DIVÓRCIO NO NOVO CPC
Mário Luiz Delgado
SUMÁRIO: 1 Breve História Legislativa do Divórcio no Brasil Antes do Advento do CPC/2015. 2 Divórcio Administrativo. 3 Divórcio Judicial; 3.1 Consensual; 3.2 O Fim da Audiência de Reconciliação; 3.3 Litigioso. 4 Efeitos Patrimoniais do Divórcio. O Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica como Instrumento de Combate à Fraude na Partilha de Bens. 5 Conclusões. 6 Referências Bibliográficas.
1 Breve História Legislativa do Divórcio no Brasil Antes do Advento do CPC/2015
A dissolubilidade do casamento é admitida na grande maioria dos povos civilizados, mas nem sempre foi assim, especialmente no Brasil, onde o caminho até o divórcio foi extremamente árduo, uma verdadeira “batalha“, na célebre expressão consagrada na obra de Arruda Câmara [1].
Os principais combatentes dessa batalha sempre foram os setores ligados à Igreja Católica. Nas trincheiras divorcistas não se pode deixar de fazer alusão ao Deputado e Senador fluminense Nelson Carneiro. Hoje é difícil acreditar, mas se dizia que o divórcio “dissolvia a família“, “reduzia a natalidade“, “aumentava o aborto e a criminalidade infantil“, “comprometia a educação dos filhos“, “pela ruína da autoridade paterna e da piedade filial“. O divórcio era sintoma da decadência e do egoísmo social, dizia o Padre Leonel Franca, em obra que se tornou famosa nos anos 1950 [2].
Até 1977 o casamento era indissolúvel no Brasil, mantendo a legislação brasileira de então os resquícios coloniais das Ordenações do Reino, as quais, impregnadas pelo Direito Canônico, consideravam o casamento um sacramento, sem possibilidade de dissolução.
A situação em nada se alterou com a proclamação da Independência, em 1822. A Carta de 1824 sequer mencionou o casamento ou sua dissolução.
Após a proclamação da República, o Decreto nº 181, de 24 de janeiro de 1890, instituiu o casamento civil e passou a admitir o divórcio quoad thorum et mensam, cujos efeitos se restringiam à dissolução da sociedade conjugal [3], o que correspondia ao que hoje chamamos de separação legal. Era o divórcio simples, que se distinguia do divórcio vincular. O casamento, o vínculo conjugal propriamente dito só se dissolvia com a morte de um dos cônjuges [4]. E as causas para “divórcio quoad thorum et mensam” eram postas em numerus clausus, de forma extremamente restritiva [5]. Até mesmo o divórcio consensual exigia que os cônjuges indicassem o motivo da separação [6].
A CF/1891 se limitou a enfatizar que a “República só reconhece o casamento civil, cuja celebração será gratuita” (art. 72, § 4º). A regulamentação do casamento continuou prevista do Decreto nº 181.
O Código Civil de 1916 previu apenas a dissolubilidade da sociedade conjugal, referindo-a então como “desquite” e não mais como divórcio. O art. 315, em sua redação original, previa que “a sociedade conjugal termina: I – pela morte de um dos cônjuges; II – pela nulidade ou anulação do casamento; III – pelo desquite, amigável ou judicial“. O parágrafo único dispunha que “o casamento válido só se dissolve pela morte de um dos cônjuges“. Na prática manteve a sistemática da legislação anterior (Decreto nº 181), apenas promovendo a substituição da palavra divórcio por desquite.
A Constituição de 1934 remeteu a questão para a lei ordinária [7]. A Carta Polaca (1937) suprimiu a referência ao desquite e à anulação do casamento, limitando-se a reafirmar a indissolubilidade do vínculo [8]. A Constituição de 1946 manteve a supressão e reafirmou a indissolubilidade [9]. A Constituição de 1967/1969 também não mencionou o desquite.
O CPC/1939 (Decreto-Lei nº 1.608, de 18 de setembro de 1939) disciplinava o desquite por mútuo consentimento, que só poderia ser requerido quando os cônjuges estivessem casados há mais de dois anos. A sentença que homologava o acordo estava sujeita a remessa ex officio. O CPC/73 (Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973), em sua redação original, só tratava do desquite e da anulação do casamento.
Apenas com a Emenda Constitucional nº 9, de 1977, de autoria do Senador Nelson Carneiro, a separação judicial (antigo desquite) volta a ser mencionada na Constituição, agora como um requisito para o divórcio. Essa foi a solução engenhosa encontrada pelo legislador para permitir a aprovação da emenda e possibilitar a inserção do divórcio vincular em nosso ordenamento jurídico. Segundo Cahali, buscou-se “uma solução de compromisso, no sentido de estabelecer, em texto constitucional, os parâmetros a serem observados na regulamentação do divórcio pelo legislador ordinário, no que diz respeito às condições limitadoras de sua admissibilidade“, além de representar “meritória homenagem do nosso legislador às mais caras tradições morais e cristãs do nosso povo, conscientizado aquele de que não se rompe impunemente com um passado respeitável de muitos séculos” [10].
O divórcio vincular passou a ser admitido, mas com restrições que dificultavam a sua utilização, o que amenizou a ira de setores mais conservadores da sociedade, especialmente aqueles ligados à Igreja Católica. A dissolução do casamento só era possível após prévia separação judicial por mais de três anos ou prévia separação de fato por mais de cinco anos, desde que iniciada antes da data em que promulgada a emenda. O divórcio só poderia ser requerido uma única vez.
A EC nº 9/77 permitiu a aprovação, no mesmo ano, da Lei nº 6.515, de 26 de dezembro de 1977, a chamada Lei do Divórcio, que disciplinou a matéria no âmbito da legislação civil e processual civil, promovendo as necessárias alterações no Código Civil de 1916 [11] e no CPC de 1973.
A Lei nº 6.515/77 acrescentou o divórcio entre as causas pelas quais se dissolvem a sociedade conjugal e o casamento (art. 2º), substituindo o desquite pela separação judicial (arts. 41 a 48). Estava regulamentado, assim, no Brasil, o chamado sistema dualista: a separação judicial põe termo à sociedade conjugal, ao passo que o divórcio dissolve o próprio vínculo matrimonial. Fazia-se a distinção entre terminar e dissolver o casamento [12]. O casamento terminava com a separação judicial, mas só se dissolvia com o divórcio.
O divórcio só seria concedido por conversão da separação judicial existente há mais de três anos (art. 25) ou após cinco anos de separação de fato (art. 40). Essa situação perdurou até 1988.
Com a promulgação da Constituição de 5 de outubro de 1988, houve drástica redução dos prazos de prévia separação anteriormente estabelecidos como requisitos para o divórcio. Seguiu-se a Lei nº 7.841, de 1989, que alterou os arts. 36, I, e 40, da Lei do Divórcio, reduzindo de três para um ano o prazo para conversão da separação judicial em divórcio e de cinco para dois anos o prazo para o divórcio direto. Além disso, revogou-se o art. 38 da Lei do Divórcio, que permitia o divórcio apenas uma vez, bem como o § 1º do art. 40, que exigia prova da culpa para o divórcio direto.
Pouco tempo depois, a Lei nº 8.408/92 alterou novamente a Lei do Divórcio, agora reduzindo para um ano o prazo previsto no art. 5º, § 1º, da separação judicial por ruptura da vida em comum.
O Código Civil de 2002, por sua vez, não produziu nenhuma alteração substancial no divórcio, reproduzindo, em linhas gerais, as disposições existentes na legislação anterior, e manteve o sistema dualista, no qual a separação judicial põe fim à sociedade conjugal e o divórcio extingue o vínculo matrimonial (art. 1.571).
A principal novidade foi afastar a necessidade de imputação de qualquer conduta culposa para que se pudesse requerer o divórcio, abrindo ao juiz a possibilidade de reconhecer outras causas para a insuportabilidade da vida em comum, além daquelas previstas na lei.
Todavia, o Código Civil, conquanto não obrigasse, ainda permitia a discussão da culpa nos processos de separação judicial. O art. 1.572 dizia que um dos cônjuges poderia propor a ação de separação judicial, imputando ao outro qualquer ato que importasse grave violação dos deveres do casamento e tornasse insuportável a vida em comum. A separação judicial poderia também ser pedida se um dos cônjuges provasse ruptura da vida em comum há mais de um ano e a impossibilidade de sua reconstituição (art. 1.572, § 1º), quando o outro estivesse acometido de doença mental grave, manifestada após o casamento, que tornasse impossível a continuação da vida em comum, desde que, após uma duração de dois anos, a enfermidade tivesse sido reconhecida de cura improvável.
O CC/02 disciplinava, portanto, as três modalidades ou espécies da separação judicial litigiosa, por iniciativa de um dos cônjuges personagens do conflito conjugal: a “separação-sanção” (caput do artigo); a “separação-ruptura” (§ 1º) e a “separação-remédio” (§ 2º).
Com relação à separação consensual, em relação à anterior LD, o CC/02 reduziu o prazo da duração do casamento como pressuposto de admissibilidade para o pedido de separação judicial consensual. O pedido era possível se os cônjuges fossem casados por mais de um ano. O art. 4º da Lei nº 6.515/77 exigia o tempo mínimo de dois anos de união conjugal a forrar o pedido da separação.
