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DISSOLUÇÃO DO CASAMENTO PELO INSTITUTO DO DIVÓRCIO IMPOSITIVO OU UNILATERAL NO DIREITO BRASILEIRO

DISSOLUÇÃO DO CASAMENTO PELO INSTITUTO DO DIVÓRCIO IMPOSITIVO OU UNILATERAL NO DIREITO BRASILEIRO

Sandes Martins Cavalcante

 

 

INTRODUÇÃO

A família constitui um dos maiores bens que a sociedade possui. Tanto é que o Direito, enquanto ciência social destaca um espaço específico em seu ordenamento para regular as suas relações.

No âmbito das relações familiares um dos assuntos que mais geram discussões é a respeito do matrimônio, vide o fato de que a família, tradicionalmente, é gerada por meio desse instituto. Com isso, as discussões sobre a constituição e dissolução de um casamento são pertinentes, principalmente nos dias atuais, onde se verifica um número crescente de casamentos e ao mesmo tempo de divórcios (DIAS, 2013).

Sem adentrar nas razões que levam os cidadãos a casarem ou se divorciarem, esse estudo tem como escopo discutir uma das maneiras de dissolução matrimonial: o divórcio impositivo.

Essa medida representa a ação onde qualquer uma das partes poderá comparecer ao registro civil para requerer o divórcio, independentemente se houver consenso por parte do outro cônjuge.

Esse tema tem sido bastante debatido, haja vista que recentemente a Corregedoria Geral do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco editou norma administrativa, onde permite o divórcio diretamente no Cartório de Registro Civil, no chamado divórcio impositivo.

Entretanto, o Corregedor-Geral do Conselho Nacional de Justiça decidiu suspender as medidas administrativas, recomendando que os Tribunais Estaduais não editem normas no mesmo sentido. De todo modo, o que se nota é que esse tema não se encontra unânime nem na doutrina e nem na jurisprudência o que remete à importância de discuti-lo, ao qual pretende essa pesquisa.

Portanto, no decorrer desse estudo, procura-se responder a seguinte problemática: quais os efeitos jurídicos e sociais que o divórcio impositivo ou unilateral pode ter no Brasil?

Para a realização da presente pesquisa foi feita uma revisão de literatura, constituído de estudo bibliográfico e documental. Na coleta de documentos, buscou-se material bibliográfico em bases de dados de sites eletrônicos, no período de 01 de fevereiro a 21 de março de 2020. Os descritores foram: Divórcio Impositivo. Legislação Brasileira. Consequências Jurídicas e Sociais.

A abordagem qualitativa de investigação foi a utilizada neste trabalho, assim como o método da pesquisa utilizada se pautou no indutivo (GIL, 2010).

Assim, discute- com esse tema, o posicionamento jurisprudencial e legislativo sobre a possibilidade de se divorciar de modo impositivo, e as consequências sociais advindos dessas decisões.

 

DIREITO DE FAMÍLIA: DO MATRIMÔNIO

Antes de discorrer sobre o divórcio impositivo é necessário apresentar os elementos que antecedem a sua realização. Nesse sentido, neste tópico serão apresentados os aspectos gerais envolvendo o Direito de Família, ganhando destaque os assuntos relacionados ao matrimônio.

Sendo a família, um alicerce fundamental para o indivíduo, a sua estrutura é a base para a formação e desenvolvimento humano. É nela que se concentram todos os ingredientes necessários para que o indivíduo possa se tornar um ser pensante e social. Em sua formação é possível verificar que a família é fruto de um processo evolutivo humano e social, originado desde os primórdios da humanidade.

Conceitualmente, família pode ser entendida como um agrupamento de pessoas que “vivem sob um mesmo teto, sob a autoridade de um titular. Em sentido amplo, a família é como o conjunto de pessoas unidas por vínculo jurídico de natureza familiar” (VENOSA, 2014, p. 26).

Dessa forma, observa-se que a família é acima de tudo um grupo de pessoas ligadas entre si, mantendo assim um vínculo. Pode-se correlacionar que a família é também a fonte natural da sociedade, pois é através dela que o indivíduo se relaciona com o próximo e difunde-se com os outros grupos familiares, criando assim uma comunidade (VENOSA, 2014).

