suposição da existência do direito – o fumus boni iuris (TJSP; ac. nos embs. 89.820-2, da 18a Câmara, Rel. Des. Benini Cabral, DJAL de 16.3.87, Adcoas, 1987, no 115.982).
Sob essa ótica, afirmamos que o requisito do fumus boni iuris criava verdadeiro liame subjetivo que associava o mérito do pedido principal (mérito primário) ao mérito da providência cautelar (mérito secundário), cuja absoluta coincidência, – em casos flagrantemente excepcionais –, poderia vir, até mesmo (em situações limítrofes), a dar origem às chamadas medidas cautelares satisfativa – admitidas amplamente sob a égide do código de processo de 1973, antes da incorporação do instituto da tutela antecipada pela já mencionada Lei nº 8.952/94.
Ocorre que, pelo menos quanto ao requisito do fumus boni iuris no novo código de processo civil, a distinção entre tutelas cautelares e antecipadas não tem mais razão de ser, em razão da capacidade interpretativa do texto ou de sua legalidade autoritativa[16]. Isso porque, o conteúdo jurídico do fumus boni iuris foi uniformizado. É dizer, tanto para as tutelas provisórias de urgência de caráter antecipado ou satisfativo, quanto para as tutelas provisórias de urgência de caráter cautelar, consoante o tratamento dado pelo novo codex, o fumus boni iuris será um só, a probabilidade do direito material alegado pela parte em um dado processo. Sobre esse novo enfoque, é pertinente a lição de GUILHERME MARINONI:
Quer se funde na urgência ou na evidencia, a técnica antecipatória sempre trabalha nos domínios da “probabilidade do direito” (art. 300) – e, nesse sentido, está comprometida com a prevalência do direito provável ao longo do processo. Qualquer que seja o seu fundamento, a técnica antecipatória tem como pressuposto a probabilidade do direito, isto é, de uma convicção judicial formada a partir de uma cognição sumária das alegações da parte.
No Código de 1973 a antecipação da tutela estava condicionada à existência de “prova inequívoca” capaz de convencer o juiz a respeito da “verossimilhança da alegação”. A doutrina debateu muito a respeito do significado dessas expressões. O legislador resolveu, contudo, abandoná-las, dando preferência ao conceito de probabilidade do direito (2017, p. 213).
Para além disso, essa probabilidade do direito deve ser aferida mediante uma confrontação das alegações e das provas constantes dos autos, o que é nomeado como “probabilidade lógica” por MARINONI. In verbis:
(…) A probabilidade do direito que autoriza o emprego da técnica antecipatória para a tutela dos direitos é a probabilidade lógica – que é aquela que surge da confrontação das alegações e das provas com os elementos disponíveis nos autos, sendo provável a hipótese que encontra maior grau de confirmação e menor grau de refutação nesses elementos. O juiz tem que se convencer de que o direito é provável para conceder “tutela provisória” (2017, p. 213).
O fumus boni iuris, deve-se ressaltar ainda, pode ser caracterizado como um requisito positivo e necessário, mas não suficiente. Isso quer dizer que, para a concessão da tutela provisória o fumus boni iuris deve estar presente (por isso requisito positivo); e, embora necessário porque não se pode admitir a concessão de tutela provisória sem a demonstração de sua presença, não é um requisito suficiente, i. e., não basta, por si só, para a concessão da tutela provisória – tanto nas ações tratadas no CPC/15, quanto no mandado de segurança, no habeas corpus, na ação popular, na ação civil pública, entre outras.
Cabe enfatizar que essa probabilidade de direito material deve ser aferida no contexto de um caso concreto e não de forma abstrata ou desconectada da demanda formulada. Assim, por exemplo, questões de ordem processual do caso concreto também devem ser observadas como condições objetivas para a configuração do requisito. Isso porque, se a demanda na forma como formulada não tem aptidão de chegar a um resultado favorável à parte interessada, em razão de algum motivo processual, como a ausência de pagamento de custas, quando devidas, um vício processual;a ausência de pressuposto processual; ou mesmo de uma condição da ação, não há que se falar em concessão de tutela de urgência. Pode até existir uma probabilidade de direito material abstratamente aferível, mas ela não é suficiente para levar à concessão da tutela.
Basta pensarmos no caso em que a parte ajuíza duas demandas idênticas, o que não é incomum na era do processo eletrônico, quando por algum problema no servidor de internet o advogado não tem a confirmação da distribuição do processo e resolve fazer o procedimento de distribuição novamente. Neste caso, imaginemos a seguinte hipótese: na primeira ação distribuída, já há decisão judicial favorável à parte, concedendo tutela provisória, mas, na ação posteriormente distribuída,ainda se encontra pendente de apreciação a mesma tutela provisória. Logicamente, ao apreciar esta última, não deverá o juiz deferir a tutela provisória novamente, em razão da inexistência de periculum in mora, eis que o direito já restou satisfeito por decisão temporária. Na verdade o segundo processo deve ser extinto, por ausência de pressuposto processual negativo da litispendência ou mesmo por falta de interesse processual.
Essa dimensão do processo em concreto é proficuamente salientada por CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO, o qual rotula tais condições processuais como “condicionantes objetivas do concreto reconhecimento da presença do fumus boni iuris”. In verbis:
“Para essa correta configuração do fumus boni juris indispensável às tutelas de urgência não basta que, perante o direito material e diante das realidades fáticas mostradas no processo, o autor aparente ter o direito que sustenta ter. É preciso também que, ao lado dessas circunstâncias favoráveis ele disponha ainda de condições processuais para o reconhecimento desse suposto direito. Essa é uma condicionante objetiva do concreto reconhecimento da presença do fumus boni juris em cada caso – uma condicionante que vai além da probabilidade do direito subjetivo material alegado, para chegar à concreta probabilidade de que venha ao fim a obter a tutela jurisdicional desejada” (2017, p. 879).
O notável autor exemplifica o efeito de tais condições objetivas na apreciação da tutela de urgência, com dois exemplos encampados na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça: o caso da contrariedade à jurisprudência dominante e a ausência de correspondência ao pedido de tutela definitiva. Tais considerações processuais, assevera CÂNDIDO DINAMARCO, são capazes de afastar o requisito do fumus boni iuris (2017, p. 879).
II.2.2 Do Periculum in mora
Sem a menor sombra de dúvida, o periculum in mora constitui-se no mais importante dos requisitos para a concessão de tutelas provisórias de urgência nas ações em geral, bem como nas ações especiais, como o mandado de segurança, a ação civil pública e a ação popular. É, em verdade, este requisito que justifica a necessidade das tutelas provisórias de urgência em geral.
(…) Indeterminado o perigo na demora não há como subsistir decisão concessiva de liminar. (TRF2; AI 90.02.24586/RJ, Rel. Des. Fed. ARNALDO LIMA, 3ª Turma, DJU 09.03.1993).
Tendo-se como não configurado o pressuposto de existência de grave dano de incerta reparação, embora possam ser relevantes os fundamentos que dão base à ação, é de negar a medida cautelar. (STF; Ação Direta de Inconstitucionalidade 33-1/DF, Rel. Min. Aldir Passarinho, Adcoas BJA t (28.2.90), 126.439, p. 86).
Como é intuitivo, é preciso decidir de forma provisória justamente porque não é possível conviver com a demora: sem “tutela provisória” capaz de satisfazer ou acautelar o direito, corre-se o perigo desse não poder ser realizado. O “pericolo di tardività” (“periculum in mora”), portanto, é o termo que traduz de maneira mais apurada a urgência no processo (MARINONI, 2017. p. 209).
Diante de sua importância e do fato de ser este requisito o fundamento das tutelas de urgência, é que na prática, o julgador e o bom causídico devem cuidar primeiramente de tal requisito, quando apreciem ou postulem uma tutela provisória. Em sentido semelhante, CÂNDIDO DINAMARCO (2017, p. 876). Todavia, apesar da relevância, o periculum in mora é, sobremaneira, uma condição necessária, mas não suficiente, para o deferimento da tutela provisória vindicada ou mesmo para a concessão ex officio de tal providencia – neste caso apenas na medida de natureza cautelar, operada através do denominado poder cautelar genérico, inerente à própria função do magistrado, na qualidade de representante do Estado-Juiz.
Com efeito, o CPC/15 seguiu o posicionamento doutrinário majoritário no sentido de vislumbrar duas espécies distintas de tutela de urgência: a tutela antecipada ou satisfativa e a tutela cautelar. A despeito do enfoque no direito (material) trazido pelo novo CPC quanto ao requisito do fumus boni iuris, que se volta declaradamente para o direito (material e provável) alegado no caso concreto, não houve unificação das espécies de tutela, i. e., não são sinônimas ou intercambiáveis.
É verdade que, como bem leciona CASSIO SCARPINELLA BUENO, ambas espécies possuem ao mesmo tempo a aptidão de satisfazer e de garantir o direito material alegado, porém a distinção entre elas resta clara em razão da preponderância da aptidão de cada qual. Mais especificamente, a tutela de urgência antecipada possui preponderância da aptidão satisfativa, enquanto a cautelar tem preponderantemente aptidão de garantia da integridade do direito (substantivo ou material), por meio da garantia da efetividade do processo. Transcreve-se o ensinamento do renomado autor:
“A tônica distintiva, destarte, parece (ainda e pertinentemente) recair na aptidão de a tutela provisória poder satisfazer ou apenas assegurar o direito material do seu requerente. Satisfazendo-o, é antecipada; assegurando-o é cautelar. Trata-se, neste sentido, da lição imorredoura de Pontes de Miranda, cultuada e divulgada por Ovídio Baptista da Silva: execução para segurança e segurança para execução, respectivamente” (2017, p. 295).
Tal classificação quanto à natureza da tutela de urgência, aliás, refoge ao campo legislativo e mais se entrelaça com o estudo doutrinário do instituto, eis que cabe à doutrina perscrutar a real natureza dos institutos e fenômenos jurídicos. Não fosse isso suficiente para manter a distinção entre as espécies de tutelas de urgência, diversas disposições normativas mantêm a referência as duas espécies, como o art. 294, parágrafo único; 300, parágrafo 3º; e os capítulos II e III; todos do CPC/15. Aliás, o art. 305 do CPC/15, que disciplina a possibilidade da fungibilidade[17] das tutelas de urgência requeridas em caráter antecedente,faz prova de que as espécies de tutela de urgência possuem naturezas jurídicas diversas, assim como estipula consequências normativas díspares para ambas. In verbis:
Art. 305. A petição inicial da ação que visa à prestação de tutela cautelar em caráter antecedente indicará a lide e seu fundamento, a exposição sumária do direito que se objetiva assegurar e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.
Parágrafo único. Caso entenda que o pedido a que se refere o caput tem natureza antecipada, o juiz observará o disposto no art. 303.
Essa diferenciação entre as espécies de tutela de urgência é amplamente majoritária e não se confunde com a discussão quanto à unificação dos requisitos para a concessão das referidas tutelas:
“O assunto tratado nos arts. 294 a 311 é o da tutela de urgência, que pode prestar tutela satisfativa ou tutela cautelar aos direitos mediante provimentos provisórios fundados em cognição sumária” (MARINONI, 2017, p. 207);
A tutela provisória satisfativa antecipa os efeitos da tutela definitiva satisfativa, conferindo eficácia imediata ao direito afirmado. Adianta-se, assim a satisfação do direito, com a atribuição do bem da vida. Esta é a espécie de tutela provisória que o legislador resolveu denominar de “tutela antecipada”, terminologia inadequada, mas que não será desconsiderada ao longo deste capítulo.
A tutela provisória cautelar antecipa os efeitos de tutela definitiva não satisfativa (cautelar), conferindo eficácia imediata ao direito à cautela. Adianta-se, assim, a cautela a determinado direito. Ela somente se justifica diante de uma situação de urgência do direito a ser acautelado, que exija sua preservação imediata, garantindo sua futura e eventual satisfação (arts. 294 e 300, CPC) (DIDIER JR., 2018, p. 655).
Em sentido contrário:
A tutela de urgência contém em si características da medida cautelar e de uma das modalidades da antiga antecipação de tutela (necessidade de plausibilidade do direito e risco de dano irreparável ou de difícil reparação – CPC 300 caput), conforme o caso concreto que se apresente. Isso faz com que a concessão da tutela antecipada possa ter características que não possuía no CPC/1973, como, por exemplo, ser pedida de forma prévia ao processo principal (CPC 303). Parte da doutrina vê confusão de conceitos nessa unificação, como se o legislador devesse optar por um alinha de raciocínio (da tutela antecipada) ou outra (da cautelar do CPC/73) (p. ex., Marinoni-Mitidiero. Projeto CPC, 106). De nossa parte, cremos que o legislador teve a intenção de trabalhar com poucos conceitos ligados à noção de proteção do direito que se encontra em risco, o que é louvável por facilitar o manejo dos institutos processuais pelo advogado (NERY JUNIOR e NERY, 2015, p. 857).
Diante da distinção inerente à aptidão ou à finalidade das tutelas de urgência, do tipo satisfativa ou antecipada, o periculum in mora de cada qual, inevitavelmente, assume conteúdo normativo diverso. Um pedido de tutela cautelar – ou seja, para garantir precipuamente a eficácia processual e indiretamente a integridade do direito, pressupõe demonstração de fatos (causa de pedir remota) que ponham em risco o processo e que levem à consequência jurídica (causa de pedir próxima) de necessidade de uma tutela provisória. Por outro lado, um pedido de tutela antecipada – ou seja, preponderantemente, de satisfação provisória de um direito provável -, pressupõe prováveis e factíveis danos a direito, que justifiquem a consequência jurídica de necessidade de satisfação célere desse direito, especialmente, antes da decisão final. Do contrário, os pedidos ou mesmo as decisões judiciais importariam, no mínimo, em uma fundamentação inadequada, i. e., uma afronta ao elemento adequação do princípio da proporcionalidade. Além disso, abrir-se-ia espaço para soluções construtivas e exacerbadas dos órgãos jurisdicionais, pondo em xeque o princípio da demanda, fundamental para a imparcialidade da atividade jurisdicional.
Com efeito, a referência a perigo na demora tem gozado da preferência dos doutrinadores que se propuseram a tratar do CPC/15, fortes na adoção da ideia de proteção ao direito material ao invés de proteção ao processo (MARINONI, 2017, p. 208; BUENO, 2017, p. 302, DIDIER JR., 2018, p. 687; NEVES, 2015, p. 208), mas não se pode olvidar que o direito material alegado somente passa a possuir certeza jurídica após a sua declaração de forma definitiva – antes disso é apenas uma probabilidade -, e o meio que preponderantemente assegura o direito provável (de forma indireta), sem o satisfazer – é a proteção do resultado útil do processo, o que aliás expressamente previu o legislador no art. 300 do CPC/15.
Assim, a despeito da tentativa de renomados doutrinadores de uniformizar o periculum in mora sob uma rubrica mais abrangente, o “perigo na demora”, deve-se observar que o CPC/15 fez, sim, distinção entre dois tipos de perigo na demora, ou de periculum in mora, conforme a espécie de tutela. O perigo na demora consistente no perigo de dano a direito é mais adequado à tutela de urgência antecipada; enquanto o perigo na demora consistente no risco ao resultado útil do processo é mais adequado à tutela de urgência cautelar; o que se coaduna com o texto do art. 300 do CPC/15 – apesar da confusão constante nos arts. 303 e 305 do CPC, quando o código trata de tutelas requeridas em caráter antecedente.
Com efeito, já sustentamos em publicações anteriores deste estudo (cf. REIS FRIEDE; Medidas Liminares e Providências Cautelares Ínsitas, Rio de Janeiro, Forense Universitária, 1997), quando tratamos especificamente das medidas cautelares, que, enquanto não acontecesse o julgamento do mérito da chamada “questão de fundo”, com a solução da lide, não se poderia falar em efetivo direito da parte – que, eventualmente, poderia até não ser reconhecido em decisão definitiva (sentença) – de difícil ou impossível reparação durante o curso da ação que contém o pedido meritório. A conclusão é ainda em parte verdadeira, pois não se pode falar em direito certo das partes, antes de decisão definitiva que aprecia o mérito. Da mesma forma, o perigo de dano a que o legislador se refere recai efetivamente sobre o direito da parte, mas direito esse alegado e provável. Não um direito certo.
Já o risco ao resultado útil do processo é o conteúdo clássico do periculum in mora atinente à tutela de urgência cautelar, como aliás mantém-se em tutelas provisórias previstas em leis especiais, não afetadas pela norma geral constante do CPC. Para a obtenção deste tipo de tutela, a parte requerente obrigatoriamente deverá demonstrar fundado temor de que, enquanto aguarda a tutela definitiva, venham a faltar as circunstâncias de fato favoráveis à própria tutela (LIEBMAN, 1968, p. 92) e não ao direito alegado. E isto somente pode ocorrer, conforme leciona CARLOS CALVOSA (1960, p. 66), quando haja efetivamente o risco de perecimento, destruição, desvio, deterioração ou qualquer tipo de alteração no estado das pessoas, bens ou provas, necessários para a perfeita e eficiente atuação do provimento final de mérito. Este entendimento, inclusive, já foi abraçado pela jurisprudência pátria:
Dois são os requisitos indispensáveis para a concessão da liminar em mandado de segurança, previstos no inc. 1o, do art. 7o, da Lei no 1.531/51: 1) a relevância do fundamento (fumus boni iuris); 2) e perigo de um prejuízo, do ato impugnado poder resultar a ineficácia da medida caso seja deferida a segurança (periculum in mora). Concorrendo ambos, o juiz, em decisão fundamentada, concederá a liminar. Isto significa que, na falta de qualquer um dos requisitos, a providência liminar deve ser negada.
O professor e Magistrado Federal Reis Friede, lecionando sobre exame do periculum in mora que autoriza a concessão das liminares em geral, inclusive o mandado de segurança, ensina com precisão:
“Para a obtenção da medida liminar e conseqüentemente da tutela cautelar implícita, portanto, a parte requerente obrigatoriamente deverá demonstrar fundado temor de que, enquanto aguarda a tutela definitiva, venham a faltar as circunstâncias de fato favoráveis à própria tutela. E isto somente pode ocorrer, conforme leciona Carlos Calvosa (inSequestro Giudiziario, Novissimo Digesto Italiano, vol. XVII, p. 66), quando haja efetivamente o risco do perecimento e destruição, desvio, deterioração ou qualquer tipo de alteração no estado das pessoas, bens ou provas necessárias para a perfeita e eficiente atuação do provimento final de mérito” (Aspectos Fundamentais das Medidas Liminares em Mandado de Segurança, Ação Cautelar, Ação Civil Pública e Ação Popular, 2a ed., Forense Universitária, 1993, p. 97).
No caso, sem muito esforço percebe-se ausência da probabilidade do dano irreparável ou de difícil reparação para o deferimento da liminar. (TJMS; MS 38438-9, Rel. Des. Helvécio Chaves Martins, DJU 08/08/1994).
