DIREITO PROCESSUAL CIVIL: A DICOTOMIA ENTRE AÇÃO E COISA JULGADA
Eric Cesar Marques Ferraz
SUMÁRIO: Introdução; 1 Desenvolvimento; 1.1 A ação declaratória de nulidade ou querela nullitatis insanabilis; 1.2 Considerações gerais sobre o tema; 1.3 Contra-argumentação à crítica doutrinária; Conclusão; Referências.
INTRODUÇÃO
O presente escrito tem por objetivo a pesquisa científica da ação declaratória de nulidade e da coisa julgada, as quais foram pesquisadas com azo a tentar demonstrar que, para o alcance da efetividade da justiça e dos direitos fundamentais, é necessário, em casos excepcionais, relativizar a coisa julgada ou declarar sua nulidade, que traz a toda sociedade segurança jurídica e que, em determinados casos, deve ser sacrificada, pois pode servir de escudo intransponível para injustiças sociais latentes e casos teratológicos.
Frisa-se, ainda, que o tema encontra-se dentro da generalidade de estudos dos vícios do processo e vias de impugnações autônomas, demonstrada pela utilização da ação declaratória de nulidade em casos excepcionais como via de impugnação dos vícios do processo, erros e injustiças e de sentenças e acórdãos que já se encontram acobertados pelo trânsito em julgado.
A escolha do tema da pesquisa científica foi motivada pela relevância e pela polêmica que o debate sobre assunto fomenta nos meios acadêmicos e na prática jurídica, incitando o surgimento de novas ideias, críticas, alternativas e correntes de pensamento que possam de certa forma contribuir para a evolução, em especial, do processo civil, tentando renovar dogmas e arcadismos para fazer renascer ideais e valores que não podem ser perdidos ao longo do tempo para o bem do conhecimento humano, tudo isso sem perder de vista a efetividade do processo.
Sendo assim, a presente pesquisa pretende, com a devida humildade de um estudante de Direito e nossa absoluta fé em Deus, tentar desmitificar e relativizar conceitos irredutíveis que, enraizados dentro de um ordenamento jurídico, podem causar anomalias sistêmicas que precisam ser sanadas, não podendo imortalizar a coisa julgada, uma vez que a própria ordem jurídica vigente, como demonstrado pelo dinamismo da história humana, pode ser reformulada quer por meio de leis, precedentes judiciais, atividade política, poder constituinte derivado ou originário, quer por meio de emendas, Assembleias Nacionais Constituintes ou Revoluções, que demandam sempre um considerável período de tempo para ser absorvido e amadurecido pelo consciente coletivo geral da sociedade, que reflete de forma direita no aperfeiçoamento do direito processual civil como instrumento de materialização da efetividade do direito privado e liberdades civis, sem nunca perder de vista a ideia de esperança na justiça e na dignidade da pessoa humana transcrita nos art. 3º, inciso I, e no art. 1º, inciso III, ambos da Constituição Federal, como princípios e objetivos, respectivamente, da República Federativa do Brasil. Por fim, tentamos contra-argumentar as críticas doutrinárias e científicas a respeito da utilização de referida ação que visa a relativizar ou mesmo desconstituir a coisa julgada.
1 DESENVOLVIMENTO
1.1 A ação declaratória de nulidade ou querela nullitatis insanabilis
A ação, mais especificamente a ação declaratória de nulidade, uma ação autônoma de impugnação, pensamos ser o instrumento hábil e meio técnico mais adequado para a solução e a correção de injustiças e consolidação da efetividade do processo em face de sentenças e acórdãos teratológicos ou injustos já transitados em julgado, eivados de nulidades processuais absolutas, fraudes e erros judiciários, confrontando as cláusulas pétreas constitucionais aparentemente antagônicas de que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciária lesão ou ameaça a direito (art. 5º, inciso XXXV, da CF) e que a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada (art. 5º, inciso XXXVI, da CF), tendo em vista o prazo decadencial bienal para fazer uso da ação rescisória, lembrando ainda que a própria Constituição Federal, em seu art. 5º, inciso LXXV, prevê que o Estado indenizará o condenado por erro judiciário, embasando, portanto, por via oblíqua, a tese ser desenvolvida.
Fundamentamos a subsistência legal da ação declaratória de nulidade, também conhecida como actio nullitatis ou querela nullitatis ou querela nullitatis insanabilis, com fulcro no art. 4º, inciso I, e no art. 486, ambos do atual CPC, c/c art. 1º, III, e art. 5º, incisos XXXV e LXXV, ambos da CF, bem como na jurisprudência REsp 554402, 1ª T, Rel. Min. José Delgado, J. em 21.09.2004; REsp 226436/PR, 4ª T., Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, J. 28.06.2001; e RE 363889, Min. Dias Toffoli, Tribunal Pleno, Julgado em 02.06.2011, Acórdão Eletrônico Repercussão Geral – Mérito DJe-238, Publicado em 16.12.2011; e na doutrina que será a seguir transcrita.
Entendemos ser viável o uso desta clássica ação imprescritível em casos excepcionais contra sentenças e acórdãos eivados de nulidades absolutas insanáveis, decisões teratológicas e injustas já acobertadas pela coisa julgada que ofendam princípios constitucionais sensíveis, como o da dignidade da pessoa humana (art. 1º, inciso III, da CF) e da justiça (art. 3º, inciso I, da CF), e desde que haja relevância temática e sejam transrescisórios (REsp 1252902), objetivando a declaração da nulidade total, parcial ou relativizando a coisa julgada e a segurança jurídica pelos caminhos da exegese do neoconstitucionalismo, da ponderação norte-americana (“Balancing“), da proporcionalidade alemã (“Verhältnismässigkeit“) e do processo civil moderno, que pregam a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da ponderação, expurgando formalismos desnecessários e valorizando o primado da verdade e da justiça.
Antes de adentrarmos na disciplina do processo civil propriamente dita, chamamos a atenção do leitor para pensamentos de filósofos colossais contemporâneos, em especial para o americano Ronald Dworkin e para e herdeiro da escola de Frankfurt, o filósofo Jürgen Habermas, cujas obras e teorias são mundialmente reconhecidas pela comunidade científica internacional em razão de sua magnitude por tanto contribuírem para a evolução do conhecimento humano. Autores que, de certa forma, são basilares para a construção da corrente de pensamento neoconstitucional que utiliza técnicas de interpretação por meio da ponderação de princípios e valores constitucionais e direitos fundamentais em colisão que permitem uma construção interpretativa [1] mais ponderada e adequada ao caso concreto, respingando por vezes em conceitos jurídicos indeterminados ou abstratos e por vezes na judicialização de políticas públicas (cfr. AgRg-RE 628.159/MA, Relª Min. Rosa Weber – Info 715 do STF), permitindo uma maior efetividade da justiça ao caso concreto, como se viu no precursor caso Brow v. Board of Education, que, segundo o Professor Jorge Octávio Lavocat Galvão [2], que teve a oportunidade de estudar no país estadunidense que atualmente melhor representa a democracia moderna, vem em sua brilhante e rica tese de doutorado ensinar:
Que pôs fim à segregação racial nos Estados Unidos, sendo que a Corte Warren afastou entendimento de que cláusulas constitucionais deveriam ser compreendidas de acordo com o compromisso firmado em sua ratificação, interpretando a décima quarta emenda constitucional como um princípio abstrato à igualdade, o que possibilitou uma leitura moral da Carta Magna e resultou em uma decisão profética, nos dizeres de Bruce Ackerman. A décima quarta emenda, portanto, foi interpretada como um princípio de moralidade política que estabelece um parâmetro normativo geral, autorizando a reforma das normas jurídicas contrárias aos valores nele identificados. Essa concepção abstrata dos princípios que inspira o neoconstitucionalismo. (Neoconstitucionalismo e o fim do Estado de Direito, p. 164)
Para um estudo mais aprofundado do tema e da teoria neoconstitucional, remetemos o leitor a ilustres autores de vanguarda constitucional nacional, como o Professor Eduardo Ribeiro Moreira, em sua obra Direito Constitucional Atual (Elsevier, 2012); o Professor Luís Roberto Barroso, em especial ao artigo publicado sob o título “Neoconstitucionalismo e constitucionalização do direito (o triunfo tardio do direito constitucional no Brasil)“; ao Professor de filosofia do Direito Antônio Cavalcanti Maia, que publicou em algumas revistas e livros especializados o artigo “As transformações dos sistemas jurídicos contemporâneos: apontamentos do neoconstitucionalismo“; e, por fim, ao Professor Daniel Sarmento, em especial a dois textos: “Ubiquidade constitucional: os dois lados da moeda“, publicado em 2007, e “O neoconstitucionalismo no Brasil: riscos e possibilidades“, de 2009.