Não obstante a dicção do art. 1.576, que a “separação judicial” põe termo aos deveres de coabitação e fidelidade recíproca e ao regime de bens, a “separação de fato” também fazia cessar os deveres de coabitação e de fidelidade recíproca, bem como a jurisprudência já vinha consagrando a cessação do regime de bens, não se comunicando os bens auferidos durante a separação de fato ao patrimônio conjugal.
Certamente uma das características mais emblemáticas do sistema dualista anterior à EC nº 66 era o instituto da reconciliação, a justificar, segundo alguns autores, a necessidade de permanência da separação de direito no ordenamento. O art. 1.577 do CC/02 comandava que qualquer que fosse a causa da separação judicial ou o modo como se deu, seria lícito aos cônjuges restabelecer, a todo tempo, a sociedade conjugal, por ato regular em juízo. O CPC/73 obrigava o juiz a realizar uma audiência de ratificação, na qual deveria promover todos os esforços para que os separandos se reconciliassem e estabelecia que se qualquer dos cônjuges não comparecesse à audiência designada ou não ratificasse o pedido, o processo seria arquivado (art. 1.122).
Em meados de 2010 houve a aprovação da Emenda Constitucional nº 66 (PEC nº 28, de 2009), alterando o art. 226, § 6º, da Constituição, para suprimir a cláusula final do dispositivo que se referia à prévia separação, de fato ou de direito, como requisito para o divórcio [13].
A alteração, de proêmio, provocou grandes controvérsias entre os operadores jurídicos.
A principal delas diz respeito ao instituto da separação legal ainda previsto nos arts. 1.572 e seguintes do Código Civil. O fato de a Constituição não mais fazer menção à separação significou a revogação ou o banimento desse procedimento, não obstante ele continuar previsto na lei ordinária? A jurisprudência até hoje mostra-se dividida [14].
Alguns autores, em franca minoria, ressalte-se, pensam que a separação de direito subsiste, como uma faculdade, um procedimento opcional. Respalda esse entendimento a redação atual do CPC/2015, cujos arts. 23, III, 53, I, 189, II, 693, 731, 732 e 733 fazem alusão ao divórcio e à separação.
Entretanto, mesmo entre tais autores, um fato parece incontroverso. Ainda que não tenham sido revogadas expressamente, a separação judicial e extrajudicial não haverão de sobreviver diante de sua completa inutilidade prática: se alguém por motivo religioso, por exemplo, não desejar o fim do vínculo matrimonial, mas somente o da sociedade conjugal, como era possível antes da emenda, visando eventual reconciliação, poderá propor, alcançando os mesmos resultados, a medida cautelar de separação de corpos, que faz cessar os deveres conjugais. Poderá também valer-se da mera separação de fato, passível de redução a termo, via escritura pública, para fins de prova, se assim o desejarem os separandos, sabendo que a dissolução da sociedade conjugal e do casamento, quando reconhecida, retroagirá à data em que cessada a convivência. A jurisprudência, aliás, tem caminhado a passos largos para reconhecer que a simples separação de fato faz cessar todos os efeitos jurídicos do casamento [15].
Finalmente, extreme de dúvidas é que a EC nº 66 suprimiu todos os requisitos para o divórcio (prévia separação judicial por mais de um ano ou comprovada separação de fato por mais de dois anos) [16].
Independente de cláusula revogatória expressa, o simples advento da EC nº 66 fez surgir um conflito ou contradição da Constituição com a lei ordinária, no que se refere aos requisitos de prazo para a decretação do divórcio, o que impõe, por óbvio, o afastamento da lei ordinária no tocante ao prazo de prévia separação de direito ou de fato como requisito para o divórcio. Nesse ponto, parece-nos inquestionável, tanto o conflito com a regra como a colisão com o princípio da dissolubilidade do casamento, impondo-se o afastamento da lei ordinária, não subsistindo mais qualquer pré-requisito temporal para decretação do divórcio.
A Constituição é clara: o casamento se dissolve pelo divórcio, independentemente de qualquer requisito ou condição preestabelecida na lei. Não havendo a Carta Magna estabelecido requisitos temporais (ou os havendo suprimido), não seria mais lícito à lei ordinária estabelecê-los.
Assim, em face dos atributos da supremacia e da força normativa da Constituição [17], ocorreu a derrogação do caput e do § 2º do art. 1.580 do Código Civil, na parte referente ao prazo de separação judicial, nos casos de divórcio por conversão; e ao prazo de separação de fato, no divórcio direto. O divórcio é cabível independentemente de qualquer prazo de separação legal ou de fato.
O mesmo se diga do divórcio administrativo. O art. 733 do CPC/2015 remete aos requisitos previstos na lei substantiva (observados os requisitos legais). Se foram suprimidos os requisitos de prazo, implica dizer que o divórcio extrajudicial pode ser decretado independentemente de comprovação de período anterior de separação, quer de fato ou de direito.
Essa, portanto, foi a grande revolução da EC nº 66, e que merece, sem dúvida, ser comemorada. Possibilitar aos cônjuges o livre-exercício de sua autonomia privada, optando pela dissolução simultânea do vínculo matrimonial e da sociedade conjugal, sem ter que se submeter aos requisitos temporais pretéritos.
Em 16 de março de 2015 foi sancionada a Lei nº 13.105 (NCPC), promovendo as derradeiras alterações na disciplina divorcista, que passam a ser tratadas nos tópicos seguintes.
2 Divórcio Administrativo
O chamado divórcio administrativo não constitui inovação do CPC/2015. Desde o advento da Lei nº 11.441/07, que promoveu alterações no CPC/73, tornou-se possível o divórcio extrajudicial em cartório, desde que inexistam filhos menores ou incapazes e as partes estejam em acordo.
A lei em questão alterou o CPC anterior de forma a permitir, no âmbito das separações e divórcios consensuais, sua realização pela via administrativa, promovendo a celeridade e a informalização dos procedimentos.
A alteração legislativa restringiu a intervenção do Estado na vida privada das pessoas, na medida em que possibilitou que os divórcios consensuais, sem filhos menores ou incapazes, não necessitassem mais se submeter à tutela prévia do Poder Judiciário, já combalido e assoberbado com tantas demandas judiciais.
Dessa forma e ainda que inserido o divórcio consensual naquilo que o Código de Processo Civil de 1973 denominava de procedimentos especiais de jurisdição voluntária e não tendo tal pedido, por sua natureza amigável, litigiosidade justificadora de alteração processual fundamental, no tocante ao rito a ele inerente, procurou o legislador de forma extrajudicial, ainda que com a assistência de advogados [18] e desde que não houvesse filhos menores ou incapazes do casal, permitir o divórcio, não litigioso, em cartório extrajudicial, independentemente da intervenção judicial.
E é lógico que seja assim. Se não se exige prévia intervenção judicial para o casamento, por que razão haver-se-ia de exigir tal intervenção para a dissolução do vínculo conjugal. Tanto a constituição do vínculo como o seu desfazimento são atos de autonomia privada e como tal devem ser respeitados, reservando-se a tutela estatal apenas para hipóteses excepcionais [19].
No CPC/2015, a matéria encontra-se prevista, de maneira sucinta, no art. 733, que estabelece:
“Art. 733. O divórcio consensual, a separação consensual e a extinção consensual de união estável, não havendo nascituro ou filhos incapazes e observados os requisitos legais, poderão ser realizados por escritura pública, da qual constarão as disposições de que trata o art. 731.
- 1º A escritura não depende de homologação judicial e constitui título hábil para qualquer ato de registro, bem como para levantamento de importância depositada em instituições financeiras.
- 2º O tabelião somente lavrará a escritura se os interessados estiverem assistidos por advogado ou por defensor público, cuja qualificação e assinatura constarão do ato notarial.”
A única novidade relevante em relação ao sistema anterior diz respeito ao esclarecimento feito pelo legislador de que em havendo nascituro, ou seja, filho concebido e em gestação, não é possível a realização do divórcio extrajudicial [20].
Para que os cônjuges possam lavrar a escritura de divórcio, basta que compareçam a qualquer cartório de notas, munidos de: a) certidão de casamento; b) documento de identidade oficial e CPF/MF; c) pacto antenupcial, se houver; d) certidão de nascimento ou outro documento de identidade oficial dos filhos absolutamente capazes, se houver; e) certidão de propriedade de bens imóveis e direitos a eles relativos; e f) documentos necessários à comprovação da titularidade dos bens móveis e direitos, se houver.
A escolha do tabelião de notas é de livre-escolha das partes, não se aplicando as regras de competência do Código de Processo Civil [21].
Os divorciandos declararão na escritura que não possuem nascituro, filhos menores ou incapazes e que estão cientes das consequências do divórcio e decididos quanto ao objetivo de dissolver o vínculo matrimonial. Podem se fazer representar por procurador, desde que por instrumento público com poderes especiais, descrição das cláusulas essenciais e prazo de validade de 30 dias.
Preocupada a Lei de 2007 em afastar dificuldades inclusive de ordem financeira, já autorizava a gratuidade às partes que se declarassem pobres [22], o que foi posteriormente regulamentado pela Resolução nº 35/07 do Conselho Nacional de Justiça, alterada e complementada pela Resolução nº 120/2010. O CPC/2015, apesar de não mais se referir expressamente à gratuidade, não suprimiu o benefício, que tem assento constitucional (CF, art. 5º, LXXIV).
