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A DISSOLUÇÃO PARCIAL DA SOCIEDADE ANÔNIMA FECHADA DE ACORDO COM O CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015

A DISSOLUÇÃO PARCIAL DA SOCIEDADE ANÔNIMA FECHADA DE ACORDO COM O CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015

Leon Simões De Mello

Ana Carolina Esmeraldo Barbosa

Rana Emi Pimenta Farias

 

RESUMO: O presente artigo busca abordar a dissolução parcial de sociedade à luz do regramento do Código de Processo Civil de 2015, em conjunto com a análise do Código Civil de 2002, que tratou de forma sistemática do assunto no aspecto material. Propõe-se a análise histórica do instituto no Direito brasileiro, com exame da doutrina e da jurisprudência pátrias, para alcançar melhor compreensão acerca dos novos dispositivos codificados. Ademais, adentra-se no controverso tema da dissolução parcial de sociedade anônima de capital fechado, especialmente com foco no permissivo legal consignado no CPC de 2015, também tendo por referência a evolução da discussão pelos autores da doutrina especializada e os entendimentos pretorianos.

 

INTRODUÇÃO

O Código de Processo Civil de 2015 trouxe, entre várias inovações, a inserção de um novo procedimento especial até então não positivado pelo ordenamento jurídico brasileiro, qual seja, o referente à dissolução parcial de sociedade. Em verdade, trata-se de um instituto jurídico que, apesar de inovador na norma, há tempos que já é utilizado, aceito e reconhecido pela jurisprudência e pela doutrina pátrias – muito embora ainda seja alvo de diversas críticas e motivo de discussões.

Em suma, a dissolução parcial da sociedade consiste em uma criação jurisprudencial de um novo modelo de “retirada de sócio, que requereu dissolução total, porquanto se entende que a vontade unilateral do sócio não deva prevalecer sobre a utilidade social e econômica representada pela empresa[1]. Isso significa que, enquanto a sociedade permanece em plena atividade, o retirante se afasta da empresa, sendo-lhe conferido o direito de apurar seus haveres, em conformidade com a cláusula de retirada de sócio, respeitando as condições e os limites previamente estipulados em sede do contrato social da respectiva sociedade.

Ocorre que, não obstante a efetividade da concepção do instituto aos casos relacionados a sociedades limitadas e outras sociedades de pessoas, o mesmo não se verifica quando de sua aplicabilidade aos embates societários ocorridos no seio das sociedades anônimas. Seja pela impossibilidade jurídica do pedido, seja pelo próprio intuitu pecuniae inerente às sociedades anônimas, o fato é que, quando do uso do instituto a esse tipo societário em específico, os jurisconsultos e os tribunais pátrios entram em discordância.

Conforme se depreenderá no presente artigo, apesar de tais razões serem ponderáveis, elas não são suficientes a inutilizar e a tornar inaplicável o instituto da dissolução parcial às sociedades anônimas – ou melhor, não sob análise do contexto societário brasileiro.

 

1 A DISSOLUÇÃO PARCIAL DE SOCIEDADE E O CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015

A dissolução parcial de sociedade, em uma definição abrangente, trata-se do fenômeno jurídico em que há a extinção do vínculo existente entre um ou mais sócios e a sociedade da qual participam, com solução de continuidade quanto à respectiva participação do sócio que o vínculo se extinguiu, exigindo-se, por isso, a liquidação de suas quotas.

Diferentemente de outros fatos ou atos jurídicos, nos quais há, como a cessão onerosa ou gratuita de quotas, apenas mudança subjetiva na titularidade das quotas sociais, a dissolução é caracterizada pela extinção do próprio vínculo jurídico-societário que anteriormente unia o sócio à sociedade, implicando na necessidade de liquidação da respectiva participação, o que não ocorre quando há alienação das quotas.

Para entender o conceito, as características e a abrangência do instituto da dissolução parcial no ordenamento jurídico pátrio, é importante, mesmo que sucintamente, lembrar-se de suas origens históricas.

O Código Comercial de 1850, baseado na mentalidade individualista do direito comercial, na inexistência da concepção da sociedade como pessoa distinta da de seus sócios e considerando o contrato de sociedade de natureza bilateral – em que haveria dois polos opostos, como os demais contratos –, concebeu a dissolução total como regra para a quase generalidade das situações em que ocorria o rompimento da relação jurídico-societária entre quaisquer dos sócios[2].

Como alternativa para a dissolução total da sociedade, já após a entrada em vigor do Código Civil de 1916 – códex no qual foi recepcionada a teoria da personalidade jurídica às sociedades comerciais e civis –, a doutrina e a jurisprudência pátrias, principalmente os tribunais, passaram a interpretar o ordenamento para acomodar a ideia da dissolução parcial.

Não seria razoável – essa era a lógica jurídica apresentada para aplicação do entendimento – que a sociedade comercial fosse extinta, em sua totalidade, por qualquer situação de rompimento do vínculo jurídico em relação a qualquer sócio, no mais das vezes, ocorrendo por mera vontade de um dos membros do corpo social, enquanto os demais teriam intenção de continuar a sociedade.

A dissolução parcial, portanto, foi tomada como uma necessária solução para o problema da dissolução total como regra da desvinculação societária ou contenda entre sócios[3]. Assim, o rompimento do vínculo em relação a um sócio, por via de falecimento, exclusão, retirada, renúncia ou outra causa, não descambaria na extinção da sociedade. Ao sócio que se retirou (ou seus sucessores, no caso de morte deste) seria devida a sua participação no acervo social, de acordo com sua participação no capital social e conforme estipulado no contrato social, da mesma forma que lhe seria devido em caso de dissolução total da sociedade.

Os doutrinadores, constantemente, pontuam acerca da problemática na própria nomenclatura do instituto, que chegou a levantar, na metade do século passado, diversas críticas da doutrina especializada[4].

Todavia, tanto pelo largo uso da jurisprudência e, atualmente, do Código de Processo Civil de 2015 quanto pela inexistência de proposição de melhor nomenclatura para designar tal instituto jurídico, parte da doutrina atual vem aceitando a expressão “dissolução parcial” como a mais adequada até o momento[5].

Faz-se pertinente, então, a análise aprofundada acerca da recepção legislativa do instituto no ordenamento brasileiro de forma sistema tizada, no âmbito do direito material – com base nos vários dispositivos pertinentes do Código Civil de 2002 – e, especialmente, na seara processual, com a criação do procedimento especial denominado “ação de dissolução parcial de sociedade” no Código de Processo Civil de 2015, verificando, nesse caso, os possíveis objetos do processo, suas hipóteses de cabimento, legitimidade ativa e passiva, fases e aspectos controversos da apuração de haveres e do pagamento da participação ao sócio.