Depois de apertada síntese, ocupar-nos-emos agora da disciplina do processo civil, obtemperando-se que diversos autores tratam dos conceitos de inexistência, nulidade absoluta e nulidade relativa como expressões correlatas. A renomada Professora Tereza Arruda Alvim Wambier, responsável pelo departamento de direito processual da PUC-SP e relatora do novo Código de Processo, citando Adolfo Gelsi Bidart, menciona que “a inexistência e a nulidade relativa são termos homogêneos que têm em certa medida a mesma base e que se podem ladear sobre um termo genérico que a todos compreenda: nulidades“. Esta não é a posição acolhida pela Professora, segundo a qual os atos inexistentes juridicamente são aptos para produzir efeitos, desde que seja possível material, fática e concretamente, conforme profundamente tratado em sua clássica obra de mestrado “Nulidades do Processo e da Sentença“, sendo certo que temos que admitir que, após a sua leitura, iniciamos nossa profunda afeição pela disciplina do direito processual civil, sendo que, em seguida, empreitamos a leitura de sua obra de doutorado, na qual vemos que, na sua introdução, menciona que fez uma visita à Itália e ao Professor a que iremos por diversas vezes nos remeter neste artigo, sendo que a primeira publicação da obra de mestrado da supracitada Professora foi em uma coletânea de homenagem a este professor.
Com a devida vênia e em nosso sentir, distanciamo-nos deste posicionamento conceitual de fundo, sem prejuízo dos incontáveis pontos de convergência que possuímos com esta doutrinadora de força gravitacional celestial, haja vista que a própria Professora Tereza Arruda Alvim Wambier é uma das que defendem a existência da querela nullitatis insanabilis, sendo que, para tanto, fazemos uso da maturidade e da sabedoria do Professor Kazuo Watanabe, que, em seus ensinamentos ao definir direito material e direito processual, em sua tese de doutorado, nos ensina:
Desembocam os resultados desses estudos num mesmo estuário, mas ainda não se harmonizaram de todo – à semelhança do que ocorre na natureza, que mostra exemplo de águas de cores diferentes de dois rios que, após o encontro, correm paralelamente por longa distância até que se misturem por completo. [3]
Sendo assim, aproximamo-nos, neste trabalho, da posição do consagrado patrono do Largo São Francisco de São Paulo e do processo civil brasileiro, o lendário Professor Enrico Tullio Liebman, o qual também percebeu esta mistura terminológica, sendo que considera a nulidade absoluta (ipso iure) [4] como sinônimo de inexistência. No mesmo sentido vem Alexandre dos Santos Macedo, comentando a hipótese prevista no art. 741, inciso I, do CPC:
Se necessário o ajuizamento de ação […] o caso não é de inexistência, e sim de nulidade ipso iure, como, entre outros, ensinam José Carlos Barbosa Moreira e Pontes de Miranda. O processo e a sentença, se não existissem, não haveria necessidade de ajuizamento de qualquer ação para declarar a nulidade daquele ou rescindir esta, bastaria uma petitio simplex, situação que tornaria supérfluos os arts. 486 e 741, ambos do CPC, contra toda lógica e todo o sistema do nosso ordenamento processual civil. [5]
Pensamos que atos inexistentes, como o próprio nome já diz, simplesmente não existem, tornado possível em razão do escólio acima somente adoção conceitual somente de nulidade relativa ou absoluta.
Os supracitados motivos são alguns pelos quais nos escoraremos para defendermos a ação declaratória de nulidade, ou querela nullitatis, como meio de impugnação autônoma, a qual sentimos ser o instrumento mais adequado para declarar a nulidade de sentenças e acórdãos já transitados em julgado quando eivados de nulidades absolutas, fraudes ou erros judiciários. De outro canto, podemos observar que, no Direito português, encontram-se alguns dos melhores dispositivos ao regime da inexistência, para nós, sinônimo de nulidade ipso iure. Das Ordenações Manuelinas extrai-se que “da sentença que per Direito he ninhuma, se non requere seer apellado, e em todo tempo pode ser revogada“. Nas Ordenações Filipinas, observa-se que “a sentença que é por Direito nenhuma, nunca em tempo algum passa em cousa julgada, mas em todo tempo se pode opor contra ela, que é nenhuma e de nenhum efeito, e, portanto, não necessário ser apelado“. São exemplos de sentenças que jamais transitam em julgado, como aquelas em que não ocorreu citação da parte contrária ou aquela que desrespeite a coisa julgada operada em decisão anterior, vislumbrando-se destarte a transrescisoriedade já apontada pelo STJ.
Remetemos, ainda, para um estudo mais aprofundado sobre o tema da ação declaratória, às clássicas obras do Ex-Ministro da Justiça e pai do CPC de 1973 [6], o saudoso Professor Alfredo Buzaid, aluno do Professor Enrico Tulio Liebman, e do saudoso Desembargador mineiro Professor Celso Agrícola Barbi, que tanto contribuíram com trabalho e estudo para o amadurecimento do processo civil brasileiro, cujas reputações e ensinamentos reluzem pelas escolas, fóruns e operadores do Direito de todo País. Lembramos também que o Professor Kazuo Watanabe [7], em sua tese de mestrado intitulada “Controle Jurisdicional e Mandado de Segurança Contra Atos Judiciais” (RT, 1980), bem como o Professor Celso Agrícola Barbi, em sua tese de mestrado também referida em nossa bibliografia, além do memorável Professor Helly Lopes Meirelles, entre muitos outros, já escreveram sobre a utilização do mandado de segurança como meio de desconstituir decisões já transitadas em julgado. Para uma análise mais atual do tema, remetemos o leitor à obra do ilustre Professor Cássio Scarpinella intitulada A nova Lei do Mandado de Segurança.
1.2 Considerações gerais sobre o tema
A intenção do presente artigo é demonstrar que a ação declaratória de nulidade é a solução tecnicamente mais adequada para ser utilizada para correção de nulidades de processo, sentenças, acórdãos, fraudes e erros judiciários já transitados em julgado que causam, muitas vezes, injustiças e ficam acobertadas pela inatingibilidade da coisa julgada, se já transcorrido o prazo decadencial bienal para fazer uso da ação rescisória, já que parte da doutrina e da jurisprudência é dividida, pois parte entende não ser cabível o mandado de segurança em face da coisa julgada, haja vista a Súmula nº 268 do STF (“Não cabe mandado de segurança contra ato judicial transitado em julgado“), e outra parte entende pelo cabimento como supracitado no item anterior.
Desta forma, entendemos pela viabilidade científica do ressurgimento da querela nullitatis sob nova roupagem, a da ação declaratória de nulidade, em casos relevantes e excepcionais, pelo que pedimos licença de emprestar as palavras do renomado e saudoso Professor Ovídio Batista da Silva:
A querela nullitatis, como muitos outros institutos do direito medieval, ressurge no direito contemporâneo, tal como a fênix mitológica renasce das cinzas, demonstrando que as pretensiosas ambições do Iluminismo racionalista dos séculos anteriores, em suas tentativas de reduzir o direito à pura lei escrita, como se o legislador do processo fosse onipotente, encontram afinal seu acaso, ao encerrar-se o século XX. [8]
Por sua vez, vem no arremate o consagrado doutrinador italiano Piero Calamandrei, ao qual pedimos vênia para usar suas palavras: “Enquanto na aparência de ser só uma supérflua laje funerária colocada sobre a querela da nulidade, faz tempo já honrosamente sepultada, é na realidade um reconhecimento indireto da insuprível vitalidade que conserva ela ainda, mesmo que no processo moderno se encontre reduzida a ter que viver sobre nome alheio [9]“, visto que o Código de Processo Civil italiano, art. 161, curiosamente excetua o efeito sanatório geral da apelação e do recurso de cassação no caso de sentença não assinada pelo juiz. Para o ilustre jurista, este dispositivo demonstra a sobrevivência da querela nullitatis nesse ordenamento jurídico, que independente do meio e reflete eterno espírito de esperança do homem no primado da justiça que nunca poderá ser sepultado.