Quanto à extensão da gratuidade, ensina Fernanda Tartuce que “esta há de abranger todos os atos inseridos no contexto da escritura em questão; assim, incluirá não apenas sua lavratura, mas também a necessária averbação de seu teor em outras serventias” [23]. Como requisito para a gratuidade, só pode o tabelião exigir a declaração de pobreza [24], a ser firmada pelo próprio interessado ou por procurador nos termos na Lei nº 7.115/83, devendo constar do atestado a sua responsabilidade civil, penal e administrativa por eventual falsidade. O que não pode o notário fazer é recusar a lavratura da escritura por desconfiar da autenticidade do atestado [25].
Entretanto, existe outra situação em que o tabelião não só pode como deve recusar a realização da escritura: quando houver fundados indícios de prejuízo a um dos cônjuges ou em caso de dúvidas sobre a declaração de vontade. E o fará aplicando, por analogia, a regra do parágrafo único do art. 1.574 do Código Civil c/c o art. 46 da Resolução nº 35 do CNJ [26].
A realização de separação ou divórcio judicial consensual, entabulados antes da vigência da Lei nº 11.441/07, já não impedia que os atos subsequentes seguissem pela via extrajudicial, desde que presentes os requisitos legais.
Assim, antes da EC nº 66/2010, era perfeitamente possível a conversão em divórcio da separação judicialmente homologada, valendo-se os interessados do procedimento administrativo [27]. Após a EC nº 66, o entendimento prevalente nesses casos é o de que deve ser lavrada uma escritura de divórcio direto e não de divórcio por conversão.
A reconciliação nas situações em que a separação se processou na via judicial, também pode ser feita por escritura pública [28], com o merecido registro dos entendimentos em contrário [29].
Também é admissível a eventual alteração, por escritura pública, de quaisquer das cláusulas do acordo judicialmente homologado [30]. A modificação, no caso, é a do próprio acordo e não da sentença que se limitou a homologar o pedido consensual dos cônjuges.
Nada obsta a realização do divórcio extrajudicial, relegando-se a partilha de bens para depois [31], o mesmo se dando ao admitir-se relegar a pensão alimentícia para ulterior fixação judicial.
Quanto à obrigatoriedade ou não do procedimento administrativo, entendemos que, inexistindo entre nós instância administrativa obrigatória e diante do princípio da inasfatabilidade da jurisdição, é facultativo o procedimento extrajudicial de divórcio, não se afigurando possível aos juízos de família o encaminhamento aos cartórios extrajudiciais dos pedidos consensuais que lhes cheguem. A questão, inclusive, foi regulamentada na Resolução nº 35 do CNJ, já aludida [32].
Registre-se, finalmente, que, não obstante o disposto na primeira parte do art. 1.830 do Código Civil, que exclui da sucessão o cônjuge separado judicialmente, o supérstite extrajudicialmente separado também não participará da sucessão do de cujus [33].
3 Divórcio Judicial
3.1 Consensual
Desde 2007, com a Lei nº 11.441, o divórcio consensual na via judicial só permanecia obrigatório quando existiam filhos menores ou incapazes, impossibilitando aos cônjuges o recurso à via administrativa, situação que se manteve com o CPC/2015, com o acréscimo da referência ao nascituro, consoante detalhado no tópico anterior.
No caso de filhos menores emancipados por ato dos pais, o divórcio deve trilhar a via judicial. O divórcio administrativo restringe-se às hipóteses de emancipação legal, sob pena de, em burla à limitação da lei, os cônjuges emanciparem seus filhos apenas para fugir ao procedimento judicial.
Há quem entenda que mesmo existindo nascituro e filhos menores ou incapazes o divórcio consensual pode ser realizado administrativamente, desde que todas as questões atinentes aos filhos sejam decididas judicialmente, em ações judiciais prévias tendo por objeto a guarda e os alimentos. Segundo Rolf Madaleno, “em nada interfere a separação ou o divórcio extrajudicial se o casal já cuidou de acordar acerca da guarda e dos alimentos da sua prole menor ou incapaz em precedente demanda judicial, litigiosa ou consensual, especificamente de guarda e de alimentos, ou mesmo se já tratou desses itens em uma antecedente separação consensual de corpos, judicialmente homologada e transitada em julgado (…). Portanto, não estariam sofrendo qualquer prejuízo ou risco os direitos indisponíveis dos filhos menores ou maiores, mas incapazes, porque já foram objeto de demanda judicial, que contou com a intervenção do juiz e do promotor, e não era outra a intenção do legislador senão a de resguardar os direitos e interesses dos menores e maiores incapazes, impedindo que seus pais fixassem ou alterassem seus direitos em escrituras públicas afastadas da fiscalização judicial e ministerial” [34].
Mas essa é uma questão polêmica. A princípio, como a lei não abre exceções, não vemos como se admitir, em tais hipóteses, o procedimento extrajudicial apenas para o divórcio.
O regramento adjetivo a ser observado no divórcio judicial consensual, na vigência do CPC de 1973, encontrava-se previsto nos arts. 1.120 e seguintes. O CPC/2015 manteve regras semelhantes, nos arts. 731 e seguintes [35].
A petição inicial será subscrita obrigatoriamente por ambos os cônjuges e não deve indicar qualquer causa ou motivo. O pedido de divórcio consensual é sempre e necessariamente imotivado. O único requisito para o divórcio, após a EC nº 66/2010, é o fato de se estar casado. Nada mais deve ser alegado ou justificado. Não existem prazos prévios a serem cumpridos, de modo que qualquer dilação probatória é desnecessária para fins de prolação do decreto dissolutório.
O pedido, à luz do CPC anterior, deveria ser deduzido no foro do domicílio do cônjuge virago (art. 100, I), se outro não fosse o desejo das partes, que poderiam, por conveniência e desde que respeitado o princípio do juiz natural, optar pelo foro do domicílio do varão [36]. No CPC/2015 a regra foi alterada, e o foro competente passou a ser obrigatoriamente o do domicílio do guardião de filho incapaz. Apenas se não houver filho incapaz, a competência será do foro do último domicílio do casal. E se nenhuma das partes residir no antigo domicílio do casal, eles poderão optar pelo domicílio atual de qualquer um deles [37].
3.2 O Fim da Audiência de Reconciliação
Uma questão que suscitou alguma controvérsia, no passado, dizia respeito à realização da audiência da ratificação. O § 2º do art. 1.122 do antigo CPC aludia expressamente ao referido ato processual e dizia ser cogente o comparecimento das partes, sob pena de arquivamento do processo. Não obstante, muitos juízos de família, em prol da celeridade processual, já dispensavam a realização dessa audiência.
A imposição da audiência tinha origem na antiga Lei do Divórcio (Lei nº 6.515/77) e seu objetivo era promover todos os esforços para a reconciliação dos cônjuges. O CPC/2015 não manteve a exigência, desaparecendo, assim, a discussão. Mesmo assim, muitos juízes de família continuam a realizar as audiências, por deliberação própria, sem que a sua não realização implique qualquer nulidade [38].
De fato, com o nível de informação da população brasileira e o volume descomunal de processos que atola os escaninhos (físicos ou virtuais) do Judiciário, não fazia qualquer sentido a obrigatoriedade da audiência em um procedimento consensual [39].
Os riscos de fraude, ou mesmo de prejuízo a um dos cônjuges ou aos filhos, podem ser coibidos pelos instrumentos previstos na legislação, a exemplo da ação anulatória por vício de vontade.
Demais disto, se o acordo for pernicioso, o juiz pode se recusar a homologá-lo, consoante previsão do parágrafo único do art. 1.574 do Código Civil, a repetir o § 2º do art. 34 da Lei nº 6.515/77, independentemente de ter havido ou não a audiência. Constatada a possibilidade concreta de prejuízo a um dos cônjuges, mostra-se “plenamente possível ao juízo rejeitar a homologação de acordo, que entenda desatender aos interesses de um dos consortes” [40].
Essa faculdade atribuída ao juiz, também chamada de “cláusula de dureza“, é ato fundamentado do magistrado no exercício de seu munus, adotado com ou sem manifestação do interessado. Por interferir na autonomia privada dos cônjuges a regra é considerada inconstitucional por parcela da doutrina [41].
Entretanto, a recusa do magistrado não pode retardar injustificadamente o divórcio e deve se ater objetivamente aos aspectos que a motivam. Em outros termos: a recusa não pode abranger o pedido de divórcio. Daí que, se a convenção contrariar os interesses dos filhos ou de um dos cônjuges, o magistrado homologará parcialmente o acordo, resumindo-se a homologação ao divórcio dos cônjuges, ficando, portanto, diferidas as demais questões.
3.3 Litigioso
O divórcio litigioso, como indica a própria nomenclatura, é um litígio, um processo de um cônjuge contra o outro, motivado pela ausência de consenso entre eles quanto à dissolução do vínculo conjugal. Um deseja pôr fim ao casamento e o outro não.
No CPC/2015, o divórcio litigioso segue o procedimento especial de jurisdição contenciosa previsto nos arts. 693 a 699 [42].