 

1.1 A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO INSTITUTO

De antemão, importa salientar que a criação da dissolução parcial da sociedade foi resultado de uma construção cautelosa e sapiente da jurisprudência brasileira, emanada, sobretudo durante a segunda metade do século passado. Aliado à carência legislativa sobre a matéria, o instituto se fez cada vez mais necessário ante a crescente disparidade existente entre a realidade social-econômica à época vivenciada e os preceitos normativos impostos pelo então vigente ordenamento jurídico.

Nesse aspecto: “José Waldecy Lucena considera que o instituto da dissolução parcial de sociedades teve uma evolução lenta, citando como uma das causas o forte individualismo que permeava a principiologia do direito[6].

No auge do Código Comercial de 1850 (quando qualquer rompimento de sociedade configuraria uma causa de dissolução total) e de seu viés individualista (em que o caráter personalíssimo das sociedades e a vontade de contratar pairavam acima de qualquer objetivo comunitário[7]), a jurisprudência já demonstrava preocupação com a preservação da empresa.

Analisando o Recurso Extraordinário nº 6.487, da 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), de fevereiro de 1949[8], vê-se que, apesar de o art. 335, V, do Código Comercial, então vigente, facultar ao sócio pleitear, a qualquer tempo, a dissolução total da sociedade, os julgadores buscavam reservar, em um primeiro momento, o “poder de apreciar a boa-fé e a tempestividade ou oportunidade da renúncia do sócio”, questão essa que consideravam ser de “apreciação em cada caso”.

A título de ressalva e de ceticismo, vale citar que o Código Comercial de 1850 chegou a tratar de hipóteses de retirada de sócio, ainda que mui primitivamente. Além da previsão relativa ao falecimento do membro, oportunidade em que os sobreviventes poderiam convencionar sobre a continuidade das atividades (art. 335, IV), o dispositivo de número 339 também considerou tal possibilidade ao se referir às consequências àquele que “se despedir da sociedade” ou que dela “for despedido com causa justificada”, antes da dissolução[9]. Apesar de triviais, tais disposições não deixam de consistir em alternativa de quebra societária.

Seguindo a mesma perspectiva, o Código Civil de 1916 não destoou do Código Comercial de 1850 ao considerar suficiente à dissolução total da sociedade a existência de qualquer rompimento de vínculo entre os sócios, ainda que único seja.

Por outro lado, houve a inserção de uma nova possibilidade de retirada de sócio. O art. 1.399 facultava ao membro retirante o direito a renunciar à sociedade, desde que esta fosse operada por prazo indeterminado.

Além disso – e como evidência da crescente preocupação com as empresas –, o art. 1.404 aduz que a renúncia não só deveria estar eivada de boa-fé, como também deveria ser anunciada em tempo oportuno, de modo a evitar danos à sociedade. Esse ato detinha efeito dissolutivo e em sendo constatado a má-fé do renunciante, os demais sócios poderiam pedir a exclusão daquele, sem prejuízos à continuidade da empresa.

Ato contínuo, com a constante evolução do princípio da preservação das empresas, entra em vigor o Código Civil de 2002, oportunidade em que o instituto finalmente foi recepcionado sob um novo paradigma:

O fundamento passou pelo reconhecimento da função social da empresa, pela geração e manutenção do emprego dos trabalhadores, do recolhimento de tributos, da produção de bens e serviços e da circulação de riquezas, etc., o que eleva a princípio a necessidade da preservação da empresa, não obstante o rompimento do vínculo entre sócios.[10]

Recebendo o título de “Resolução da sociedade em relação a um sócio”, o assunto foi regulado em seu sentido amplo, positivando a hipótese de preservação de sociedade, inobstante o rompimento do vínculo societário, quando do interesse dos demais sócios.

Ocorre que os arts. 1.029 a 1.030 do mencionado diploma dispõem apenas dos motivos e dos requisitos da dissolução, restringindo- se a abordagem predominantemente material – e não processual – do instituto, ao passo que o relaciona aos casos de morte, de retirada e de exclusão de sócio.

Já quanto ao aspecto procedimental, essa lacuna somente veio a ser amenizada – e não suprida – em 2015, quando da vigência do novo Código de Processo Civil. Segundo Pereira[11], foi a primeira vez que o ordenamento jurídico brasileiro positivou um rito especial para as ações de dissolução parcial de sociedade, cujo fundamento principal baseia-se na preservação da empresa e na premissa de que os interesses da sociedade empresária transcendem os dos sócios, investidores e consumidores.

Assim, foi neste contexto que o novo Código Processual normatizou, entre os arts. 599 e 609, o rito processual do instituto da dissolução parcial das sociedades, elencando, para tanto, duas principais finalidades, quais sejam: a resolução da sociedade empresária contratual ou simples e a apuração dos haveres do sócio excluído.

 

1.2 A DISSOLUÇÃO PARCIAL COMO PROCEDIMENTO ESPECIAL NO CPC DE 2015

O Código Civil de 2002, em seus arts. 1.004, 1.028 a 1.032, 1.077 e 1.085, sob a denominação de “Resolução da sociedade em relação a um sócio”[12], passou a reger, materialmente, a dissolução parcial da sociedade simples e da empresária contratual (conceito esse voltado para designar as sociedades personificadas que tem por base constitutiva o liame contratual, sendo elas a limitada, em nome coletivo e em comandita simples[13]), além da regência paralela das sociedades por ações pela

Lei nº 6.404/1976, sem que houvesse lei processual que prescrevesse o procedimento judicial pertinente.

O procedimento especial do CPC de 2015 (arts. 599 a 609) veio em boa hora, considerando a ausência de regramento processual acerca do tema há décadas, isto é, desde que os tribunais passaram a reconhecer a dissolução parcial de sociedade em diversas situações. O regramento antigo, disposto no Código de Processo Civil de 1939, além de deveras distante da realidade jurídica atual, era deficiente, pois focava apenas na dissolução total da sociedade, restando aos tribunais, caso a caso, o encargo de especificar as regras procedimentais para os feitos que envolvessem a dissolução parcial.