Esse risco ao resultado útil corresponde, ainda, a um fundado receio da existência de um dano jurídico (e não de dano ao provável direito de uma das partes, como no caso da tutela antecipada). Refere-se, portanto, sempre ao interesse processual (e jamais material ou meritório) presente na busca permanente da obtenção de uma real garantia quanto à própria efetividade da solução final (prestação das tutelas jurisdicionais cognitiva e executiva) a ser ditada pelo Poder Judiciário, inspirado, em última análise, no que OTHON SIDOU (1983, p. 255) entendeu por bem denominar “instituto cardeal de assegurar matéria à sentença a ser editada”.
A medida liminar não tem por objeto o mérito da causa, mas a garantia da eficácia do julgado caso favorável ao impetrante. (…) (STF; MS 20900-3/DF, Rel. Min. Rafael Mayer. JB no163, Ed. Juruá, p. 90).
Para a concessão de medida cautelar há necessidade de se demonstrar, initio litis, a ocorrência dos requisitos essenciais que configurem o temor de dano jurídico iminente e o interesse na preservação da situação de fato, enquanto não advém a solução de mérito, o que corresponde ao fumus boni iuris (…) (TJPR; ac. unân. 6.458 da 2aCâmara de 16.8.89, no agr. 298, Rel. Des. Negi Calixto, Adcoas, 1989, no 126.185).
A liminar, na hipótese, é contra legem, afrontando os arts. 797, 798 e 804 do CPC, posto que a lesão admite reparação futura, específica e plena, e o devedor é solvente. O caráter alimentar dos proventos não justifica aumento de aposentadoria através de liminares. (TRF1; MS 91.01.15810-4/MG, Rel. Des. Fed. Hércules Quasímodo, DJ 13.4.92, Seção II, p. 9.098).
A despeito da diferença entre o conteúdo normativo do periculum in mora a ser considerado para a concessão da tutela urgência antecipada e aquele para a concessão da tutela de urgência cautelar, há um núcleo comum. A apreciação da efetiva presença do periculum in mora em ambos os casos é realizada, como ensina Liebman(1954, p. 108), através de apenas um único julgamento valorativo denominado probabilidade sobre possibilidade do dano – nas palavras de LIEBMAN: “un giudizio di probabilità sulla imminenza di un danno”. Por efeito, o dano, material ou processual, deve ser aferido sempre pelo juízo de probabilidade e jamais pelo simples e genérico juízo amplo de possibilidade[18].
O denominado receio de dano há, ainda, que ser objetivamente fundado, calculado, de forma a mais precisa possível, pelo exame das causas já postas em evidência, capazes de realizar ou operar o efeito indesejado que deve ser, por consequência, afastado. A comprovação de seu fundamento, não obstante não permitir, por sua própria natureza, a certeza, deve permitir, no mínimo, a plausibilidade (justificação), sem o que o juízo restritivo de probabilidade acabaria, no exercício da prática, transmudando-se no genérico e amplo juízo de possibilidade.
Pedágio destinado à conservação das rodovias federais. Pedido de suspensão liminar. Ausência de periculum in mora visto que não irreversível o desembolso. (STF; ADIR. no 24-1-SP – Medida Liminar, Rel. Min. Francisco Rezek, DJU, de 9.6.89, p. 10.095).
A avaliação da plausibilidade para a aferição do próprio juízo de probabilidade na apreciação da presença ou não do requisito em questão, não ensejando a certeza (prova irrefutável), evidentemente permite ao magistrado uma determinada margem de discricionariedade, mas jamais verdadeiro arbítrio que se constituiria através da utilização do referido juízo amplo da possibilidade de dano que, assim, estaria apenas subjetivamente fundado, calculado de uma forma absolutamente imprecisa [19]. Por outro lado, como adverte JOSÉ ALBERTO REIS(1985, p. 26), não faria sentido que o juiz, para efeito de certificação do direito à tutela provisória, houvesse de realizar um exame tão longo e tão refletido como o que efetua em sede de cognição exauriente. A proceder de tal forma, a tutela provisória perderia sua razão de ser e mais valeria à parte esperar pela decisão definitiva.
A plausibilidade do dano é avaliada pelo juiz, segundo as regras do livre convencimento, de modo que não dispense a fundamentação ou motivação de seu conhecimento; mas isto dar-se-á com muito maior liberdade de ação do que na formação de certeza que se exige na decisão definitiva.De qualquer maneira, a decisão judicial deve ser objetiva e estribada nos fatos provados. (HUMBERTO Theodoro Jr,1976, p. 78 e45).
É ponto tranquilo na doutrina, por outro lado, que o risco de dano deve corresponder sempre a fatos que venham efetivamente a prejudicar um direito provável ou a desequilibrar uma situação preestabelecida entre as partes, de modo que o perigo preexistente ou coexistente com o nascimento da pretensão realmente justifique a tutela provisória[20].
A ineficácia da sentença que defere o mandado de segurança não ocorre apenas quando o dano decorrente do ato impugnado seja irreparável. Para que se possa afirmar tal ineficácia, basta que a sentença que defere o mandado de segurança não tenha a aptidão de, ela própria, corrigir a ilegalidade de modo útil, vale dizer, determinando desde logo a reparação do dano. (MACHADO, 2000, p. 114).
Bem esclarece e exemplifica ANTONINO CONIGLIO, ao afirmar que a insolvência iminente que justifica um arresto não é a mesma que preexistia e era conhecida do credor ao tempo da constituição da dívida. O perigo de se tornar inexequível o crédito deve surgir após sua criação, como fato novo, que agrave as condições econômicas do devedor. Nas palavras do autor:
“Pacifico è in dottrina e in giurisprudenza il principio che il pericolo di perdere le garanzie del credito dev’essere sopravvenuto dopo che è sorto il credito; si ricollega cioè a fatti nuovi aggravanti Ie condizioni economiche del debitore” (1949, p. 64).
Nessa mesma ordem de ideias, PONTES DE MIRANDA (2000, p. 312), ao comentar sobre as medidas cautelares, reafirma que estas supõem a “superveniência dos fatos e necessidade de se afastar o óbice da antecedência ou mesmo da coexistência do perigo de dano”. Acertada, pois, é a clássica lição de OVÍDIO A. BAPTISTA DA SILVA (1974, p. 70-71), segundo a qual:
“(…) o perigo de perda do interesse, ou de graves danos posteriores ao nascimento do próprio direito, ou deve corresponder, pelo menos, a um agravamento da situação perigosa preexistente, ou, finalmente, sendo anterior à constituição da pretensão, era de tal natureza que o pretendente à segurança não poderia razoavelmente conhecer”.
Não obstante a necessária distinção entre os requisitos positivos expressos, do periculum in mora e do fumus boni iuris, estes não podem ser considerados de forma estanque. Possuem, na verdade, uma relação mais porosa, animada pelo caso concreto e que impõe ao aplicador do Direito uma ponderação entre os perigos e a probabilidade do direito alegado pela parte, pelo que não deve assustar o fato de causas semelhantes levarem a decisões judiciais diametralmente diversas. Como bem leciona DINAMARCO:
“Diante do jogo entre essas duas exigências fundamentais para as tutelas de urgência, não é legítimo avaliar a presença ou ausência da probabilidade do direito pensando somente na probabilidade do direito e, do mesmo modo, não faz justiça quem investiga sobre a presença de um risco perigoso sem dimensionar essa probabilidade. Para minimizar os riscos decorrentes da sumariedade da cognição para esses juízos é sempre indispensável pôr esses dois requisitos, juntos, sobre a mesma mesa de trabalho, associando-os harmoniosamente em um raciocínio integrado e contextual, porque só assim se pode chegar a um resultado equilibrado e proporcional aos perigos que eventualmente a parte possa temer” (2018, p. 880).
II.2.3 Da Irreversibilidade da Medida: Requisito Específico para Tutela de Urgência Antecipada
O requisito negativo da irreversibilidade dos efeitos da decisão, que se aplica exclusivamente à tutela de urgência antecipada, por expressa previsão legal, consta do art. 300 §3º do CPC/15 (de redação similar à do art. 273 §2º do CPC/73), o qual determina que “a tutela de urgência de natureza antecipada, não será concedida quando houver perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão”.
A irreversibilidade, como requisito especial e negativo, pode ser entendida com a impossibilidade de retorno ao status quo antes, em caso de decisão concessiva da tutela de urgência antecipada. Cabe ao juízo no momento de apreciar a tutela antecipada e, após convencer-se da presença dos requisitos positivos, fazer uma análise hipotética e ponderada sobre a possibilidade de a situação fática retornar à situação original em caso de revogação da decisão antecipada. Tal requisito pode ser compreendido como negativo, porque deve estar ausente para a concessão da tutela, assim como especial, pois aplica-se exclusivamente à tutela de urgência do tipo antecipada, e não à do tipo cautelar.
Cabem, aqui, duas ressalvas sobre esse requisito. Primeiramente, deve-se ressaltar que a reversibilidade ou não da medida não se confunde com o periculum in mora inverso, como será analisado mais detidamente adiante. Além disso, referido requisito não é absoluto, o que levou a doutrina e a jurisprudência a sedimentarem o entendimento de que a irreversibilidade recíproca ou a relevância do direito afirmado pelo requerente da tutela mitiga – ou mesmo afasta – o rigor do requisito constante do art. 300, §3º, do CPC/15. Nesse sentido:
“Segundo o art. 300 §3º, do Novo CPC, a tutela de urgência não será concedida quando houver perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão, seguindo-se inexplicavelmente a regra consagrada no art. 273, §2º, do CPC/1973, já que esse requisito negativo para a concessão da tutela de urgência é sistematicamente afastado diante da análise da irreversibilidade recíproca, como ocorre na liberação de medicamentos por meio de tutela antecipada” (NEVES, p. 2017).
“Nas execuções (…) de casos de acidentes ambientais, é permitido ao juiz da execução, diante da natureza alimentar do crédito e do estado de necessidade dos exequentes, a dispensa da contracautela para o levantamento do crédito, limitado, contudo, a 60 (sessenta) vezes o salário mínimo (art. 475-O, § 2º, I, CPC). Na linha dos precedentes desta Corte Superior de Justiça, é possível deferir o levantamento de valor em execução provisória, sem caucionar, quando o tribunal local, soberano na análise fática da causa, verifica, como na hipótese, que, além de preenchidos os pressupostos legais e mesmo com perigo de irreversibilidade da situação, os danos ao exequente são de maior monta do que ao patrimônio da executada. (…)” (STJ, REsp 1145358/PR. 2ª Sessão. Rel.: Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA. DJe 09/05/2012).
Análise interessante na doutrina também, porque baseada no mesmo princípio constitucional da proporcionalidade que fundamenta o periculum in mora inverso, é a de que a irreversibilidade, questão hipotética e formal, depende da ponderação, hipotética e material, – em ambos os casos em juízo de probabilidade – entre os direitos envolvidos, ou seja, a irreversibilidade não deve prevalecer quando o direito (provável) submetido a dano iminente for mais importante. Nesse sentido:
Deve prevalecer para o §3º do art. 300 do CPC de 2015 a vencedora interpretação que se firmou a respeito do §2º do art. 273 do CPC de 1973, única forma de contornar o reconhecimento de sua inconstitucionalidade substancial: a vedação da concessão da tutela de urgência nos casos de irreversibilidade não deve prevalecer nos casos em que o dano ou o risco que se quer evitar ou minimizar é qualitativamente mais importante para o requerente do que para o requerido. Subsiste, pois, implícito ao sistema – porque isso decorre do “modelo constitucional” – o chamado “princípio da proporcionalidade”, a afastar o rigor literal desejado pela nova regra (BUENO, p. 308).
III. Do Periculum in moraInverso: Requisito Implícito e Aplicável às Tutelas de Urgência em Geral
O denominado periculum in mora inverso, conforme já consignado, representa um pressuposto, indispensável, porém negativo, que se apresenta implícito nos códices processuais atual e pretérito.
III.1 Noções Gerais
Durante a segunda fase do exame do juízo de admissibilidade das medidas de urgência em geral, antecipadas ou cautelares, em forma de liminar ou após contraditório, após o exame dos demais requisitos para a concessão de tutela provisória de urgência, cabe ao órgão julgador o imperativo e criterioso exame do requisito periculum in mora inverso ou, mais especificamente, a verificação de sua “não produção“, consistente, exatamente, no afastamento, por seu turno, da eventual concretização de grave risco de ocorrência de dano irreparável (ou de difícil reparação) contra o réu ou terceiros, como consequência direta da própria concessão da medida liminar pleiteada pelo ao autor.
“(…) considero, na verdade, que o periculum in mora existente no mandado de segurança não é uma via de mão única. O periculum in mora é uma via de dupla mão de direção. Há que se atentar que, à medida que possa existir o perigo da demora ao direito do administrado, muitas vezes pode concorrer o periculum in mora ao direito de administração” (BEZNOS, 1982, vol. 31, p. 117-118).
Na concessão de liminar, pela ampla discrição com que age, deve o juiz redobrar de cautelas sopesando maduramente a gravidade e a extensão do prejuízo, alegado, que será imposto aos requeridos (…) (TJRS; ac. unân., da 1ª Câmara, no agr. 584.044.135, Rel. Des. ATHOS GUSMÃO CARNEIRO; DJU de 26.2.85, RT 598/191).
Embora não se refira nominalmente ao periculum in mora inverso, sem a menor sombra de dúvida, salta aos olhos a competente afirmação assente na doutrina, – do ex-Desembargador do TJRS e do Ministro aposentado do STJ, ATHOS GUSMÃO CARNEIRO -, a respeito do tema e que traduz, com absoluta fidelidade, a essência deste último requisito, ainda que sem a expressa alusão ao seu nomen iuris.
Vale colacionar no ensejo a norma do art. 401 do CPC de Portugal em que o juiz é aconselhado a, ocorrentes a plausibilidade do bom direito e o perigo na demora, conceder a liminar ‘salvo se o prejuízo resultante da providência exceder o dano que com ela se quer evitar’. Em suma, por vezes a concessão da liminar poderá ser mais danosa ao réu, do que a não-concessão ao autor. Portanto, tudo aconselha o magistrado prudentemente perquirir sobre o fumus boni iuris, sobre o periculum in mora e também sobre a proporcionalidade entre o dano invocado pelo impetrante e o dano que poderá sofrer o impetrado (ou, de modo geral, o réu em ações cautelares) (1992).
Da associação entre a urgência da medida a ser concedida ou negada e a mera probabilidade ou verossimilhança como grau suficiente de convencimento para a concessão decorre, quanto a todas as medidas de urgência, a necessidade de uma linha de equilíbrio com a qual o juiz leve em conta os males a que o interessado na medida se mostre exposto e também os males que poderão ser causados à outra parte se ela vier a ser concedida. Tal é o juízo do mal maior, indispensável tanto em relação às medidas cautelares quanto às antecipatórias de tutela (DINAMARCO, 2017, p. 877).
No mesmo sentido, relaciona GALENO LACERDA (1998), ao tratar do poder cautelar geral e afirmando a prudência com que deverá agir o juiz, no que tange à observação do requisito do periculum in mora inverso: “as exigências contrastantes das partes com o interesse da administração da justiça, sempre ínsito nas providências cautelares”, devem ser sempre observadas bilateralmente, eis que se encontra diretamente em jogo “o bom nome e até a seriedade da justiça”. De forma inclusive mais contundente, adverte também ARAGÃO (1990, v. 42) que “há certas liminares que trazem resultados piores que aqueles que visavam evitar”.
Também DINAMARCO ressalta a relevância de se apreciar o perigo que a tutela de urgência pleiteada pode causar a parte contrária:
“Da associação entre a urgência da medida a ser concedida ou negada e a mera probabilidade ou verossimilhança como grau suficiente de convencimento para a concessão decorre, quanto a todas as medidas de urgência, a necessidade de uma linha de equilíbrio com a qual o juiz leve em conta os males a que o interessado na medida se mostre exposto e também os males que poderão ser causados à outra parte se ela vier a ser concedida. Tal é o juízo do mal maior, indispensável tanto em relação às medidas cautelares quanto às antecipatórias de tutela. (…)
Ao juízo do mal maior associa-se o juízo do direito mais forte, que deve aconselhar o juiz a ponderar adequadamente as repercussões da medida que concederá, redobrando cuidados antes de determinar providências capazes de atingir valores de tão elevada expressão econômica, política ou humana que somente em casos extremos devam ser sacrificados; (…)” (DINAMARCO, 2017, p. 877-878).
A não produção do denominado periculum in mora inverso, necessariamente implícito no próprio bom senso do julgador, portanto, desponta inegavelmente como um requisito inafastável para a concessão da medida liminar, – a ser sempre e obrigatoriamente verificado, de forma compulsória -, uma vez que, em nenhuma hipótese, poderia ser entendida como um procedimento lícito a modificação de uma situação de fato perigosa para uma parte – mas tranquila para outra -, por uma nova que apenas invertesse a equação original, salvaguardando os interesses de uma das partes em detrimento da outra e ao elevado custo da imposição de gravames (até então inexistentes e por vezes até mesmo insuportáveis[21]).
Ação cautelar. Liminar. Cassação, pois que o fumus boni iurise o periculum in mora militam, no caso, em favor da parte contrária. Se o fumus boni iuris e o periculum in mora militam em favor do requerido, dá-se provimento ao agravo para cassar-se a liminar deferida em favor dos requerentes.” (TRF1; A.I. 91.01.06748-6/MG, 2ª Turma, Rel. Juiz HÉRCULES QUASÍMODO, DJ 13.4.92, Seção II, p. 9.112).
Em sentido aparentemente contrário, MARINONI assevera que “é ilógico não se conceder a tutela sumária com base no argumento de que ela pode trazer um dano ao direito que é improvável” (MARINONI, 2017, p. 214). Contudo, neste caso, cabe-nos discordar dos argumentos do renomado autor. A uma, porque – como o próprio autor deixa claro – trata-se de tutela de um direito provável, e não certo, submetido a uma apreciação sumária, não exauriente, pelo julgador. Ou seja, em cognição definitiva, com maior profundidade e maior arcabouço probatório, o julgador pode chegar a conclusão diversa, de que o direito alegado e provável, na verdade, não existe. A duas, porque os requisitos das medidas de urgência são cumulativos e necessários – mas não suficientes -, i. e., devem estar presentes simultaneamente e a presença de apenas um deles não autoriza, por si só, a concessão da tutela provisória de urgência. Do contrário, estar-se-ia a dar preferência a um requisito, fumus boni iuris, em detrimento de outro, o periculum in mora, o periculum in mora inverso ou a irreversibilidade da medida (este, requisito específico das tutelas antecipadas), sem qualquer amparo legal.