Outro ponto que nos chama atenção é o do manejo da ação declaratória de nulidade em face da coisa julgada quando houver mudança superveniente de orientação jurisprudencial e de alteração ou revogação de súmula vinculante nas quais a mesma foi embasada, usando a ação declaratória de nulidade como meio de correção, tendo por base os julgados do Superior Tribunal de Justiça exteriorizados no REsp 554402, 1ª T., Rel. Min. José Delgado, J. em 21.09.2004, e REsp 226436/PR, 4ª T., Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, J. 28.06.2001, haja vista que o entendimento do Tribunal Superior é que o julgador pode rever a coisa julgada em qualquer situação em que ela for manifestamente injusta, inconstitucional (ainda que sem declaração do STF em controle concentrado) ou mesmo desproporcional.
Outro interessante julgado do STJ, REsp 12586/SP, Rel. Min. Waldemar Zveiter, de 09.10.2001, retrata que:
I – A tese da querela nullitatis persiste no direito positivo brasileiro, o que implica dizer que a nulidade da sentença pode ser declarada em ação declaratória de nulidade, eis que, sem a citação, o processo, vale falar, a relação jurídica processual não se constitui nem validamente se desenvolve.
Nem, por outro lado, a sentença transita em julgado, podendo, a qualquer tempo, ser declarada nula em ação com esse objetivo ou em embargos a execução, se for o caso. II – Recurso não conhecido
A título meramente ilustrativo, citamos um clássico exemplo em que Fulano propôs ação de investigação de paternidade em face de seu suposto pai. No entanto, a ação foi julgada improcedente por não ter sido comprovado o vínculo genético. A ação transitou em julgado. Passados alguns anos, com o advento da tecnologia decorrente do exame de DNA, Fulano propôs nova ação em face da mesma parte e com o mesmo pedido. Entendemos que, nesse caso hipotético, a coisa julgada deve ser relativizada ou deve ser declarada sua nulidade, uma vez que o dogma da intransponibilidade da coisa julgada deve ser visto à luz de outros direitos fundamentais, em um juízo de ponderação de valores. Nesta esteira, o RE 363889, Rel. Min. Dias Toffoli, Tribunal Pleno, Julgado em 02.06.2011, Acórdão Eletrônico Repercussão Geral – Mérito DJe-238, Publicado em 16.12.2011. Poderíamos citar muitos outros exemplos como hipóteses de cabimento desta ação em epígrafe, tais como sentença ou acórdão que desrespeite a coisa julgada operada em decisão anterior, nulidade ou inexistência de citação, coisa julgada inconstitucional, fraudes processuais, dinamismo do surgimento de novas tecnologias e veículos de comunicação que permitem novos meios de provas, erros judiciários, etc.
O objetivo primordial deste singelo estudo é reforçar que a coisa julgada é e sempre será essencial ao Estado Democrático de Direito materializado pela Constituição Federal, porém, em casos excepcionais, com temperamentos e analisada caso a caso, a mesma pode e deve ser relativizada e muitas vezes revista, rescindida ou anulada, utilizando-se como instrumento idôneo e meio mais adequado tecnicamente a ação declaratória de nulidade, sob pena de serem imortalizadas injustiças sociais, haja vista que, com o transcorrer do tempo, o dinamismo histórico e social demonstra a ocorrência da transformação e relativização de conceitos, formalismos e tradições, nas mais diferentes culturas e momentos históricos, não podendo o ideal, a concretização e a efetividade da justiça e do processo ficarem reféns de conceitos estáticos e imutáveis, pois sempre que se conquista segurança e estabilidade perde-se em evolução e dinamismo, sendo o equilíbrio destas essencial para a sobrevivência humana já demonstrada cíclica e historicamente.
1.3 Contra-argumentação à crítica doutrinária
Antes de adentrarmos na crítica e na contra-argumentação propriamente dita, é importante discorrermos sobre a posição de alguns consagrados e atuais professores de processo civil acerca do tema para situarmos o leitor acerca das posições e do debate doutrinário.
Conforme o Professor Marcelo José Magalhães Bonicio [10], em sua reluzente e didática obra de doutorado, intitulada “Proporcionalidade e Processo“, observa-se que o mesmo adota posição favorável em face da desconsideração da coisa julgada, sempre ressalvando o princípio da proporcionalidade, que deve ser observado em todas as decisões.
O direito de um processo “justo e équo“, conforme pensa Luigi Paolo Comoglio, impede que o estado imponha aos direitos fundamentais mencionados qualquer restrição desprovida de proporcionalidade ou razoabilidade. (BONICIO, Marcelo José Magalhães. Proporcionalidade e processo: a garantia constitucional da proporcionalidade, a legitimação do processo civil e o controle das decisões judiciais. São Paulo: Atlas, 2006. p. 19)
Na mesma obra, o ilustre Professor traz à tona uma polêmica de processualistas titânicos a respeito da questão a qual passamos a transcrever:
Para os partidários do entendimento de que a sentença pode ser simplesmente desconsiderada, basta que os interessados ingressem em juízo com uma nova demanda, na qual, não obstante os efeitos das decisões proferidas na demanda anterior, eles poderão discutir aquilo que já foi decidido, simplesmente desconsiderando os efeitos de uma decisão judicial anterior e o respectivo trânsito em julgado existente. [11]
Para o renomado processualista, Professor Paulo Henrique dos Santos Lucon, em sua clássica obra de mestrado “Embargos a Execução“, percebemos que é partidário da querela nullitatis insanabilis para desconstituir a coisa julgada, cujo trecho colacionamos:
A citação é um modo pelo qual uma pessoa adquire a condição de parte no processo. Antes da citação, ou se for ela portadora de algum vício, o “réu” apenas figura na demanda do autor, não estando no processo. Assim, não pode ser considerado titular de situações jurídicas passivas.
Em razão desse grave vício, acerca da falta de citação no processo de conhecimento, se a ação correu à revelia, afirmou Liebman que ela “ofende tão profundamente o direito reconhecido a todo cidadão de defender-se perante o juiz que vai julgá-lo, que torna radicalmente nulo, juridicamente inexistente o processo, igualmente nula e inexistente a sentença proferida“.
Por isso, se a nulidade ipso iure já não puder ser alegada em embargos a execução, há ainda a possibilidade de se promover demanda com fundamento na querela nullitatis insanabilis, de caráter perpétuo, não prejudicada pelo biênio da ação rescisória. [12]
Por sua vez, o consagrado professor e diretor do departamento de direito processual do Largo São Francisco de São Paulo, cuja reputação o precede, Flávio Luiz Yarshell, gosta de ensinar muitas vezes usando imagens, como podemos observar no decorrer de sua reluzente obra de doutorado intitulada “Tutela Jurisdicional”, em que discorre, com a devida genialidade, sobre a tipicidade e a atipicidade da ação e da tutela jurisdicional, sintetizadas nas palavras do não menos consagrado Professor Giuseppe Tarzia:
Nesta preciosa obra, o Dr. Flávio Luiz Yarshell investiga em profundidade o significado e alcance do princípio geral da atipicidade da ação e da tutela jurisdicional. Esta pesquisa fundada sobre a valorização da regra constitucional da inafastabilidade do controle jurisdicional, que não olvida aspecto algum de uma problemática tão ampla. O autor analisa todas as formas de tutela jurisdicional civil e oferece resultados de grande interesse científico, obtidos mediante diálogo constante e produtivo com a doutrina internacional do direito processual. [13]
Que, reafirmadas nas palavras do seu orientador, o Professor Cândido Rangel Dinamarco, o qual dispensa apresentações, haja vista os precedentes de sua reputação e magnitude de sua contribuição ao processo civil brasileiro, em um dos mais belos prefácios já escritos:
[…] O exame feito acaba por debruçar-se no exame de uma série de tutelas jurisdicionais habitualmente identificadas pelos nomes herdados, como a ação pública, o mandado de segurança, a ação monitória, a ação rescisória, etc., tudo por uma perspectiva metodológica rigorosamente atual, livre daqueles vícios e sobretudo voltada a propor soluções práticas capazes de tornar o sistema processual um instrumento mais ágil e mais justo, ou seja a tutela jurisdicional àquele que tiver razão, na medida em que tiver razão.