De plano, o CPC vigente, em seu art. 599, estabelece os aspectos objetivos e finalísticos do procedimento, que são: um, a resolução do vínculo societário em relação ao sócio falecido, excluído ou que exerceu o direito de retirada ou recesso; e, dois, a apuração dos haveres do sócio, o qual teve o seu vínculo rompido. De forma a evitar dúvidas, o

Código possibilita ainda a utilização do procedimento apenas com fins de discussão de um dos objetos retro mencionados[14].

Quantos às hipóteses de cabimento, em consonância aos dispositivos do Código Civil, o CPC alberga o procedimento às sociedades simples ou empresárias contratuais (conforme definidas antes), nos casos de: (i) falecimento de sócio (CC, art. 1.028); (ii) exclusão de sócio por justa causa (CC, arts. 1.004, 1.030 e 1.085); e (iii) exercício do direito de retirada ou recesso (CC, art. 1.077)[15].

Verifica-se que, na primeira hipótese, o objeto da ação dissolutória deverá ser apenas a apuração de haveres, considerando que não haverá discussão acerca do rompimento do vínculo com o eventus mortis; nas demais hipóteses, pode se verificar controvérsias tanto em relação à própria dissolução parcial quanto no que atine à apuração de haveres[16].

Há, ainda, como última hipótese de cabimento, aquela prevista no § 2º do art. 599 do CPC, que prevê a dissolução parcial de sociedade anônima fechada em caso de demonstração, por acionista(s) que represente(m) cinco por cento ou mais do capital social, de impossibilidade de preenchimento do fim social, inovação legislativa que será discutida no tópico pertinente.

O novo Código Processual é copioso no que tange à previsão da legitimação ativa para a propositura da ação (art. 600), reconhecendo a legitimidade do espólio do sócio falecido, de seus sucessores ou da sociedade, em caso de dissolução por morte, do sócio que exerceu o direito de recesso ou de retirada, da sociedade, no caso de a exclusão de sócio ser cabível judicialmente, ou pelo sócio excluído. Há, ainda, a legitimação de ex-cônjuge ou ex-companheiro de sócio, mas se restringindo ao pedido de apuração de haveres[17].

Em relação à legitimação passiva, o art. 601 do CPC determina que os sócios[18] e a sociedade sejam citados acerca da ação, denotando que esses são os litisconsortes passivos necessários da demanda, com exceção dos casos em que a própria sociedade é autora.

Previu o Código, ainda, com base em entendimento de parcela da jurisprudência e doutrina pátrias, a dispensabilidade da citação da sociedade em caso de todos os sócios comporem a demanda, todavia continuando a sociedade na demanda, para todos os efeitos, inclusive de sujeição aos efeitos das decisões exaradas no processo.

A ação de dissolução poderá se dividir em duas fases: sendo a própria fase dissolutória, de natureza cognitiva, em que será decidido acerca do pedido dissolutório; e a fase de apuração de haveres, de natureza liquidatória, na qual se apurará a participação societária do ex-sócio.

Interessante verificar que, em relação à primeira fase, não haverá maiores especificidades em comparação ao procedimento comum, considerando que, na hipótese de concordância com o pedido de dissolução, o juiz a decretará, já prosseguindo para a liquidação, ou, acaso a dissolução seja impugnada, serão observados os preceitos do procedimento comum (art. 603 do CPC).

A apuração de haveres, então, é a fase que foi objeto de particularidades que merecem maiores análises.

 

1.3 A FASE DE APURAÇÃO DE HAVERES

A apuração de haveres, antes de uma fase do procedimento dissolutório, precisa ser entendida como um fenômeno jurídico correlato e decorrente da dissolução parcial, que pode vir a ser realizados de forma judicial, em caso de controvérsia, ou extrajudicial, quando há a quebra do vínculo societário pela morte, exclusão, retirada ou recesso de sócio.

Da seguinte maneira conceitua a doutrina especializada, em trabalho monográfico:

Isso porque, a apuração de haveres nada mais é senão a ferramenta utilizada pela sociedade para apurar um crédito em nome do sócio que se afasta que passará a ser detido contra ela, em função da ocorrência da dissolução parcial. […]

Exceto pela dissolução parcial em razão de exclusão de sócio remisso, as demais hipóteses de dissolução parcial das sociedades limitadas, com consequente redução do capital social, concedem ao sócio que sai do quadro social um direito de crédito perante a sociedade que, aqui, denominar-se-á reembolso. Assim, uma vez que se tenha por certa a continuação da sociedade após a saída de determinado sócio, segue-se a apuração dos haveres sociais deste que se afasta, como efeito imediato e direto daquela causa. Para se determinar esse quantum debeatur, é que deve a sociedade proceder à apuração de haveres.[19]

Ainda conceituando a matéria, Gonçalves Neto[20] preceitua que o ex-sócio que teve o vínculo societário dissolvido, “[…] se torna credor (o mesmo ocorrendo com os herdeiros do sócio falecido) do direito de exigir apuração de seus haveres na sociedade para obter o reembolso de seus cabedais, nascendo para a sociedade, em contrapartida, a correlata obrigação […]”.

Para a realização ordenada da liquidação da participação societária do sócio cujo vínculo foi rompido, o CPC estabeleceu algumas especificações para tal fase processual, entre as mais importantes está à necessária fixação prévia, pelo magistrado, da data da resolução do vínculo societário[21], do critério de apuração dos haveres e da pessoa do perito, que preferencialmente será especialista em avaliação de sociedades, e a definição, também prévia, do critério de apuração de haveres.

De modo a flexibilizar a decisão de fixação da data da dissolução societária e do parâmetro de apuração, o art. 607 do CPC permitiu ao juiz, até o início da realização da perícia, desde que instado por alguma das partes, rever tais critérios, obviamente, de modo justificado[22].

Ponto fulcral da fase liquidatória diz respeito à fixação do critério de apuração de haveres, considerando que, a depender do parâmetro utilizado, poderá haver diferenças consideráveis no quantum da obrigação pecuniária de liquidação da participação societária. Dessa forma, verifica-se que, na maior parte das vezes, as grandes controvérsias e irresignações no âmbito das ações de dissolução parcial decorrem da fixação do parâmetro de apuração e da avaliação do patrimônio social[23].

O Código Civil, em seu art. 1.031, caput, estabeleceu como critério padrão de apuração de haveres em dissolução parcial, na hipótese de omissão do contrato social, a situação patrimonial real da sociedade à data da resolução, que deverá ser verificada em balanço especialmente levantado para esse fim.