“[…] a família constitui o alicerce mais sólido em que se assenta toda a organização social, estando a merecer, por isso, a proteção especial do Estado, como proclama o art. 226 da Constituição Federal, que a ela se refere como ‘base da sociedade’. É natural, pois, que aquele queira protegê-la e fortalecê-la, estabelecendo normas de ordem pública, que não podem ser revogadas pela vontade dos particulares […].” (GONÇALVES, 2012, p. 25)

Em terreno jurídico, tem-se o art. 226, caput, da Constituição Federal/88 que afirma: “A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado” (BRASIL, 1988). Verifica-se que o Direito, como ciência social, insere a família como sendo o alicerce de uma sociedade, dando a ela uma importância que vai além da formação grupal de indivíduos.

Dentro do contexto familiar existe uma relação de extrema importância: o casamento. Um dos assuntos que mais trazem dissabores na harmonia familiar é o casamento. Entende-se tradicionalmente que a família é formada a partir do matrimônio, onde como consequência gera-se filhos. Mesmo que não se tenha filhos, o casamento por si só já se configura como família.

Nas palavras de Fraga (2017, p. 01) o casamento é “a união voluntária entre duas pessoas que desejam constituir uma família, formando um vínculo conjugal que está baseado nas condições dispostas pelo Direito Civil”.

Sem aprofundar nos aspectos jurídicos envolvendo o casamento, esse importante instituto pode ser dissolvido; e isso se dá por meio do divórcio.

Sobre o divórcio, tem-se a promulgação da Emenda Constitucional de nº 66, de 13 de julho de 2010 que deu nova redação ao § 6º do artigo 226, da Constituição Federal, dispondo sobre a dissolubilidade do casamento civil pelo divórcio, suprimindo o requisito da prévia separação judicial por mais de 1 (um) ano ou de comprovada separação de fato por mais de 2 (dois) anos.

Após a modificação constitucional supratranscrita restou superada a exigência de prazo para a conversão da separação judicial em divórcio. Ademais, o divórcio passou a ser um direito potestativo dos cônjuges, descabendo qualquer perquirição acerca da culpa pela falência da sociedade conjugal. Desaparecida a vontade de continuarem juntos, impõe-se a decretação do divórcio (DIAS, 2013).

Dando prosseguimento a análise, no entanto, quando se há um desmembramento familiar por meio de uma separação conjugal, a família sofre um ‘baque’, haja vista que essa situação rompe com o equilíbrio e harmonia familiar.

Como bem menciona Silva (2016, p. 03) “é a própria violação dos deveres conjugais que perturba a harmonia familiar e não a condenação no pagamento de uma indenização, por exemplo”. Partindo desse ponto, é inegável que na prática, um divórcio acarrete uma série de efeitos (negativos e positivos) na seara familiar.

As causas para um divórcio são variadas. Porém, sempre se tem a falsa ideia de que esse ato é gerado por culpa de um dos cônjuges. Silva (2006, p. 01) entende que “o Direito de Família no que se refere às relações conjugais sempre foi analisado sob o aspecto da culpa na ruptura da relação conjugal, atribuindo-se ao cônjuge faltoso punição de natureza material”.

A respeito da culpa, o mesmo autor ainda grifa que na esfera do Direito de Família “pouco deve importar a existência ou não da culpa para decretação da dissolução da sociedade conjugal, pois o que se deve levar em consideração é a impossibilidade de restabelecimento conjugal e a vontade das partes” (SILVA, 2006, p. 03)

Uma vez estabelecido o divórcio discute-se sobre a maneira que isso se dá. Para fins desse estudo, foca-se na dissolução por meio do divórcio impositivo ou unilateral, o que será mais adiante. Antes, necessário tecer algumas observações sobre o divórcio potestativo, que originou o tema dessa pesquisa.