Por sinal, o tratamento legal deste último requisito especial à tutela antecipada, a irreversibilidade da medida, deixa clara a preocupação com consequências possivelmente nefastas. Especificamente, a intelecção do artigo 301 do CPC é no sentido de que mesmo quando presentes os requisitos da probabilidade do direito e do perigo ao direito, não pode ser concedida a tutela de urgência antecipada quando a medida requerida for irreversível. Nada mais isso traduz do que uma preocupação do legislador com as possíveis consequências da decisão proferida em grau de cognição judicial mais superficial, razão perfeitamente aplicável aos casos em que resta configurado periculum in mora inverso, forte no princípio ubi eadem ratio ibi tibi ius.
Da mesma forma, não se pode olvidar que um dos fundamentos do periculum in mora inverso é a proporcionalidade da medida, princípio constitucional interpretativo relevante na interpretação das normas jurídicas. Este princípio que comumente é observado na calibragem entre normas-princípio colidentes, em sede de decisão definitiva (e, portanto, com cognição exauriente), impõe ao órgão jurisdicional, quando este se debruça sobre medida provisória de urgência, a observância também da variável da probabilidade, mormente quando o faz em sede de cognição sumária[22]. Em outros termos, se a colidência entre princípios em sede de cognição exauriente justifica a aplicação do princípio da proporcionalidade em sentido lato, com ainda mais razão a colidência entre princípios observada em cognição sumária justifica a aplicação cautelosa do princípio da proporcionalidade e, consequentemente, da análise do periculum in mora inverso.
De fato, muitos autores, ao tratarem do requisito positivo do periculum in mora, atentam para os perigos que a decisão concessiva de tutela de urgência pode causar, assim como enfatizam que esses perigos são razões suficientes para o indeferimento da tutela de urgência, segundo um exame de proporcionalidade. Por exemplo, parece ser esta a compreensão de DINAMARCO ao salientar que o “fumus que em um caso poderia ser suficiente talvez não o seja quando o risco de sofrer um mal não for tão grande ou quando o mal temido não seja tão grave a ponto de justificar eventuais riscos inversos, inerentes à antecipação” (2017, p. 881).
Contudo, a verdadeira razão para a não concessão da tutela de urgência nesses casos é o perigo (também provável) a parte ex adversa ou a terceiros que justifica, ante uma lógica de transparência e dever de fundamentação das decisões judiciais (art. 93, IX, da CRFB/88), a consolidação do periculum in mora inverso como instituto jurídico autônomo, mesmo que implícito.
Além disso, sob uma ótica pragmática, essa consolidação do periculum um mora inverso como requisito autônomo evita ou pelo menos reduz exames açodados e pouco cautelosos pelos órgãos jurisdicionais. Não se pode olvidar que a análise superficial da tutela provisória pelo magistrado pode conduzi-lo a um eventual e leviano deferimento da medida (que sempre sustenta caráter de absoluta excepcionalidade, ou seja, em caso de dúvida, quanto à efetiva presença dos pressupostos, a não concessão da medida de urgência deve ser a regra) em virtual prejuízo dos próprios institutos de tutela de urgência, com flagrante resultado de desprestígio à justiça, em termos gerais, e ao Poder Judiciário, em particular, podendo até mesmo vir a constituir-se em instrumento capaz de produzir uma excepcional e teórica situação analógica de periculum in mora inverso contra a, em princípio, intangível acepção maior do Estado-juiz.
A concessão, indiscriminadamente transformada em verdadeira benesse, vem retirando a seriedade do denominado remédio heróico, enfraquecendo o writ como remedium iuris excepcional, em desprestígio da própria justiça enquanto instituição. E, não raras vezes, após a concessão da liminar, o mandado não é provido, mas o fato já se tornou irreversível e consumado. A concessão de liminar há, portanto, de ser precedida de criterioso estudo, só se concedendo em caso de iminente e irreparável lesão. A concessão de liminar há, portanto, de ser precedida de criterioso estudo, só se concedendo em caso de iminente e irreparável lesão. A concessão indiscriminada de medidas liminares poderá levar ao referendo de caprichos e procrastinações, às vezes irreversíveis, com desprestígio do próprio Poder Judiciário (…) (DE OLIVEIRA, 1988, p. 194).
Em suma, a identificação dos reais fatores que influenciam a tomada de decisão provisória, inclusive a ponderação imanente à análise do periculum in mora inverso, é uma exigência normativa do princípio da transparência e do dever de fundamentação, assim como um importante redutor de erros judiciais.
III.2. Periculum in mora Inverso versus Grave Lesão à Ordem Pública
Tradicionalmente, a nomenclatura grave lesão à ordem pública restou consagrada pela redação do art. 4º, da Lei nº 4.338/64 e, atualmente, consta do art. 15 da Lei nº 12.016/09, nos seguintes termos:
Art. 15. Quando, a requerimento de pessoa jurídica de direito público interessada ou do Ministério Público e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas, o presidente do tribunal ao qual couber o conhecimento do respectivo recurso suspender, em decisão fundamentada, a execução da liminar e da sentença, dessa decisão caberá agravo, sem efeito suspensivo, no prazo de 5 (cinco) dias, que será levado a julgamento na sessão seguinte à sua interposição.
Contudo, é importante advertir que essa expressão não é absolutamente sinônima do termo periculum in mora inverso (na qualidade de requisito fundamental para a concessão da qualquer tutela provisória de urgência), guardando, na verdade, em relação a este, uma íntima relação de espécie e gênero. De certo, o requisito da não produção do denominado periculum in mora inverso abrange, em sua plenitude, o chamado risco de grave lesão à ordem pública (incluindo, neste último, a ordem administrativa em geral[23]), sem, no entanto, esgotar o instituto, uma vez que, reconhecidamente, pode também existir a hipótese em que o gravame (ou prejuízo efetivo irreparável ou de difícil reparação) derivado do eventual deferimento da medida liminar (sobretudo como antecipação de tutela cautelar na ação própria), venha a atingir apenas um particular e, por consequência, um interesse eminentemente privado.
A conclusão, portanto, é no sentido de que o requisito genérico da não produção do periculum in mora inverso possui uma dimensão muito mais ampla que, necessariamente, transcende ao simples requisito expresso em lei, da suspensão liminar no mandamus, a exemplo de outras disposições normativas dotadas de nítida especificidade que, exatamente por esta razão, somente a qualificam como espécie do gênero maior.
III.3. Das Diferentes Perceptivas sobre o Periculum in mora Inverso
Não obstante a mencionada consagração da expressão “periculum in mora inverso“, é importante ressaltar que muitos equívocos e uma certa incompreensão do requisito foram identificadas no seio da nossa comunidade acadêmica. Muito provavelmente, a confusão mais comum decorre da não compreensão de que o periculum in mora inverso é precisamente a concepção reversa do mais importante pressuposto autorizativo para a concessão da tutela cautelar ou antecipatória, ou seja, o “periculum in mora“.
Neste sentido, alguns articulistas apontaram, em evidente equívoco, que o requisito negativo consubstanciado no periculum in mora inverso se traduzia pela previsão original ínsita no art. 273, § 2º, do CPC/73 e atualmente reproduzida no art. 300, §3º do CPC/15, qual seja: “Não se concederá a antecipação da tutela quando houver perigo de irreversibilidade do provimento antecipado” (CYNTHIA AMARAL CAMPOS, 2014. Não paginado; PATRÍCIA MENDES CHAVES, 2012. Não paginado); FÁBIO FERRAZ DE ARRUDA LEME, 2013. Não paginado), ainda que curiosamente, alguns autores aparentem, em suas respectivas dissertações, compreender a natureza intrínseca do periculum in mora inverso na qualidade de verdadeiro contraponto ao requisito básico e fundamental do “periculum in mora“.
(…) situação em que há risco para ambas as partes, devendo o magistrado, nos moldes dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, aferir a potencialidade ou intensidade desses riscos para cada lado (…) (FÁBIO FERRAZ DE ARRUDA LEME, 2013. Não paginado).
Oportuno ressaltar, mesmo reiteradamente, que o instituto da tutela antecipada, de forma diversa da tutela cautelar, possui, – além do requisito do periculum in mora e do fumus boni iuris (ainda que com uma roupagem diversa[24]) -, a necessária reversibilidade dos efeitos ou ausência de perigo de irreversibilidade da decisão (art. 300 §3º do CPC/15)[25] do provimento antecipatório, ou, em outras palavras, o instituto da tutela antecipada além de possuir o impedimento relativo[26] da não produção do denominado periculum in mora inverso, também possui, em adição, o impedimento absoluto[27] quanto à reversibilidade do provimento antecipatório, não se confundindo, portanto, o primeiro, – simples contraponto do requisito básico do periculum in mora -, com o segundo, requisito expresso e específico vocacionado para as hipóteses de tutela antecipada.
Em qualquer hipótese, a verdade é, acima de tudo, que o requisito negativo do periculum in mora inverso, no plano fático, é anterior ao próprio advento do instituto da tutela antecipada (1994) e alude, genericamente, nas palavras de FERRAZ, ao simples fato de que “a liminar não deve ser concedida se o dano resultante do deferimento for superior ao que se deseja evitar” [Mandado de Segurança (individual e coletivo). Aspectos Polêmicos, São Paulo, Malheiros, 1996, p. 143].
Havendo dúvidas objetivas sobre a localização efetiva da área ocupada, objeto de reintegração de posse, mais aconselha que se mantenha o status atual, afastando-se a demolição pretendida até que se ultimem as provas na ação de retomada, evitando o estabelecimento de periculum in mora inverso com a medida drástica referida (TJSC; AI 222992, SC 2011.022299-2, Rel. Des. GILBERTO GOMES DE OLIVEIRA JULGAMENTO, 2ª Câmara, 30/01/2012).
Restando ausente a demonstração, de plano, da prova inequívoca da verossimilhança da alegação, bem como presente o periculum in mora inverso, tendo em vista o caráter alimentar dos adicionais por serviços extraordinários devidos aos filiados ao Sindicato-réu, deve ser mantida a decisão que indeferiu o pedido de tutela antecipada. (STJ; AgRg na AR 4076 PE 2008/0209876-0; Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, 3ª Seção, DJe 03/03/2011).
(…) O periculum in mora inverso e o princípio da proporcionalidade devem ser considerados, pois “há liminares que trazem resultados piores que aqueles que visam evitar” (Egas Moniz de Aragão) (TJSC; AG 67784 SC 2009.006778-4; Rel. Des. LUIZ CÉZAR MEDEIROS, 3ª Câmara, 12/02/2010).
Neste prisma analítico, sintetiza bem a noção conceitual de periculum in mora inverso CARPENA quando preconiza, de forma resumida, que:
“Periculum in mora inverso, nada mais é do que a verificação da possibilidade de deferimento da liminar causar mais dano à parte requerida do que visa evitar a requerente; (…) nenhum magistrado deferirá uma medida initio litis se averiguar que os efeitos de sua concessão poderá causar danos nefastos e deverás mais violentos do que visa evitar.” (Aspectos Fundamentais das Medidas Liminares no Processo Cautelar, Academia Brasileira de Direito Processual Civil, Disponível em: <https://goo.gl/7tTk81> Acesso em: 28 de março 2013).
Em necessário reforço, o já citado ATHOS GUSMÃO CARNEIRO (1992. Paginação irregular) relembra, com mérita propriedade que “por vezes a concessão de liminar poderá ser mais gravosa ao réu que, do que a não concessão ao autor. Portanto, tudo aconselha ao magistrado perquirir sobre o fumus boni juris e o periculum in mora e também sobre a proporcionalidade entre o dano invocado pelo impetrante e o dano que poderá sofrer o impetrado”.
Igualmente, JEAN CARLOS DIAS (2005, p. 55) reconhece, – inclusive citando este autor -, que “há setores na doutrina, contudo, que apontam para a necessidade de não gerar, a concessão, um efeito mais gravoso que o que se pretende evitar com a providência cautelar”.
O escopo último da tutela cautelar é garantir a higidez prática da decisão judicial meritória, sendo em última instância, mais uma garantia assecuratória da efetividade jurisdicional que, por assim dizer, um modo de deferimento sumário e parcial da pretensão da parte. Embora não haja expressa previsão legal acerca do tema, a doutrina tem colocado em evidência que há a necessidade de garantia do tratamento isonômico das partes também no processo civil (2005, p. 55).
Em idêntico sentido, SCHAEFER MARTINS pontua que:
“O princípio da igualdade integra o princípio do devido processo legal, pois preconiza pela igualdade formal perante o Juiz que torna concreta a norma legal e pela igualdade processual no interior do processo. Este princípio realiza-se com o tratamento paritário dos litigantes no processo” (2003, p. 77).
Prossegue JEAN CARLOS DIAS (2005, p. 55), ainda sobre o tema, que “se de fato é assim, não há como se pensar em uma tutela cautelar que acabe por produzir um efeito lesivo mais grave que aquilo que pretende evitar ou que simplesmente transfere de uma parte a outra o ônus conservativo decorrente da acautelamento da situação litigiosa. A situação de produção de efeito de maior gravidade do aquele que se pretende acautelar ou mera transferência constitui-se em inequívoca violação da isonomia das partes. Embora o fundamento constitucional seja evidente, não se deve deixar de considerar que o próprio sistema positivo estabeleceu meios de compensação dos riscos quando a decisão cautelar contiver risco de quebra da isonomia processual. Esses meios são desdobramentos do princípio da isonomia processual e que se convencionou chamar de procedimentos de contracautela”.
É, portanto, através do instituto da contracautela que é possível, pelo menos em tese, se estabelecer um mecanismo que se, por um lado, não afasta por completo o periculum in mora inverso na qualidade de requisito impeditivo para a concessão de providências cautelares ou antecipatórias, em forma de medida liminar, ao menos minimiza seus efeitos.
Tais institutos autorizam que em determinadas hipóteses o juiz possa fixar um meio de garantia de não produção do risco, ou pelo menos, criar um meio de minimização do perigo por meio de uma salvaguarda de cunho patrimonial. (JEAN CARLOS DIAS, 2005)
Antecipando algumas vezes o resultado final do processo, a medida cautelar, ao mesmo tempo em que afasta o periculum in mora, pode trazer o risco de prejuízo para a parte que deve sofrer os efeitos dessa antecipação. (…) Em tais hipóteses, como observa CALAMANDREI, a caução funciona como cautela da cautela ou contracautela. (MARQUES, 2000. vol. V., p. 437)
Neste sentido, são os profícuos ensinamentos de JEAN CARLOS DIAS e MANTOVANI CAVALCANTE, ao tratar do instituto sob a égide do CPC/73:
“O Superior Tribunal de Justiça já decidiu que as contracautelas típicas previstas no art. 804 do CPC/73 são institutos relacionados ao processo cautelar, não se estendendo a ações especiais como, por exemplo, o Mandado de Segurança. Assim, por via de exclusão, fixou que essas medidas são pertinentes no âmbito cautelar sempre que verificados os seus pressupostos. Ainda mais especificamente quanto ao âmbito cautelar, contudo, o Superior Tribunal de Justiça assumiu posição de que estando presente o efeito mais grave decorrente da concessão da proteção cautelar ou importando ela em mero deslocamento do risco é de se exigir a contracautela, não sendo, assim, mera faculdade judicial. Assim, a contracautela é vinculante ao juízo quando evidenciada a situação de inversão do periculum in mora” (JEAN CARLOSDIAS,p. 55/56).
Tais institutos – as medida cautelares e as contracautelas – representam duas faces da mesma moeda; elas se complementam de tal sorte que a compreensão dos limites e alcance das medidas cautelares imbricas e com a percepção das fronteiras e extensão das contracautelas. (CAVALCANTE, 2003, p. 139).
Ocorre, contudo, que nem sempre as contracautelas serão eficientes ou adequadas para tutelar o perigo que a decisão concessiva pode impor ao demandado ou a terceiro. Nesses casos, não restará ao magistrado que aprecia a tutela de urgência outro caminho, senão deixar de conceder a tutela, em razão do periculum in mora inverso.
III.4. Institutos Afins: Reparação dos Prejuízos e as Contracautelas
De certo, ao longo da história, as normas infraconstitucionais relativas às tutelas de urgência disciplinaram diversas sanções para os eventuais prejuízos provocados pelo deferimento da providência provisória. Todavia, nem sempre a indenização prevista na lei podia alcançar a própria irreparabilidade de determinados danos impostos ao réu (ou mesmo a terceiros) pela própria efetivação da medida.
A concessão de liminar, inúmeras vezes, causa danos a terceiros, atingidos pelos efeitos da medida, o que empenha a obrigação de indenizar, se o impetrante agiu com culpa (A parte que, maliciosamente, ou por erro grosseiro, promover medida preventiva responderá também pelos prejuízos que causar) – CPC de 1939, art. 688, parágrafo único(Cretella Jr., 1980, p. 193).
Nesses casos, nem mesmo a caução em garantia ou contracautela, prevista em vários dispositivos da legislação infraconstitucional, especialmente no art. 804 do CPC/73, que era exigida ou não mediante o prudente arbítrio do juiz, podia ser indicada como efetiva solução ao problema que, por seu turno, somente poderia ser realmente evitado através da rigorosa observância do anteriormente mencionado requisito da não produção do periculum in mora inverso.
A contracautela não é conditio sine qua non do deferimento da medida liminar e sim providência destinada a evitar o periculum in mora resultante da concessão imediata da providência cautelar. Do contrário, acabariam neutralizados os efeitos das medidas liminares, ou se dificultaria demasiadamente sua concessão (…) (Marques, 1976, vol. 4. p. 370).
Com efeito, em certas situações a caução ou a contracautela exigida pelo julgador perfazia-se em providência suficientemente eficaz para afirmar, em última análise, o difícil e almejado equilíbrio cautelar no processo em discussão, garantindo a plena viabilidade do mesmo, no sentido da efetividade final do decisum meritório objetivado; como também era verdade que, em certos casos, o deferimento da medida liminar a uma das partes não possuía o condão de impor qualquer ônus excepcional a outra parte.
Por todas essas razões, afirmamos anteriormente que a própria diversidade das situações não permitia uma espécie de “regra geral” que vinculasse, de forma absoluta, o deferimento da medida liminar à apresentação de uma garantia ou, por outro lado, que a produção de uma contracautela necessariamente obrigaria o magistrado à concessão da medida vindicada[28],[29],[30].
Caução fidejussória ou real é condição que fica a critério do magistrado que concede a liminar, já que o art. 804 do CPC/73 encerra norma meramente facultativa e não imperativa” (TJPR; ac. unân. 5.564 da 1a Câm., de 10.3.87, no agr. 517/86, Rel. Des. Oto Luiz Sponholz; Adcoas, 1988, no116.596).
Pelo art. 804 do CPC/73, aprestação de caução é ato que fica a critério do juiz (…) (TJSC; ac. unân. da 1a Câm., de 8.11.88, no agr. 4.724, Rel. Des. Protásio Leal; Jurisp. Cat. 62/204).