O que vejo na síntese desse trato dado a temas metodológicos bem encadeados com profundos conhecimentos conceituais e dogmáticos é o apaixonado comprometimento de Flávio Yarshell com os postulados da Nova Escola Processual de São Paulo. Reafirma-se ele como membro do grupo que se habilita e se dispõe a levar adiante as tradições iniciadas nas obras de João Mendes Júnior e João Monteiro, continuadas nos escritos de Gabriel de Rezende Filho, de Buzaid, de Amaral Santos e de Vidigal, que passam pela atual geração de discípulos destes últimos e que, segundo tudo indica, perpetuar-se-á nessa nova e fecunda geração composta por nossos discípulos. O empenho em cultivar e desenvolver dinamicamente essas linhas de pensamento é a grande e continuada homenagem que o Departamento de Direito Processual das Arcadas da São Francisco presta a Enrico Tulio Liebman e Luís Eulálio de Bueno Vidigal – eternos patronos de nossa escola e da continuidade que, com a graça de Deus, temos sabido cultivar. [14]
O Professor Flávio Luiz Yarshell, em sua conclusão, expõe com o devido brilhantismo:
As formas de invocação da tutela jurisdicional – mediante o exercício da ação e consequente propositura de uma demanda – devem ser consideradas atípicas, no sentido de que as garantias constitucionais da inafastabilidade do controle jurisdicional e da própria ação funcionam como uma cobertura geral e ampla para todas as afirmadas posições jurídicas de vantagem decorrentes do plano material (diante de lesão ou ameaça de lesão a direito). Nessa medida, eventual tipicidade da ação somente pode ser aceita, com reservas, na projeção, em concreto, da propositura de uma demanda. Essa tipicidade pode ser extraída da causa de pedir, considerando-se típica a ação cuja causa petendi é descrita de forma taxativa pela própria lei processual (aí a hipótese da ação rescisória).
O exercício da jurisdição, à medida que dá resposta aos reclamos de tutela, deve igualmente reputar-se atípico, isto é, desvinculado de modelos apriorísticos que possam limitar a declaração ou atuação de direitos ou interesses reconhecidos na órbita substancial. Atípicas, portanto, são as formas de tutela jurisdicional, que devem estar em consonância com os limites decorrentes do direito material.
O processo e o procedimento que nele se contêm – pensados como instrumentos para o exercício da jurisdição e obtenção dos resultados desejados pela ordem material – submetem-se a modelos e, nessa medida, revestem-se de tipicidade, até mesmo como garantia de legalidade e forma de assegurar o contraditório. Contudo, também eles (processo e procedimento) se sujeitam à atipicidade que marca os demais institutos, no sentido de que deve predispor um processo e um procedimento adequados a cada uma das situações carentes de tutela situadas no plano material. (YARSHELL, Flávio Luiz. Tutela jurisdicional. 2. ed. Editora DPJ, p. 206)
Por sua vez, vem o Professor Marcelo José Magalhães Bonicio, mais uma vez com seu brilhantismo e ponderação no arremate, ensinando:
Não custa lembrar mais uma vez que eventual insegurança provocada pela aplicação do princípio da proporcionalidade só pode ser vencida se for aceito que, em muitas oportunidades, as decisões são tomadas com base neste princípio. Se analisado de uma maneira coerente, o princípio da proporcionalidade constituí sólida barreira contra o subjetivismo. Ao contrário, fechar os olhos para a realidade implica em, cada vez mais, aceitarmos os desequilíbrios do sistema como contingências naturais, para as quais não há uma solução satisfatória. [15]
É célebre o exemplo fornecido por Recaséns Siches para ilustrar a lógica do razoável, lembrado por Cândido Rangel Dinamarco: numa antiga estação ferroviária polonesa, um homem pretendia ingressar no trem levando um enorme urso, mas o funcionário da ferrovia lhe disse que isso era proibido, nos termos de um cartaz existente no local, que dizia ” é proibido transportar cães nas composições“.
Pela lógica do absurdo, argumentou o dono do urso que a proibição dizia respeito a cães e não a ursos, mas isso não seria razoável e a proibição, portanto, foi mantida.[16]
Sendo assim, após transcrevermos anteriormente abalizadas opiniões e magistérios acerca do assunto dentro da disciplina do processo civil, ingressamos na crítica doutrinária propriamente dita, em que, em sentido diametralmente oposto dos ensinamentos supracitados, o consagrado e ilustre Professor Nelson Nery Júnior vem lecionar:
Desconsiderar a coisa julgada é um eufemismo para esconder a instalação da ditadura, de esquerda ou de direita, que faria desaparecer que deve ser respeitada, buscada e praticada pelo processo. (Coisa julgada e o Estado Democrático de Direito. In: Estudos em homenagem à Professora Ada Pellegrini Grinover, p. 716)
No mesmo escólio, vem o ilustre e não menos consagrado Professor José Ignácio Botelho de Mesquita, que chega a afirmar que não se pode desconsiderar a coisa julgada, mesmo ante a aplicação do princípio da proporcionalidade, se já decorreu o prazo da ação rescisória, porque a solução de desconsiderar pura e simplesmente a autoridade da coisa julgada não seria compatível com o atual estado da organização jurídica nem das instituições políticas do País, representando antes uma solução retrógrada e totalitária. (A coisa julgada, p. 121)
Posições que respeitamos, porém com as quais não concordamos, em razão da contra argumentação que passamos a desenvolver.
Não podemos, em hipótese alguma, concordar com pensamentos que rotulam a desconstituição da coisa julgada ou sua relativização como formas retrógradas, totalitárias, que propiciem a instalação de uma ditadura, senão vejamos.
Tentamos remeter os que infelizmente permeiam por esta argumentação para uma releitura e reflexão de Estados totalitários anteriores aos do século XX, sem maiores digressões para não adentrarmos por Estados totalitários e pensamentos de civilizações tão antigas como a romana, grega e egípcia, ou mesmo Mitologia, senão perderíamos de vista o escopo deste pequeno estudo. Sendo assim, remetemos o leitor, primeiramente, para a obra-prima escrita por Charles Dickens, intitulada Um Conto entre Duas Cidades. Nesta obra, Dickens retrata, com uma riqueza descomunal de palavras, descrições, fatos e estórias, o Estado absolutista francês, que, há décadas, cometia atrocidades contra o povo maltrapilho e esfomeado, até passarmos pela triste descrição da passagem do livro em que a carruagem de um nobre francês passa por cima da cabeça de uma pobre criança como se fosse algo corriqueiro. Todos esses anos de opressões ao povo são descritos por Dickens, que fazem por eclodir a Revolução Francesa, em que oprimidos transformam-se em opressores, cabeças são guilhotinadas e muito sangue é derramado para que hoje possamos tentar respirar um ar mais democrático, já pensada na Grécia Antiga, apesar desta ser ironicamente uma sociedade escravocrata, a qual foi transposta para Roma, vezes impérios, vezes res publica, mas sempre berço do Direito ocidental. Estados absolutistas se transformam em Anarquia e fazem nascer um novo Estado totalitário, sobre o qual discorreremos a seguir. Já indo mais para o Oriente, Czares já foram depostos e impérios dão azo a novos regimes totalitários sob ideais de igualdade, isso sem falar na tradição cultural milenar dos povos orientais [17], com os quais ainda temos que aprender e vice-versa.
