RKL Escritório de Advocacia

DO CERCEAMENTO DO DIREITO DE DEFESA PELO INDEFERIMENTO DO PEDIDO DE DEPOIMENTO PESSOAL

DO CERCEAMENTO DO DIREITO DE DEFESA PELO INDEFERIMENTO DO PEDIDO DE DEPOIMENTO PESSOAL

 

Leandro Weder da Silva Marra, Advogado

Leandro Weder da Silva Marra

 

Introdução

O presente artigo busca delimitar a importância do depoimento pessoal para o deslinde das controvérsias levadas ao Judiciário; igualmente, indicar as consequências oriundas do indeferimento do pedido de produção dessa prova quando o objeto da atividade probatória é fato controverso, relevante e do conhecimento das partes.

Com esteio em uma visão moderna e democrática do Direito Processual, parte-se de uma análise crítica sobre os reais destinatários da atividade probatória, bem como sobre a verdadeira estatura do direito à produção da prova, a fim de se oferecer subsídios ao estudo do tema sob enfoque.

Do (s) destinatário (s) da prova

No Direito, infelizmente, alguns mantras são repetidos como verdades absolutas. No âmbito processual, um deles é: “o juiz é o destinatário da prova”. E com certa frequência, essa oração é utilizada para tentar fundamentar decisões eivadas pelo vício do cerceamento de defesa.

No entanto, a atividade probatória deve ser destinada ao processo, a fim de se garantir, a todos os sujeitos processuais, subsídios indispensáveis ao debate jurídico necessário à solução da controvérsia.

Ou seja, o juiz é apenas um dos destinatários da prova. Há outros. Aliás, é nesse sentido o entendimento encontrado no Enunciado n. 50 do Fórum Permanente de Processualistas Civis: “Os destinatários da prova são aqueles que dela poderão fazer uso, sejam juízes, partes ou demais interessados, não sendo a única função influir eficazmente na convicção do juiz”.

Desse modo, a adequada colheita de provas é do interesse das partes, do juiz de primeiro grau, dos desembargadores e demais interessados. E importa admitir: também dos ministros responsáveis pelo julgamento de recursos excepcionais; isso pois, no âmbito do recurso especial e do extraordinário, aos poucos se consolida a tese sobre a possibilidade de revaloração das provas (não confundir com reexame).

Logo, em uma Processualística moderna – contrária a decisões solipsistas –, a máxime “o juiz é o destinatário da prova” deve ser rechaçada com veemência, pois, nessa oração, encontra-se consubstanciada uma ideia obsoleta de Direito Probatório.

 

Do direito fundamental à produção da prova

Uma vez com o correto entendimento sobre os verdadeiros destinatários da atividade probatória, também importa perceber que a produção da prova é um direito fundamental da parte litigante, pois essa garantia se encontra consubstanciada aos princípios constitucionais da inafastabilidade da jurisdição (art. 5º, XXXV, da CF/88), da ampla defesa e do contraditório (LV) e do devido processo legal (LIV).

É dizer: juntos, tais axiomas (art. 5º, XXXV, LIV, LV, da CF/88) e o direito à produção da prova compõem uma única e indivisível substância, cuja garantia de incolumidade tem estatura constitucional.

Justamente no mesmo sentido dessa ordem de ideias, a boa doutrina de Direito Processual Civil adverte (THEODORO JÚNIOR, 2015):

[…] por se tratar de garantia fundamental, não pode agir o juiz de maneira excessivamente rígida no indeferimento de pedido de prova. Ainda que seja o caso de dúvida acerca do cabimento ou da eficiência de certo meio probatório, o caso será de deferimento, visto que as garantias constitucionais devem sempre ser interpretadas e aplicadas no sentido da máxima eficiência.

E não poderia ser diferente, pois, caso não fosse assim, os direitos à ação e à defesa careceriam de conteúdo substancial, ou seja, seriam apenas meros enunciados normativos sem a menor eficácia.

Por isso, o cerceamento de defesa é uma das mais cruéis nulidades processuais, pois tira do litigante a oportunidade de produção da prova e, desse modo, esvazia de conteúdo substancial o próprio direito à ação ou à contestação.

Assim, em razão do cerceamento de defesa, o processo deixa de ser instrumento de pacificação social – escopo maior da Jurisdição – e se torna mero amontoado de atos formais cujo fim é apenas a perpetuação da lide.

Portanto, ainda que tenha dúvidas quanto ao cabimento ou eficiência do meio probatório pleiteado – ou mesmo com a precoce reserva mental sobre a maior possibilidade de encaminhar a sentença nesse ou noutro sentido –, o juiz deve deferir o requerimento de produção de prova, a fim de interpretar e aplicar garantias constitucionais com a máxima efetividade.

 

Da relevância probatória do depoimento pessoal

Pois bem, nos bancos universitários, todos aprendem a repudiar o cerceamento de defesa. No entanto, não raro, uma coisa é o Direito Processual aprendido na academia, outra bem diferente é aquele aplicado na prática.

Infelizmente, no dia a dia forense, é relativamente comum juiz indeferir o depoimento pessoal da parte contrária. Para tanto, os magistrados costumam se arvorar no pretenso status de único destinatário da prova, bem como se valer, dentre outros, dos seguintes argumentos: (I) a suposta ineficiência do meio probatório solicitado, por ser provável a repetição das alegações feitas na peça de ingresso ou na contestação e, outrossim, por ser sujeito parcial o eventual depoente; e (II) a necessidade de se priorizar a produção de provas supostamente mais eficazes, haja vista o princípio da celeridade. Todavia, esse modo de decidir é equivocado.