Inovação importantíssima diz respeito à citação, pois o réu não mais será citado para contestar o pedido, mas, sim, para comparecer à audiência de mediação e conciliação. Por priorizar os meios alternativos de solução de conflitos, o caput do art. 695 determina que “recebida a petição inicial e, se for o caso, tomadas as providências referentes à tutela provisória, o juiz ordenará a citação do réu para comparecer à audiência de mediação e conciliação“, estabelecendo em seu § 1º que o “mandado de citação conterá apenas os dados necessários à audiência e deverá estar desacompanhado de cópia da petição inicial”. Ou seja, ao receber a petição inicial, o juiz designará de logo a audiência de mediação e conciliação, que poderá “dividir-se em tantas sessões quantas sejam necessárias para viabilizar a solução consensual, sem prejuízo de providências jurisdicionais para evitar o perecimento do direito” (art. 696). A citação do réu se fará “às cegas“, sem cópia da inicial.
O réu será “intimado” para contestar, tão somente depois de frustrada a audiência de mediação e conciliação, mas a sua contestação ou revelia não produzem qualquer efeito, quer para agilizar, quer para retardar a decretação do divórcio. A resposta, pelo acionado, ao pedido de divórcio é absolutamente inócua. Exatamente por isso, muitos juízes de família costumam decretar o divórcio em tutela antecipada, sem sequer ouvir a parte contrária [43].
Em outras palavras, não havendo consenso entre os cônjuges, o divórcio só poderá ser decretado por decisão judicial, mas essa decisão não está vinculada à resolução de nenhum outro conflito, nem pode ser recusada pelo juiz sob qualquer pretexto, ainda que o pedido de divórcio esteja cumulado com pretensões diversas.
O NCPC não abre a possibilidade de invocação da culpa como causa para a dissolução do vínculo ou como defesa de mérito.
Em se tratando de divórcio litigioso, é bastante comum que a parte requerente acresça ao pedido de dissolução do casamento outros pedidos de natureza distinta, tais como a fixação de alimentos, a partilha de bens, a definição da guarda de filhos ou mesmo uma pretensão de reparação civil, incidindo, assim, na figura processual da cumulação de pedidos [44], prevista no art. 327 do Código de Processo Civil de 2015 [45]– [46].
Nesse contexto, como o pedido de divórcio não exige motivação ou instrução e os demais poderão demandar uma instrução probatória mais complexa, o juiz deve decretar logo o divórcio e prosseguir com o processamento dos pedidos cumulados.
O § 6º do art. 273 do CPC de 1973 permitia, em tais situações, a prolação de sentença parcial de mérito, ou seja, uma decisão definitiva sobre parcelas do mérito, abrangendo um ou mais dos pedidos cumulados. O CPC de 2015 aprimorou o mecanismo em seus arts. 355 e 356 [47].
O juiz decide as partes incontroversas do pedido através de decisão que faz coisa julgada material e pode ser executada definitivamente. A ação, no entanto, prossegue quanto aos demais pedidos controversos.
Como não se trata de decisão terminativa do feito, o recurso cabível é o agravo de instrumento.
O foro competente para a ação de divórcio litigioso na vigência do CPC de 1973, como já aludido anteriormente, era o da residência da mulher (foro privilegiado da mulher casada). A regra especial de competência, que estabelecia o foro especial para a mulher nas ações de divórcio, não feria o princípio constitucional da isonomia entre homens e mulheres ou da igualdade entre os cônjuges, havendo sido recepcionada pelo CF/88, consoante manifestação do STF no julgamento do Recurso Extraordinário 227.114, de São Paulo.
Talvez pelo anacronismo do privilégio, a regra já era flexibilizada pelo Superior Tribunal de Justiça em situações concretas [48]. Assim, é que em ação de divórcio direta proposta por cônjuge varão interditado, decidiu o STJ que “entre o foro da residência da mulher e o do domicílio do representante do incapaz, deve preponderar a regra que privilegia o incapaz, pela maior fragilidade de quem atua representado, necessitando de facilitação de meios, especialmente numa relação processual formada em ação de divórcio, em que o delicado direito material a ser discutido pode envolver íntimos sentimentos e relevantes aspectos patrimoniais” [49].
No CPC de 2015, a prerrogativa da mulher foi suprimida em favor dos filhos e do casal. O foro competente para a ação de divórcio será o do domicílio do guardião de filho incapaz; caso não haja filho incapaz, a competência será do foro do último domicílio do casal; se nenhuma das partes residir no antigo domicílio do casal, será competente o foro de domicílio do réu (art. 53).
4 Efeitos Patrimoniais do Divórcio. O Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica como Instrumento de Combate à Fraude na Partilha de Bens
Nos conflitos conjugais, dada a carga emocional que vitima ambas as partes, é frequente o desejo nutrido por um dos cônjuges ou companheiros, notadamente aquele que se sentiu “traído” pelo pedido de dissolução do vínculo conjugal, de prejudicar economicamente o outro. E a maneira mais comum de se tentar impingir ao outro esse tipo de prejuízo é justamente a fraude na partilha de bens [50].
As ações mais usuais por parte do fraudador estão relacionadas à ocultação de bens, mediante alienações simuladas ou incorporação de ativos em sociedades. A comprovação da fraude pelo cônjuge hipossuficiente nem sempre é fácil, mesmo porque a fraude tem início no chamado período de preparação, às vezes até vários anos antes do pedido de divórcio, e as simulações se amparam em estruturas jurídicas bem sofisticadas.
Para coibir ou reverter a fraude, instrumental indispensável tem sido a aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica.
A partir do Código Civil de 2002, a teoria da desconsideração da personalidade jurídica – disregard doctrine – ficou expressamente positivada no sistema geral (art. 50) [51], mantidos os parâmetros existentes nos microssistemas legais e na jurisprudência. Em determinadas situações, a personalidade jurídica usada para lesar direitos de terceiros será desconsiderada, respondendo sócios e administradores com seus patrimônios pessoais.
Comprovada a fraude, a confusão patrimonial ou o desvio de finalidade, a responsabilização do sócio ou administrador não dependerá do prévio exaurimento do patrimônio social. Ou seja, pode a pessoa jurídica apresentar-se perfeitamente solvável e, ainda assim, ser decretada a desconsideração, vista, aqui, também como sanção contra o abuso da personalidade jurídica.
Sempre se discutiu na jurisprudência a obrigatoriedade de contraditório antecedente à decisão que decreta a desconsideração. Com o advento do CPC/2015 a dúvida foi definitivamente solucionada a partir da instituição do incidente de desconsideração da personalidade jurídica, como procedimento prévio obrigatório para decretação da medida. Nesse sentido estabelecem os arts. 133 a 137:
“Art. 133. O incidente de desconsideração da personalidade jurídica será instaurado a pedido da parte ou do Ministério Público, quando lhe couber intervir no processo.
- 1º O pedido de desconsideração da personalidade jurídica observará os pressupostos previstos em lei.
- 2º Aplica-se o disposto neste Capítulo à hipótese de desconsideração inversa da personalidade jurídica.
Art. 134. O incidente de desconsideração é cabível em todas as fases do processo de conhecimento, no cumprimento de sentença e na execução fundada em título executivo extrajudicial.
- 1º A instauração do incidente será imediatamente comunicada ao distribuidor para as anotações devidas.
- 2º Dispensa-se a instauração do incidente se a desconsideração da personalidade jurídica for requerida na petição inicial, hipótese em que será citado o sócio ou a pessoa jurídica.
- 3º A instauração do incidente suspenderá o processo, salvo na hipótese do § 2º.
- 4º O requerimento deve demonstrar o preenchimento dos pressupostos legais específicos para desconsideração da personalidade jurídica.
Art. 135. Instaurado o incidente, o sócio ou a pessoa jurídica será citado para manifestar-se e requerer as provas cabíveis no prazo de 15 (quinze) dias.
Art. 136. Concluída a instrução, se necessária, o incidente será resolvido por decisão interlocutória.
Parágrafo único. Se a decisão for proferida pelo relator, cabe agravo interno.
Art. 137. Acolhido o pedido de desconsideração, a alienação ou a oneração de bens, havida em fraude de execução, será ineficaz em relação ao requerente.”
Em direito de família, o art. 50 do Código Civil costuma ser aplicado inversamente. No lugar de responsabilizar o sócio pelas obrigações da sociedade, na disregard inversa procura-se alcançar o patrimônio da sociedade para responder pelos débitos do sócio. Em razão da utilização indevida do ente societário por seus sócios, deve ser afastada a autonomia patrimonial da sociedade, para atingir o ente coletivo e seu patrimônio social, responsabilizando a pessoa jurídica por obrigações do sócio, quer seja sócio de fato, quer seja sócio de direito. Assim, os ativos sociais serão chamados a suportar o pagamento do cônjuge ou credor prejudicado pelo sócio, que usa a pessoa jurídica para ocultar patrimônio.
Nas disputas matrimoniais, é frequente a situação do cônjuge empresário que se esconde sob o manto da sociedade, para onde desvia grande parte dos bens comuns, os quais, não obstante adquiridos ao longo do casamento, são registrados em nome de empresas de que participa um dos consortes. Muitas vezes, e isso infelizmente ocorre cada vez mais, essa participação se materializa por interposta pessoa, o vulgo “laranja“. Os bens que deveriam integrar a meação estão titularizados pela sociedade empresária, de cujo quadro social o cônjuge fraudador sequer participa. Nada no seu nome. E seu nome não aparece na empresa. O cônjuge se apresenta ora como empregado registrado da empresa, ora como um mero procurador do sócio formal. Hipótese típica de abuso, caracterizada pelo desvio de finalidade, pois a personalidade jurídica passa a ser usada apenas para ocultar o patrimônio e lesar o outro cônjuge.