 

O DIVÓRCIO POTESTATIVO: ASPECTOS GERAIS

Não há como falar da temática proposta sem antes falar de outro instituto que deu origem ao divórcio impositivo: o divórcio potestativo. A priori, Moraes (2019, p. 02) explica que potestativo é “o direito de alguém que interfere na esfera jurídica de terceiro, sem que este nada possa fazer, é o direito sobre o qual não recai qualquer discussão, ou seja, ele é incontroverso, cabendo a outra parte apenas aceitá-lo”.

Corroborando com o supracitado autor, Gonçalves (2019) afirma que o direito potestativo é aquele que modifica uma relação jurídica. É a manifestação de vontade de um indivíduo em alterar a atual relação, sem que necessite de uma aceitação.

Como mencionado no tópico anterior e que agora será mais bem analisado, surgiu em 2010 a Emenda Constitucional de nº 66 que deu nova redação ao § 6º do artigo 226, instituindo o divórcio potestativo.

Décadas antes da presente emenda, para que um casal pudesse se divorciar era necessário passar por uma separação judicial. Era como se fosse uma preparação para o outro. Como bem esclarece Moraes (2019, p. 03) “era um tempo para que o casal pudesse refletir se realmente queriam desfazer o vínculo matrimonial, pois, a separação judicial rompia apenas a sociedade conjugal e os deveres do matrimônio, enquanto somente após o divórcio é que se poderia contrair outro casamento”.

A partir da emenda constitucional nº 66 também conhecida como “PEC do amor” ou “PEC do divórcio” passou-se a assentir que qualquer um dos membros do casal pudesse ter a autonomia e a liberdade para reprimir o vínculo conjugal.

Com isso, o divórcio passou a ser reconhecido como o exercício de um direito potestativo, “que pode ser concedido independentemente se o outro cônjuge concorda ou discorda, ou seja, ninguém mais é obrigado a ficar casado, portanto, nesse aspecto a vontade do outro cônjuge é indiferente” (MORAES, 2019, p. 04).

Desde a sua promulgação, grande parte da doutrina comemorou a sua entrada no regimento jurídico brasileiro. As razões para tal pode ser conferida nas palavras de Maria Berenice Dias (2012):

O avanço é significativo e para lá de salutar, pois atende ao princípio da liberdade e respeita a autonomia da vontade. Afinal, se não há prazo para casar, nada justifica a imposição de prazos para o casamento acabar. Além do proveito a todos, a medida vai produzir significativo desafogo do Poder Judiciário. A mudança provoca uma revisão de paradigmas. Além de acabar com a separação e eliminar os prazos para a concessão do divórcio, espanca definitivamente a culpa do âmbito do direito das famílias. Mas, de tudo, o aspecto mais significativo da mudança talvez seja o fato de acabar a injustificável interferência do Estado na vida dos cidadãos. Enfim, passou a ser respeitado o direito de todos de buscar a felicidade, que não se encontra necessariamente na mantença do casamento, mas, muitas vezes, com o seu fim (DIAS, 2012 apud GONTIJO, 2019, p. 04).”

Importante mencionar que a parte que ainda não foi ouvida poderá continuar discutindo outros pontos do divórcio nos próprios autos, ou em outro processo. Esse entendimento possibilita a aplicação dos princípios da economia e da celeridade processuais (MORAES, 2019).

Portanto, a admissibilidade do “divórcio liminar”, está garantido pelo art. 273, § 6º, do CPC, considerando o direito potestativo. Buscando avançar ainda mais sobre esse tema, surgiu nos últimos anos outro movimento jurídico a respeito do divórcio, agora denominado de impositivo, que será analisado nos tópicos seguintes.

 

DO DIVÓRCIO IMPOSITIVO OU UNILATERAL: ANÁLISE GERAL

No ano de 2019, o assunto relacionado ao divórcio ganhou nova atualização. Isso se explica pela entrada no meio jurídico brasileiro do divórcio impositivo ou unilateral.

O pontapé inicial se deu pela decisão da Corregedoria Geral do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco que ao editar norma administrativa, elaborada pelo Desembargador Jones Figueirêdo Alves, permitiu o divórcio diretamente no Cartório de Registro Civil, no que se denomina divórcio unilateral ou impositivo (Provimento 06/2019). A medida acabou por ser reproduzida pela Corregedoria Geral do Tribunal de Justiça do Maranhão (Provimento 25/2019). (TARTUCE, 2019).