O CPC de 2015, na mesma senda, fixou, em terminologia mais adequada, que o critério de apuração, em caso de omissão contratual, será o “[…] valor patrimonial apurado em balanço de determinação, tomando-se por referência a data da resolução e avaliando-se bens e direitos do ativo, tangíveis e intangíveis, a preço de saída, além do passivo também a ser apurado de igual forma” (art. 606).

O CPC, dessa forma, foi mais completo que o Código Civil, indicando a necessária inclusão, para fins de dimensionamento do ativo societário, dos intangíveis (aviamento ou goodwill, marca e patente, know-how, entre outros), findando longa discussão existente na doutrina e na jurisprudência pátrias[24].

 

2 A SOCIEDADE ANÔNIMA E A DISSOLUÇÃO PARCIAL

Com a evolução histórica, doutrinária, legislativa e, sobretudo, jurisprudencial no que concerne à dissolução parcial das sociedades, o conceito do instituto e a sua própria aplicabilidade foram objeto de gradativa lapidação. Em verdade, não obstante quase um século de densas discussões, tanto em nível de tribunal quanto em âmbito extrajudicial, o tema ainda suscita profundas polêmicas.

Indubitavelmente, um dos fatores mais relevantes a embaraçar a uniformização jurisprudencial e a dar continuidade ao dissenso sobre o instituto pode ser resumido na longa carência normativa regulamentadora da matéria. Prova cabal de tal fato consiste no próprio rito processual, essencial à efetivação de qualquer regimento/padrão legal, somente ter sido positivado no ano de 2015, com a edição do novo Código de Processo Civil.

No entanto, além da tardia positivação do tema, uma outra discussão também corrobora a dificuldade de se pacificar a celeuma: a aplicabilidade da dissolução parcial às sociedades anônimas.

Segundo Fonseca[25], a questão justifica-se à medida que proliferam, nos tribunais pátrios, ações promovidas por acionistas, não raro julgadas improcedentes, ou mesmo desde logo extintas, sob o fundamento de que o diploma legal que rege as sociedades anônimas já contemplaria o direito de recesso, derivando daí a falta de condição de ação ligada à possibilidade jurídica do pedido. Complementa, ainda, com a ideia de que, em tese, não seria aplicável às sociedades anônimas – cuja organização se norteia pelo princípio de intuitus pecuniae – normas e critérios próprios das sociedades erigidas consoante o intuitus personae.

Assim, é justamente nesse cenário de embates sobre a aplicabilidade da dissolução parcial às sociedades anônimas que este tópico se debruça.

 

2.1 DISSOLUÇÃO PARCIAL DA SOCIEDADE ANÔNIMA FECHADA: EVOLUÇÃO JURISPRUDENCIAL DO TEMA

As sociedades anônimas fechadas, consoante fartamente exposto antes, tratam-se de sociedade de capital, consubstanciado no intuitu pecuniae, inexistindo, pois, relação afetiva entre os acionistas que justifique sua união, mas sim uma união de capitais destinada ao fim lucrativo. Referido tipo societário é disciplinado pela Lei nº 6.404/1976, cabendo, subsidiariamente, a aplicação do Código Civil.

Tem-se, dessa forma, que a característica preponderante da sociedade anônima se revela na representação de um agrupamento de capital com um fim social, de maneira diversa das sociedades contratuais de caráter pessoal, que se baseiam em uma reunião de pessoas com ideais afins.

Entretanto, a realidade empresarial brasileira aponta um número significativo de sociedades de pessoas travestidas de sociedade de capital, na forma de sociedades anônimas, de médio e pequeno porte, de capital fechado, com elementos importantes concentrados na pessoa dos acionistas, nas quais o fator determinante para formação se constitui na afinidade e identificação pessoal entre eles.

Nesse diapasão, considerando a frequente constituição de sociedades anônimas, portanto, de capital, com características de sociedades de pessoas, emergiu o contexto que ensejou a necessidade de dissolução da sociedade por quebra da affectio societatis, elemento essencial à manutenção da sociedade de pessoas.

O legislador, historicamente, dispôs, de maneira taxativa, as hipóteses de dissolução das sociedades anônimas, que se daria em sua totalidade, com base no art. 206 da Lei nº 6.404/1976. Contudo, diante da crescente constituição de tais sociedades anônimas fechadas de cunho familiar, que denunciam características de sociedade contratual, coube aos tribunais pátrios decidir acerca da possibilidade de relativização das hipóteses e da forma de dissolução quanto a um acionista.

Inicialmente, a doutrina e a jurisprudência, de maneira conservadora, afastavam a possibilidade de dissolução parcial para referido tipo societário em decorrência da inexistência de disciplina legal e da inaplicabilidade a tal espécie societária. Nesse sentido é a doutrina de

Alfredo Lamy Filho[26], sendo referido entendimento ratificado por Nelson Eizirick[27], que assim se posicionou: “Não existe fundamento jurídico para a chamada ‘dissolução parcial’ das sociedades por ações, por rompimento da affectio societatis ou por qualquer outra causa, quaisquer que sejam as suas características”.

Na mesma diretriz era o entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ), consoante se verifica no acórdão que julgou o Recurso Especial nº 419.174/SP[28], segundo o qual a Corte Superior entendia por incompatível com a natureza e o regime jurídico das sociedades anônimas o pedido de dissolução parcial formulado por acionistas que desejavam retirar-se da sociedade, haja vista que a affectio societatis não se apresentava como característica da sociedade de capital.

Entretanto, com base nos princípios da função social e da preservação da empresa, instituídos pela Magna Carta, no art. 5º, inciso XXIII, bem como arts. 170, incisos III e IX. e 186, e reiterados no art. 47 da Lei nº 11.101/2005, aliados à liberdade de associação, instituído constitucionalmente no art. 5º, inciso XX, a dissolução parcial das sociedades anônimas de capital fechado de cunho familiar tornou-se possível, sendo acolhida inicialmente nos tribunais de segunda instância.

Assim, após diversificados entendimentos e decisões de teor conflitantes acerca do assunto, formou-se o leading case do Recurso Especial nº 111.294/PR[29], no qual, posteriormente, em julgamento de embargos de divergência, o Superior Tribunal de Justiça estabeleceu o entendimento no sentido de, inobstante a ausência de previsão legal, é possível a dissolução parcial de sociedade anônima fechada por quebra da “afeição social” (affectio societatis).