(…) O instituto da caução tem por finalidade evitar o risco de abusos nas medidas cautelares, cuja concessão pertence exclusivamente à discrição do juiz. Assim como a concessão de medida cautelar sem audiência da parte contrária é faculdade que a lei concede ao juiz, da mesma forma a exigência de caução, ou dispensa, para a respectiva concessão liminar, fica exclusivamente ao arbítrio do magistrado, sem que se possa ter como ofensiva ao direito do interessado uma ou outra solução escolhida pelo julgador. (…)
Desde que conscientizado da existência do bom direito em favor do autor e inexistindo risco de lesão grave e de difícil reparação, pode o juiz dispensar a caução, sem que sua decisão implique ofensa, ao direito da parte contrária (TAMG; ac. unân. da 3aCâm., de 25.11.86, no agr. 5.002, Rel. Juiz Ney Paolinelli, RJTAMG 29/73).
A providência estabelecida no art. 804 do CPC, como contracautela eventual, representa mera faculdade atribuída ao julgador, a quem se reserva, no exame de cada caso concreto, prudência e discrição na avaliação da sua necessidade. O fato de o Código estabelecer a obrigação de indenizar por parte dos que sucumbirem nas medidas cautelares quando a execução destas possa causar prejuízo aos requeridos – art. 811, do CPC – não implica, necessariamente, o dever de o juiz sempre determinar a prestação de caução pelos respectivos requerentes (1º TACivSP; ac. unân. da 4a Câm., de 28.5.86, no agr. 357/84, Rel. Juiz José Bedran; JTACivSP 99/161).
Ao longo da vigência do CPC/73, a doutrina e a jurisprudência verificaram que as contracautelas não eram suficientes e passaram a se preocupar com a reparação dos danos causados pela concessão de tutela provisória. Mesmo sob a égide do antigo código em que não havia previsão quanto à responsabilidade do autor beneficiado por uma tutela provisória perante o prejuízo causado a outra parte, admitia-se na doutrina e na jurisprudência a responsabilidade objetiva do beneficiário no que tange a reparação, por força da aplicação do art. 811 do CPC/73 e relativo às cautelares de forma extensiva às tutelas antecipadas. Nesse sentido:
“Os danos causados a partir da execução de tutela antecipada (assim também a tutela cautelar e a execução provisória) são disciplinados pelo sistema processual vigente à revelia da indagação acerca da culpa da parte, ou se esta agiu de má-fé ou não. Com efeito, à luz da legislação, cuida-se a hipótese de responsabilidade processual objetiva, bastando a existência do dano decorrente da pretensão deduzida em juízo para que sejam aplicados os arts. 273, § 3º, 475-O, incisos I e II, e 811 do CPC/1973 (correspondentes aos arts. 297, parágrafo único, 520, I e II, e 302 do novo CPC). 2. Em linha de princípio, a obrigação de indenizar o dano causado pela execução de tutela antecipada posteriormente revogada é consequência natural da improcedência do pedido, decorrência ex lege da sentença, e, por isso, independe de pronunciamento judicial, dispensando também, por lógica, pedido da parte interessada. A sentença de improcedência, quando revoga tutela antecipadamente concedida, constitui, como efeito secundário, título de certeza da obrigação de o autor indenizar o réu pelos danos eventualmente experimentados, cujo valor exato será posteriormente apurado em liquidação nos próprios autos. 3. É possível reconhecer à entidade previdenciária, cujo plano de benefícios que administra suportou as consequências materiais da antecipação de tutela (prejuízos), a possibilidade de desconto no percentual de 10{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6} do montante total do benefício mensalmente recebido pelo assistido, até que ocorra a integral compensação da verba percebida. A par de ser solução equitativa, a evitar o enriquecimento sem causa, cuida-se também de aplicação de analogia, em vista do disposto no art. 46, § 1º, da Lei n. 8.112/1990 – aplicável aos servidores públicos. 4. Ademais, por um lado, os valores recebidos precariamente são legítimos enquanto vigorar o título judicial antecipatório, o que caracteriza a boa-fé subjetiva do autor; entretanto, isso não enseja a presunção de que tais verbas, ainda que alimentares, integram o seu patrimônio em definitivo. Por outro lado, as verbas de natureza alimentar do Direito de Família são irrepetíveis, porquanto regidas pelo binômio necessidade-possibilidade, ao contrário das verbas oriundas da suplementação de aposentadoria” (STJ, REsp 1555853/RS, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, 3ª Turma, DJe 16/11/2015) 5. Recurso especial não provido. (STJ, RESP 201502004450. 2ª Seção. Rel. Luiz Felipe Salomão. DJe 06/06/2016).
A questão mereceu expresso tratamento no novo CPC/15. Tratou-se em um primeiro momento, no art. 300, §1º, do CPC/15, da exigência de contracautela – caução real ou fidejussória idônea para ressarcir eventuais prejuízos da outra parte, embora dispensada para o economicamente suficiente. In verbis:
1º. Para a concessão da tutela de urgência, o juiz pode, conforme o caso, exigir caução real ou fidejussória idônea para ressarcir os danos que a outra parte possa vir a sofrer, podendo a caução ser dispensada se a parte economicamente hipossuficiente não puder oferecê-la.
Por outro lado, no próprio livro que trata da tutela provisória, o legislador tratou também da reparação do prejuízo decorrente da efetivação de tutela de urgência, independentemente do dano processual (causado maliciosamente), especificamente no art. 302 do CPC/15, que assim dispõe:
Art. 302. Independentemente da reparação por dano processual, a parte responde pelo prejuízo que a efetivação da tutela de urgência causar à parte adversa, se:
I – a sentença lhe for desfavorável;
II – obtida liminarmente a tutela em caráter antecedente, não fornecer os meios necessários para a citação do requerido no prazo de 5 (cinco) dias;
III – ocorrer a cessação da eficácia da medida em qualquer hipótese legal;
IV – o juiz acolher a alegação de decadência ou prescrição da pretensão do autor.
Parágrafo único. A indenização será liquidada nos autos em que a medida tiver sido concedida, sempre que possível.
A previsão de tal reparação, antes restrita às cautelares, mas agora direcionada expressamente a qualquer tipo de tutela provisória de urgência, inclusive antecipada, longe de autorizar a concessão indiscriminada de tutelas de urgência, reforça a necessidade de o julgador preocupar-se com o periculum in mora inverso. Isso porque, a indenização consequente deverá ser apurada nos autos e, assim, um deferimento de tutela provisória ao autor de forma açodada também importará na prática de mais atos processuais destinados a reparar o prejuízo causado, não só com a liquidação prevista no parágrafo único do referido artigo, mas também com os atos de excussão de bens suficientes para a reparação/indenização.
Além disso, não podemos esquecer que nem todas as reparações ou indenizações decorrentes desta previsão legal serão satisfeitas. Basta pensar nos casos do hipossuficiente econômico que além de dispensado da prestação de contracautela, em regra, não terá bens para fazer frente a tais prejuízos; ou mesmo o caso de alimentos provisórios, eis que estes são irrepetíveis.
A Tutela Provisória nas Ações Regidas por Lei Especial. A Relevância do Fundamento do Pedido. A Possibilidade Ampla de Concessão ex Officio da Tutela Provisória de Natureza Cautelar. E a Aplicação Supletiva do CPC/15 na Tutela Antecipada.
No que tange às tutelas de urgência, previstas na legislação extravagante, deve-se observar o princípio da especialidade. Se por um lado lex especialis derogat generali (a lei especial revoga a geral), por outro, lex generalis non revogat specialis (a lei geral não revoga a especial, conforme extrai-se dos parágrafos 1º e 2º do art. 2º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro – LINDB, Lei nº 4.657/42. Transcreve-se o referido artigo da legislação vigente:
Art. 2º. Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue.
1º. A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior.
2º. A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior.
Em outras palavras, o tratamento normativo estabelecido por lei especial tem primazia, porém isso não afasta a aplicação do CPC em relação a institutos jurídicos sobre os quais a legislação especial é silente. Com efeito, o novo CPC não trata inteiramente das ações constitucionais ou especiais, assim como não as revoga ou modifica, expressamente. Pelo contrário, o próprio CPC/15, de forma a espancar qualquer dúvida, dispõe que os procedimentos especiais previstos em outras leis permanecem em vigor, aplicando-se apenas supletivamente o novo codex.
A ação de mandado de segurança é o melhor exemplo de tratamento especial sobre tutela de urgência. Isso porque, o art. 7º, III, da Lei nº 12.016/09 explicita, de forma clara, os fundamento de tutela provisória de natureza cautelar em sede mandamental, especificamente, os requisitos básicos da suspensão liminar do ato impugnado na referida ação, a saber: a) a relevância do fundamento do pedido e b) a irreparabilidade (ou, no mínimo, a extrema dificuldade de reparabilidade) futura do eventual dano jurídico produzido pelo ato impugnado, caso, mais tarde, seja deferida a ordem (no julgamento da segurança vindicada), que seria, neste caso, totalmente inócua (porque extemporânea), ineficaz e inidônea para restabelecer o status quo ante (“Ao despachar a inicial, o juiz ordenará que se suspenda o ato que deu motivo ao pedido, quando houver fundamento relevante e do ato impugnado puder resultar a ineficácia da medida, caso seja finalmente deferida, sendo facultado exigir do impetrante caução, fiança ou depósito, com o objetivo de assegurar o ressarcimento à pessoa jurídica”.
Tal tratamento especial em sede de mandado de segurança não é, contudo, recente. A Lei no191, de 16/01/36, e a Lei n. 1.608, de 18/09/39, que tratavam do mencionado writ, já punham em relevo as condições em que seria concedida a liminar: “quando se evidenciar desde logo a relevância do fundamento do pedido, decorrendo do ato impugnado lesão grave irreparável do direito do impetrante, poderá o juiz, a requerimento do mesmo impetrante, mandar preliminarmente sobrestar ou suspender o ato aludido” (Lei no191, de 16.1.36, arts. 8º, 9º); “quando se evidenciar a relevância do fundamento do pedido e puder do ato impugnado resultar lesão grave ou irreparável do direito do requerente, o juiz mandará, desde logo, suspender o ato (Lei no1.608, de 18.9.39, art. 324, § 2º , que instituiu o CPC)” (Cretella Jr., 1980, p. 189)[31].
O tema também foi tratado na superveniente Lei no 1.533, de 31 de dezembro de 1951. Por meio desta, o legislador foi além e afastou quaisquer dúvidas a respeito da possibilidade de o magistrado proceder ex officio na prestação da tutela cautelar, em forma de liminar, ao afirmar que, “ao despachar a inicial, o juiz ordenará que se suspenda o ato que deu motivo ao pedido, quando for relevante o fundamento e do ato impugnado puder resultar a ineficácia da medida, caso seja deferida” (art. 7o, inc. II). Tal discricionariedade judicial foi reiterada pelo legislador na mais recente lei sobre mandado de segurança, Lei no 12.016, mais especificamente no art. 7o, inc. III.
Cabe esclarecer ab initio que a lei de mandado de segurança previu exclusivamente a possibilidade de concessão ex officio de tutela provisória de urgência de natureza cautelar e em caráter liminar, ou seja, tratou da espécie de tutela provisória que tem preponderantemente a finalidade de resguardar a efetividade do processo e da sua concessão por decisão judicial independentemente de pedido do impetrante, antes mesmo do contraditório (liminar). Esse tratamento normativo dado pelas referidas leis de mandado de segurança teve, e ainda tem, a importante função de afastar qualquer discussão quanto à possibilidade de o juiz resguardar de oficio a efetividade do processo, principalmente em se tratando do direito constitucional assegurado por esse relevante writ constitucional. Em outros termos, a antiga discussão doutrinária quanto ao poder do juiz de tutelar o resultado útil do processo, que parece ter sido reacendida com a promulgação do CPC de 2015, não se aplica à ação de mandado de segurança[32], por expressa disposição legal. O Juiz pode – e deve – tutelar de ofício o resultado útil de sua decisão no writ of mandamus.
Com efeito, a disciplina da tutela cautelar prevista nesta lei de mandado de segurança atribui ao magistrado a valoração do fundamento do pedido, – como há muito já sustentava CRETELLA JR., em relação à Lei nº 1.533 de 1951 (1980, p. 190) –, ao apreciar o caso, em concreto, e julgar se o sobrestamento do ato impugnado é indispensável para que o deferimento a posteriori – quando da sentença – da medida não se torne inócuo, ou ineficaz. A tutela cautelar no mandado de segurança não é, propriamente, objeto do pedido[33]. Disso dessume-se que quem decide sobre a concessão da tutela de urgência cautelar é unicamente o juiz, sponte sua, dispensando a anterior provocação pelo impetrante no mandamus, embora esta possa existir.
O impetrante pode, como leciona CRETELLA JR., muitas vezes, nem atinar com a necessidade da tutela provisória, seja de força antecedente (medida liminar inaudita altera pars) ou após o contraditório. O impetrante dá os fatos; assinala, ao mesmo tempo, a natureza lesiva do ato impugnado; e prova, documentalmente, o alegado. Porém, o juiz decide, em última análise, se o socorro é urgentíssimo ou apenas urgente; entendimento que, igualmente, se estende, aos demais casos de ação popular e ação civil pública – como será tratado mais adiante.
Não assiste razão, portanto, aos que defendem a necessidade de requerimento expresso da parte como pressuposto para a concessão de tutela cautelar em sede de mandado de segurança, como ULDERICO PIRES DOS SANTOS (1973, p. 158), que já se manifestou no sentido de que “a suspensão liminar do ato depende de requerimento da parte a ser formulado com a inicial, ou em qualquer fase do processo”. Aliás, conforme entendimento aqui adotado, também não assiste razão aos que defendem a necessidade de pedido expresso para a concessão de tutelas cautelares em geral na lógica do CPC/15, em razão do onipresente poder geral de cautela do juiz no processo.
É pertinente o esclarecimento de SIDOU (1980, p. 347), no sentido de que o fundamento, para a possibilidade de decisão ex officio, é de ordem subjetiva e não processual. Postule ou não o impetrante a suspensão do ato lesivo, o juiz diligenciará nesse sentido, sob pena de, não o fazendo, esbarrar em casos diante dos quais sua sentença não terá razão de ser. “Será um julgamento vazio”.
Muito eloquente é ainda a lição de JOSÉ DE CASTRO NUNES (1956, p. 348), quando escreve que “a suspensão liminar está facultada ao juiz para que não se frustre o direito reclamado, quando bem fundado o pedido, considerando ser esta uma apreciação em que o juiz terá que se mover necessariamente com certa liberdade”[34]. E ainda que: “Se for motivo de razoável receio que o mandado a ser ulteriormente concedido já se encontre irreparavelmente comprometido quanto ao direito reclamado, – como no caso em que se desse posse ao funcionário nomeado, com preterição do impetrante –, é fato que a eventual irreparabilidade, ainda que relativa (porque menos atingido o impetrante do que o erário público que teria que suportar o ônus do pagamento dos funcionários) já seria razão suficiente para suspensão liminar”.
Assim, a apreciação do fundamento relevante é facultas do Magistrado, por meio de sua competência discricionária própria, que permite a livre apreciação de sua própria existência e, a partir daí, a sinérgica operacionalização de um móvel capaz de, – em conjunto com os demais requisitos indispensáveis ao deferimento da tutela de urgência cautelar –, fazer cessar, em caráter imediato, o ato que se supõe lesivo, inclusive ex officio e, portanto, independentemente de qualquer provocação das partes interessadas, não deixando de ter em mente, por outro lado, os objetivos específicos da medida provisória de natureza cautelar, que não se confundem, no seu conjunto, com a questão meritória central.
(…) A cautelar visa à segurança e não ao reconhecimento do direito (TJRJ; ac. unân. da 7a Câmara, na apel. 36.501, Rel. Des. Graccho Aurélio, DJU de 21.5.85, RF 291/243).
A medida liminar é provimento cautelar de segurança, quando sejam relevantes os fundamentos da impetração e do ato impugnado puder resultar a ineficácia da ordem judicial, se concedida a final (art. 7º, inc. II). Para a concessão da liminar devem concorrer os dois requisitos legais, ou seja, a relevância dos motivos em que se assenta o pedido na inicial e a possibilidade da ocorrência de lesão irreparável ao direito do impetrante, se vier a ser reconhecido na decisão de mérito. A medida liminar não é concedida como antecipação dos efeitos da sentença final; é procedimento acautelador do possível direito do impetrante, justificado pela iminência de dano irreversível de ordem patrimonial, funcional ou moral, se mantido o ato coator até a apreciação definitiva da causa. Por isso mesmo, não importa em prejulgamento; não afirma direitos; nem nega poderes à administração. Preserva apenas o impetrante de lesão irreparável, sustando provisoriamente os efeitos do ato impugnando (Meirelles, 1988).
Como visto, a disciplina de tutela provisória prevista na lei de mandado de segurança, refere-se apenas à suspensão de ato ilegal e com a finalidade de evitar a ineficácia da decisão definitiva no referido writ, ou seja, ostenta nítida natureza de tutela de urgência cautelar. A despeito de a lei referir-se apenas à suspensão do ato apontado como ilegal, é possível – e até mesmo mais frequente, na prática jurídica – que a garantia da eficácia da decisão definitiva no writ dependa não de uma suspensão, mas de um mandamento judicial que imponha um facere, uma obrigação de fazer,ao impetrado.
Deve-se ressaltar que, se a finalidade preponderante da tutela apreciada pelo juiz é a efetividade do processo, pouco importa se há suspensão ou determinação à autoridade coatora para que pratique um ato, a natureza da tutela provisória será a mesma, ou seja, tutela cautelar, em razão da natureza jurídica mesma da tutela e de seu amparo no poder geral de cautela, como visto. Isso quer dizer que aplicando-se o método teleológico de intepretação[35] em relação ao referido artigo 7º III da Lei nº 12.016/09 chegamos ao resultado interpretativo de que a lei minus dixit quam voluit (a lei disse menos do que queria dizer), ou seja, o referido inciso quer na verdade dizer que o juiz poderá, quando presentes os requisitos para a concessão da tutela cautelar, suspender ato de autoridade coatora ou mesmo determinar a esta a prática de um outro ato necessário a resguardar a eficácia do processo.
Contudo, na realidade prática das diversas formas de ilegalidades sujeitas a correção pela via do mandado de segurança, é possível, excepcionalmente que a tutela de urgência adequada ao caso assuma a natureza de tutela antecipada, ou seja, tutela provisória de urgência destinada preponderantemente a tutelar o direito invocado pela parte.
Um exemplo representativo disso é o caso do candidato a cargo público provido mediante concurso público que impetra mandado de segurança com o fim de invalidar uma decisão administrativa[36] que o excluiu do certame. Ocorre que o ato administrativo decorrente de uma decisão quanto a etapa de concurso pode ter duas funções. A de excluir o candidato do certame, per se, como um ato capaz de pôr termo a sua participação no concurso; e a de ato necessário para que o candidato prossiga no feito, i. e., conditio sine qua non que o habilite para prosseguir na seleção pública[37]. Em caso ainda mais específico, pode-se tratar de último ato de processo seletivo, com caráter eliminatório, como o exame psicotécnico nos concursos para a magistratura.