Essas medidas têm como fundamento a busca pela redução da sobrecarga do Poder Judiciário, ou seja, serve como uma sadia tendência de desburocratização e de extrajudicialização (FILHO; ALBUQUERQUE JR, 2019).

Com base nisso, atualmente encontra-se o entendimento de que o divórcio e a separação extrajudiciais devem atender aos dois aspectos da “desoneração do Judiciário”: a desjudicialização e a autocomposição. Em razão disso é que o Código de Processo Civil, nos termos dos artigos 694 e 695, indicou a preferência pela solução consensual do conflito e impôs a designação de audiência de mediação e conciliação nesse caso. Como bem explicam Filho; Albuquerque Jr (2019, p. 02):

“[…] o recurso a tais expedientes na resolução de conflitos não visa somente eliminar o conflito aparente, mas busca trabalhar a partir do conflito real, desconstruindo-o de modo a proporcionar uma efetiva solução para o problema, fazendo com que as partes encontram as reais motivações de suas disputas e as solucionem. Além disso, busca-se a valorização do ser humano e a igualdade entre as partes”.

Com base nesse contexto é que emergiu o divórcio impositivo ou unilateral. Nessa espécie de divórcio, os cartórios extrajudiciais devem permitir que “qualquer pessoa casada pudesse solicitar o divórcio, com ou sem acordo, bastando, para isso, comparecer ao cartório. Com o pedido, o cartório notificaria o cônjuge e, passado o prazo para resposta, seria autorizado o divórcio” (RABELLO, 2019, p. 01).

As decisões implantadas pelas Corregedorias Gerais do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco e do Maranhão sobre esse tipo de divórcio causou efeitos no meio jurídico de forma imediata. Tem-se por um lado aqueles que defendem a presente medida. Entretanto, grande parte da doutrina não corrobora com essa decisão.

Entendendo a positividade dessas decisões, tem-se a seguinte observação:

“[…] em direito de família aprendemos que divórcio é um direito potestativo, o que significa dizer que é um direito que não precisa da concordância da outra pessoa para ser deferido. Com isso o seu (ou sua) cônjuge não precisa concordar com você caso seja do seu interesse se divorciar. Seria bem a mais perfeita frase: “uma andorinha só, nesse caso, faz verão”. E isso acontece porque todos temos a liberdade de estarmos casados (as) e com quem queremos estar casados” (CRUZ, 2019, p. 01).

Segundo Carvalho (2019, p. 02) “se o juiz não tem o poder de recusar o divórcio requerido por uma das partes, sua participação na definição da realização do divórcio revela-se despicienda, e como medida de economia, de recursos financeiros ou processuais, a via extrajudicial mostra-se adequada”. Para essa autora, a medida imposta pelos estados do Pernambuco e Maranhão fazem com que se economize tempo judicial e maior liberdade para as partes envolvidas.

No entanto, é majoritário o entendimento de que o divórcio impositivo ou unilateral fere diversos direitos já presentes no processo civil. Tem-se como exemplo:

O divórcio impositivo suprime o equilíbrio entre os cônjuges almejado pelo uso das técnicas de autocomposição, na medida em que ignora uma série de pretensões do cônjuge que será meramente notificado. Veja-se, por exemplo, que o outro consorte poderá ter interesse na realização da partilha imediata dos bens, por exemplo. Nos termos do artigo 733 do Código de Processo Civil de 2015, a escritura de divórcio extrajudicial deve observar as balizas estabelecidas pelo artigo 731 do Código de Processo Civil. Assim, nos termos do parágrafo único do artigo 731 do Código de Processo Civil, só poderá ser dispensada a partilha de bens no divórcio extrajudicial se os cônjuges manifestarem que não desejam resolver esta questão por ocasião do divórcio: “Se os cônjuges não acordarem sobre a partilha dos bens, far-se-á esta depois de homologado o divórcio, na forma estabelecida nos arts. 647 a 658” (ALBUQUERQUE JR, 2016, p. 170).”