Dessa maneira, o STJ sopesou a realidade das empresas familiares brasileiras, muitas vezes com contornos de agrupamento familiar, frente à crescente e significativa demanda judicial no sentido de manter em pleno funcionamento a sociedade, com a possibilidade de exercício do direito de retirada para além das possibilidades legalmente estabelecidas, à semelhança do que ocorre na sociedade de responsabilidade limitada.

Para tanto, exigia-se, basicamente, conforme precedente de relatoria da Ministra Nancy Andrighi[30], a quebra da affectio societatis, concernente no sentimento de empreendimento comum que reúne os acionistas em torno do objeto social, e não como consequência lógica do restrito quadro societário, aliado ao fato de a empresa não distribuir dividendos por razoável lapso temporal, o que demonstraria a incapacidade de cumprimento do fim social.

Referido entendimento representou significativo avanço jurisprudencial, eis que conferiu segurança jurídica às demandas atinentes ao assunto e foi referendada por significativa parte da doutrina, que, em sua maioria substancial, corrobora com a opinião.

Depreende-se, pois, que, apesar do silêncio legislativo acerca do assunto, demonstrando a incompatibilidade da dissolução parcial com a sociedade anônima fechada, a Corte Superior firmou posicionamento, que vem sendo acompanhado pelos tribunais pátrios, no sentido de admitir a dissolução parcial, desde que, cumulativamente, restasse caracterizado o caráter personalíssimo da companhia e, secundariamente, existisse um motivo para a dissolução total, bem como fosse possível a dissolução parcial com fins de preservação da empresa.

 

2.2 ANÁLISE LEGAL E DOUTRINÁRIA

A dissolução parcial de sociedade anônima fechada, embora se tratasse, inicialmente, de construção doutrinária e jurisprudencial, somente obteve tratamento legal expresso após o advento do Código de Processo Civil de 2015, que instituiu o procedimento especial da ação de dissolução parcial de sociedade e dedicou parágrafo especificamente para referido tipo societário.

A legislação referente à possibilidade de dissolução de sociedades se limitou à modalidade total, tendo sido abordada desde a Lei nº 556/1850 (Código Comercial), bem como no Decreto nº 3.708/1919 e novamente pelo Código Civil de 2002 (Lei nº 10.406/2002), sendo processualmente disposta desde o Código de Processo Civil de 1939 (Decreto-Lei nº 1.608/1939).

O posicionamento doutrinário para possibilitar a dissolução parcial da sociedade anônima se baseou no direito à liberdade de associação, nos princípios da função social e da preservação da empresa, em consonância com o entendimento jurisprudencial sedimentado pelo STJ acerca do assunto esposado antes.

Nessa senda, o art. 599 do CPC[31] disciplinou, de maneira inovadora, acerca da ação de dissolução parcial de sociedade, cujos objetos podem ser (i) a resolução da sociedade empresária contratual ou simples em relação ao sócio falecido, excluído ou que exerceu o direito de retirada ou recesso; (ii) a apuração dos haveres do sócio falecido, excluído ou que exerceu o direito de retirada ou recesso; ou (iiii) somente a resolução ou a apuração de haveres. É no § 2º do mesmo dispositivo legal que se verifica a inovação acerca da ação de dissolução parcial da sociedade anônima de capital fechado, a ser proposta na hipótese de demonstração, por acionistas que representem pelo menos cinco por cento do capital social, que a companhia não é capaz de preencher seu fim.

Referido dispositivo revelou inovação legislativa, tendo em vista que as normas de direito material atinentes ao assunto, a exemplo do Código Civil e da Lei nº 6.404/1976, não previam tal possibilidade trazida na norma processual. Por tal razão, tem sido questionada pela doutrina a natureza de referida norma, eis que extrapolou os limites processuais, provocando dissonância com o diploma material.

Contudo, quando da edição da norma processual que introduziu a matéria na legislação pátria, o legislador não deu o mesmo tratamento à hipótese, no sentido de priorizar a affectio societatis, conforme leciona Osmar Brina Corrêa Lima[32]:

Inspirado no desfecho dos casos Cocelma e Kirchner, o § 2º do art. 599 do CPC/2015 o extrapolou e, com isso, abriga uma contradição, verdadeiro quebra-cabeça ou quis. De um lado, amplia o alcance da resposta dada pelo Superior Tribunal de Justiça; não limita a propositura da ação de dissolução parcial da sociedade anônima àquela familiar, intuito personae e comprometida com a affectio societatis. De outro lado, reduz o alcance da resposta dada pelo Superior Tribunal de Justiça; exige a demonstração de que a sociedade anônima fechada não pode preencher seu fim.

Dessa forma, segundo elucidou Osmar Brina Corrêa-Lima, entendimento corroborado por Erasmo Valladão e Marcelo Adamek[33], o legislador abordou a matéria desconsiderando o entendimento jurisprudencial, suprimindo o caráter personalíssimo da sociedade, que os tribunais utilizavam como um quesito para autorizar a dissolução parcial, e autorizando a aplicação do instituto nos casos envolvendo qualquer sociedade anônima de capital fechado.

Contudo, à luz da disciplina legal no novo Código Processual, há ainda posicionamento doutrinário no sentido de que, propositadamente, teria o CPC excluído a menção à possibilidade de dissolução parcial nos moldes construídos pela jurisprudência pátria, haja vista a preexistência de hipóteses legais para retirada do acionista no art. 137 da Lei nº 6.404/1976, que não seriam revogadas pelo diploma processual.

Com efeito, a Lei nº 6.404/1976 não admite a retirada imotivada de acionista, razão pela qual não caberia à norma processual estabelecer nova hipótese ou hipótese substitutiva à lei material. Nesse sentido entendem Edgard Katzwinkel Júnior e Sabrina Maria Fadel Becue[34]:

Contudo, o presente artigo pretendeu demonstrar que pouco importa se a sociedade anônima possui laços familiares ou se houve ruptura da affectio societatis. O que efetivamente deve ser observado é a existência de fundamentos para a ação de dissolução total da sociedade anônima, segundo o que estipula o art. 206 da Lei nº 6.404/1976 (em especial no tocante ao seu fim social: distribuição de lucros), e deduzida essa pretensão em juízo, a presença de pedido alternativo de dissolução parcial da sociedade para afastamento do sócio insatisfeito e pagamento dos seus haveres sociais, como forma de preservar a sociedade no exercício regular da empresa.