Para coibir esse estratagema, a jurisprudência já era pacífica [52] em admitir a aplicação da teoria da desconsideração inversa da personalidade jurídica. O CPC/2015, em consonância com a jurisprudência, dispõe expressamente sobre a aplicação do incidente dos arts. 133 a 137 à hipótese de desconsideração inversa da personalidade jurídica.
5 Conclusões
Podemos apontar, à guisa de conclusões, as seguintes alterações na disciplina do divórcio após a entrada em vigor do CPC/2015:
- a) O divórcio administrativo não poderá ser realizado se houver nascituro. O CPC anterior se referia apenas a “filhos menores ou incapazes” (art. 1.124-A). A doutrina sempre tangenciou sobre a existência ou não de óbice jurídico para a realização do divórcio extrajudicial da mulher grávida, pois o nascituro, ainda desprovido de personalidade jurídica segundo a corrente majoritária, não poderia ser equiparado ao filho menor ou incapaz de que tratava a lei. A controvérsia resta superada com a entrada em vigor do NCPC, a proibir expressamente o divórcio administrativo da mulher grávida. Esclareça-se, enfim, que a dicção legal só menciona o nascituro. Os embriões produzidos a partir de técnicas de reprodução assistida, e mantidos criopreservados fora do corpo da mãe, não impedem o divórcio extrajudicial. Nascituro é alguém que está por nascer. Sua existência é necessariamente intrauterina. O embrião só pode ser tratado como nascituro depois de fixado no útero materno. Antes disso, teremos apenas uma célula fora do corpo da mulher (ainda que uma célula humana), que jamais pode ser equiparada ao “nascituro” referido no art. 733 do NCPC para fins de obstar o divórcio administrativo.
- b) O divórcio judicial consensual não deve indicar qualquer causa ou motivo e a sua homologação não está condicionada à realização da audiência de reconciliação prevista no art. 1.122 do Código anterior. Enquanto vigente o CPC/73, nada impede que os juízes de família continuem a realizar as audiências de ratificação, por deliberação própria, sabendo, de antemão, que a sua não realização não implicará qualquer nulidade. A partir da entrada em vigor do NCPC, a imposição da audiência contra a vontade das partes será manifestamente ilegal.
- c) No divórcio judicial litigioso, o réu não mais será citado para contestar o pedido, mas, sim, para comparecer à audiência de mediação e conciliação. A citação do réu se fará “às cegas“, sem cópia da inicial. O demandado será “intimado” para contestar tão somente depois de frustrada a audiência de mediação e conciliação. A resposta, pelo acionado, ao pedido de divórcio é inócua e não pode retardar o decreto de divórcio, mesmo havendo pedidos cumulados. Como o pedido de divórcio não exige motivação ou instrução e os demais poderão demandar uma instrução probatória mais complexa, o juiz deve decretar logo o divórcio e prosseguir com o processamento dos pedidos cumulados.
- d) Com o novo incidente previsto nos arts. 133 a 137, o CPC/2015 normatiza o procedimento para aplicação da chamada desconsideração inversa da personalidade jurídica, instrumento apto a coibir a fraude na partilha de bens, especialmente nas hipóteses em que a pessoa jurídica for utilizada por um dos cônjuges apenas para ocultar o patrimônio e lesar o outro.
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[1] A batalha do divórcio. São Paulo: Oficinas Gráficas do Jornal do Brasil, 1952.
[2] FRANCA S. J., Leonel. O divórcio. Rio de Janeiro: Livraria AGIR, 1955.
[3] “Art. 88. O divorcio não dissolve o vinculo conjugal, mas autoriza a separação indefinida dos corpos e faz cassar o regimen dos bens, como si o casamento fosse dissolvido.”
[4] “Art. 93. O casamento válido só se dissolve pela morte de um dos conjuges, e neste caso proceder-se-ha a respeito dos filhos e dos bens do casal na conformidade do direito civil.”
[5] “Art. 82. O pedido de divorcio só póde fundar-se em algum dos seguintes motivos: § 1º Adulterio. § 2º Sevicia, ou injuria grave. § 3º Abandono voluntario do domicilio conjugal e prolongado por dous annos continuos. § 4º Mutuo consentimento dos conjuges, si forem casados ha mais de dous annos. Art. 83. O adulterio deixará de ser motivo para o divorcio: § 1º Si o réo for a mulher e tiver sido violentada pelo adultero. § 2º Si o autor houver concorrido para que o réo o commettesse. § 3º Quando tiver sobrevindo perdão da parte do autor. Art. 84. Presume-se perdoado o adulterio quando o conjuge innocente, depois de ter conhecimento delle, houver cohabitado com o culpado.”
[6] “Art. 85. Para obterem o divorcio por mutuo consentimento deverão os conjuges apresentar-se pessoalmente ao juiz, levando a sua petição escripta por um e assignada por ambos, ou ao seu rogo, si não souberem escrever, e instruida com os seguintes documentos: § 1º A certidão do casamento. § 2º A declaração de todos os seus bens e a partilha que houverem concordado fazer delles. § 3º A declaração do accordo que houverem tomado sobre a posse dos filhos menores, si os tiverem. § 4º A declaração da contribuição, com que cada um delles concorrerá para a criação e educação dos mesmos filhos, ou da pensão alimenticia do marido á mulher, si esta não ficar com bens sufficientes para manter-se. § 5º Traslado da nota do contracto ante-nupcial, si tiver havido. Art. 86. Recebidos os documentos referidos e ouvidos separadamente os dous conjuges sobre o motivo do divorcio pelo juiz, este fixar-lhes-ha um prazo nunca menor de 15 dias nem maior de 30 para voltarem a ratificar, ou retractar o seu pedido. Art. 87. Si, findo este prazo, voltarem ambos a ratificar o pedido, o juiz, depois de fazer autoar a petição com todos os documentos do art. 85, julgará por sentença o accordo, no prazo de duas audiencias, e appellará ex-officio. Si ambos os conjuges retractarem o pedido, o juiz restituir-lhes-ha todas as peças recebidas, e si sómente um delles retractar-se, a este entregará as mesmas peças, na presença do outro.”
[7] “Art. 144. A família, constituída pelo casamento indissolúvel, está sob a proteção especial do Estado. Parágrafo único. A lei civil determinará os casos de desquite e de anulação de casamento, havendo sempre recurso ex officio, com efeito suspensivo.”
[8] “Art. 124. A família, constituída pelo casamento indissolúvel, está sob a proteção especial do Estado. Às famílias numerosas serão atribuídas compensações na proporção dos seus encargos
[9] “Art. 163. A família é constituída pelo casamento de vínculo indissolúvel e terá direito à proteção especial do Estado.”
[10] Op. cit., p. 59.
[11] No Código Civil de 1916 foi revogado todo o Título IV do Livro I do Código Civil de 1916, que tratava da dissolução da sociedade conjugal (arts. 315 a 324) e da proteção da pessoa dos filhos (arts. 325 a 328), visto que essa matéria agora seria tratada exclusivamente pela Lei do Divórcio.
[12] Nesse sistema dual, as possibilidades de dissolução do casamento comportavam a divisão entre causas dissolutivas e causas terminativas. As causas terminativas atacavam apenas a sociedade conjugal, pondo fim aos deveres recíprocos e ao regime de bens, enquanto as causas dissolutivas atacavam não apenas os deveres e o regime de bens, mas a própria relação jurídica que vinculava os cônjuges, permitindo, assim, as novas núpcias. As primeiras terminavam, mas não dissolviam o casamento (Cf. FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das famílias. 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. p. 356).
[13] Redação original: “§ 6º O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio, após prévia separação judicial por mais de um ano nos casos expressos em lei, ou comprovada separação de fato por mais de dois anos”. Redação após a reforma: “§ 6º O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio”.
[14] “AGRAVO DE INSTRUMENTO. PEDIDO DE SEPARAÇÃO JUDICIAL ALTERADO, DE OFÍCIO, PARA AÇÃO DE DIVÓRCIO, DETERMINADA A EMENDA DA INICIAL. DESNECESSIDADE. NÃO REVOGAÇÃO DOS ARTIGOS DO CÓDIGO CIVIL PELO ADVENTO DA EC Nº 66/2010. NOVA REDAÇÃO DO § 6º DO ART. 226 DA CF. PROSSEGUIMENTO DO FEITO NA FORMA DO PEDIDO. AGRAVO PROVIDO POR ATO DA RELATORA.” (TJRS, Agravo de Instrumento 70059706895, Sétima Câmara Cível, Relª Sandra Brisolara Medeiros, j. 09.05.2014)
[15] “DIREITO CIVIL. FAMÍLIA. SUCESSÃO. COMUNHÃO UNIVERSAL DE BENS. SUCESSÃO ABERTA QUANDO HAVIA SEPARAÇÃO DE FATO. IMPOSSIBILIDADE DE COMUNICAÇÃO DOS BENS ADQUIRIDOS APÓS A RUPTURA DA VIDA CONJUGAL. 1. O cônjuge que se encontra separado de fato não faz jus ao recebimento de quaisquer bens havidos pelo outro por herança transmitida após decisão liminar de separação de corpos. 2. Na data em que se concede a separação de corpos, desfazem-se os deveres conjugais, bem como o regime matrimonial de bens; e a essa data retroagem os efeitos da sentença de separação judicial ou divórcio. 3. Recurso especial não conhecido.” (REsp 1.065.209/SP, Rel. Min. João Otávio de Noronha, Quarta Turma, j. 08.06.2010, DJe 16.06.2010)
[16] “APELAÇÃO CÍVEL. DIVÓRCIO DIRETO. EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 66/2010. NOVA REDAÇÃO DO § 6º DO ART. 226 DA CR/88. REQUISITOS. PRÉVIA SEPARAÇÃO JUDICIAL OU DE FATO. SUPRESSÃO. RECURSO NÃO PROVIDO. A nova redação conferida ao § 6º do art. 226 coaduna com os princípios da celeridade e economia processual, superando formalidade desnecessária ante a certeza dos cônjuges quanto ao término da relação matrimonial.” (TJMG, Apelação Cível 1.0028.13.003606-5/001, Rel. Des. Luís Carlos Gambogi, Quinta Câmara Cível, j. 21.08.2014, public. da súmula 29.08.2014)
[17] A teoria da força normativa da Constituição foi originalmente desenvolvida por Konrad Hesse. Para o jurista alemão, a Constituição não é apenas um ser, mas, antes de tudo, um dever ser, ordenando e conformando a realidade. Ela não é apenas determinada pela realidade social, mas também determinante em relação a ela (Cf. HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1991).