O supracitado autor ainda acrescenta:

O divórcio impositivo, nos moldes propostos pelo provimento em questão, viola a regra contida no artigo 733 c/c artigo 731, parágrafo único do Código de Processo Civil, porquanto permita que um dos cônjuges disponha unilateralmente no sentido de postergar a partilha dos bens no âmbito do divórcio extrajudicial. A divergência apenas quanto à partilha de bens não inviabiliza a celebração de escritura de divórcio ou separação, desde que os interessados concordem em relação ao divórcio propriamente dito, ou à separação. Entretanto, a fim de resguardar os direitos dos interessados, deve constar da escritura uma cláusula dispondo que os celebrantes acordaram no sentido de realizar a partilha a posteriori, bem como descrevendo os bens comuns e os bens particulares (ALBUQUERQUE JR, 2016, p. 170)”.

Com base nesse argumento e corroborando com o exposto, Rabello (2019, p. 03) afirma que “o divórcio impositivo, portanto, viola diretamente o regramento previsto no Código de Processo Civil, ao permitir que o cônjuge requerente postergue unilateralmente a partilha de bens para momento posterior ao divórcio extrajudicial”. Essa corrente trouxe significativas consequências, aos quais serão mostrados no tópico a seguir.

 

3.1 Dos Efeitos Jurídicos

Por conta dos pontos acima suplantados, dentre outros, após as decisões implantadas pelos Estados em destaque, a Corregedoria Nacional de Justiça através de ato do ministro Humberto Martins, revogou a norma do Tribunal de Justiça de Pernambuco que permitia o divórcio impositivo. Para o ministro, o ordenamento jurídico brasileiro não permite que o divórcio seja realizado extrajudicialmente quando não há consenso, e, por isso, não deve ser autorizado pela Justiças Estaduais. Em sua decisão afirmou que “as hipóteses de divórcio extrajudicial são apenas as descritas na lei, não havendo possibilidade de se criar outras modalidades sem amparo legal” (MARTINS, 2019 apud FORTUNA, 2019, p. 01).

Fortuna (2019, p. 02) ao interpretar a decisão do ministro explica que “ele não está proibindo o divórcio. Mas ninguém é obrigado a permanecer casado. Só que cada uma das partes tem direito próprios. Quando há dissolução do casamento, e as partes não chegam em um consenso, esse conflito só pode ser resolvido pelo juiz

Uma dúvida que surgiu desse contexto foi caso o divórcio impositivo continuasse sendo acolhido pelos tribunais, de que forma seria feita a partilha de bens e a guarda dos filhos. Para a resposta dessa indagação, destaca-se:

Caso o instituto tivesse se mantido no Direito brasileiro, nem a partilha de bens, nem a guarda dos filhos poderiam, através dele, restar resolvidas. Em primeiro lugar, porque todo casal que pretenda a separação ou o divórcio e que tenha filhos menores de idade tem a obrigatoriedade de submeter a questão à apreciação do Poder Judiciário, notadamente pelo fato de que a intervenção do Ministério Público se faz obrigatória para a proteção do interesse desses menores. E, relativamente à partilha de bens, essa só poderia se realizada extrajudicialmente se ambos os cônjuges acordassem. Qualquer divergência que se aponte impõe, também, a apreciação pelo Poder Judiciário (RABELLO, 2019, p. 02)”.

Por fim, cabe mencionar que apesar dessa decisão, no cenário jurídico já existe uma movimentação que visa normatizar o divórcio impositivo ou unilateral. Nesse caso, cabe citar o Projeto de Lei nº 3.457/2019 que regula os detalhes jurídicos a respeito do divórcio impositivo ou unilateral no Brasil.

O texto foi inspirado pela norma administrativa do Tribunal de Pernambuco, onde a ideia é incluir um art. 733-A no vigente Código de Processo Civil, o que afasta todos os óbices – formal e material – apontados pelo Ministro Humberto Martins em sua decisão no âmbito do Conselho Nacional de Justiça.