Não entendemos possível a ação de dissolução parcial da sociedade anônima, e isto porque a dissolução parcial é forma de retirada de sócio que, para sociedade anônima, se restringe às hipóteses do art. 137 da Lei nº 6.404/1976. Cautelas são necessárias para evitar que a dissolução parcial da sociedade torne-se trivial, diante de seu substrato puramente pretoriano, confundindo-a com outros institutos legais.

Referido posicionamento induz que a ação de dissolução parcial da sociedade anônima fechada funcionaria como forma de defesa de acionistas que representem pelo menos 5{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6} (cinco por cento) do capital social na situação de serem demandado em ação de dissolução total da sociedade, a contrario sensu, tivesse a intenção em dar continuidade às atividades de companhia em pleno funcionamento.

Dessa maneira, funcionaria a ação de dissolução parcial da sociedade anônima fechada como meio de defesa, conforme percepção antes referida, baseando-se, de igual forma, nos princípios norteadores do posicionamento jurisprudencial, quais sejam, função social e preservação da empresa, bem como garantia do livre direito de associação.

De outra banda, a doutrina processualista robustece o sentimento de obscuridade trazido pelo Código de 2015, conforme doutrina Nelson Nery Júnior[35]:

O CPC 599 § 2º é de redação obscura. Em se tratando de uma ação de dissolução parcial, é possível que a propositura dessa mesma ação seja motivada pelo não preenchimento do objetivo da sociedade? Isso dá a entender que a sociedade quer se dissolver completamente. A interpretação mais correta, no caso, seria no sentido de que a impossibilidade de preenchimento do fim social se dá em função da não dissolução parcial.

Nessa perspectiva, a doutrina pátria tem apresentado opiniões diversas acerca do assunto, todas com o fim de melhor compreender a mens legis e interpretar a norma guardando prevalência do interesse empresarial e social em detrimento do interesse particular do acionista.

O posicionamento do STJ vem se consolidando, nos últimos anos, no sentido de permitir a dissolução parcial de sociedade anônima fechada de caráter familiar em casos de quebra da affectio societatis, o que, conforme tal precedente configuraria a inexequibilidade do fim social de tais companhias[36]. Parte relevante da doutrina especializa, em comentário a tais decisões, continua a entender pela interpretação estrita do art. 599, § 2º, do CPC, de forma a somente permitir a dissolução marcial se demonstrando a plena existência dos quesitos legais do percentual mínimo de participação no capital social (cinco por cento) e do não preenchimento da finalidade social da companhia, não satisfazendo a mera alegação de rompimento da affectio entre os acionistas[37].

Diante do exposto, tem-se que, com a edição do art. 599, § 2º, do CPC, fora disciplinada a hipótese de cabimento da ação de dissolução parcial da sociedade anônima fechada, mas a omissão legal acerca da situação da quebra da affectio societatis induziu à dubiedade da norma em questão, mantendo, dessa forma, a cargo da doutrina e jurisprudência a incumbência de estabelecer a possibilidade de dissolução parcial da companhia, à luz da recente legislação processual.

 

CONCLUSÃO

A dissolução parcial de sociedade consiste em um instituto jurídico, que, apesar de inovador na norma, há tempos é utilizado, aceito e reconhecido pela jurisprudência e pela maioria dos doutrinadores – embora ainda seja alvo de diversas críticas e motivo de discussões.

Em uma definição abrangente, trata-se de um fenômeno jurídico no qual há a extinção do vínculo existente entre um ou mais sócios e a sociedade da qual participam, com solução de continuidade quanto à respectiva participação do sócio que o vínculo se extinguiu, exigindo-se, por isso, a liquidação de suas quotas.

Apesar de a dissolução parcial ter sido concebida no âmbito das sociedades limitadas e outras sociedades de pessoas, a sua aplicabilidade em relação aos desarranjos societários recaídos sobre as sociedades anônimas ainda ocasiona julgados controversos. Entre os fundamentos que usualmente embasam o pensamento daqueles que denegam a dissolução parcial a tal modelo societário, dois costumam prevalecer: a impossibilidade jurídica do pedido, devido à previsão do direito de recesso pela Lei nº 6.404/1976, e o intuitu pecuniae inerente às sociedades por ações.

Com o advento do Código de Processo Civil de 2015, sobretudo no que tange ao § 2º do art. 599, evidenciou-se a possibilidade de que, diante a dissolução de uma companhia, predominasse o princípio da preservação da sociedade, havendo, por conseguinte, a exclusão e a retirada de determinado sócio, sem que a medida culminasse a dissolução total da sociedade empresária.

Nesse aspecto, a Constituição Federal de 1988 estabelece que nenhum cidadão é obrigado a permanecer associado e, segundo análise dos julgados proferidos pelo Superior Tribunal de Justiça, a realidade do Brasil evidencia o surgimento de várias companhias de pequeno e médio portes, as quais constituem, em seu real caráter, sociedades nitidamente motivadas pelo intuitu personae, muito embora travestida de uma entidade intuitu pecuniae.

Demais disso, auferiu-se também que, correlato e decorrente da dissolução parcial, o fenômeno da apuração de haveres consiste em direito concedido ao sócio retirante de exigir levantamento de seus haveres na sociedade, com intuito de obter a liquidação de sua participação no capital social. Importante ressaltar que tal fato nasce como obrigação imposta à sociedade em contraprestação à liquidação das quotas do sócio, que pode vir a ser fixada de forma judicial, em caso de controvérsia, ou extrajudicial, quando há a quebra do vínculo societário pela morte, pela exclusão, pela retirada ou pelo recesso de sócio.

Ainda nesse aspecto, vale recordar que, para a correta apuração da participação societária do sócio retirante, o CPC estabeleceu algumas especificações, as quais destacam-se a necessária fixação prévia, pelo magistrado, da data da resolução do vínculo societário, bem como do critério de apuração dos haveres, da pessoa do perito.

Verificou-se que o instituto da dissolução parcial, aplicável às sociedades anônimas fechadas, conforme previsão expressa do art. 599, § 2º, do CPC, vem sendo moldado de acordo com o posicionamento dos tribunais superiores, especialmente do STJ, que, nos últimos anos, vem consolidando entendimento mais abrangente acerca da aplicação do instituto, inclusive nos casos de perda da affectio societatis entre os acionistas em companhias familiares, caracterizadas estas pelas relações pessoais entre os seus acionistas. Já parte relevante da doutrina especializada, no entanto, firme na excepcionalidade do instituto em relação às sociedades de capital, entende pela aplicação estrita do referido dispositivo legal, de acordo com os quesitos insculpidos no dispositivo normativo.