Ideias revolucionárias e sangue derramado fazem nascer outro Estado totalitário. Desta vez, remetemos o leitor a mais uma obra-prima da humanidade, do inigualável Victor Hugo, que, em seu livro Os Miseráveis, retrata, por meio de palavras forjadas por um gênio da literatura humana, a estória do foragido Jean Valjean, que se transforma no bem-feitor Sr. Madeleine, fala sobre Fantine e sua filha, Cosette, e, ao mesmo tempo, nos mostra a instalação de um novo Estado totalitário, desta vez comandado por nada menos do que Napoleão Bonaparte. Este, que fez a família real fugir para a colônia e nos tornar Brasil metrópole, o mesmo tirano que tanto influenciou o Direito por meio do Código Napoleônico. Percebemos que Victor Hugo descreve no livro a realidade de um Estado totalitário e diz que, quando o peso de um homem equivale ao peso de milhares de outros homens, a natureza, por si só tende, a dar um jeito de eliminar este homem e restaurar o equilíbrio antes perdido.
Pensamos que a crítica científica é uma hipérbole, além de ser positivista de tempos passados [18], que, se não relida, não condiz com a evolução científica atual da matéria, ao tentar desconstruir a tese da desconstituição ou relativização da coisa julgada. Não pretendemos nos remeter a Estados totalitários mais antigos ou a discussões jusnaturalistas e juspositivistas, haja vista que, como já dizia o Rei Salomão, em Eclesiastes, não há nada de novo sob o sol. Nem temos pretensão de tecer comentários sobre o consciente coletivo de justiça e arquétipos junguianos como retratados no livro Ela, a Feiticeira, de Henry Rider Haggard, um dos livros em que Carl Gustav Jung se baseia para construí-los, pois nunca poderíamos esquecer-nos do pai da matéria, Sigmund Freud, já que não é o propósito do presente artigo. Haja vista que seria o mesmo que escrever sobre direito processual civil sem nos remetermos a Oskar von Büllow, James Goldschmidt, Adolfo Skonke, Giuseppe Chiovenda, Francesco Carnelutti, entre outros, sem falar de nossa riquíssima doutrina nacional.
Percebemos, ainda, a tentativa destrutiva dos críticos à tese sob o argumento de se instalar uma ditadura de esquerda ou de direita, lembrando, por vezes, o pensamento do internacionalmente consagrado Professor Norberto Bobbio, em seu célebre livro intitulado Direita e esquerda: razões e significados de uma distinção política, pois, após profunda exposição e argumentação sobre o tema, conclui que os extremos se tocam e, ainda, que o futuro será dos verdes, ou melhor, dos ambientalistas.
Não podemos fechar os olhos para o atual Estado Democrático em que vivemos! Seria negar o óbvio. Vivemos em uma democracia de fato ou de direito!? Começamos a levantar velhas questões como: o Poder corrompe? O homem é o lobo do homem? Ou ele é um bom selvagem que renuncia seu direito à liberdade para que o Estado possa geri-lo? Teríamos que entrar em discussões filosóficas sobre as obras de Locke, Hobbes, Montesquieu e Rousseau, entre outros, além de termos que reestudar a atual conjuntura democrática em que o País se encontra, para percebermos a imaturidade de nossa democracia em relação à de outros países do globo por questões multifatoriais complexas que não vêm ao caso.
Vindo a argumentos jurídicos, segundo a jurisprudência pacífica do STF e do STJ, as ações de ressarcimento do Erário público nos atos de improbidade administrativa são imprescritíveis, ressalvando que há posicionamentos doutrinários em sentido contrário, sendo esta uma posição que corrobora o argumento que prestigia o princípio da segurança jurídica e não a afronta, motivo que nos leva a crer que poderíamos estabelecer pelas razões uma construção argumentativa em favor da ação declaratória de nulidade em face da coisa julgada.
Sentimos que os críticos desta teoria se escudam em argumentos descabidos de uma Democracia e de uma população que ainda precisam amadurecer muito, onde teoricamente todos são iguais, mas de fato ninguém o é. Admitir o atual Estado brasileiro como Democrático de fato, antes de enfrentar temas como corrupção, favoritismos políticos, manipulação dos meios de comunicação, abuso do poder econômico, fraudes, sistema eleitoral proporcional e majoritário e suas anomalias, regalias de membros de poderes, indicações políticas, cabides de emprego que muitas vezes podem ocasionar disfunções diversas que a coisa julgada pode proteger e acobertar. Ora, seria mais prudente lembrar o antigo mal que acometeu Caim e Abel e aceitar que a desconstituição da coisa julgada ou a teoria de sua relativização nada mais é do que um pensamento e um mecanismo, que como a sociedade também pode ser corrompida, para o bem ou para o mal, para tanto, basta saber de que lado você estará. Se for do lado certo, temos absoluta convicção de que a tese não é antidemocrática, muito pelo contrário. Deixemos as vaidades queimarem na fogueira e sejamos sensatos e coerentes ao dar razão a quem a possui.
Agora, em uma figura de silepse, por meio do brilhante magistério a seguir transcrito, que, como uma luva, agasalha a mão que escreve o presente texto:
Mudou a lei e vai mudando a mentalidade dos juristas, alavancada por aquelas exigências, que talvez haja principado no pós-guerra dos meados do século XX e ainda perduram. Gostamos de muitas das inovações que vêm sendo implementadas, como a tutela coletiva, a abertura para as causas de menor expressão econômica, as tentativas de simplificação e agilização implantadas pelas Reformas – mas isso é muito pouco porque ainda não definimos os caminhos a seguir nem o preciso modelo processual-judiciário de que precisamos. Não sabemos bem aonde vamos ou o que queremos. Envolvemo-nos em movimentos reformadores que vão das técnicas processuais mais corriqueiras aos grandes fundamentos do sistema, mas nos falta o rumo. Somos talvez como a turba exaltada, mas inconsciente, que arrasou e incendiou o presídio da Bastilha sem ter a noção do que aquele gesto, para eles passional e inconsequente, viria a significar para as estruturas sociais e políticas do Ocidente. Ou como os apóstolos de Cristo, que seguiram sabendo que muito havia a mudar no mundo e na alma das pessoas mas não tinham certamente a menor noção das transformações que a palavra do Filho de Deus viria a causar na História da Humanidade. [19]
Neste mesmo diapasão o já consagrado e contemporâneo Liebman, de genialidade colossal, e Candido Rangel Dinamarco, voraz defensor da tese da relativização da coisa julgada, não dizemos um dos precursores, haja vista que o próprio Enrico Tulio Liebman, patrono do processo civil brasileiro, em sua clássica obra Autoridade e Eficácia da Sentença, já havia chamado a atenção para o tema [20].
Observamos que Enrico Tulio Liebman, já no início de seus trabalhos, remete-nos a Chiovenda, que, na época de publicação de Autoridade e Eficácia da Coisa Julgada, já dizia que há trinta anos o mesmo já inicia sua obra de revisão da doutrina da coisa julgada:
“Assistimos à lenta e progressiva transformação no modo de entender a eficácia, inerente à sentença do juiz, que designamos sob o nome autoridade da coisa julgada” (Chiovenda, Sulla cosa giudicata, em Saggi di diritto processuale civile, II, p. 399), indo mais a fundo ainda o Professor Liebman, “este modo de entender a coisa julgada inspira-se diretamente em antiga e augusta tradição, e mais propriamente romanística. Em direito romano clássico, resumia-se o resultado do processo na res iudicata, que vel condemnatione vel absolutione contingit (MODESTIONO, D. 42,1,1) o que não era senão a res de qua agitur, depois que se julgou devida ou não devida“. [21]
No transcorrer de sua clássica obra, Liebman faz um aprofundado estudo sobre a coisa julgada, concluindo que:
As considerações amplamente desenvolvidas nas páginas precedentes permitem formular a conclusão de algum modo interessante. Constituiu erro de lógica definir a autoridade da coisa julgada como efeito da sentença e – consequência inevitável – identificá-la com a eficácia declaratória da própria sentença, contrapondo-a, portanto, aos seus outros efeitos possíveis (constitutivos ou condenatórios). Pouco convincentes, perigosas e até mesmo errôneas são as soluções práticas oriundas desta inexata formulação inicial.