Na hipótese, o impetrante pode buscar não só anular o ato que o excluiu do certame, mas também que lhe seja dada posse no cargo de forma a não ser preterido e poder exercer oportuno tempore a tão almejada função. Ocorre que, eventual decisão que determine a suspensão do ato apontado como ilegal, exclusão do certame, pode até ser suficiente para tutelar o resultado útil de eventual pedido de anulação de ato administrativo, mas seria manifestamente insuficiente para tutelar o direito da parte contra um ato ilegal. O candidato seria prejudicado na lotação inicial e preterido no tempo quanto ao exercício de sua função, com todos os prejuízos patrimoniais e possivelmente não patrimoniais decorrentes.
Para esses casos excepcionais, a tutela adequada do direito – e, portanto, proporcional (art. 5º LIV da CRFB/88) – é a tutela de urgência antecipada. Mais especificamente, a parte deverá requerer ao juiz a concessão de tutela para determinar a posse do candidato no mesmo momento em que seja realizada a posse dos demais candidatos convocados, para que não sofra qualquer prejuízo quanto ao momento de início de sua função. Com efeito, deve ser ressaltado que eventual tutela cautelar que determine simplesmente que a autoridade permita a continuidade do candidato no certame não seria suficiente, pois o certame após a última fase é apenas homologado e findo, o que não importaria em mandamento judicial capaz de garantir a posse do candidato e, consequentemente, afastar a lesão ao alegado direito.
Em síntese: nos casos em que o ato ilegal e coator consistir em um ato complexo, um ato composto ou um ato condição a outro que lhe é posterior dentro de um procedimento administrativo, é possível que a parte pleiteie providência de urgência de natureza antecipada no mandado de segurança, de forma a não sofrer dano irreparável ao direito alegado.
ALEXANDRE CÂMARA elucida outra relevante hipótese em que a tutela de urgência requerida pela parte pode assumir a natureza de tutela antecipada: quando a parte requerer tutela de urgência em sede de mandado de segurança preventivo. Neste caso, a parte necessariamente pretende, tanto em sede provisória quanto em sede definitiva, que a autoridade não pratique o iminente e provável ato ilegal. Logo, o pedido provisório corresponde também ao pedido definitivo, o que demonstra a natureza satisfativa daquele e determina a sua natureza de tutela antecipada. Conforme o referido autor:
De outro lado, no caso de se estar diante de um mandado de segurança preventivo, a decisão que determina a suspensão do ato implica, em termos práticos, uma ordem para que o mesmo não seja praticado. E isso leva à conclusão de que se tem, aí, uma antecipação, em regime de urgência, da providencia final, satisfativa, que se busca com a demanda de mandado de segurança (2013, p. 161).
Para esses casos em que a parte requer e o juiz concede tutela antecipada no bojo de mandado de segurança, a disciplina normativa aplicável – e, portanto, imperativa – é a prevista no CPC e não a prevista no art. 7º III da Lei nº 12.016/09. Nesse sentido, manifestou-se CÂMARA (2013. p. 161), ainda sob a égide do CPC/73, mas com base em razões perfeitamente aplicáveis ao CPC/15:
Impende perceber, porém, que até aqui se falou apenas da liminar prevista no art. 7º III, da Lei nº 12.016/2009. É que, por ser o Código de Processo Civil subsidiariamente aplicável ao processo do mandado de segurança, nada impede a concessão de tutela antecipada de urgência, satisfativa do direito do impetrante, com base no art. 273 do CPC, em processos de mandado de segurança. (…)
Deve-se considerar, então, possível o deferimento, no processo do mandado de segurança, de liminares de ambas as naturezas, cautelar ou satisfativa. Os requisitos para a concessão serão, evidentemente, a existência de uma situação de perigo de dano iminente (periculum in mora), e a formação, em cognição sumária de um juízo de probabilidade acerca da existência do direito material afirmado pelo impetrante, (fumus boni iuris). Impõe-se ter claro que tanto a liminar cautelar como a liminar satisfativa exigem a presença de periculum in mora e de fumus boni iuris. Distinguem-se os casos de cabimento de uma e outra dessas medidas de urgência, porém, pelo tipo de situação de perigo que se manifeste no caso concreto. Havendo risco de dano iminente para a efetividade do resultado do processo (perigo de infrutuosidade), será adequada a concessão de uma medida liminar de natureza cautelar; de outro lado, no caso em que haja o risco de dano iminente para o próprio direito material, que esteja em vias de perecimento (perigo de morosidade), será o caso de se deferir uma medida liminar de natureza satisfativa[38].
Situação semelhante a esta, de aplicação subsidiária da norma que trata da tutela antecipada em caráter geral, ocorre, por exemplo, na ação possessória de força velha. A despeito de o CPC trazer a possibilidade de concessão de tutela provisória liminar no caso de ação de força nova, ajuizada um ano e um dia do esbulho ou turbação, é possível a concessão de tutela antecipada prevista genericamente no CPC, a pós o decurso desse prazo, ou seja, no caso de ação possessória de força velha. Este entendimento restou sedimentado na doutrina e na jurisprudência, no período de vigência do CPC/73, mas é plenamente aplicável ao CPC/15 em razão da semelhança normativa.
Assim, cabe averiguar a finalidade preponderante da tutela provisória sub examen, a fim de identificar a natureza jurídica da mesma, para depois identificar no caso concreto os requisitos para a concessão. Como visto, a norma especial do mandado de segurança cuidou apenas de tutela judicial que visa preponderantemente a tutela do processo, i. e., a cautelar, assim como trouxe requisitos que se identificam perfeitamente com os requisitos da providência cautelar tratada no art. 300 e §1º do CPC/15. E não poderia ser de forma diversa, pois como se depreende claramente da norma constante do art. 7º, inc. III, da Lei nº 12.016/09, a providência visa a paralisar o ato lesivo até o pronunciamento definitivo do Poder Judiciário ou garantir “a incolumidade da sentença” (SIDOU, 1980, ps. 31-42) assegurando consequentemente “a possibilidade de satisfação a ser declarada em sentença, do direito do impetrante” (NUNES, 1956, p. 349), o que se constituiria visivelmente nos mesmos objetivos das medidas cautelares de modo geral.
O problema do relacionamento da providência cautelar com o mandado de segurança não é propriamente de compatibilidade. Que esta existe, não resta a menor dúvida, haja vista a natureza essencialmente cautelar da liminar prevista na lei de mandado de segurança. A liminar aí funciona como autêntica cautela inibitória atípica, de enorme importância e extensão, como imperativo mesmo de caráter constitucional da segurança, inserida, como é, no capítulo dos direitos e garantias individuais. Pode-se afirmar, pois, sem exagero, que a medida cautelar encontra no mandado de segurança o reconhecimento mais importante de sua imprescindibilidade, já que, na maioria dos casos, só através dela deixará de frustrar-se o direito subjetivo que a Constituição ampara com a ação de segurança contra os atos ilegais ou abusivos da autoridade pública (LIMA, 1986, p. 7).
Quanto ao fato de ter a medida liminar em mandado de segurança, pelas suas próprias características e finalidades, a mesma feição nítida de igual providência provisória cautelar com base no CPC, com as vantagens e ônus decorrentes do próprio ato, praticamente, ninguém tem qualquer dúvida. A questão coloca-se exatamente na comparação entre os termos utilizados em cada diploma, para identificar os requisitos positivos da cautelar em mandado de segurança, mormente porque o CPC prevê “a probabilidade do direito” e “o risco ao resultado útil do processo”, enquanto a lei de mandado de segurança, em seu art. 7º III, expressamente prevê como condições (ou requisitos) para a concessão de liminar – leia-se, para a concessão de tutela provisória cautelar – o “fundamento relevante” e a possibilidade de“ineficácia da medida, caso seja finalmente deferida”.
Em edições anteriores, já tivemos a oportunidade de nos manifestar sobre o assunto. Entendíamos quea “relevância do fundamento do pedido” constituía-se em um terceiro requisito para o deferimento da medida provisória no mandado de segurança, perfazendo, – em conjunto com o da nãoprodução do periculum in mora inverso(quarto requisito) –, a segunda fase do juízo próprio de admissibilidade da medida provisória nas ações especiais. Para tanto, baseávamo-nos no posicionamento de BEZNOS (1982, vol. 31), que traça um interessante paralelo entre o fundamento relevante, como requisito da liminar, e o “fundamento jurídico do pedido”, como um dos requisitos preconizados pelo antigo art. 282, do CPC/73. O autor afirma que o fundamento jurídico nada mais é que uma relação de adequação lógica entre os fatos descritos e as consequências pedidas.
Quanto à relevância que se pode exigir desse fundamento jurídico, BEZNOS entende que ela consiste apenas na viabilidade aparente (e daí a confusão com o requisito do fumus boni iuris) de que os fatos descritos possam redundar na consequência pedida no mandamus. Conforme o autor, exigir mais do que isso seria impor um prejulgamento do mérito da segurança, para a outorga ou não da tutela provisória. Por fim, alerta o ilustre articulista que, presente essa relação de adequação entre os fatos narrados e a providência pedida, deve o juiz atentar muito mais para o periculum in mora sob pena de, em muitas circunstâncias, aniquilar o direito constitucional de defesa pelo writ.
Com base em BEZNOS, pois, considerávamos como relevante o fundamento possível dentro do ordenamento jurídico, capaz de levar à conclusão pedida pelo impetrante, sem prejuízo da análise do fumus boni iuris como requisito autônomo e que, há época, possuía contornos diferentes.
Ocorre que, como já detidamente analisado neste trabalho, o CPC de 2015 trouxe novos contornos para o instituto do fumus boni iuris. Como antes salientado neste trabalho, este requisito,segundo o novel diploma,tem duas dimensões, a probabilidade do direito subjetivo alegado e a concreta probabilidade de que venha a obter a tutela jurisdicional almejada. Não mais a probabilidade de um resultado jurídico positivo ou a verossimilhança das alegações da parte. Disso decorre que o fundamento possível a levar à conclusão do impetrante (fundamento relevante) já se encontra inserido no conteúdo do fumus boni iuris como disciplinado pelo CPC/15. Com base nessa nova lógica, não faz mais sentido manter o fundamento relevante como um requisito autônomo.
Embora o CPC/15 tenha sido alterado, não houve preocupação do legislador em promover a consequente alteração da legislação especial. Entretanto, isso não afasta o dever do exegeta de interpretar os institutos sistematicamente, na lógica atual. Em caso, a interpretação sistemática dos diplomas normativos em vigor, mormente do CPC/15 em conjunto com a lei do mandado de segurança, impõe-nos uma mudança de posicionamento, para admitirmos que o requisito do “fundamento relevante” previsto na lei de mandado de segurança compõe o conteúdo normativo do fumus boni iuristal como previsto no art. 300 do CPC/15, ou seja, probabilidade em concreto do direito alegado pela parte, motivo pelo qual não cabe mais tratar tais requisitos como requisitos diversos. Diante disso, passamos a entender que o fundamento relevante deve ser entendido como expressão sinônima de periculum in mora. Quanto ao resultado, o art. 7º III da Lei nº 12.016/09 minus dixit quan voluit (a lei disse menos do que queria dizer), pois ao referir-se à fundamento relevante refere-se a parcela do conteúdo do fumus boni iuris.
Dessa forma, quando requerida medida de natureza cautelar em sede de mandado de segurança, o julgador deverá apreciar os requisitos do fumus boni iuris, que já engloba o fundamento relevante,de acordo com o conteúdo normativo geral constante do art. 300 do CPC/15 (probabilidade do direito alegado em concreto); o perigo de ineficácia da medida previsto no art. 7º III última parte da L. 12016/09; e o periculum in mora inverso – requisito implícito e extraível do art. 5º LIV da CRFB/88.
À semelhança do que ocorre no âmbito do mandado de segurança individual e no mandado de segurança coletivo, por força da própria lei nº 12.016/09, e ao habeas corpus, por construção jurisprudencial em paralelo com aquele writ(HC 41296/ DF – DISTRITO FEDERAL. STF. Pleno. Rel. Min. GONÇALVES DE OLIVEIRA.DJ 22-12-1964.),também há, na lógica do microssistema de tutela coletiva, expresso e semelhante tratamento normativo da tutela provisória. Assim dispõe o Código de Defesa do Consumidor em seu art. 84, §3º:
Art. 84. Na ação que tenha por objeto o cumprimento da obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento. (…)
3° Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, é lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente ou após justificação prévia, citado o réu.
Embora haja previsão de tutela provisória no art. 12 da Lei nº 7.347/85 (Lei de Ação Civil Pública – LACP), no art. 5º §4º da Lei nº 4.717/65 (Lei de Ação Popular – LAP) e até no art. 7º da Lei nº 8.429/92 (Lei de Improbidade Administrativa), fato é que apenas o art. 84, §3º, do CDC trata de requisitos gerais para a concessão de tutela de urgência cautelar[39]. E seguindo a lógica de que cabe precipuamente a aplicação das normas atinentes ao microssistema de tutela coletiva nos processos coletivos e apenas subsidiariamente as normas atinentes ao processo individual, em especial o CPC/15, é o referido parágrafo do CDC que rege a tutela provisória cautelar nas referidas ações coletivas mencionadas.
Como a previsão legal constante do CDC é similar normativamente àquela constante da lei de mandado de segurança – traz os mesmos requisitos para a tutela cautelar -, não há maiores dificuldades em aplicar o quanto dito a respeito do mandamus para as diversas ações que visam à tutela coletiva de direitos. Ou seja, quando se tratar de tutela provisória cautelar requerida – ou mesmo de concessão ex officio – no bojo de tais ações, os requisitos serão: (i) a relevância do fundamento do pedido que corresponde à probabilidade do direito invocado em concreto (fumus boni iuris); (ii) o risco ao resultado útil do processo ou de ineficácia da medida, caso finalmente deferida – expressões que revelam conteúdo idêntico (periculum in mora em cautelar); e (iii) a ausência de periculum in mora inverso, requisito implícito aplicável não só às tutelas provisórias cautelares previstas nessas ações, como a qualquer espécie de tutela provisória de urgência.
Cabe, ainda, ressaltar um caso especial da lei de improbidade administrativa, o art. 7º da Lei nº 8.429/92. Este dispositivo traz requisitos para uma espécie de tutela de urgência do tipo cautelar, prevista em lei especial, qual seja, a indisponibilidade de bens.
Art. 7° Quando o ato de improbidade causar lesão ao patrimônio público ou ensejar enriquecimento ilícito caberá à autoridade administrativa responsável pelo inquérito representar ao Ministério Público, para a indisponibilidade dos bens do indiciado.
Este caso especial contou com um tratamento diferenciado na jurisprudência do STJ. Embora seja necessária a comprovação no caso concreto do fumus boni iuris – ou seja, a probabilidade da ocorrência de ato de improbidade administrativa-, o periculum in mora não depende de demonstração pelo demandante. É presumido, conforme afirmou o E. STJ, em acórdão de relatoria do Ministro Humberto Martins: o periculum in mora, em casos de indisponibilidade patrimonial por imputação ato de improbidade administrativa, é implícito ao comando normativo do art. 7º da Lei n. 8.429/92, ficando limitado o deferimento desta medida acautelatória à verificação da verossimilhança das alegações formuladas na inicial(AgRg no REsp 1311013/RO, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 04/12/2012, DJe 13/12/2012).
Assim como no caso da lei de mandado de segurança, as leis especiais sobre ações coletivas não tratam expressamente da tutela de urgência de natureza antecipada ou satisfativa, ou seja, a tutela que visa precipuamente a proteger o direito e não ao processo[40]. Isso não quer dizer que não seja possível a concessão deste tipo de tutela provisória no bojo das ações coletivas em geral. Pelo contrário, a prática processual demonstra que, na verdade, há muitos pedidos e concessões de tutela de urgência antecipada, liminarmente ou não, no curso dessas ações constitucionais.
/Nesse contexto, deve-se seguir a mesma lógica do mandado de segurança, i. e., o fundamento normativo para a concessão de tutela antecipada é o artigo 300 primeira parte do CPC/15 que trata da tutela de urgência antecipada ou satisfativa e tem aplicação supletiva em relação à legislação especial (art. 1046 §2º do CPC/15). Disso decorre que as partes que visam a antecipar o efeito de eventual sentença condenatória terão que formular expressamente o respectivo pedido – porque o poder geral de cautela se não aplica à tutela provisória de natureza antecipada ou satisfativa -, assim como os requerentes e os órgãos julgadores haverão de atentar para o requisito negativo da irreversibilidade da medida provisória pleiteada- requisito negativo exclusivo das tutelas antecipadas – e para o periculum in mora inverso – requisito negativo aplicável a todos os casos de tutela de urgência.
Assim, nos casos de requerimento de tutela de urgência antecipada no bojo de mandado de segurança, de ação civil pública, de ação popular e demais ações coletivas, uma vez formulado o pedido de tutela provisória, o julgador deverá aferir se estão presentes (i) a probabilidade do direito (fumus boni iuris); (ii) o perigo de dano ao direito alegado – (periculum in mora em tutela antecipada); (iii) a ausência de irreversibilidade da medida e (iv) a ausência de periculum in mora inverso.
- Conclusões
A concessão da tutela de urgência, tanto nas ações ordinárias quanto nas ações especiais como o mandado de segurança, na qualidade de antecipação da tutela antecipada ou cautelar, é medida de absoluta excepcionalidade e vinculação à presença de todos os pressupostos indispensáveis, o que inclui – além dos requisitos tradicionais do periculum in mora e do fumus boni iuris – a rigorosa observância quanto a não produção do denominado periculum in mora inverso (além do requisito da irreversibilidade da medida, se se tratar de tutela de urgência antecipada). É certo, ainda, que a tutela de urgência (gênero) jamais pode ser deferida (ainda que mediante caução) quando ausentes quaisquer dos requisitos apontados, que se encontram expressos ou implícitos na atual legislação constitucional ou infraconstitucional em vigor, independente da vontade, imposição de ordem moral, senso de justiça ou qualquer outro condicionante subjetivo que possa estar adstrito ao magistrado no momento de seu julgamento.
Outrossim, resta demonstrado que, em sede de tutela cautelar, a apreciação dos pressupostos ou requisitos autorizadores do provimento provisório é facultas do magistrado, por meio de sua competência discricionária própria, que permite a livre apreciação de sua própria existência e, a partir daí, a operacionalização de um móvel capaz de fazer cessar o perigo à efetividade do processo. Porém, a tutela antecipada continua dependente de pedido expresso da parte.