Por fim, aufere-se do presente artigo que, apesar de o instituto atualmente ser positivado no ordenamento jurídico brasileiro, principalmente diante das inovações trazidas pelo CPC, a disciplina da matéria ainda se encontra relativamente insuficiente a sanar todas as lacunas deixadas pelos anos de carência normativa, não logrando em ser efetiva e suficiente a reduzir satisfatoriamente as discrepâncias jurisprudenciais, bem como os debates e as desavenças até hoje travadas sobre o assunto.

 

[1] FONSECA, P. M. P. C. da. Dissolução parcial, retirada e exclusão do sócio no novo Código Civil. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2007.

[2] GONÇALVES NETO, A. de A. Direito de empresa: comentários aos artigos 966 a 1.195 do Código Civil. 6. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 294.

[3] COELHO, F. U. A ação de dissolução parcial de sociedade. Revista de Informação Legislativa, Brasília, ano 48, n. 190, p. 141-155, abr./jun. 2011. p. 142.

[4] Hernani Estrella assim criticou o nomen iuris: “[…] a dissolução assinala, por assim dizer, o termo de vida normal da sociedade, a fase pré-agônica, que levará à final e complexa extinção. […] inexato se nos afigura, pois, assemelhar qualquer desses casos de afastamento de sócio (lato sensu) à dissolução ainda que a esta se agregue o restritivo parcial” (ESTRELLA, H. Apuração de haveres de sócio. 3. ed. Atualizado: Roberto Papini.

Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 70. Apud FONSECA, P. M. P. C. da. Dissolução parcial, retirada e exclusão de sócio. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 57-58); do mesmo modo Waldirio Bulgarelli, para quem “[…] há que se considerar essa expressão ‘dissolução parcial como se dissolução total fosse’, como mais uma figura de retórica, a querer exprimir […] o que sempre se procurou, ou seja, o justo e real valor” (BULGARELLI, W.

O novo direito empresarial. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. p. 412-413, Apud FONSECA, P. M. P. Corrêa da. Op. cit., loc. cit.).

[5] FONSECA, P. M. P. C. da. Op. cit., p. 60-61.

[6] TAVARES, J. H. N. Dissolução parcial de sociedades: a ação de dissolução parcial de sociedades no Código de Processo Civil de 2015. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação) – Faculdade de Direito, Universidade Federal de Uberlândia. Uberlândia, 2017. 47 f.

[7] FONSECA, P. M. P. C. da. Dissolução parcial, retirada e exclusão do sócio no novo Código Civil. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2007.

[8] STF, Recurso Extraordinário nº 6.487, 2ª Turma, Rel. Min. Goulart de Oliveira, J. 17.08.1948, RF, fev. 1949, p. 422; TaCivSP, AI 204.034, 3ª Câmara, Rel. Cesar de Moraes, J. 03.07.1974, JTAivSP 17/347.

[9] GONÇALVES NETO, A. de A. Direito de empresa: comentários aos artigos 966 a 1.195 do Código Civil. 6. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 294.

[10] PEREIRA, M. J. G. Aspectos da ação de dissolução parcial de sociedades no novo Código de Processo Civil. Trabalho de Conclusão de Curso (Especialização em Direito dos Negócios) – Faculdade de Direito, Universidade do Vale dos Sinos. Porto Alegre, 2016. 34 f.

[11]Ibid.

[12] Quanto à nomenclatura, a doutrina expressa descontentamento, haja vista o termo “resolução” designar o rompimento contratual caracterizado pelo inadimplemento de uma das partes, o que não ocorre nas hipóteses de morte do sócio (falência, liquidação extrajudicial ou judicial ou insolvência) ou de exercício do direito de retirada ou recesso.

[13] COELHO, F. U. A ação de dissolução parcial de sociedade. Revista de Informação Legislativa, Brasília, ano 48, n. 190, p. 141-155, abr./jun. 2011. p. 150.

[14] “O autor pode pretender, em cumulação própria sucessiva, a resolução da sociedade e apuração de haveres, mas pode pretender tão somente, ou a simples resolução parcial da sociedade, ou a apuração de haveres. Factível, por exemplo, acontecer de os sócios não divergirem quanto à resolução em relação a um ou alguns do(s) sócio(s), mas não existir consenso quanto àquilo a lhe(s) ser(em) pago pela participação que detém(êm) no capital social. Ou o contrário, isso é, os sócios estarem unânimes no que diz respeito à avaliação da sociedade, mas não chegarem a um consenso quanto ao desfazimento ou não do vínculo.” (MAZZEI, R.; GONÇALVES, T. F. A dissolução parcial de sociedade no Código de Processo Civil de 2015: pretensões veiculáveis, sociedades alcançadas e legitimidade. Revista de Processo, Edição digital, v. 282, p. 383-407, ago. 2018)

[15] THEODORO JÚNIOR, H. Código de Processo Civil anotado. 20. ed. rev. e atual. Edição digital. Rio de Janeiro: Forense, 2016.

[16] MARINONI, L. G.; ARENHART, S. C.; MITIDIERO, D. Novo curso de processo civil: tutela dos direitos mediante procedimentos diferenciados. São Paulo: Revista dos Tribunais, 3 v., 2015. p. 182.

[17] “Trata-se de competência cível comum, com objeto limitado (apuração de haveres), em que a dissolução será residual caso na partilha global as quotas não fiquem integralmente com o sócio que teve seu casamento ou união estável terminado.” (MAZZEI, R.; GONÇALVES, T. F. Op. cit.)

[18] Parte da doutrina critica a necessidade de citação de todos os sócios, considerando que a exigência pode gerar graves empecilhos à célere tramitação do feito, em caso de existência de muitos sócios, residentes no exterior ou em local não sabido (GONÇALVES NETO, A. de A. Direito de empresa: comentários aos artigos 966 a 1.195 do Código Civil. 6. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 315-316), além de que a devedora dos haveres ou a pessoa sujeita ao rompimento do vínculo societário será sempre a sociedade, e não os demais sócios (KATZWINKEL JÚNIOR, E. A ação de dissolução de sociedade: CPC/2015 – artigos 599 a 609. 2 ed. Edição digital, dez. 2016).

[19] RIBAS, R. de O. e C. Apuração de haveres: critérios para a sociedade empresária do tipo limitada. Dissertação (Mestrado em Direito Comercial) – Pontifícia Universidade Católica. São Paulo, 2008. p. 78.

[20]GONÇALVES NETO, A. de A. Direito de empresa: comentários aos artigos 966 a 1.195 do Código Civil. 6. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 311.