Nesta concepção comum se esconde a última manifestação daquela singular deformação da doutrina da coisa julgada, contra a qual saiu a combater Chiovenda, e que consiste na supervalorização do elemento lógico do processo, como conteúdo da coisa julgada. Um aspecto dessa mesma ilusão, que Chiovenda salientou particularmente e contribuiu decisivamente para destruir, consistia em relacionar a coisa julgada com toda questio, com toda definitivo, de maneira que se sustentava suscetível de lograr a autoridade da coisa julgada toda forma de raciocínio do juiz. Mas a concepção comum já está ainda jungida tenazmente ao aspecto inverso da mesma deformação, porque não sabe separar a coisa julgada do elemento lógico do processo, afirmando que só a resolução de uma questão controvertida possa adquirir autoridade do julgado.
Que se deva pôr toda a importância da coisa julgada “na expressão da vontade concreta do direito” (Chiovenda, Saggi, cit., II, p. 401) é uma verdade que deve ser entendida em toda a sua extensão; isto é, a essa expressão da vontade concreta do Direito pode e deve acrescer autoridade da coisa julgada, ainda quando o seu conteúdo e os seus efeitos não sejam meramente declaratórios, mas também de criação ou de modificação da realidade jurídica. [22]
Observamos, ainda, em sua célebre obra, que o Professor Liebman nos remete a Wach (p. 61), Calamandrei (p. 62) e Satta (p. 64). O Professor Liebman analisa as posições de Segni (p. 75), Betti (p. 79) e Carnelutti (p. 91) sobre os limites subjetivos da coisa julgada. Ao analisar a teoria de Carnelutti contra Betti, observamos uma citação de rodapé nas páginas 100 e 101, letra “d“:
Não há no Direito brasileiro instituto semelhante à oposição de terceiro do processo francês e italiano. O recurso de terceiro prejudicado (art. 815 do Código de Processo Civil) é o que se apresenta a mesma origem histórica e o que mais se lhe aproxima, conservando, no entanto, profundas diferenças. De fato, a oposição do terceiro, ainda que denominada recurso, é na realidade uma ação autônoma tendente a impugnar a coisa julgada já formada (Chiovenda, op. cit., n. 385), e não está sujeita a prazo para sua interposição; pelo contrário, o recurso do terceiro prejudicado é um verdadeiro recurso que deve ser proposto dentro de prazo breve e tende a impedir a formação da coisa julgada. V. a nossa nota 1 em Chiovenda, Instituições, v. III, § 79).
A ausência de remédio semelhante à oposição de terceiro é, para o Direito brasileiro, argumento decisivo contra a aceitação da teoria de Carnelutti (e da semelhante a essa, de Allorio, cfr. p. 155 e ss.) da eficácia reflexa da coisa julgada, porque os terceiros deveriam suportar as consequências prejudiciais da sentença que os prejudica, seria, para este fim, completamente insuficiente, dada a facilidade de que ignorem eles a existência do processo inter alios.
Por isso, exige a mais elementar equidade, para o Direito brasileiro ainda mais que para o italiano, que se tenha por firme o princípio segundo o qual a autoridade da coisa julgada vale só para as partes.
Ao lermos a teoria de Liebman, observamos que, no Capítulo 7, item 39, p. 122-125, trata da injustiça como causa de ineficácia da sentença:
A sentença pode ser contrária à lei por motivos muito diferentes (v. Chiovenda, Princippi, p. 893 e ss., Istituizioni, II, p. 490, cujo ensinamento venho seguindo). Antes de tudo, o juiz lhe pode ter violado as disposições, no cumprimento de sua atividade, o que se verifica, entre outras coisas, quando a tenha pronunciado, não obstante a falta dos pressupostos processuais; além disso, pode ter deixado de observar as prescrições de forma relativas à própria sentença (arts. 360 e 361 do Código de Proc. Civil italiano). Em todos esses casos, ocorre a nulidade da sentença.
Mas pode a sentença ser contrária à lei quanto ao conteúdo, o que produz a sua injustiça.
A nulidade infirma a sentença como ato final do processo e, em consequência – salvo o caso de ser o vício tão grave que produza uma nulidade radical e absoluta (cfr. sobre o problema Chiovenda, Princippi, p. 897 e ss., e Istituizioni, II, p. 493, e recentemente Esposito, op. cit., p. 277) – só se pode fazer valer no mesmo processo com os recursos estabelecidos pela lei, unicamente pelas partes, que são os sujeitos da relação processual, e, portanto, as únicas pessoas lesadas pela nulidade e interessadas em obter reparação. (Chiovenda, Princippi, p. 1011).
A injustiça, pelo contrário, diz respeito à sentença como julgamento, e pode depender tanto de erro de direito como erro de fato (Chiovenda, Princippi, p. 896). Em todo caso, é a vontade concreta do Estado diversa da declarada, e pode a sentença, por isso, prejudicar injustamente a terceiro, cujo direito seja de qualquer modo conexo com a relação decidida… [23]
Por fim, no arremate digno do patrono do processo civil brasileiro, vem o Mestre Enrico Tulio Liebman atravessar o atlântico afastando-se da guerra e do fascismo, trazendo lições europeias e nos ensinando com seu brilhantismo e capacidade ímpar de argumentação e contra-argumentação, naquela época, que:
Por certo, ainda assim, poderão surgir resultados aparentemente contraditórios; contudo, é preciso convencer-se da sua inevitabilidade, dentro de certos limites, se não se quiser admitir a eficácia plena, absoluta e definitiva da sentença em relação a todos: o que seria entre todas a solução pior, e de fato não foi a adotada por legislador nenhum. Portanto, o que se pode e se deve procurar é a teoria que, relativamente, conduza a menores inconvenientes e contradições, e aqui proposta parece corresponder a esse finalidade; reúne – assim nos parece – a mais rigorosa correção lógica, com razoável oportunidade e uma intrínseca justiça nas consequências práticas. Para demonstrá-la foi preciso, de quando em quando, percorrer caminhos diversos dos até agora trilhados. Mas nenhuma audácia lógica pode ser condenada, quando sirva para justificar conclusão equitativa e praticamente satisfatória. [24]
Independentemente da coisa julgada, a sentença tem sua eficácia “natura“, obrigatória e imperativa, que deriva simplesmente de sua natureza de ato de autoridade, de ato de Estado, mas que está destinada a desaparecer, quando se demonstra que a sentença é injusta: a coisa julgada reforça essa eficácia porque torna impossível ou inoperante a demonstração de injustiça da sentença. [25]
Em épocas mais atuais, as sábias e maduras palavras do Professor Cândido Rangel Dinamarco nos ensinam:
Não fora essa disposição a questionar dogmas, não teria podido caminhar a hoje vitoriosa teoria da desconsideração da personalidade jurídica, que se choca com a tradicional regra da distinção entre a pessoa do sócio e a da sociedade, enunciada em lei expressa (CC, art. 50) – mas que encontra a mais plena das legitimidades em sua destinação a neutralizar os efeitos da fraude à lei ou a terceiro. Também assim é o caso da elegantíssima e florescente teoria da relativização da coisa julgada, portadora de legítimo repúdio ao dogma da coisa julgada capaz de fazer do preto branco e do quadrado, redondo; em casos extraordinários de fraude indecente, erros escandalosos ou contraste com valores muito mais elevados que o da segurança jurídica, afasta-se a auctoritas rei judicatae apesar da notória garantia constitucional desta, com o sadio intuito de evitar que, a pretexto de evitar a perpetuação de litígios, se perpetuem inconstitucionalidades ou injustiças insuportáveis (infra, n. 111 e ss.). A partir de conhecidíssimas postulações de Chiovenda e Calamandrei, o sacrossanto dogma da intangibilidade da pessoa ou da vontade humana, zelosamente guardado nos escaninhos pandectistas da doutrina francesa, pôde ser superado pelas modernas regras da execução específica, notadamente ao que diz respeito às obrigações de prestar declaração de vontade (Vidigal, Luiz Flávio Yarshell). O dogma da rígida oposição entre o conhecer e o executar ficou sensivelmente reduzido a partir de quando a doutrina e os Tribunais brasileiros deram sinal verde à chamada exceção de pré-executividade, que introduz episódios abertamente cognitivos no processo de execução. Situações anômalas vieram a sugerir a admissibilidade da ação rescisória contra decisões interlocutórias que, contrariando a intenção do legislador, contenham o julgamento do mérito da causa, ou de questões relativas a ele. Os vigorosos progressos da tutela coletiva, a que assistimos a partir da última década do século XX, são a negativa dos dogmas da singularidade da tutela jurisdicional, afirmando enfaticamente no art. 6º do Código de Processo Civil (cada um por si e ninguém por todos […]), e da estrita limitação da autoridade do julgado ao âmbito daqueles que foram partes do processo (art. 472). Alguns desses temas estão versados em capítulos ulteriores deste apanhado de estudos, calcado na fundamental premissa da imperfeição das leis, aqui destacada, e servindo da ilustração da ideia de que muitas vezes cabe ao juiz adaptar os textos imperfeitos da lei a seu verdadeiro espírito. [26]