Por fim, o requisito genérico da não produção do periculum in mora inverso (ou reverso), em necessário reforço argumentativo, possui uma dimensão muito mais ampla que necessariamente transcende ao simples requisito, expresso em lei, da irreversibilidade da medida ou mesmo aos casos de suspensão da medida liminar no mandamus, a exemplo de outras disposições normativas dotadas de nítida especificidade que, exatamente por esta razão, somente a qualificam como espécie do gênero maior.
[1] Periculum in mora Inverso e Periculum in mora Reverso
Ambas expressões podem ser utilizadas para se fazer referência ao instituto e são perfeitamente intercambiáveis. Porém, optamos por utilizar no texto preferencialmente a expressão periculum in mora inverso, para fins de facilitar a leitura e porque esta expressão por nós cunhada tem sido mais reproduzida na doutrina e jurisprudência.
[2] Concepção do Periculum in mora Inverso (Reverso)
Não podemos deixar de nos regozijar por termos, pelo menos em alguma medida, contribuído com o desenvolvimento da Ciência Processual, possivelmente fruto do grande empenho que tivemos em divulgar, através de inúmeras palestras, a concepção do denominado requisito negativo para a concessão de provimentos provisórios, em forma de liminares ou que tivemos ousadamente (e de forma inédita à época) em denominar tal requisito de periculum in mora inverso (ou reverso). Estivemos presentes no Superior Tribunal de Justiça (Direito Alternativo – Solução para o processo?, 1993, e Limites à Discricionariedade do Magistrado na Apreciação da Medida Cautelar, 1994), no Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul (Medidas Liminares em Matéria Tributária, 1994, e Processo Cautelar, 1995) e no Tribunal Regional do Trabalho da 23ª Região (Medidas Liminares em Tutela Cautelar e Antecipada – Distinções Fundamentais, 1999), dentre inúmeras outras instituições, e em vários momentos, particularmente, na década de 90, procurando debater este importante tema, bem como definir novas (e inovadoras) terminologias para um mais adequado (e técnico) estudo das tutelas de urgência, notadamente no contexto do Direito Processual Civil.
Durante o período de 1991 (quando forjamos a expressão) e o início dos anos 2000, ministramos mais de 200 palestras e Cursos de Especialização sobre o tema vertente, visando contribuir para o desenvolvimento da ciência processual.
Por isso, temos a satisfação de constatar que o termo atribuído restou sedimentado na jurisprudência brasileira. Pode-se, por exemplo, encontrar citação ao instituto do periculum in mora inverso em diversos acórdãos do STF e do STJ. Por todos ver:
EMENTA: Ação direta de inconstitucionalidade. Lei n° 3.542/01, do Estado do Rio de Janeiro, que obrigou farmácias e drogarias a conceder descontos a idosos na compra de medicamentos. Ausência do periculum in mora,tendo em vista que a irreparabilidade dos danos decorrentes da suspensão ou não dos efeitos da lei se dá, de forma irremediável, em prejuízo dos idosos, da sua saúde e da sua própria vida.Periculum in mora inverso.Relevância, ademais, do disposto no art. 230, caput da CF, que atribui à família, à sociedade e ao Estado o dever de amparar as pessoas idosas, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida. Precedentes: ADI n° 2.163/RJ e ADI nº 107-8/AM. Ausência de plausibilidade jurídica na alegação de ofensa ao § 7º do art. 150 da Constituição Federal, tendo em vista que esse dispositivo estabelece mecanismo de restituição do tributo eventualmente pago a maior, em decorrência da concessão do desconto ao consumidor final. Precedente: ADI nº 1.851/AL. Matéria relativa à intervenção de Estado-membro no domínio econômico relegada ao exame do mérito da ação. Medida liminar indeferida. (STF, ADI-MC 2435. Tribunal Pleno. Rel. Min. Ellen Gracie,DJ 31-10-2003);
EMENTA: A hermenêutica consequencialista indicia que a eventual declaração de inconstitucionalidade da lei fluminense com efeitos ex tunc faria exsurgir um vácuo jurídico no ordenamento estadual, inviabilizando, ainda que temporariamente, a manutenção de qualquer tipo de contratação temporária, o que carrearia umpericulum in mora inversodaquele que leis como essa, preventivas, destinadas às tragédias abruptas da natureza e às epidemias procuram minimizar, violando o princípio da proporcionalidade – razoabilidade. (…) (STF, ADI 3649 / RJ. Tribunal Pleno. Rel. Min. LUIZ FUX. 30-10-2014); EMENTA: Existência de julgados desta Corte no sentido de que a regularização do polo passivo da ação rescisória, mediante a citação dos litisconsortes necessários, deve ser realizada antes do decurso do prazo decadencial, sob pena de extinção da rescisória sem resolução do mérito. Possibilidade de se buscar a flexibilização da coisa julgada em matéria de investigação de paternidade por outros meios processuais, não obstante o decurso do prazo decadencial da rescisória. Julgado específico desta Corte. Ausência de fumus boni iuris na tese de que o prazo decadencial da ação rescisória deveria ser flexibilizado na hipótese em que se busca rescindir sentença de investigação de paternidade. Investigado que, apesar de citado por mandado na ação de investigação de paternidade, deixou a demanda correr à revelia perante o juízo de origem, vindo posteriormente a sustentar, na rescisória, ausência de intimação para exame de DNA. Ocorrência de periculum in mora inverso, devido ao risco de dano grave aos interesses da menor, caso seja deferida tutela para se suspender a obrigação de prestar alimentos. (…) (STJ, AITP 201702665583. 3ª TURMA. Rel Min. PAULO DE TARSO SANSEVERINO. DJe DATA:01/02/2018).
[3] Da Aplicação Jurisprudencial do Instituto do Periculum in moraInverso no CPC/73
Vale registrar, por oportuno, a ampla utilização jurisprudencial do periculum in mora inverso, na vigência do CPC/73,in verbis:
EMENTA: A questão versa acerca de decisão liminar, proferida em sede de ação civil pública, determinando que os recorrentes modificassem o sistema de telefonia pré-pago, visando acabar com a prescrição dos créditos telefônicos. Neste panorama, a utilização do artigo 273 do CPC, sem atinência às consequências impostas aos ora recorrentes, implica na hipótese da incidência de periculum in mora inverso. Para a execução do acórdão infirmado pelo presente apelo nobre, far-se-ia necessária uma alteração no sistema técnico implantado, o que implicaria em efetivo prejuízo para os recorrentes em face mesmo da mudança no planejamento, que segundo os recorrentes importa em investimentos da ordem de R$ 16.000,000,00 (dezesseis milhões de reais) para os próximos dois anos. Assim, estaria caracterizada lesão irreparável para os recorrentes, tendo em vista que, in casu, o acórdão que ampara a tutela antecipada tem natureza provisória pendente de confirmação no juízo ordinário, sem falar dos recursos aplicáveis. Além da análise encimada, observe-se ainda que os valores não auferidos pelas recorrentes dificilmente seriam recompostos em face da natureza do sistema pré-pago. (…) (STJ, RESP 200500489615. 1ª TURMA. Rel. Min. FRANCISCO FALCÃO. 01/06/2006);
.EMENTA: Na hipótese dos autos, em que se informam a idade avançada da ré e a ausência de recursos financeiros para sua subsistência, verifica-se a existência do periculum in mora inverso, ante o caráter alimentar da pensão especial de ex-combatente, concedida pelo julgado que se pretende rescindir com a presente ação. Em verdade, diante de tais fatos, noticiados na petição dos embargos de declaração, imperioso concluir que a manutenção da antecipação da tutela,suspendendo a execução do julgado rescindendo, pode ocasionar danos irreparáveis à parte ré, em razão da demora do processo. Trata-se, pois, de irreversibilidade de fato, que impede a concessão da tutela antecipatória, porquanto insuscetível de ser resolvida em perdas e danos (artigo 273,§ 2º, do Código de Processo Civil). (…) (STJ, EAGRAR 200401141864. 3ª SEÇÃO. Rel. Min. HÉLIO QUAGLIA BARBOSA. 20/03/2006).
[4] Da Relação entre a Constitucionalização do Direito e o Periculum in mora Inverso
A inserção declarada do instituto do periculum in mora inverso dentro do rol de requisitos para a concessão de tutela provisória de urgência tem o condão de atribuir clareza ao confronto de direitos em jogo no processo, bem como importa em espécie de regulação da atividade jurisdicional que colabora para a produção de decisões mais precisas no sopesamento desses direitos, evitando consequências nefastas de decisões tomadas em sede de cognição não exauriente.
Para além disso, a constitucionalização do direito, fenômeno interpretativo segundo o qual a Constituição deve ser aplicada direta ou indiretamente a todos os casos jurídicos, determina que o processo civil deve guardar conformidade com as normas constitucionais e observar seus princípios, inclusive interpretativos. É também essa lógica que revitaliza o instituto do periculum in mora inverso como requisito para a concessão de tutela provisória de urgência no cenário contemporâneo. Recebe a influência da feição material do princípio da proporcionalidade, previsto no art. 5º, LIV, da CRFB/88, pois verificar se há periculum in mora inverso é, em última análise, verificar a proporcionalidade da tutela provisória aplicada em cognição perfunctória em um dado processo. Sobre a Constitucionalização do direito, ensina o ministro do STF LUÍS ROBERTO BARROSO:
Nesse ambiente, a Constituição passa a ser não apenas um sistema em si – com a sua ordem, unidade e harmonia – mas também um modo de olhar e interpretar todos os demais ramos do Direito. Esse fenômeno, identificado por alguns autores como filtragem constitucional, consiste em que toda a ordem jurídica deve ser lida e apreendida sob a lente da Constituição, de modo a realizar os valores nela consagrados. Como antes já assinalado, a constitucionalização do direito infraconstitucional não tem como sua principal marca a inclusão na Lei Maior de normas próprias de outros domínios, mas sobretudo, a reinterpretação de seus institutos sob uma ótica constitucional.
À Luz de tais premissas, toda interpretação jurídica é também interpretação constitucional. Qualquer operação de realização do Direito envolve a aplicação direta ou indireta da Lei Maior (2009, p. 363).
No sentido de relacionar o princípio da proporcionalidade ao periculum in mora inverso, a seguinte decisão do STF de relatoria do Min. LUIZ FUX:
EMENTA: (…) A hermenêutica consequencialista indicia que a eventual declaração de inconstitucionalidade da lei fluminense com efeitos ex tunc faria exsurgir um vácuo jurídico no ordenamento estadual, inviabilizando, ainda que temporariamente, a manutenção de qualquer tipo de contratação temporária, o que carrearia um periculum in mora inverso daquele que leis como essa, preventivas, destinadas às tragédias abruptas da natureza e às epidemias procuram minimizar, violando o princípio da proporcionalidade – razoabilidade. Ex positis, e ressalvada a posição do relator, julgou-se procedente a ação declarando-se a inconstitucionalidade da Lei Estadual do Rio de Janeiro nº 4.599, de 27 de setembro de 2005. (…) (STF, ADI 3649 / RJ. Tribunal Pleno. Rel. Min. LUIZ FUX. 30-10-2014).
[5] Data de Entrada em Vigor do CPC/15
A data de entrada em vigor do CPC/15 foi objeto de decisão do C. Superior Tribunal de Justiça, por meio de seu plenário, em sessão administrativa realizada em 02/03/2016, que deu origem ao enunciado administrativo nº 1 aprovado na mesma data:
Enunciado administrativo n. 1
O Plenário do STJ, em sessão administrativa em que se interpretou o art. 1.045 do novo Código de Processo Civil, decidiu, por unanimidade, que o Código de Processo Civil aprovado pela Lei n. 13.105/2015, entrará em vigor no dia 18 de março de 2016. (STJ. Disponível em http://www.stj.jus.br/sites/STJ/default/pt_BR/Institucional/Enunciados-administrativos. Acesso em 27/08/2018).
No âmbito jurisdicional, v. STJ AgInt no AREsp 1000715 / SP, 4ª Turma. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO. DJe 19/05/2017.
[6] Do Caráter Excepcional da Tutela Provisória é importante registrar que o deferimento da tutela provisória é sempre considerado em termos excepcionais, até porque o mesmo encontra-se umbilicalmente ligado à sinérgica demonstração quanto à efetiva presença de seus requisitos ensejadores, em decisão, obrigatoriamente, fundamentada pelo magistrado(art. 93, IX da CF/88).
[7] Referência Expressa aos Requisitos Fundamentais do Periculum in mora e do Fumus boni iuris no CPC/15.
A referência aos termos clássicos e em latim do fumus boni iuris e do periculum in mora não precisa ser consignada no novo regramento do CPC/15, até porque também não havia registro expresso a eles no CPC/73. Ao contrário do rompimento com tais termos, deve-se ressaltar que os mesmos podem ser úteis para sedimentar e sistematizar o estudo das tutelas de urgência, desde que o exegeta atente-se aos novos contornos de conteúdo normativo, atribuídos pelo novo código.
[8] A Concepção Conceitual e Estrutural do Fumus boni iuris no CPC/15
O Fumus Boni Juris, sob a égide do CPC/15, pode ser conceituado como a probabilidade plausível (e não mera e genérica possibilidade) do direito alegado pela parte em um dado processo
[9] Conceito Técnico-Jurídico de Periculum in mora
O conceito técnico de periculum in mora, atualmente, pode ser traduzido pelo fundado receio da existência de um dano, o qual pode ser ao direito (material) provável alegado pela parte, no caso de tutela provisória de urgência antecipada; ou jurídico (processual), no caso de tutela de urgência cautelar. Em ambos os casos o dano deve ser de difícil ou impossível reparação com comprovada plausibilidade de existência de dano, justificado receio de lesão de direito e nunca fundado em um simplório e genérico juízo de possibilidade (que, pela extrema amplitude, não permite a imposição do princípio da segurança e do mínimo controle dos acontecimentos).
[10] Regramento Negativo Explícito da Tutela de Urgência Antecipada
É importante observar que, no caso da tutela de urgência antecipada, o requisito negativo explícito corresponde ao perigo de irreversibilidade da medida.
[11] Classificação Conceitual do Periculum in mora Inverso
O periculum in mora inverso pode ser classificado tanto como um requisito negativo, porque deve estar ausente para a concessão da tutela de urgência; como implícito, posto que não se encontra expresso no código. Porém, sua existência é inferida não somente pela aplicação de princípios jurídicos, como também pela própria concepção interpretativa (ampliada e finalística) do periculum in mora tradicional.
[12] Ônus Probatório Quanto aos Requisitos da Tutela de Urgência
Deve ser assinalado – evitando qualquer dúvida a respeito – que o ônus da prova quanto à efetiva presença (no caso concreto) dos requisitos autorizadores da providência de urgência (de natureza antecipada ou cautelar; e em forma ou não de liminar) é de exclusiva responsabilidade da parte requerente. Cabe a esta, portanto, a inequívoca e compulsória comprovação de que se encontram sempre presentes, na hipótese trazida à colação, todos os pressupostos que viabilizam o legítimo deferimento da medida pretendida, ou seja, os requisitos positivos (que devem estar sempre presentes): periculum in mora e fumus boni iuris e os requisitos negativos (que, ao reverso, devem sempre estar ausentes): a não ocorrência de irreversibilidade dos efeitos da decisão (art. 300, §3º do CPC/15) – para o caso de tutela antecipada – e a não produção do denominado periculum in mora inverso ou, em outras palavras, a grave lesão à parte contrária ou à ordem pública (incluindo, nesta classificação, a lesão à ordem administrativa etc.).
Não comprovado qualquer dos pressupostos permissivos da medida vindicada, deve o julgador proceder ao imediato indeferimento da mesma, considerando, sobretudo, o caráter excepcional que sempre reveste a concessão da tutela provisória, exteriorizado ou não através da medida liminar. A regra, por efeito conclusivo, deve ser o indeferimento da providência de urgência, notadamente quando houver razoável dúvida quanto à prova (que deve ser relativamente insofismável) de seus requisitos autorizadores.
Esta é exatamente a razão segundo a qual é lícito ao juiz fundamentar sumariamente (“pela ausência de efetiva comprovação dos requisitos autorizadores”) o pronunciamento judicial indeferitório da medida provisória, pois doutra forma ocorreria efetiva inversão do ônus probatório, ou seja, – em lugar de a parte requerente ter de comprovar a presença de todos os requisitos autorizadores da medida provisória –, restaria ao juiz demonstrar, de forma inequívoca, a ausência de pelo menos um dos pressupostos condicionantes do deferimento da providência de urgência requerida.
[13] Dos Efeitos Colaterais quanto ao Deferimento de Tutela Provisória sem a Comprovação de seus Requisitos Autorizadores
Deve ser consignado, por oportuno, que o constante deferimento de medidas de urgência, em sinérgica afronta aos mandamentos legais restritivos do emprego do instituto (requisitos de admissibilidade), tem contribuído, sobremaneira, para o desprestígio do Poder Judiciário, bem como para uma permanente situação de “insegurança jurídica”, mormente quando, – em função do amplo decurso temporal entre a prolação de uma decisão provisória equivocada e a consignação da decisão definitiva correta -, ocorre o fenômeno do chamado “fato consumado”, permitindo que situações de ausência do direito (da parte) se convalidem, em desfavor dos regramentos normativos que devem sempre ostentar uma situação em defesa da primazia em favor dos interesses sociais (coletivos) preponderantes.
[14] A Disciplina da Medida Cautelar no CPC/73
Com efeito, sob a égide do CPC/73, a medida cautelar podia ser concedida no bojo de qualquer ação ou mesmo em ação cautelar autônoma (antes prevista no art. 796 do CPC/73, porém não adotada mais no CPC/15), sem perder suas características particulares de provisoriedade, instrumentabilidade e assessorabilidade. Encontrava-se, ainda, quando requerida em ação cautelar autônoma, irremediavelmente condicionada à observância adicional da especial restrição imposta pelo art. 804 c/c art. 797, ambos do CPC/73, que só permitia o deferimento da antecipação cautelar (em forma de liminar), à guisa de sua própria excepcionalidade, nas comprovadas situações em que a citação do requerido pudesse vir a tornar a medida ineficaz, caso em que poderia o magistrado determinar que o requerente prestasse caução real ou fidejussória, objetivando garantir o ressarcimento dos eventuais danos que o requerido pudesse vir a sofrer com o futuro julgamento pela improcedência do pedido cautelar definitivo (medida cautelar típica ou atípica).
[15] Da Ordem Hierárquica de Apreciação dos Requisitos Autorizadores da Tutela Provisória de Urgência no CPC/15
Embora a doutrina mais abalizada sobre o tema considere o periculum in mora como o requisito principal para o exame quanto à concessão da tutela provisória de urgência, – o que sempre nos levou a tratar deste requisito antes mesmo do requisito do fumus boni iuris em edições anteriores deste artigo (cf. REIS FRIEDE; Aspectos Fundamentais das Medidas Liminares, 5ª ed., Rio de Janeiro, Forense Universitária, 2002) -, optamos por tratar, no presente ensaio, deste pressuposto (autorizador) anteriormente àquele, em razão da ordem em que são referidos no CPC/15.