Como explica Tartuce (2019, p. 01), autor que apoia o presente projeto, conforme o texto proposto, na falta de anuência do outro cônjuge para a lavratura da escritura, não havendo nascituro ou filhos incapazes e observados os demais requisitos legais, “qualquer um dos cônjuges poderá requerer, diretamente no Cartório de Registro Civil das Pessoas Naturais em que lançado o assento do seu casamento, a averbação do divórcio, à margem do respectivo assento”.

O autor explica ainda que “esse pedido de divórcio unilateral será subscrito pelo interessado e também por advogado ou Defensor Público, constando a qualificação e a assinatura do cônjuge do pedido e da averbação levada a efeito” (TARTUCE, 2019, p. 01).

Sucessivamente, o cônjuge não anuente será notificado pessoalmente, para fins de prévio conhecimento da averbação pretendida. Na hipótese de não ser encontrado o cônjuge notificando, ocorrerá a sua notificação por edital, após insuficientes as buscas de endereços constantes das bases de dados disponibilizadas ao sistema do Poder Judiciário (TARTUCE, 2019).

No projeto ainda se prevê a possibilidade de alteração do nome. Porém, nenhuma outra pretensão poderá ser cumulada ao pedido de divórcio unilateral, especialmente as relativas aos alimentos familiares, ao arrolamento e à partilha de bens, ou mesmo relacionadas a medidas protetivas, que serão tratados pelo juízo competente, ou seja, somente no âmbito do Poder Judiciário (TARTUCE, 2019).

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Por ser um tema tão importante para o Direito, que enquanto ciência social está sempre normatizando essas relações, o casamento é atualmente o assunto bastante discutido devido ao fato de que há uma nova forma de dissolver um matrimônio: o divórcio impositivo ou unilateral.

Neste tipo, busca-se permitir a averbação do divórcio a pedido unilateral de qualquer dos cônjuges perante o cartório de registro civil, independente da anuência ou não da outra parte. Mesmo não tendo uma legislação específica sobre esse ato, alguns tribunais de Estados brasileiros (Pernambuco e Maranhão, por exemplo) já acatam a sua possibilidade.

Desde o surgimento em solo pátrio, a temática envolvendo o divórcio impositivo ou unilateral ganhou destaque, tendo posicionamentos jurídicos e doutrinários divergentes. Portanto, discutir sobre esse tema se tornou inicialmente extremamente relevante.

Por ser uma temática muito atual, iniciada a priori em 2019 no Brasil, analisar os efeitos e os desdobramentos jurídicos do divórcio impositivo é bastante importante, pois irá trazer à luz do Direito os posicionamentos necessários para aqueles que desejam se divorciar por essa via. Desse modo, justificou-se discutir esse tema devido o seu conteúdo ser recente e que precisa ser mais bem discutido.

Importante deixar claro, que o divórcio impositivo representa mais um avanço nas relações interpessoais. Ninguém é obrigado a firmar matrimônio; da mesma forma também não o é a continuá-lo. Portanto, a entrada do divórcio impositivo traz maior liberdade de escolha do indivíduo, ao qual inclusive é tutelado pela norma constitucional.

Por esse instituto, ao conceder permissão para averbar o divórcio a pedido unilateral a qualquer um dos cônjuges no cartório de registro civil, independente da anuência ou não da outra parte, concede-se uma liberdade única para aquele que não deseja continuar no matrimônio e não encontra outro modo de fazê-lo.

Por essa razão, enfatiza-se nesse trabalho que o divórcio impositivo deve receber regulamentação própria, vide o fato de que representa um avanço, uma conquista, sendo passível processo apenas para discutir partilha de bens e assuntos referentes aos filhos.

 

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Dá nova redação ao § 6º do art. 226 da Constituição Federal, que dispõe sobre a dissolubilidade do casamento civil pelo divórcio, suprimindo o requisito de prévia separação judicial por mais de 1 (um) ano ou de comprovada separação de fato por mais de 2 (dois) anos. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc66.htm>. Acesso em: 21 mar. 2020.

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