[…] repudio os privilégios dados pela lei processual ao Estado, que reputo de índole fascista; sou um crítico do Estado inimigo, que litiga e resiste em juízo com a consciência de não ter razão, abusando do direito de recorrer com o objetivo de postergar a satisfação das vítimas; reputo indecente a prática de legislar, mediante medidas provisórias destinadas a ampliar os privilégios do Estado em juízo e combato as repetidas indulgências dos juízes para com entes estatais, a dano da garantia constitucional da isonomia. [27]
Se tiver razão no que sustento, terei chegado a uma visão sistemática da relativização da coisa julgada segundo critérios que em primeiro plano são objetivos – despontando sobretudo o da prevalência de certos valores, constitucionalmente resguardados tanto quanto a coisa julgada, os quais devem prevalecer mesmo com algum prejuízo para a segurança das relações jurídicas. Daí aceitar a ideia da coisa julgada inconstitucional, que assenta na premissa da harmoniosa convivência entre todos os princípios e garantias plantados na ordem constitucional, nenhum dos quais pode ser absoluto. A posição defendida tem apoio no equilíbrio, que há muito venho postulando, entre duas exigências opostas mais conciliáveis – ou seja, entre a exigência de certeza ou segurança, que autoridade da coisa julgada prestigia, e a de justiça e legitimidade das decisões, que aconselha não radicalizar essa autoridade. Nessa linha repito: a ordem constitucional não tolera que se eternizem injustiças a pretexto de não eternizar litígios. [28]
A título meramente ilustrativo, lembramos um caso julgado pelo STF que ficou famoso, conhecido como caso “Ellwanger” [29]. Enfrentando a colisão entre a liberdade de expressão e a dignidade da pessoa humana, ficou assentado, nos termos do voto do Ministro Marco Aurélio, que a autonomia do pensamento revela proteção à tirania imposta pela necessidade de adotar-se sempre o pensamento politicamente correto. Por fim, com a elegante escrita que lhe é peculiar, vem o Professor Cândido Rangel Dinamarco, demonstrando, mais uma vez, humildade e maturidade, nos ensinar sobre liberdade de expressão, que é assegurada constitucionalmente a todos nós, sepultando, por fim, críticas não construtivas pela falta de aceitação da tese.
É muito compreensível que uma tese dessa magnitude sistemática, colidente com pensamentos solidificados na cultura do processualista ao longo de milênios, cause preocupações entre os estudiosos e gere resistências e reações. Encaro essas reações, mesmo as mais aguerridas ou mesmo virulentas, como manifestações em defesa daqueles dogmas tradicionais, ainda quando formuladas por estudiosos de reconhecidas posições vanguardeiras. Estou também seguro de que, estando tudo ainda muito no começo, desses debates travados entre pessoas empenhadas em convencer mas também honestamente dispostas a serem convencidas, poderão surgir luzes para o aprimoramento da tese, para seu redirecionamento segundo princípios e conveniências legítimas ou também – e por que não? – para sua rejeição total, como algo imprestável e socialmente pernicioso. Vamos, pois, debater com os pés no chão, sem radicalismos, sem obsessivo apego aos dogmas e também sem imprudentes entusiasmos inovadores. [30]
Para demonstrar ainda a transparência e sua total coerência com o Estado Democrático de Direito, bem como sua compatibilização com nossa Constituição Federal e nosso atual sistema processual acerca da tese da desconstituição ou relativização da coisa julgada, lembramos que, para o acolhimento da ação declaratória no que tange às condições da ação e os pressupostos processais, o juiz ou Tribunal competente fará o juízo de admissibilidade da ação com muito mais rigor do que se faria em uma declaratória convencional, haja vista que a declaração de nulidade da coisa julgada terá como base provas documentais na aferição da mesma, sem falar da dilação probatória necessária ao processo comum ordinário, o que acaba, mais uma vez, por espancar o argumento da figura de linguagem eufemística e da instalação de um estado totalitário ditatorial.
Partes, condições da ação e pressupostos processuais, competência, provas, efeitos colaterais, efeitos constitutivos e desconstitutivos da decisão, antecipação dos efeitos da tutela, duplo grau de jurisdição, teoria da causa madura, aproveitamento de provas e atos processuais válidos, cautelar, modulação dos efeitos da decisão conforme o caso concreto, ponderação da declaração caso tenha piores reflexos a declaração de nulidade do que a manutenção da mesma, entre muitos outros aspectos processuais para o manejo da referida ação, deverão ser elaborados em estudo mais profundo e completo que não condiz com o propósito do presente artigo. Remetemos o leitor, ainda, para um estudo mais aprofundado sobre a coisa julgada, a uma leitura de clássicas obras como Limites Subjetivos da Eficácia e da Sentença e da Coisa Julgada, do consagrado Professor José Rogério Cruz e Tucci[31], e Questões Prévias e os Limites Objetivos da Coisa Julgada, da não menos consagrada Professora Thereza Alvim.
CONCLUSÃO
Pensamos que deve haver um equilíbrio entre as duas exigências antagônicas. De um lado, a celeridade processual, que tem por objetivo a solução do conflito em tempo razoável, daí a necessidade da preclusão e da coisa julgada no processo; e, de outro lado, a qualidade dos julgamentos, trazendo segurança jurídica às partes e justiça social. É exatamente este equilíbrio que transforma a balança no símbolo da justiça. Admitindo-se a premissa de que o processo é um encadear sucessivo de atos destinados a fim de servir de instrumento à aplicação do direito material ao caso concreto, tem-se, assim, a possibilidade de que, no transcorrer do processo, ocorram falhas e vícios que possam comprometer a própria essência e finalidade do instituto, que é, segundo a máxima da experiência, dar a cada um segundo seu mérito, ou seja, é dar razão a quem tem razão, proporcionando um resultado justo, respeitando o contraditório e as leis. Deparamo-nos, então, com o eterno conflito do Direito, quanto à sua preocupação com a segurança e com a certeza, ao mesmo tempo em que busca a realização e a efetividade da justiça. Já na célebre lição do divino poeta Dante Alighieri, conceitua o Direito como “ius est realis ac personalis hominis ad hominem proiportio, quae servata societatem servat, corruipta corrumipit” (tradução livre: “O direito é a proporção real e pessoal de um homem em relação a outro, que, se observada, mantém a sociedade em ordem; se corrompida, corrompe-a“). Em suma, pelos nossos ainda embrionários estudos acerca do tema, tendemos a pensar que a ação declaratória de nulidade, ou querela nullitatis, não se confunde com a ação rescisória, visto ser aquela uma ação declaratória por excelência, imprescritível e com pedido especial de declaração de nulidade em um juízo transrescisório, instrumento técnico adequado para expurgar do mundo jurídico sentenças e acórdãos já transitados em julgados que contenham vícios de inconstitucionalidade, por consequência nulidade absoluta, e, por conseguinte decisão teratológica que pode ser vista como injusta, errônea ou fraudulenta, sendo imperioso que o Judiciário declare sua nulidade para expurgar do mundo jurídico seus efeitos. Diante de eventual conflito entre os valores da segurança, representada pela coisa julgada, e o da justiça, representada pelo respeito à Constituição e à dignidade da pessoa humana, o valor justiça como um fim em si mesmo e um fim do próprio Direito deverá prevalecer com o escopo de preservar um dos ideais e sentimentos mais fortes que fazem nossa espécie perpetuar e sobreviver desde nossa origem, que é o legado da esperança.