[18] Resolução nº 35 do CNJ: “Art. 8º É necessária a presença do advogado, dispensada a procuração, ou do defensor público, na lavratura das escrituras decorrentes da Lei 11.441/07, nelas constando seu nome e registro na OAB. Art. 9º É vedada ao tabelião a indicação de advogado às partes, que deverão comparecer para o ato notarial acompanhadas de profissional de sua confiança. Se as partes não dispuserem de condições econômicas para contratar advogado, o tabelião deverá recomendar-lhes a Defensoria Pública, onde houver, ou, na sua falta, a Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil”.
[19] A única desvantagem que pode ser apontada no uso do procedimento extrajudicial diz respeito à ausência de sigilo (Resolução nº 35 do CNJ: “Art. 42. Não há sigilo nas escrituras públicas de separação e divórcio consensuais”).
[20] A existência de embriões extracorpóreos criopreservados não veda o divórcio extrajudicial. Nascituro é alguém que está por nascer. Sua existência é necessariamente intrauterina. O embrião só pode ser tratado como nascituro depois de fixado no útero materno. Antes disso, teremos apenas uma célula fora do corpo da mulher (ainda que uma célula humana), que jamais pode ser equiparada ao “nascituro” referido no art. 733 do NCPC para fins de obstar o divórcio administrativo.
[21] A escritura também pode ser lavrada pelas autoridades consulares, nos termos do art. 18, §§ 1º e 2º, da LINDB: “Art. 18. (…) § 1º As autoridades consulares brasileiras também poderão celebrar a separação consensual e o divórcio consensual de brasileiros, não havendo filhos menores ou incapazes do casal e observados os requisitos legais quanto aos prazos, devendo constar da respectiva escritura pública as disposições relativas à descrição e à partilha dos bens comuns e à pensão alimentícia e, ainda, ao acordo quanto à retomada pelo cônjuge de seu nome de solteiro ou à manutenção do nome adotado quando se deu o casamento. § 2º É indispensável a assistência de advogado, devidamente constituído, que se dará mediante a subscrição de petição, juntamente com ambas as partes, ou com apenas uma delas, caso a outra constitua advogado próprio, não se fazendo necessário que a assinatura do advogado conste da escritura pública. (Incluídos pela Lei nº 12.874, de 2013)”.
[22] Objetaram alguns, no entanto, como se poderia admitir a declaração de pobreza em relação a pessoas que a própria lei exige sejam assistidas por advogado, pois o fato de terem condição para contratar esse profissional poderia indicar não terem a condição afirmada. Fernanda Tartuce destaca “a diferença entre assistência judiciária e gratuidade. Enquanto a primeira consiste no patrocínio da causa a quem não tem condições econômicas de contratar advogado (com a representação por um procurador que não cobrará por sua atuação), a gratuidade envolve a isenção no pagamento de custas e despesas processuais a quem demonstre impossibilidade de seu recolhimento. A ‘justiça gratuita’, como ensina Marcacini, ‘compreende a isenção de toda e qualquer despesa necessária ao pleno exercício dos direitos e das faculdades processuais, sejam tais despesas judiciais ou não, abrangendo não só custas relativas aos atos processuais, mas também ‘todas as despesas decorrentes da efetiva participação na relação processual’” (TARTUCE, Fernanda. Gratuidade em divórcio e inventário extrajudiciais. In: COLTRO, Antonio; DELGADO, Mario Luiz [Org.]. Separação, divórcio, partilha e inventário extrajudiciais. 2. ed. São Paulo: Método, 2011. v. 1. p. 131-132).
[23] TARTUCE, Fernanda. Op. cit., p. 137. Caso o tabelião se negue a lavrar a escritura em virtude da suposta falta de prova sobre a pobreza, aponta a autora, com apoio em Cristiano Chaves de Farias, “três possíveis atitudes: a) impetração de mandado de segurança; b) manejo de procedimento administrativo de dúvida (dúvida inversa – que, admitida jurisprudencialmente, é promovida pelo particular interessado no registro, exortando o juiz a retificar eventual exigência indevida feita pelo tabelião ou oficial do registro); c) reclamação funcional à Corregedoria-Geral da Justiça, para a adoção de providências administrativas, relativas ao servidor, e o pronto restabelecimento da ordem jurídica” (p. 140).
[24] Resolução nº 35 do CNJ: “Art. 7º Para a obtenção da gratuidade de que trata a Lei nº 11.441/07, basta a simples declaração dos interessados de que não possuem condições de arcar com os emolumentos, ainda que as partes estejam assistidas por advogado constituído”.
[25] “Se houver abuso no pleito por falsa alegação de pobreza, o notário poderá demandar aquele que indevidamente se valeu do benefício da gratuidade cobrando-lhe o valor devido.” (Cf. TARTUCE, Fernanda. Op. cit., p. 142)
[26] “Art. 46. O tabelião poderá se negar a lavrar a escritura de separação ou divórcio se houver fundados indícios de prejuízo a um dos cônjuges ou em caso de dúvidas sobre a declaração de vontade, fundamentando a recusa por escrito”. Sobre o tema, vide, ainda: CARVALHO NETO, Inácio. Separação extrajudicial: da possibilidade de recusa da realização da escritura pelo tabelião. In: COLTRO, Antonio; DELGADO, Mario Luiz (Org.). Separação, divórcio, partilha e inventário extrajudiciais. 2. ed. São Paulo: Método, 2011. v. 1. p. 213-219.
[27] Resolução nº 35 do CNJ: “Art. 52. Os cônjuges separados judicialmente, podem, mediante escritura pública, converter a separação judicial ou extrajudicial em divórcio, mantendo as mesmas condições ou alterando-as. Nesse caso, é dispensável a apresentação de certidão atualizada do processo judicial, bastando a certidão da averbação da separação no assento do casamento. (Redação dada pela Resolução nº 120, de 30.09.2010)”.
[28] Resolução nº 35 do CNJ: “Art. 48. O restabelecimento de sociedade conjugal pode ser feito por escritura pública, ainda que a separação tenha sido judicial. Neste caso, é necessária e suficiente a apresentação de certidão da sentença de separação ou da averbação da separação no assento de casamento. Art. 49. Em escritura pública de restabelecimento de sociedade conjugal, o tabelião deve: a) fazer constar que as partes foram orientadas sobre a necessidade de apresentação de seu traslado no registro civil do assento de casamento, para a averbação devida; b) anotar o restabelecimento à margem da escritura pública de separação consensual, quando esta for de sua serventia, ou, quando de outra, comunicar o restabelecimento, para a anotação necessária na serventia competente; e c) comunicar o restabelecimento ao juízo da separação judicial, se for o caso”.
[29] Vide, por todos, Rolf Madaleno, para quem não se apresenta “factível ao notário promover por escritura pública a reconciliação de casal judicialmente separado, a uma porque não fora dele o ato de separação, que emanou de provimento judicial, com trânsito em julgado e provável averbação no registro civil; a duas porque a reconciliação é promovida nos mesmos autos em que foi requerida a separação” (MADALENO, Rolf. Separação extrajudicial: praticidade, trâmite e fraude. In: COLTRO, Antonio; DELGADO, Mario Luiz [Org.]. Separação, divórcio, partilha e inventário extrajudiciais. 2. ed. São Paulo: Método, 2011. v. 1. p. 262).
[30] Resolução nº 35 do CNJ: “Art. 44. É admissível, por consenso das partes, escritura pública de retificação das cláusulas de obrigações alimentares ajustadas na separação e no divórcio consensuais. Art. 45. A escritura pública de separação ou divórcio consensuais, quanto ao ajuste do uso do nome de casado, pode ser retificada mediante declaração unilateral do interessado na volta ao uso do nome de solteiro, em nova escritura pública, com assistência de advogado”.
[31] Resolução nº 35 do CNJ: “Art. 37. Havendo bens a serem partilhados na escritura, distinguir-se-á o que é do patrimônio individual de cada cônjuge, se houver, do que é do patrimônio comum do casal, conforme o regime de bens, constando isso do corpo da escritura. Art. 38. Na partilha em que houver transmissão de propriedade do patrimônio individual de um cônjuge ao outro, ou a partilha desigual do patrimônio comum, deverá ser comprovado o recolhimento do tributo devido sobre a fração transferida”.