[16] Capacidade Interpretativa e Legalidade Autorizativa
Assim como a referência à capacidade interpretativa do texto, a ideia de legalidade autoritativa é uma condicionante da atuação judicial segundo uma lógica positivista e pós-positivista. ROBERT ALEXY, que, mesmo se autointitulando um não positivista, ressalta a relevância desse elemento para as teorias abrangentes, de conceito e aplicação, sobre o Direito. Nesse sentido:
Em conceito e validade do Direito, ALEXY tematiza o conceito de direito e sua natureza. Em termos mais simples, o objeto central aqui é responder à pergunta “o que é o direito?”. ALEXY parte de uma análise das teorias positivistas, com foco sobretudo em HANS KELSEN, HERBERT L. A. HART e NORBERT HOERSTER, para com elas concordar que o conceito de direito engloba os elementos da legalidade autoritativa (ou estabelecimento em conformidade com o ordenamento) e da eficácia social. Mas, segundo ALEXY, ao contrário do que defendem os positivistas, o conceito de direito não se limita a isso. ALEXY afirma que nenhum não-positivista que deva ser levado a sério exclui essas duas dimensões, mas apenas inclui uma terceira: a de correção material. (TRIVISONNO, 2015, p. 13).
[17] Fungibilidade
A fungibilidade corresponde à possibilidade de se utilizar um instituto jurídico por outro, de cambiá-los. Apesar do termo fungibilidade ter sido amplamente utilizado pela doutrina e jurisprudência, cabe o pertinente alerta feito por CÂNDIDO DINAMARCO no sentido de que o fenômeno de recebimento de pedido de tutela cautelar antecedente como tutela antecipada (satisfativa) antecedente mais se identifica com a conversibilidade. Isso porque, a palavra fungibilidade remete ao que é fungível, a um gênero de coisas substituíveis entre si de forma indiferente. No caso, a utilização de um ou outro pedido de tutela antecedente não é indiferente, tanto que as consequências são diversas, o que se permite é adequar o pedido ao rito próprio a sua natureza. Conforme salienta DINAMARCO:
É usual em doutrina falar em fungibilidade das medidas urgentes e não em conversibilidade, mas fungibilidade é outro fenômeno, que aqui não tem cabimento. Consiste na indiferença na escolha entre dois ou mais bens, entre duas ou mais condutas ou medidas processuais etc. O que está presente nesses dispositivos não é uma indiferença, em razão da qual na prática esses dois institutos se fundissem em um só – mas a possibilidade de corrigir erros, convertendo-se o pedido de uma providência em pedido de outra. É fenômeno similar ao da conversão do negócio jurídico, que permite, p.ex., reconhecer como contrato de promessa de compra e vendaum contrato autodenominado de contrato de compra e venda mas destituído dos elementos formais exigidos em lei.
Apesar de parte doutrina admitir a fungibilidade – ou conversibilidade – de mão dupla, ou seja, de o juiz receber o pedido de tutela cautelar antecedente como tutela antecipada antecedente e vice-versa (e. g., DINAMARCO, 2017, p. 875/876 e DIDIER JR., 2018, p. 879), entendemos que a fungibilidade aqui é de mão única, ou seja, incide apenas na hipótese prevista no parágrafo único do art. 305 do CPC/15 – recebimento da tutela cautelar antecedente para tutela antecipada antecedente. Em primeiro lugar, porque é o que efetivamente resta previsto em lei – interpretação gramatical. Em segundo lugar, porque o legislador, ao tratar da tutela antecipada antecedente, não previu tal fungibilidade como o fez, ao tratar da cautelar, o que demonstra um silêncio eloquente.
Além disso e coerentemente com a posição aqui adotada,o pedido de tutela antecipada depende de pedido expresso, mesmo que no rito próprio de tutela antecedente. O referido pedido está o juiz circunscrito, pelo princípio da demanda, enquanto a cautelar independe de pedido expresso, assim como as medidas cautelares possíveis estão submetidas à discricionariedade do juiz em razão do seu poder cautelar de tutelar a efetividade do processo. Por fim e para espancar qualquer dúvida, o pedido definitivo que abranja o pedido de tutela antecipada é uma condição objetiva em concreto, como visto, e sua ausência infirma a probabilidade do direito material alegado e impede a sua concessão.
[18] Juízo de Probabilidade de Dano
Conforme lembra ALFREDO ARAÚJO LOPES DA COSTA (1958, p. 43), com mérita propriedade, “o dano deve ser provável, não bastando a simples possibilidade ou a mera eventualidade”. E explica: “possível é tudo, na contingência das cousas criadas, sujeitas à interferência das forças naturais e da vontade dos homens. O possível abrange assim, até mesmo, o que rarissimamente acontece. Dentro dele cabem as mais abstratas e longínquas hipóteses. A probabilidade é o que, de regra, se consegue alcançar na previsão. Já não é um estado de consciência, vago, indeciso, entre afirmar e negar, indiferente. Já caminha na direção da certeza. Já para ela propende, apoiado nas regras da experiência comum ou da experiência técnica”.
[19] Juízo de Possibilidade de Dano
Não obstante o elogiável esforço da doutrina e da jurisprudência, nos últimos anos, no sentido de precisar a margem de discricionariedade dos julgados para a avaliação da presença ou não do requisito do periculum in mora, – através especialmente do estabelecimento dos conceitos dos diferentes juízos de probabilidade e de possibilidade e, sobretudo, da questão da plausibilidade do fundamento invocado -, uma parte extremamente minoritária (e praticamente isolada), tanto na doutrina como na jurisprudência, tem insistido, desde o advento do código anterior, na utilização da expressão genérica “possibilidade” para registrar a presença ou não de dano a que alude o periculum in mora.
No âmbito da cautelar cabe, apenas, ao julgador perquirir da possibilidade do dano grave consequente à ineficácia do processo principal periculum in mora e dos indícios de um possível direito fumus boni iuris a ser acautelados. Tais são as condições ou requisitos específicos da tutela cautelar (TJRJ, agr. 9.476, ac. unân. da 8a Câm., rel. des. EUGÊNIO SIGAUD, 22.10.85)
Não obstante tais entendimentos de outrora, – e ainda em parte, persistentes no presente -, prevalece majoritariamente o entendimento de que o perigo de dano deve ser provável no CPC/15, ante a necessária ponderação com o requisito da probabilidade do direito.
[20]Dano Provável: ao Direito e ao Processo
Deve ser assinalado, por oportuno, que o motivo determinante (objetivo finalístico) do deferimento da tutela de urgência provisória é, sobretudo, o acautelamento quanto à probabilidade-plausível (ou simplesmente plausibilidade) de dano ao direito material alegado (fundamento preponderante do periculum in mora presente na tutela antecipada ou satisfativa) ou, de o provimento final (meritório) tornar-se ineficaz, por ausência de uma garantia cautelar quanto à plena inteireza da sentença, afastando, desta feita, o denominado dano processual de impossível reparação (irreparável) ou, no mínimo, de difícil reparação (quando se avalia o periculum in mora sob o prima da tutela cautelar).
Por efeito consequente, em se tratando de periculum in mora como requisito da cautelar – de forma diversa do que pode parecer à primeira vista -, o dano a que alude a legislação vertente, caracterizador do principal requisito de concessão da ordem liminar, necessariamente, concerne ao chamado dano processual, ou seja, dano à efetividade do provimento jurisdicional meritório que, a seu tempo, venha a reconhecer o direito (material) autoral. Não se trata, pois, de dano à coisa ou às pessoas e nem mesmo de dano necessariamente irreparável, bastando que o mesmo se qualifique como de difícil reparação, posto que o dano processual de fácil reparação permitiria a plena e adequada correção no momento imediatamente subsequente à prolação do pronunciamento judicial sentencial.
Por esta sorte de considerações, a existência de posições antagônicas na doutrina e na jurisprudência, relativa ao tema, e a própria crítica de HUGO DE BRITO MACHADO (A Medida Liminar e o Solve et Repete, Correio Brasiliense, 14.5.2001), no que concerne a diversas decisões, como a proferida pelo TRF da 5ª R. (AI 25.660-PE, julg. 19.9.2000, Boletim de Jurisp. nº 132/2001, p. 59), que concluiu que “a cobrança de tributos não configura dano irreparável, pois é franqueada ao contribuinte a via da ação de repetição de indébito, o que torna perfeitamente possível o retorno ao status quo ante”, considerando que, para o autor epigrafado, a exigência da lei in casu cinge-se apenas ao dano processual de difícil reparação e, igualmente, não à ampla possibilidade – e sim à plena e restrita plausibilidade – de completo retorno ao status quo ante, o que, em muitas situações, resta improvável (em sua plenitude) pela via do ajuizamento (posterior) da ação de repetição de indébito ou de qualquer outro processo cognitivo.
Portanto, como bem já decidiram tanto o STF (ADln nº 567-DF, reI. min. ILMAR GALVÃO, julg. em 12.9.91, DJ de 4.10.91, p. 13.779; RTJ Gen 138/60) como o próprio TRF da 5ª R. (MS 48.557-PE, julg. em 7.4.95), o dano processual, caracterizador do pressuposto cautelar, é todo aquele cuja reparação não pode ser determinada plenamente (em sua efetiva inteireza) pela própria sentença proferida na ação principal (mandamental ou de outra natureza, conforme o caso), traduzindo a sua necessária e sinérgica efetividade jurisdicional, e não, – restritivamente-, apenas aqueles qualificados pela absoluta irreparabilidade.
[21] Escolha na Imposição do Gravame à parte pelo Julgador
Atualmente, os arts. 297 §único e 301 do CPC/15 autorizam ao julgador, respectivamente, a adoção de medidas necessárias a efetivação de tutela deferida ou de garantia do direito, o que em certa medida, segundo opinião abalizada de expressiva parcela da doutrina, põe em xeque a efetividade da decisão judicial e o próprio princípio da imparcialidade do julgador
[22] Momentos e Fases Processuais de Aplicação de Medidas Provisórias de Urgência
Ressalte-se que a medida provisória de urgência pode ser aplicada em diversos momentos e em diferentes fases processuais: antes do contraditório (i. e., liminarmente); antes da sentença (mas após o contraditório); ou mesmo na fase da prolação da sentença. Todavia, tratando-se de regra de exceção (uma vez que o contraditório, mesmo em sua configuração meramente formal, é uma determinação constitucional), apenas em situações excepcionais as medidas de urgência devem ser deferidas de forma antecedente, em forma de medida liminar. Sobre o tema cabe transcrever a preciosa lição de FREDIE DIDIER JR.:
A tutela provisória de urgência poderá ser concedida liminarmente quando o perigo da demora estiver configurado antes ou durante o ajuizamento da demanda. Caso não haja risco de ocorrência do dano antes da citação do réu, não há que se concedê-la em caráter liminar, pois não haverá justificativa razoável para a postergação do exercício do contraditório por parte do demandado. Seria uma restrição ilegítima e desproporcional ao seu direito de manifestação e defesa. Somente o perigo, a princípio, justifica a restrição ao contraditório (2018, P. 668)
[23]Ordem Pública
Interpretando construtivamente e com largueza a ordem pública, o então presidente do Tribunal Federal de Recursos e posteriormente ministro do Superior Tribunal de Justiça, JOSÉ NERI DA SILVEIRA, explicitou que “nesse conceito se compreende a ordem administrativa em geral, ou seja, a normal execução do serviço público, o regular andamento das obras públicas, o devido exercício das funções da administração pelas autoridades constituídas ” (TFR, Suspensão de Segurança nº 4.405 – SP, DJU de 7.12.79, p. 9.221).
[24] A Antiga Discussão sobre Verossimilhança da Alegação e Fumus boni iuris
Para fins históricos, cabe ressaltar que, sob a égide do CPC/73, muitas vezes foram confundidos os diferentes conceitos da verossimilhança da alegação (típico requisito autorizador para a concessão de tutela antecipatória) com o tradicional requisito do fumus boni iuris (relativo ao pressuposto para o deferimento de tutela cautelar). Se é certo que ambos os institutos processuais guardavam suas indiscutíveis semelhanças, era igualmente correto afirmar que não eram requisitos idênticos, não obstante algumas vozes discordantes neste particular: “verossimilhança nada mais é do que o velho e conhecido requisito do fumus boni iuris” ADRIANO PERÁCIO DE PAULA (Direito Processual do Consumo; Do Processo Civil nas Relações de Consumo, Belo Horizonte, Ed. DelRey, 2002).
Na verdade, – através de uma arriscada simplificação –, seria razoável concluir que a verossimilhança da alegação (na qualidade de inconteste juízo de convencimento a ser procedido sobre o quadro fático apresentado pela parte) nada mais era do que um fumus boni iuris ampliado, que melhor se traduziria pela “semelhança ou aparência de verdade” do que propriamente pelo restrito conceito de “fumaça do bom direito”.
Essencialmente, tratava-se de conceito menos abrangente do que o juízo amplo de possibilidade (c.f., a propósito, para maiores detalhes, nossa obra: Aspectos Fundamentais das Medidas Liminares em Mandado de Segurança, Ação Cautelar, Tutela Antecipada e Tutela Específica, 5ª ed., Rio de Janeiro, Forense Universitária, 2002), porém, em qualquer hipótese, mais elástico do que o juízo próprio de probabilidade plausível, inerente ao requisito cautelar do fumus boni iuris.
Como já salientado, o CPC/15 unificou o tratamento do fumus boni iuris para as diversas espécies de tutela de urgência, antecipada e cautelar, sob a expressão “probabilidade do direito”. Diante disso, não cabe mais aos profissionais do direito utilizarem-se de concepções pressupostuais como a “verossimilhança das alegações” ou a “probabilidade de procedência da ação”, sob pena de agirem com atecnia.
[25] Do Caráter Satisfativo da Tutela Antecipada e o Requisito Negativo Especial da “Irreversibilidade”
Como de longa data ensina DINAMARCO (A Reforma do Código de Processo Civil, São Paulo, Malheiros, 1995, p. 176-177), “as medidas inerentes à tutela antecipada, como já tivemos a oportunidade de consignar, têm nítido e deliberado caráter satisfativo, sendo impertinentes quanto a elas as restrições que se fazem à satisfatividade em matéria cautelar. Elas incidem sobre o próprio direito e não consistem em meios colaterais de ampará-los, como se dá com as cautelares”. Nem por isso o exercício dos direitos antes do seu seguro reconhecimento em sentença deve ser liberado a ponto de criar situações danosas ao adversário, cuja razão na causa ainda não ficou descartada. É difícil conciliar o caráter satisfativo da antecipação e a norma que a condiciona à reversibilidade dos efeitos do ato concessivo (art. 300, §3º do CPC/15, antigo art. art. 273, § 2º do CPC/73).
Fala a lei em “irreversibilidade do provimento antecipado”, mas não é da irreversibilidade do provimento que se cogita. A superveniência da sentença final, ou eventual reconsideração pelo juiz, ou o julgamento de algum agravo, podem reverter o provimento, mas nem sempre eliminarão do mundo dos fatos e das relações entre as pessoas os efeitos já produzidos.
Some-se ainda a necessidade de preservar os efeitos da sentença que virá a final, a qual ficará prejudicada quando não for possível restabelecer a situação primitiva.
Uma cautela contra a irreversibilidade reside na aplicação de regras inerentes à execução provisória das sentenças. O § 3º do art. 273 do CPC/73 manda aplicá-las para impedir a alienação de bens do réu e para condicionar à prévia caução idônea o levantamento de dinheiro. Dita a reversão à situação anterior em caso de desfazimento do título executivo, aplicando-se também essa regra à execução antecipada. Mas, ao remeter-se somente aos incisos II e III do art. 588 do CPC/73, aquele § 3º exclui a exigência de caução para dar início à execução provisória. De todo o disposto no § 3º resulta, pois, que a execução provisória das decisões antecipatórias com caráter condenatório far-se-á sem prévia caução, mas não chegará à expropriação de bens penhorados e, propiciando embora o levantamento de dinheiro, condiciona-o a caução. (Nesses casos, estando assim satisfatoriamente garantida a reversibilidade, inexiste males a temer. A lei deixou de fora qualquer disposição sobre a responsabilidade civil do exeqüente, mas resulta das normas gerais de direito privado que, se prejuízos houver, por eles responderá quem se valeu da tutela antecipada e depois se positivou que não tinha direito).
Cautelas análogas o juiz adotará em relação a qualquer outro direito cujo gozo autorizar por antecipação. Determinando-se a entrega de bem móvel, exigirá caução idônea que assegure a devolução. Se for entregue bem imóvel o risco é menor. O cumprimento das obrigações de não fazer poderá ser exigido desde logo quando a atividade vetada é contínua e assim for puramente pecuniário o possível prejuízo (exige-se caução, se for o caso).
Sendo necessário conciliar o caráter satisfativo da tutela antecipada com o veto a possíveis efeitos irreversíveis da decisão que as concede, cabe ao juiz em cada caso impor as medidas assecuratórias que sejam capazes de resguardar adequadamente a esfera de direitos do réu (cauções, etc.) (CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO; A Reforma do Código de Processo Civil, São Paulo, Malheiros, 1995, ps. 176-177)
[26] Impedimento Relativo
Resta consignar, em oportuna adição elucidativa, que o impedimento relativo quanto à não produção do denominado periculum in mora inverso representa um indispensável contraponto ao requisito do periculum in mora originário e, portanto, encontra-se necessariamente adstrito aos efeitos colaterais que o mesmo possa vir a produzir.
[27] Impedimento Absoluto
Vale advertir que o denominado impedimento absoluto, relativo à tutela antecipatória, cinge-se a um impedimento autônomo (e específico) que alude, por seu turno, à necessária reversibilidade da antecipação dos efeitos jurídicos de natureza meritória (direito material), em situação concepcional completamente distinta em relação ao impedimento de natureza relativa (e genérica) da não produção do denominado periculum in mora inverso.
[28] Caução e Contracautela no Direito Comparado
É oportuno registrar o fato de que o condicionamento compulsório, para a concessão da medida liminar à caução prévia, já existia, dentre outros, tanto no direito alemão (§§ 921 e 936 do ZPO) como no direito argentino (art. 199 do CPC federal).
No nosso ordenamento processual, o atual CPC/15 adotou a facultatividade ou discricionariedade jurisdicional, sem prejuízo da necessária fundamentação (art. 93, IX, da CF/88), para a exigência de contracautelas (caução real ou fidejussória etc.) às tutelas provisórias de urgência (art. 300 §1º do CPC/15). A despeito disso e para fins históricos, deve-se ressaltar que a obrigatoriedade de tais contracautelas, especificamente para a concessão de medida cautelar liminar, já constara de nosso ordenamento e remonta ao art. 804 do CPC/73, antes da alteração promovida pela Lei nº 13.015 de 2015.