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[1] Luís Recaséns Siches: “O juiz deve, em todos os casos, interpretar a lei precisamente pelo modo que conduza a conclusão mais justa para o problema colocado perante sua jurisdição” (Cfr. Tratado general de filosofia del derecho, cap. XXI, n. 5, p. 647).
[2] O ilustre Professor Jorge Octávio Lavocat Galvão, em seu livro o Neoconstitucionalismo e o Fim do Estado de Direito, citado em nossas Referências, faz uma profunda análise científica do tema, analisando autores neoconstitucionais brasileiros, colocando como escrito em seu prefácio o “dedo na ferida”; estuda a teoria neoconstitucional com olhos críticos e científicos; e a contra-argumenta, o que acreditamos ser de muita valia para o aperfeiçoamento e debate científico do tema, haja vista que sua posição é muito bem fundamentada, o que permite um melhor aperfeiçoamento da teoria e da aplicação por parte dos neoconstitucionalistas, permitindo a eles uma saudável reflexão sobre pontos fracos, o que nos permite a aplicação prática da antiga dialética de pensadores clássicos helênicos para que, com o tempo, possa ser perfeita a síntese da matéria.
[3] WATANABE, Kazuo. Da cognição no processo civil. 3. ed. São Paulo: Perfil, 2005. p. 21. Após a leitura da genial obra do Professor Kazuo Watanabe, percebemos, com o devido respeito e admiração pelo autor, que talvez fosse possível um estudo mais aprofundado que não condiz com o presente artigo, para uma tentativa de releitura da teoria da cognição já magistral e cartesianamente exposta pelo mesmo: motivação das decisões judiciais e seus reflexos no mundo fático (na qual enxergamos a possibilidade de sugerir uma proposta de redimensionamento da teoria aplicando-se aos planos da cognição vertical e horizontal eixos X e Y – profundidade com que o juiz conhece todas as matérias (cognição exauriente que aprecia as questões de modo aprofundado e cognição sumária) e amplitude (extensão das matérias cognoscíveis pelo juiz) os eixos W e Z, inserindo, assim, o fator temporal e espacial para melhor análise da coisa julgada e seus efeitos concretos no tempo e no espaço (reflexos da decisão no mundo fático).
[4] Estudos sobre o processo civil brasileiro, com notas da Dra. Ada Pellegrini Grinover.
[5] Da querela nullitatis – Sua subsistência no Direito brasileiro.
[6] Código que permanece vivo por quase meio século e, sendo sepultado com o advento do novo CPC, o será com as devidas honras fúnebres a quem de Direito. Esperamos que o novo sustente-se vivo por período não inferior a de seu predecessor, visto que, em razão de tamanha responsabilidade, o contrário não seria bom aos operadores do Direito e aos cidadãos de todo o País.
[7] Remetemos, ainda, o autor ao judicioso acórdão do STF no RE 76.909/RS, cujo Relator foi o Ministro Xavier de Albuquerque, que faz uma profunda análise e estudo do tema, colacionado pelo Professor Kazuo Watanabe, em sua supracitada obra de mestrado às
- 159 a 184; porém, apesar de respeitarmos as renomadas opiniões, não entendemos ser o mandado de segurança originário do direito de amparo mexicano, o meio mais adequado para atacar decisões transitadas em julgado, como a seguir tentaremos demonstrar.
[8] SILVA, Ovídio Batista da. Sobrevivência da querela nullitatis. Disponível em: http://www.baptistadasilva.com.br. Acesso em: 20 dez. 2009.
[9] CALAMANDREI, Piero. La cassazione civille. Torino, v. I, p. 138.
[10] Nota-se, de certa forma, a aplicação de conceitos matemáticos por alguns professores na disciplina do processo civil, como, por exemplo: aplicação do princípio da proporcionalidade (Verhältnismässigkeit) no processo civil, conforme obra do Professor Marcelo Magalhães Bonicio, e a matemática aplicada (proporção direta, em matemática, é o nome dado à relação entre duas grandezas ou variáveis que crescem ou decrescem juntas sempre mediante um fator comum); Professor Kazuo Watanabe, em sua obra Cognição no Processo Civil, e René Descartes, por meio da aplicação de certa forma do plano cartesiano para desenvolver a teoria da cognição em vertical e horizontal; Professor Carlo Furno (Contibuto a alla teoria della porva legale, n. 03, esp., p. 17-18) propõe um escala descendente, a partir da verdade, passando pela certeza matemática, pela certeza subjetiva e chegando à mera convicção – com a observação de que esta tem relevância mínima em juízos matemáticos, mas elevadíssima em juízos históricos, como os realizados pelo juiz, etc.
[11] BONICIO, Marcelo José Magalhães. Proporcionalidade e processo: a garantia constitucional da proporcionalidade, a legitimação do processo civil e o controle das decisões judiciais. São Paulo: Atlas, 2006. p. 192.
[12] LUCON, Paulo Henrique dos Santos. Embargos a Execução. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 167 e 168.
[13] YARSHELL, Flávio Luiz. Tutela jurisdicional. 2. ed. Editora DPJ, Prefácio deGiuseppe Tarzia.
[14] Idem, palavras do orientador.
[15] Cfr. p. 192, nota de rodapé n. 55, Proporcionalidade e Processo.
[16] BONICIO, Marcelo José Magalhães. Op. cit., p. 40.
[17] Para um estudo sobre o intercâmbio do tema, em especial para a ciência do direito processual, sem prejuízo de infindáveis outras áreas da ciência, vide KOROKU, Tonia Yuka. O sistema judiciário japonês. Tese de Doutorado pela USP, 2005, sob a orientação do Professor Kazuo Watabe.
[18] Remetemos ao leitor à posição de atuais e consagrados professores, como o revolucionário Mestre italiano Mauro Capelletti (ver Movimento Projeto Florença) e seu repúdio ao positivismo jurídico: “Nenhum aspecto dos modernos sistemas legais está a salvo da crítica” (Cfr. Access to justice – a world survey, I, t. I em Coop. Bryant Garth); e ao austríaco Franz Klein, inimigo dos formalismos exagerados. Para uma melhor análise e contrabalança sobre o positivismo; remetemos o leitor a um dos expoentes da escola positivista, o Professor austríaco naturalizado estadunidense Hans Kelsen, em sua Teoria Pura do Direito, que tanto contribui com seu pensamento para o aprimoramento do Direito. Remetemos, ainda, o leitor para positivistas mais atuais como H. L. A. Hart (autor de O Conceito de Direito) e Joseph Raz.
[19] Cfr. DINAMARCO, Cândido Rangel. Nova era do processo civil. 4. ed. p. 19.
[20] p. 101, nota de rodapé, letra “d”; p. 126, nota de rodapé, letra “h”; p. 137; p. 150; p. 155, nota de rodapé 23, etc.
[21] Cfr. LIEBMAN, Enrico Tulio. Autoridade e eficácia da sentença, p. 12 e 13, citando Chiovenda e Biondo Biondi.
[22] LIEBMAN, Enrico Tulio. Op. cit., p. 30 e 32 .
[23] Idem, p. 122 e 123.
[24] Idem, p. 131.
[25] Cfr. LIEBMAN, Enrico Tulio. Eficácia e autoridade da sentença e outros escritos sobre a coisa julgada. Rio de Janeiro: Forense, 1945. p. 171.
[26] Cfr. DINAMARDO, Cândido Rangel. Op. cit., p. 25 e 26.
[27] Idem, p. 260.
[28] Idem, p. 262 .
[29] HC 82.424, julgado em 2003 e relatado pelo Ministro Moreira Alves, que analisava a prática de crime por um editor que teria praticado racismo contra o povo judeu.
[30] Cfr. DINAMARCO, Cândido Rangel. Op. cit., p. 263.
[31] Atual Diretor do Largo São Francisco de São Paulo, detentor de um currículo lattes titânico, com mais de quarenta obras publicadas, sem falar em artigos e outros trabalhos, que tanto colaborou e colabora para o aperfeiçoamento da disciplina do direito processual civil. Cabe lembrar que supracitada obra é uma das de maior valor que este autor encontrou à venda.