Com efeito, importa assinalar que o depoimento pessoal tem duas finalidades bem claras: (I) esclarecer fatos e (II) provocar a confissão. Desse modo, esse meio de prova é de grande utilidade à boa instrução processual.

Sua importância é tanta que, de regra, uma vez afirmado pela parte e confessado pela outra, o fato não necessita mais ser provado (art. 374, II, do CPC).

Não por outro motivo, na instrução, o depoimento pessoal das partes vem, preferencialmente, antes da oitiva das testemunhas. E isso por uma razão bem simples: as declarações das partes litigantes prestadas nessa oportunidade podem resultar na desnecessidade de colheita de outras provas orais (art. 374, II, do CPC).

E a confissão pode ser obtida mediante técnica de interrogatório, pelo simples fato de a mentira não se sustentar em razão das suas contradições e/ou incoerências. Mas não é só.

Se devidamente intimada e alertada quanto à possibilidade, a parte que não comparecer à audiência na qual deveria depor pode sofrer pena de confissão (art. 385, § 1º, do CPC).

Ou mesmo com o comparecimento, se se recusar a depor ou empregar evasivas, também pode ser apenada com a referida sanção processual (art. 386 c/c art. 385, § 1º, ambos do CPC).

Logo, se há controvérsia quanto a fato relevante à resolução da lide, cuja existência ou inexistência pode ser declarada pela parte ouvida, o depoimento pessoal se revela imprescindível à instrução.

Dessarte, não se pode indeferir o depoimento pessoal com base em presunção de que a parte vai apenas repetir o teor da petição inicial ou da contestação.

Presumir é conjecturar, supor, prever, achar, desconfiar, suspeitar, imaginar etc. Não é aceitável permitir que o juízo de instrução fundamente o indeferimento de prova sobre esses verbos, pois estas palavras denotam dúvida, e não convicção.

Do mesmo modo, não se pode indeferir depoimento pessoal com base no interesse das partes na causa.

Ora, se no feito estão presentes as condições da ação – ou pressupostos processuais, conforme certas doutrinas –, é óbvio que as partes são interessadas.

Ou seja, indeferir depoimento pessoal com esse fundamento é transformar em letra morta toda a Seção IV do Capítulo XII do Título I do CPC. É dizer que somente partes não interessada podem ser ouvidas em sede de depoimento pessoal. É absurdo!

E mais: não se pode indeferir a produção de tal prova com pretenso fundamento na celeridade processual, mormente se o depoimento pessoal pode ser colhido na mesma audiência destina a colheita de outras provas orais. Ante tais circunstâncias, a toda evidência, descabido o argumento de possível protelação desnecessária do feito.

Por oportuno, cumpre dizer que a aclamada celeridade deve ser ponderada com a segurança jurídica e a boa técnica processual. Processo injusto ou nulo não deixa de ser o que é apenas por ser célere.

Vê-se, por conseguinte, que indeferir de modo infundado depoimento pessoal oportunamente requerido caracteriza cerceamento de direito de defesa e, portanto, decisão nula de pleno direito.

E tal conduta se torna ainda mais grave quando o mesmo juízo que atribui à parte o ônus da prova indefere o depoimento pessoal e, desse modo, tira do aludido litigante a oportunidade de se valer de meio legítimo e eficaz à comprovação dos fatos.

 

Conclusão

A máxima “o juiz é o destinatário da prova” deve ser repudiada pela Processualística moderna, por ser a expressão de uma ideia retrógrada de Direito Probatório.

Sobre a questão, o melhor entendimento é que “Os destinatários da prova são aqueles que dela poderão fazer uso, sejam juízes, partes ou demais interessados, não sendo a única função influir eficazmente na convicção do juiz” (Enunciado n. 50 do Fórum Permanente de Processualistas Civis).

Igualmente, deve-se ter a consciência de que o direito à produção da prova tem estatura constitucional, por ser intimamente ligado aos princípios da inafastabilidade da jurisdição, da ampla defesa e contraditório e do devido processo legal. Sua inobservância, portanto, caracteriza cerceamento de defesa – vício capaz de eivar de nulidade absoluta qualquer decisão.

Dessarte, a fim de conferir máxima efetividade à garantia constitucional – direito de produzir prova –, até mesmo na hipótese de dúvidas sobre a legitimidade e eficiência da modalidade no caso concreto, o magistrado deve optar por deferir a atividade probatória pleiteada.

Fixadas essas premissas, bem como ante os possíveis resultados positivos advindos do depoimento pessoal, não cabe ao juízo saneador indeferir tal modalidade de prova, por, verbi gratia, presumir a ineficiência de se tomar as declarações das partes em instrução.

Ao agir desse modo, o decididor se eleva à pretensa qualidade de único destinatário da prova, prática que já não encontra mais guarita no hodierno Direito Processual.

E não só: ao indeferir depoimento pessoal solicitado no intuito de se provar fato controverso, relevante e do conhecimento das partes, o magistrado profere decisão nula – passível de cassação, portanto –, por inobservar o direito fundamental à produção da prova, que é garantido aos litigantes pela própria Constituição.

 

Referência

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Volume I: Teoria Geral do Direito Processual Civil, Processo de Conhecimento, Procedimento Comum. 56. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 861