[29] Caução na Qualidade de Contracautela no Código de Processo Civil de 1939
É importante frisar que embora o Código de 1939 não cogitasse da caução como contracautela, a jurisprudência, durante sua vigência, passou a exigi-la, principalmente como condição de deferimento liminar da medida inominada de sustação do protesto cambial. Como se lê em acórdão da 5ª Câmara do 1º Tribunal de Alçada Cível de São Paulo, datado de 16.5.73, “o abuso dos pedidos de sustação, como meio de ganhar tempo para cobrir fundos bancários, insuficientes, prolongando a mora sem sanção, fez com que os magistrados passassem a exigir o depósito prévio da quantia objetivada, como meio de cortar os excessos” (RT, 456/122).
[30] Conceito de Caução
Conforme salienta GALENO LACERDA (Comentários ao Código de Processo Civil, Rio de Janeiro, Forense, 1998, ps. 345-346), “a caução constitui meio genérico de garantia. Tanto o Código de Processo Civil de 1973, quanto o atual de 2015, usam a expressão ‘caução real ou fidejussória’, já empregada pelo Código Civil de 1916 no art. 419 e reproduzida no parágrafo único do art. 1.745 do Código Civil de 2002, que menciona genericamente o termo ‘caução’ e o art. 1.400 do Código Civil de 2002, para abranger as duas espécies destacadas pela doutrina. Como exemplos de caução real, citam-se a hipoteca, o penhor, a anticrese e o depósito de títulos de crédito, equiparável a penhor pelos arts. 1.451 e seguintes do Código Civil de 2002, bem como o de outros títulos e valores mercantis”.
Consideram-se também cauções reais os depósitos judiciais em garantia, feitos em dinheiro ou em outros bens móveis ou imóveis, embora não formalizados em penhor ou hipoteca. As cauções fidejussórias possuem natureza pessoal. Seu exemplo típico é a fiança, mas nelas incluem-se igualmente outros negócios jurídicos de garantia, como a cessão ou promessa de cessão condicional de créditos ou direitos de outra natureza.
Qualquer destas modalidades serve à contracautela, apesar de serem mais comuns e usuais a fiança e o depósito em dinheiro. A jurisprudência de longa data admite, também, o depósito de mercadorias e o penhor (RT, 500/112 e 114).
Na caução do art. 300, § 1º, do Código de Processo Civil de 2015 deparamo-nos com a interessante figura de cautela enxertada em cautela, por exigência discricionária do juiz, sem audiência do requerido, de cujo interesse cuida-se. O tratamento desta contracautela, aplicável em sede de tutela provisória, é diverso daquele atinente às contracautelas aplicadas em sede de execução provisória ou definitiva da sentença.
Com efeito o art. 297 do CPC/15 determina que a efetivação da tutela provisória observará as normas relativas ao cumprimento provisório de sentença, no que couber, assim como acrescenta o art. 519 do CPC/15 que as normas atinentes ao cumprimento definitivo de sentença, também se aplicam à tutela provisória. Porém, o art. 300, §1º, do CPC/15 é especial em relação às normas referentes às contracautelas constantes do procedimento de cumprimento provisório ou definitivo da sentença, pelo que referido artigo rege o instituto nas tutelas provisórias.
As diferenças marcantes entre as disposições que tratam das contracautelas em sede de tutelas de urgência e aquelas pertinentes ao cumprimento provisório da sentença são duas e possuem naturezas juridicamente distintas.
A primeira diz respeito ao fato de que a contracautela à tutela provisória de urgência depende apenas da discricionariedade do juiz, evidentemente por decisão fundamentada. Já no âmbito do cumprimento provisório de sentença, a contracautela consistente em caução suficiente e idônea é, em regra, obrigatória. Além disso, esta contracautela resta prevista apenas para os casos de levantamento de depósito em dinheiro, prática de atos de transferência de posse ou alienação de direito real, quando possa gerar grave dano ao executado, no bojo do cumprimento de obrigação de pagar quantia certa (art. 520 IV do CPC/15). Não há previsão de cumprimento provisório de sentença que fixa outro tipo de obrigação.
A segunda alude, por seu turno, ao fato de que eventual caução como contracautela à tutela provisória de urgência pode ser dispensada quando o beneficiário da tutela for economicamente hipossuficiente, conforme art. 300, §1º, última parte, do CPC/15.
De outro lado, a caução como contracautela para a execução provisória de sentença que imponha obrigação de pagar quantia certa pode ser dispensada em um número maior de casos: quando o crédito for de natureza alimentar, independentemente de sua origem; quando o credor demonstrar situação de necessidade; quando pender agravo contra decisão de presidente ou vice-presidente de tribunal, que inadmite seguimento de recurso especial ou extraordinário; e quando a sentença em cumprimento provisório estiver em consonância com súmula da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça, ou mesmo em conformidade com acórdão firmado em recurso repetitivo (art. 521, incisos e parágrafo único, do CPC/15).
Por fim, insta ressaltar que a caução como contracautela prevista no livro de tutelas de urgência tem natureza diversa daquela prestada em sede de cumprimento definitivo de sentença que imponha obrigação de pagar quantia certa e daquela prevista no art. 83 do CPC. Isso porque, nestes dois últimos casos, a caução possui, na verdade, a natureza de cautela, e não de contracautela. Na primeira hipótese, – cumprimento definitivo -, a caução corresponde a uma verdadeira cautela que tem vez quando concedido efeito suspensivo à impugnação (o que transforma o cumprimento definitivo em o cumprimento provisório), mas, mesmo assim, o exequente requer o prosseguimento de atos de excussão, o que somente ocorrerá, de forma efetiva, se o exequente prestar caução suficiente e idônea nos autos, a ser arbitrada pelo juiz. No segundo caso, trata-se de cautela que visa a garantir o pagamento de eventual despesa pelo autor estrangeiro ou nacional que resida ou venha a residir no exterior, referente a custas e honorários advocatícios. Isso, quando referido autor não possuir bens imóveis no Brasil que assegurem o respectivo pagamento.
[31] Regramento Liminar na Lei 191/36, no CPC/39, no CPC/73 e no CPC/15
É importante ressaltar que na vigência da Lei n° 191, de 1936, a tutela provisória era concedida tão somente mediante iniciativa do impetrante (arts. 8º, 9º), considerando-se decisão ultra petita aquela que ordenasse a suspensão do ato, sem solicitação da parte. O Código de Processo Civil de 1939 também seguiu essa orientação ao preceituar que “o juiz não pode pronunciar-se sobre o que não constitua objeto do pedido”.
Por outro lado, o CPC/73 não pressupunha o pedido (expresso) como pressuposto para a concessão de medida de natureza cautelar (inclusive para medidas antecedentes de feição liminar), assim como a legislação que tratou – e as que vieram a tratar – das ações especiais, como o mandado de segurança (Lei nº 1.533/51 e Lei nº 12.016/09), a ação civil pública, etc.
Porém, com a adoção inédita e inovadora (à época) do instituto da tutela antecipada pelo CPC/73, na disciplina do art. 273, em razão da alteração promovida pela Lei nº 8.952/94, esta espécie particular de tutela de urgência (de natureza não cautelar) restou expressamente atrelada ao pedido da parte como pressuposto para apreciação e concessão pelo juízo (não obstante algumas vozes isoladas que defendiam a sua concessão, ao arrepio do texto legal, de forma ex officio), até porque se tratava a hipótese de antecipação de efeitos meritórios de índole material.
No novo CPC/15, no entanto, formaram-se três diferentes correntes, influenciadas, particularmente, pela própria mitigação quanto às anteriores (e nítidas) diferenças entre as tutelas cautelares (relativas à prática da natureza de sentença e, portanto, do processo) e as tutelas antecipatórias (alusivas à antecipação dos efeitos meritórios da decisão sentencial final).
[32] Tutela Acautelatória Procedida “de oficio” pelo Julgador
Cabe ressaltar que, não obstante o reconhecido mérito das demais opiniões acadêmicas (diversas) a respeito do tema, historicamente sempre adotamos o posicionamento doutrinário no sentido de que, em qualquer processo judicial – e não somente na ação de mandado de segurança – o órgão jurisdicional sempre poderá e deverá tutelar de ofício o resultado útil do processo, a sua plena e objetiva efetividade.
[33]Pedido de Tutela Cautelar Implícito na Ação Mandamental
Ressalte-se que a tutela cautelar no mandado de segurança não é objeto do pedido, mas isso não afasta a possibilidade de a parte formular expressamente tal pedido ou mesmo que pleiteie tutela de urgência que corresponda ao objeto ou a parte do objeto da demanda. Neste caso, a tutela pleiteada terá, – não obstante diversas opiniões contrárias, e particularmente, a nossa própria posição anterior à nova lei do mandado de segurança e o advento do CPC/15 -, efetiva natureza (prática) de tutela antecipada e, mesmo que em sede de mandado de segurança, haverá também a hipótese de incidência supletiva do CPC/15, por força do já citado art. 1.046 §2º do CPC/15.
[34]Concessão ex officio da Tutela Cautelar em Forma ou não de Medida Liminar pelo Juiz
Vale reafirmar que esta posição doutrinária, flagrantemente majoritária, segundo a qual a tutela cautelar, em forma de medida liminar (ou não), pode ser concedida ex officio pelo magistrado, independentemente de provocação das partes, já foi por nós exaustivamente debatida em diversas oportunidades (cf. REIS FRIEDE; Aspectos Fundamentais das Medidas Liminares, 5ª ed., Rio de Janeiro, Forense Universitária, 2002), como bem assim intensamente abordada tanto pela doutrina como pela jurisprudência.
[35] Método Teleológico de Interpretação Hermenêutica
Oportuno registrar que o método de interpretação teleológico, corresponde a um dos métodos clássicos de interpretação desenvolvidos por SAVIGNY, ao qual se somam os métodos gramatical, lógico-sistemático, histórico e comparativo. Veja a respeito algumas de nossas obras referentes ao tema (cf. REIS FRIEDE; Teoria do Direito, Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2018; REIS FRIEDE; Ciência do Direito, Norma, Interpretação e Hermenêutica Jurídica, 9ª ed., Rio de Janeiro, Manole, 2015).
[36]Ação Judicial contra Ato Administrativo
Resta importante reafirmar que a decisão que cabe à Administração Pública é formalizada em um ato administrativo que pode ser regrado ou discricionário; ou ainda, conforme a mais moderna doutrina administrativa, suscetível a graus diversos de discricionariedade. Ainda quando se trate de discricionariedade, esta pode ser utilizada corretamente, dentro do mérito administrativo, ou pode extravasar os limites da legalidade e da proporcionalidade, hipótese (única) em que caberá o correspondente controle judicial.
[37]Jurisprudência sobre as Limitações Editalícias em Concursos Públicos
Um exemplo relevante da questão é o caso do candidato que é reprovado em exame médico por possuir tatuagem. O Supremo Tribunal Federal firmou entendimento no sentido de que a simples existência de tatuagem não pode importar em impedimento à participação no certame, salvo quando a mesma exteriorizar valores excessivamente ofensivos à dignidade dos seres humanos ou ao desempenho da função pública pretendida, incitação à violência iminente, ameaças reais ou represente obscenidades. Transcreve-se:
“(…) As restrições estatais para o exercício de funções públicas originadas do uso de tatuagens devem ser excepcionais, na medida em que implicam uma interferência incisiva do Poder Público em direitos fundamentais diretamente relacionados ao modo como o ser humano desenvolve a sua personalidade. A cláusula editalícia que cria condição ou requisito capaz de restringir o acesso a cargo, emprego ou função pública por candidatos possuidores de tatuagens, pinturas ou marcas, quaisquer que sejam suas extensões e localizações, visíveis ou não, desde que não representem símbolos ou inscrições alusivas a ideologias que exteriorizem valores excessivamente ofensivos à dignidade dos seres humanos, ao desempenho da função pública pretendida, incitação à violência iminente, ameaças reais ou representem obscenidades, é inconstitucional. A tatuagem considerada obscena deve submeter-se ao Miller-Test, que, por seu turno, reclama três requisitos que repugnam essa forma de pigmentação, a saber: (i) o homem médio, seguindo padrões contemporâneos da comunidade, considere que a obra, tida como um todo, atrai o interesse lascivo; (ii) quando a obra retrata ou descreve, de modo ofensivo, conduta sexual, nos termos do que definido na legislação estadual aplicável, (iii) quando a obra, como um todo, não possua um sério valor literário, artístico, político ou científico. A tatuagem que incite a prática de uma violência iminente pode impedir o desempenho de uma função pública quando ostentar a aptidão de provocar uma reação violenta imediata naquele que a visualiza, nos termos do que predica a doutrina norte-americana das “fighting words”, como, v.g., “morte aos delinquentes”. As teses objetivas fixadas em sede de repercussão geral são: (i) os requisitos do edital para o ingresso em cargo, emprego ou função pública devem ter por fundamento lei em sentido formal e material, (ii) editais de concurso público não podem estabelecer restrição a pessoas com tatuagem, salvo situações excepcionais em razão de conteúdo que viole valores constitucionais. In casu, o acórdão recorrido extraordinariamente assentou que “a tatuagem do ora apelado não atende aos requisitos do edital. Muito embora não cubra todo o membro inferior direito, está longe de ser de pequenas dimensões. Ocupa quase a totalidade lateral da panturrilha e, além disso, ficará visível quando utilizados os uniformes referidos no item 5.4.8.3. É o quanto basta para se verificar que não ocorreu violação a direito líquido e certo, denegando-se a segurança”. Verifica-se dos autos que a reprovação do candidato se deu, apenas, por motivos estéticos da tatuagem que o recorrente ostenta. Consectariamente o acórdão recorrido colide com as duas teses firmadas nesta repercussão geral: (i) a manutenção de inconstitucional restrição elencada em edital de concurso público sem lei que a estabeleça; (ii) a confirmação de cláusula de edital que restringe a participação, em concurso público, do candidato, exclusivamente por ostentar tatuagem visível, sem qualquer simbologia que justificasse, nos termos assentados pela tese objetiva de repercussão geral, a restrição de participação no concurso público.Os parâmetros adotados pelo edital impugnado, mercê de não possuírem fundamento de validade em lei, revelam-se preconceituosos, discriminatórios e são desprovidos de razoabilidade, o que afronta um dos objetivos fundamentais do País consagrado na Constituição da República, qual seja, o de “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” (art. 3º, IV). 20. Recurso Extraordinário a que se dá provimento (STF. RE 898450 / SP – SÃO PAULO. Pleno. Rel. Min. Luiz Fux. PUBLIC 31-05-2017).
[38]Vedação à Concessão de Tutela Antecipada (Satisfativa) em Ação de Mandado de Segurança
Também é profícuo o registro no sentido de que o art. 1º, §3º, da Lei nº 8.437/1992 não se aplica ao mandado de segurança. Este parágrafo em tese impede a concessão de liminar que esgote, no todo ou em qualquer parte, o objeto da ação. Porém, seja pela prevalência do direito de acesso à Justiça, seja pelo status constitucional do mandado de segurança, não se pode vedar a concessão de tutela antecipada em mandado de segurança que seja congruente com o pedido definitivo. Além disso, a tutela antecipada pode ser revogada antes da decisão definitiva, bem como o seu deferimento não é capaz de esvaziar a utilidade da decisão definitiva. Em sentido semelhante, cabe transcrever as seguintes decisões:
ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. LIMINAR. – O art. 1º, § 3º, da Lei n.º 8.437/92, não se aplica às liminares em mandado de segurança ante o caráter satisfativo do writ. – Legitimidade e interesse de agir da instituição presentes ante a Teoria do Fato Consumado quanto aos alunos que estão prestes a concluir o curso submetido ao ato dito “abusivo” da autoridade. – A avaliação do MEC e seus consectários encartam-se no poder da Administração Pública cuja conveniência e oportunidade são insindicáveis pelo Poder Judiciário, salvo a ocorrência de ilegalidade ou abuso de poder. – Agravo Regimental parcialmente provido, tão-somente, para permitir o término do curso pelos alunos que estão na iminência de concluí-lo. (STJ. AgRg no MS 8130 / DF. Primeira Seção. Rel. Ministro LUIZ FUX. DJ 03/06/2002);
Decisão: vistos, etc. (…)
Ademais, quanto ao § 3º do art. 1º da Lei nº 8.437/92, o reclamado simplesmente entendeu não configurada sua hipótese de incidência, ou seja, decidiu que a antecipação de tutela deferida não esgotava o objeto da ação. Confira-se: “Ademais, a tutela antecipada não esgota o objeto da ação, visto que o desfazimento da liminar permanece possível, assim como remanesce também a utilidade da resolução meritória da lide, vez que da decisão final poderá resultar a ineficácia do provimento primeiro, dada a sua natureza continuada. (…).” 6. Ante o exposto, indefiro a liminar, o que faço sem prejuízo de u’a mais detida análise quando do julgamento do mérito. 7. Solicitem-se informações ao reclamado. Após, encaminhe-se o processo ao Procurador-Geral da República. (STF. Rcl 12367 MC / BA – BAHIA. Decisão Monocrática. Min. AYRES BRITTO. DJ 24/08/2011).
[39]Medida Cautelar de Indisponibilidade de Bens
Ressalta-se que o art. 7º da Lei nº 8.429/92 traz requisitos específicos para uma espécie de medida cautelar específica, qual seja, a indisponibilidade de bens.
[40] Ampla Possibilidade de Concessão de Tutela Antecipada na Ação de Mandado de Segurança
Por efeito, no atual estágio (legislativo e hermenêutico) que atingiu o direito processual pátrio, não é mais possível a expansão de tamanha complexidade, sendo, portanto, perfeitamente aceitável (e, neste sentido, ampla/mente majoritária) a posição segundo a qual é perfeitamente admissível a tutela antecipada no writ constitucional.
Um exemplo claro é o mandado de segurança impetrado por sujeito passivo da relação jurídica tributária quanto ao tributo de PIS e COFINS, na qual o impetrante requer a exclusão do ICMS da base de cálculo dos referidos tributos. Nos casos em que não há depósito do montante, a parte pode requerer a suspensão da cobrança de crédito tributário que compute o referido tributo estadual na base de cálculo do PIS e da COFINS. Embora a decisão final possa determinar a exclusão do crédito antes de que haja cobrança ou restituição/ compensação de eventual cobrança indevida, o que demonstra que a decisão final pode ser eficaz, a tutela provisória é o meio de se garantir a tutela precípua do direito alegado pela parte autora, de não ser cobrado indevidamente por crédito tributário, verdadeira tutela provisória satisfativa reversível.
Excelente artigo Doutor Renan, muito me esclareceu e me ajudou numa causa que estou começando a defender em que tenho que evitar que seja concedida a tutela provisória de urgência, que, se concedida iria se tornar numa injustiça.
Muito agradecida,
María Mercedes C. Toledo
OAB/RS 24894
Prezada María,
agradecemos as nobres palavras da colega.
Para nós é uma imensa satisfação saber que ajudamos!
Abraços.
Rénan Kfuri Lopes.