[32] “Art. 2º É facultada aos interessados a opção pela via judicial ou extrajudicial; podendo ser solicitada, a qualquer momento, a suspensão, pelo prazo de 30 dias, ou a desistência da via judicial, para promoção da via extrajudicial.”
[33] Se concedida à escritura a mesma força que à separação ou ao divórcio via judicial, mas desde que tenha o mesmo objetivo, de modo a finalizar a união, por óbvio que carrega consigo os mesmos efeitos, muito embora não tenha sido realizada judicialmente (COSTALUNGA, Karime. A separação extrajudicial e o cônjuge como herdeiro necessário. In: COLTRO, Antonio; DELGADO, Mario Luiz [Org.]. Separação, divórcio, partilha e inventário extrajudiciais. 2. ed. São Paulo: Método, 2011. v. 1. p. 209).
[34] MADALENO, Rolf. Op. cit., p. 260-261.
[35] “Art. 731. A homologação do divórcio ou da separação consensuais, observados os requisitos legais, poderá ser requerida em petição assinada por ambos os cônjuges, da qual constarão: I – as disposições relativas à descrição e à partilha dos bens comuns; II – as disposições relativas à pensão alimentícia entre os cônjuges; III – o acordo relativo à guarda dos filhos incapazes e ao regime de visitas; e IV – o valor da contribuição para criar e educar os filhos. Parágrafo único. Se os cônjuges não acordarem sobre a partilha dos bens, far-se-á esta depois de homologado o divórcio, na forma estabelecida nos arts. 647 a 658. Art. 732. As disposições relativas ao processo de homologação judicial de divórcio ou de separação consensuais aplicam-se, no que couber, ao processo de homologação da extinção consensual de união estável.”
[36] “DECISÃO MONOCRÁTICA. AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. DIREITO DE FAMÍLIA. DIVÓRCIO CONSENSUAL. COMPETÊNCIA. FORO PRIVILEGIADO DA MULHER. FACULDADE. Mesmo considerando vigente a regra do art. 100, I, do CPC, o privilégio concedido à mulher é uma faculdade, que não necessita ser obrigatoriamente exercida, desde que respeite o princípio do juiz natural. Partes anuíram que seria mais útil ajuizar a demanda de divórcio consensual no domicílio do cônjuge varão, também competente para apreciar a demanda, não sendo correto, assim, o declínio em razão da competência funcional regional do foro do domicílio da ex-esposa, que abriu mão do privilégio ao ingressar com no juízo do domicílio do varão. Precedentes do TJRJ. Decisão cassada. Provimento do recurso, na forma do art. 557, § 1º-A, do CPC.” (TJRJ, AI 217065420118190000 RJ 0021706-54.2011.8.19.0000, Relª Desª Teresa Castro Neves, j. 17.05.2011, Sexta Câmara Cível)
[37] “Art. 53. É competente o foro: I – para a ação de divórcio, separação, anulação de casamento e reconhecimento ou dissolução de união estável: a) de domicílio do guardião de filho incapaz; b) do último domicílio do casal, caso não haja filho incapaz; c) de domicílio do réu, se nenhuma das partes residir no antigo domicílio do casal;”
[38] No julgamento do REsp 1.483.841, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que a audiência de conciliação ou ratificação que antecede a homologação de divórcio consensual tem cunho meramente formal, e a falta de sua realização não justifica a anulação do divórcio quando não há prejuízo para as partes. Confira-se a ementa: “PROCESSUAL CIVIL. CIVIL. RECURSO ESPECIAL. FAMÍLIA. AÇÃO DE DIVÓRCIO CONSENSUAL DIRETO. AUDIÊNCIA PARA TENTATIVA DE RECONCILIAÇÃO OU RATIFICAÇÃO. INEXISTÊNCIA. DIVÓRCIO HOMOLOGADO DE PLANO. POSSIBILIDADE. RECURSO DESPROVIDO. 1. Em razão da modificação do art. 226, § 6º, da CF, com a nova redação dada pela EC nº 66/10, descabe falar em requisitos para a concessão de divórcio. 2. Inexistindo requisitos a serem comprovados, cabe, caso o magistrado entenda ser a hipótese de concessão de plano do divórcio, a sua homologação. 3. A audiência de conciliação ou ratificação passou a ter apenas cunho eminentemente formal, sem nada produzir, e não havendo nenhuma questão relevante de direito a se decidir, nada justifica na sua ausência, a anulação do processo. 4. Ainda que a CF/88, na redação original do art. 226, tenha mantido em seu texto as figuras anteriores do divórcio e da separação e o CPC tenha regulamentado tal estrutura, com a nova redação do art. 226 da CF/88, modificada pela EC nº 66/2010, deverá também haver nova interpretação dos arts. 1.122 do CPC e 40 da Lei do Divórcio, que não mais poderá ficar à margem da substancial alteração. Há que se observar e relembrar que a nova ordem constitucional prevista no art. 226 da Carta Maior alterou os requisitos necessários à concessão do divórcio consensual direto. 5. Não cabe, in casu, falar em inobservância do princípio da reserva de plenário, previsto no art. 97 da Constituição Federal, notadamente porque não se procedeu qualquer declaração de inconstitucionalidade, mas, sim, apenas e somente interpretação sistemática dos dispositivos legais versados acerca da matéria. 6. Recurso especial a que se nega provimento” (REsp 1.483.841/RS, Rel. Min. Moura Ribeiro, Terceira Turma, j. 17.03.2015, DJe 27.03.2015).
[39] Em sentido contrário, a posição de Rolf Madaleno, para quem “prevalece, sim, um interesse de proteção estatal na justa composição da separação ou do divórcio, para que cônjuges possam ser induvidosamente esclarecidos, ou que assim manifestem perante o juiz, de estarem efetivamente cientes dos efeitos das cláusulas por eles ajustadas na sua separação no seu divórcio e, portanto, para que não saiam prejudicados em seus direitos” (Op. cit., p. 266).
[40] STJ, REsp 1.203.786/SC, DJe 19.03.2014.
[41] Para Maria Berenice Dias, “a regra é de escancarada inconstitucionalidade, já que afronta o princípio da liberdade que impera no contexto das relações familiares. O direito assegurado ao casal de extinguir ou dissolver a relação conjugal não pode ser obstaculizado pela Justiça” (Manual de direito das famílias. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005. p. 292).
[42] “Art. 693. As normas deste Capítulo aplicam-se aos processos contenciosos de divórcio, separação, reconhecimento e extinção de união estável, guarda, visitação e filiação. Parágrafo único. A ação de alimentos e a que versar sobre interesse de criança ou de adolescente observarão o procedimento previsto em legislação específica, aplicando-se, no que couber, as disposições deste Capítulo. Art. 694. Nas ações de família, todos os esforços serão empreendidos para a solução consensual da controvérsia, devendo o juiz dispor do auxílio de profissionais de outras áreas de conhecimento para a mediação e conciliação. Parágrafo único. A requerimento das partes, o juiz pode determinar a suspensão do processo enquanto os litigantes se submetem a mediação extrajudicial ou a atendimento multidisciplinar. Art. 695. Recebida a petição inicial e, se for o caso, tomadas as providências referentes à tutela provisória, o juiz ordenará a citação do réu para comparecer à audiência de mediação e conciliação, observado o disposto no art. 694. § 1º O mandado de citação conterá apenas os dados necessários à audiência e deverá estar desacompanhado de cópia da petição inicial, assegurado ao réu o direito de examinar seu conteúdo a qualquer tempo. § 2º A citação ocorrerá com antecedência mínima de 15 (quinze) dias da data designada para a audiência. § 3º A citação será feita na pessoa do réu. § 4º Na audiência, as partes deverão estar acompanhadas de seus advogados ou de defensores públicos. Art. 696. A audiência de mediação e conciliação poderá dividir-se em tantas sessões quantas sejam necessárias para viabilizar a solução consensual, sem prejuízo de providências jurisdicionais para evitar o perecimento do direito. Art. 697. Não realizado o acordo, passarão a incidir, a partir de então, as normas do procedimento comum, observado o art. 335. Art. 698. Nas ações de família, o Ministério Público somente intervirá quando houver interesse de incapaz e deverá ser ouvido previamente à homologação de acordo. Art. 699. Quando o processo envolver discussão sobre fato relacionado a abuso ou a alienação parental, o juiz, ao tomar o depoimento do incapaz, deverá estar acompanhado por especialista.”
[43] Pablo Stolze alude a divórcio liminar, “na medida em que se trata de providência que pode ser adotada no limiar do processo, ou seja, in limine litis. E não olvidamos que, em essência, trata-se da antecipação dos efeitos definitivos incontroversos da sentença, porquanto, como dito acima, por se tratar, o divórcio, de um direito potestativo, não haveria razão ou justificativa de mérito hábil a impedir a sua decretação. Nesse contexto, podemos concluir, então, ser juridicamente possível que o casal obtenha o divórcio mediante uma simples medida liminar, devidamente fundamentada, enquanto ainda tramita o procedimento para o julgamento final dos demais pedidos cumulados. Tal conclusão vai ao encontro dos princípios fundamentais do novo direito de família, na perspectiva sempre presente da dignidade da pessoa humana” (Divórcio liminar. Jus Navigandi, Teresina, ano 19, n. 3960. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/28187/divorcio-liminar>. Acesso em: 15 nov. 2014).