[21] O art. 605 do CPC estabeleceu o critério temporal que o magistrado deverá observar para fixar a data da resolução (rectius, rompimento) do vínculo societário de acordo com cada hipótese de dissolução parcial. Pode-se acrescentar, ainda, a data da decretação da falência, da liquidação judicial ou extrajudicial ou da insolvência do sócio, em tais casos, e data da decisão de expropriação da participação do sócio executado (no caso da apuração de haveres em decorrência do término da sociedade conjugal, o inciso IV do art. 605 do CPC deve ser aplicado analogicamente).

[22] O dispositivo traz certo incômodo para parte da doutrina, já que pode acarretar a relativização da coisa julgada material da sentença da fase dissolutória ou da estabilização da decisão inicial da fase de apuração (caso seja esta a primeira fase da ação dissolutória), além de gerar insegurança às partes, considerando a possibilidade de o magistrado rever mais de uma vez os critérios anteriormente fixados (KATZWINKEL JÚNIOR, E. A ação de dissolução de sociedade: CPC/2015 – artigos 599 a 609. 2 ed. Edição digital, dez. 2016).

[23] “O cálculo do reembolso compreende uma série de procedimentos, referidos pela expressão apuração de haveres […], e representa, no campo do direito societário, a questão em que se concentra a maior parte das disputas entre os sócios. Com efeito, os interesses antagônicos – que convivem com os confluentes, nas relações entre empreendedores e investidores – manifestam-se nos momentos de repartição dos sucessos gerados pelo negócio comum” (COELHO, F. U. Curso de direito comercial: direito de empresa. 18. ed. São Paulo: Saraiva, v. 2, 2014. p. 504). Do mesmo modo: KATZWINKEL JÚNIOR, E. Op. cit.

[24] GONÇALVES NETO, A. de A. Direito de empresa: comentários aos artigos 966 a 1.195 do Código Civil. 6. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 316-317.

[25] FONSECA, P. M. P. C. da. Dissolução parcial, retirada e exclusão do sócio no novo Código Civil. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2007.

[26] LAMY FILHO, A.; PEDREIRA, J. L. B. (org.). Direito das companhias. Rio de Janeiro: Forense, v. II, 2009. p. 1846.

[27] EIZIRIK, N. A Lei das S/A comentada. São Paulo: Quartier Latin, v. III, 2004. p. 161.

[28]“Sociedade anônima. Dissolução parcial. Precedentes da Corte. 1. É incompatível com a natureza e o regime jurídico das sociedades anônimas o pedido de dissolução parcial, feito por acionistas minoritários, porque reguladas em lei especial que não contempla tal possibilidade. 2. Recurso especial conhecido e provido.” (STJ, REsp 419.174/SP, 3ª Turma, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, J. 15.08.2002, DJ 28.10.2002, p. 311)

[29] “DIREITO COMERCIAL – SOCIEDADE ANÔNIMA – GRUPO FAMILIAR – INEXISTÊNCIA DE LUCROS E DISTRIBUIÇÃO DE DIVIDENDOS HÁ VÁRIOS ANOS – DISSOLUÇÃO PARCIAL – SÓCIOS MINORITÁRIOS – POSSIBILIDADE – Pelas particularidades da espécie, em que o elemento preponderante, quando do recrutamento dos sócios, para a constituição da sociedade anônima envolvendo pequeno grupo familiar, foi a afeição pessoal que reinava entre eles, a quebra de affectio societatis conjugada À inexistência de lucros e de distribuição de dividendos, por longos anos, pode se constituir em elemento ensejador da dissolução parcial da sociedade, pois seria injusto manter o acionista prisioneiro da sociedade, com seu investimento improdutivo. Recurso parcialmente conhecido, mas improvido.” (STJ, REsp 111.294/PR, 4ª Turma, Rel. Min. Barros Monteiro, Rel. p/o Ac. Min. César Asfor Rocha, J. 19. STJ, REsp 247.002/RJ, 3ª Turma, Relª Min. Nancy Andrighi, v.u., J. 04.12.2001.09.2000)

[30] STJ, REsp 247.002/RJ, 3ª Turma, Relª Min. Nancy Andrighi, v.u., J. 04.12.2001.

[31] “Art. 599. A ação de dissolução parcial de sociedade pode ter por objeto:

I – a resolução da sociedade empresária contratual ou simples em relação ao sócio falecido, excluído ou que exerceu o direito de retirada ou recesso; e

II – a apuração dos haveres do sócio falecido, excluído ou que exerceu o direito de retirada ou recesso; ou

III – somente a resolução ou a apuração de haveres.

1º A petição inicial será necessariamente instruída com o contrato social consolidado.

2º A ação de dissolução parcial de sociedade pode ter também por objeto a sociedade anônima de capital fechado quando demonstrado, por acionista ou acionistas que representem cinco por cento ou mais do capital social, que não pode preencher o seu fim.”

[32] CORRÊA-LIMA, O. B. A dissolução parcial da S/A fechada no CPC/2015. In: PERRUCI, F. F.; MAIA, F. F. R.; LEROY, G. C. (org.). Os impactos do novo CPC no direito empresarial. Belo Horizonte: D’Placido, 2017. p. 144.

[33] FRANÇA, E. V. A. e N.; ADAMEK, M. V. V. A ação de dissolução parcial de sociedade. Comentários breves ao CPC/2015. São Paulo: Malheiros, 2016. p. 32.

[34] KATZWINKEL JÚNIOR, E.; BECUE, S. M. F. Dissolução parcial de sociedade anônima. In: KUYVEN, L. F. M. (coord.). Temas essenciais de direito empresarial: estudos em homenagem a Modesto Carvalhosa. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 503.

[35] NERY JÚNIOR, N.; NERY, R. M. de A. Código de Processo Civil comentado. 16. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 1526.

[36] STJ, AgInt-AREsp 1539920/RS, 4ª Turma, Rel. Min. Raul Araújo, J. 18.05.2020, DJe 01.06.2020; STJ, REsp 1400264/RS, 3ª Turma, Relª Min. Nancy Andrighi, J. 24.10.2017, DJe 30.10.2017.

[37] SADLOSKI, G. B. A affectio societatis na dissolução parcial da sociedade anônima fechada. Revista Consultor Jurídico, 16 out. 2021. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2021-out-16/sadloski-affectio-societatissociedade-anonima-fechada. Acesso em: 30 out. 2021.