[44] A questão da cumulação de pedidos tem gerado controvérsias na atividade forense, sendo frequentes as determinações de desmembramento por parte de alguns juízos de família. Em São Paulo, em face da possibilidade de ser ordenado, pelo juiz, o desmembramento de pedidos de divórcio e partilha (e/ou dissolução de união estável), dos pedidos cumulados de alimentos e regulamentação de guarda e visita, o Instituto dos Advogados (IASP) formulou pedido de providências à Corregedoria de Justiça no sentido de recomendar aos juízes que na distribuição dos processos de família seja adotado o critério da prevenção da Vara para a qual foi distribuída a primeira ação do denominado “conflito familiar”, estendendo para esse juízo a competência relativa para conhecer futuras ações cautelares e principais, ainda que não haja identidade de partes ou de pedido. A extensão da competência relativa, in casu, estaria fundada na identidade da causa de pedir remota, numa acepção muito ampla da expressão.
[45] No CPC/73, a cumulação de pedidos estava prevista no art. 293.
[46] “Art. 327. É lícita a cumulação, num único processo, contra o mesmo réu, de vários pedidos, ainda que entre eles não haja conexão. § 1º São requisitos de admissibilidade da cumulação: I – que os pedidos sejam compatíveis entre si; II – que seja competente para conhecer deles o mesmo juízo; III – que seja adequado para todos os pedidos o tipo de procedimento. § 2º Quando, para cada pedido, corresponder tipo diverso de procedimento, será admitida a cumulação se o autor empregar o procedimento comum, sem prejuízo do emprego das técnicas processuais diferenciadas previstas nos procedimentos especiais a que se sujeitam um ou mais pedidos cumulados, que não forem incompatíveis com as disposições sobre o procedimento comum.”
[47] “Art. 355. O juiz julgará antecipadamente o pedido, proferindo sentença com resolução de mérito, quando: I – não houver necessidade de produção de outras provas; II – o réu for revel, ocorrer o efeito previsto no art. 344 e não houver requerimento de prova, na forma do art. 349. Art. 356. O juiz decidirá parcialmente o mérito quando um ou mais dos pedidos formulados ou parcela deles: I – mostrar-se incontroverso; II – estiver em condições de imediato julgamento, nos termos do art. 355.”
[48] O privilégio não se aplica às ações de dissolução de união estável. Nesse sentido: “CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. COMPETÊNCIA. AÇÃO DE DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL. ART. 100, I, DO CPC. CONSTITUIÇÃO DE 1988. INCOMPATIBILIDADE. IGUALDADE ENTRE OS CÔNJUGES. PRECEDENTE. INAPLICABILIDADE À UNIÃO ESTÁVEL. AUSÊNCIA DE REGRA ESPECÍFICA. RECURSO PROVIDO. I – No plano infraconstitucional, conquanto haja divergência doutrinária e jurisprudencial acerca da prevalência do art. 100, I, do CPC, e da extensão de sua incidência, a dificultar a uniformização interpretativa na matéria, esta Corte tem adotado a interpretação restritiva desse artigo. II – Em face dessa interpretação restritiva, descabe invocar sua aplicação às ações de dissolução de união estável, até porque sequer há norma equivalente, a seu respeito, tornando aplicável, em consequência, o art. 94 do CPC. III – Embargos declaratórios opostos com o intuito de atender ao requisito do prequestionamento não são protelatórios, a teor do Enunciado nº 98 da Súmula/STJ” (REsp 327.086/PR, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, Quarta Turma, j. 08.10.02, DJ 10.02.03, p. 214).
[49] “RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE DIVÓRCIO DIRETO LITIGIOSO. AUTOR CÔNJUGE VARÃO INTERDITADO. REPRESENTAÇÃO POR CURADOR. RÉ DOMICILIADA EM COMARCA DIVERSA. EXCEÇÃO DE INCOMPETÊNCIA. DOMICÍLIO DA MULHER EM CONTRAPOSIÇÃO AO DO INCAPAZ (CPC, ARTS. 98 E 100, I). NORMAS DE CARÁTER PROTETIVO. PREVALÊNCIA, NO CASO, DA REGRA QUE PRIVILEGIA OS INTERESSES DO INCAPAZ, INDEPENDENTEMENTE DA POSIÇÃO QUE OCUPE NOS POLOS DA RELAÇÃO PROCESSUAL. RECURSO PROVIDO. 1. Neste recurso, tirado de exceção de incompetência deduzida em ação de divórcio direto litigioso, estão em confronto os interesses da ré, cônjuge feminino, que objetiva, com espeque no art. 100, I, do CPC, a prevalência do foro especial de sua residência, e os do cônjuge varão incapaz, representado por curador, de que prepondere o do domicílio deste, com fundamento no art. 98 do CPC. 2. A regra processual do art. 98 protege pessoa absoluta ou relativamente incapaz, por considerá-la mais frágil na relação jurídica processual, quando litiga em qualquer ação. Assim, na melhor compreensão a ser extraída dessa norma, não há razão para diferenciar-se a posição processual do incapaz. Figure o incapaz como autor ou réu em qualquer ação, deve-se possibilitar ao seu representante litigar no foro de seu domicílio, pois, normalmente, sempre necessitará de proteção, de amparo, de facilitação da defesa dos seus interesses, mormente em ações de estado. 3. No confronto entre as normas protetivas invocadas pelas partes, entre o foro da residência da mulher e o do domicílio do representante do incapaz, deve preponderar a regra que privilegia o incapaz, pela maior fragilidade de quem atua representado, necessitando de facilitação de meios, especialmente numa relação processual formada em ação de divórcio, em que o delicado direito material a ser discutido pode envolver íntimos sentimentos e relevantes aspectos patrimoniais. 4. Recurso especial provido para julgar improcedente a exceção de incompetência do juízo oposta pela recorrida.” (REsp 875.612/MG, Rel. Min. Raul Araújo, Quarta Turma, j. 04.09.2014, DJe 17.11.2014)
[50] Ensinam Gladston Mamede e Eduarda Cotta Mamede ser “assustadoramente comum ver-se que a partilha dos bens é maculada pela iniciativa de um dos cônjuges ou conviventes que, preparando-se com antecedência para a separação, criou mecanismos para fraudar a partilha dos bens” (Separação, divórcio e fraude na partilha de bens – simulações empresariais e societárias. São Paulo: Atlas, 2010. p. 10).
[51] “Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.”
[52] “DIREITO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL. DESCONSIDERAÇÃO INVERSA DA PERSONALIDADE JURÍDICA. 1. Ação de dissolução de união estável ajuizada em 14.12.09, da qual foi extraído o presente recurso especial, concluso ao Gabinete em 08.11.2011. 2. Discute-se se a regra contida no art. 50 do CC/02 autoriza a desconsideração inversa da personalidade jurídica e se o sócio da sociedade empresária pode requerer a desconsideração da personalidade jurídica desta. 3. A desconsideração inversa da personalidade jurídica caracteriza-se pelo afastamento da autonomia patrimonial da sociedade para, contrariamente do que ocorre na desconsideração da personalidade propriamente dita, atingir o ente coletivo e seu patrimônio social, de modo a responsabilizar a pessoa jurídica por obrigações do sócio controlador. 4. É possível a desconsideração inversa da personalidade jurídica sempre que o cônjuge ou companheiro empresário valer-se de pessoa jurídica por ele controlada, ou de interposta pessoa física, a fim de subtrair do outro cônjuge ou companheiro direitos oriundos da sociedade afetiva. 5. Alterar o decidido no acórdão recorrido, quanto à ocorrência de confusão patrimonial e abuso de direito por parte do sócio majoritário, exige o reexame de fatos e provas, o que é vedado em recurso especial pela Súmula nº 7/STJ. 6. Se as instâncias ordinárias concluem pela existência de manobras arquitetadas para fraudar a partilha, a legitimidade para requerer a desconsideração só pode ser daquele que foi lesado por essas manobras, ou seja, do outro cônjuge ou companheiro, sendo irrelevante o fato deste ser sócio da empresa. 7. Negado provimento ao recurso especial.” (STJ, REsp 1.236.916/RS, Relª Minª Nancy Andrighi, Terceira Turma, j. 22.10.2013, DJe 28.10.2013)
“Execução por título extrajudicial. Desconsideração da personalidade jurídica inversa. Extensão dos efeitos da execução para atingir empresa que os coexecutados figuram como sócios. Recurso interposto pelos devedores primitivos. Inadmissibilidade. Ilegitimidade e ausência de interesse recursal. Recurso não conhecido.” (TJSP, Agravo de Instrumento 2082674-16.2014.8.26.0000, Rel. Mario de Oliveira, j. 30.06.2014)
“Agravo de instrumento. Execução por título extrajudicial. Desconsideração inversa da personalidade jurídica. Decisão que afetou pessoa jurídica, sendo determinada sua citação e constrição de bem imóvel de sua propriedade. Recurso interposto pelos executados, que alegam que não fazem parte da sociedade de referida empresa. Interesse para recorrer não evidenciado no caso. Art. 499 do CPC. Recurso não conhecido.” (AI 2026610-83.2014.8.26.0000, Rel. Thiago de Siqueira, j. 28.04.2014)