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DIREITO CONTRATUAL CONTEMPORÂNEO

DIREITO CONTRATUAL CONTEMPORÂNEO

Gisele Leite

 

O Código Civil brasileiro de 1916 foi influenciado pelas ideias indivi­dualistas da Revolução Francesa materializadas no Código Civil francês e tinha, entre seus postulados, a autonomia da vontade e a força obrigatória dos contratos, que, se tomados radicalmente, tornam impossível a aplicação do instituto de lesão, pois justamente tempo efeito desconstituir a vontade desde início manifestante e ainda a força vinculante do contrato.

A mitigação de tais postulados começou na Europa desde a Primeira Grande Guerra Mundial, e, entre nós, ocorreu paulatinamente. Em virtude de sua extensa aplicabilidade em todo o direito privado, o Código Civil brasileiro de 2002 privilegiou o movimento de diminuição de incidência desses postulados, e, ainda, concedeu espaço também a outros princípios, tais como equilíbrio contratual, boa-fé objetiva e função social dos contratos.

Convém situar o contrato no mundo jurídico como entre os fatos e negócios jurídicos, sendo nesses últimos e estão as teorias que os fundamentam. Como o Código Civil de 1916 não acolheu a lesão que foi prevista em leis, como a de economia popular, o Decreto-Lei nº 869/1938, a Lei nº 1.521/1951 e a Medida Provisória nº 2.171-32 estabeleceram a nulidade de disposições contratuais que menciona e inverteram, nas hipóteses que prevê, o ônus da prova nas ações intentadas para sua declaração.

O instituto da lesão não fora esquecido pelo CDC; porém, com este diploma legal, gerando-se, assim, dois tipos de lesões: a de direito civil e a consumerista. Somente, então, é possível tratar da lesão no âmbito do Código Civil de 2002, apontando seus requisitos, seu objeto e seu momento de atuação, sem distinção em relação a outros defeitos dos negócios jurídicos, como também em relação à onerosidade excessiva superveniente.

São desalentadoras as palavras proferidas por Giuseppe Mirabelli que, nas conclusões de sua obra, afirmou que, mesmo depois de ter tentado dar ao instituto uma sistematização mesmo depois de ter visto o seu amplo e quase ilimitado campo de aplicação, deve-se ainda repetir que não se sabe como nasceu, não se sabe o que é, não se sabe o que esteja fazendo.

Na feliz comparação de Antonio Junqueira de Azevedo, constitui-se em uma verdadeira fênix da mitologia egípcia, pois, desde seu surgimento, teve diversas conformações, desaparecimentos e novas aparições.

Quer no devir histórico do ordenamento brasileiro, quer no de ordenações estrangeiras, a figura da lesão, desde seu surgimento, apareceu e desapareceu muitas vezes; é ela o caso ideal para os autores invocarem a imagem literária da fênix, que renasce das cinzas.

A lesão não existia no Direito romano pré-clássico, é duvidoso que existisse mesmo no Direito romano clássico e existia no Direito romano pós-clássico e justinianeu. Mas teve seu campo de ação ampliado durante a Idade Média, tanto no Direito canônico quanto no direito comum, neste com glosadores.

Durante a Renascença, em movimento inverso, sofreu processo de limitação de seu âmbito. Em França teve sua aplicação ainda mais reduzida durante o Iluminismo e desapareceu totalmente durante a Revolução; em seguida, reapareceu novamente, sob forma reduzida no Code de Napoleon.

Na Península Ibérica desapareceu completamente no Fuero Juzgo, mas reapareceu nas Ordenações.

Finalmente, com o liberalismo econômico teve grande oposição, e, hoje, cumprindo um movimento pendular, tem aplicação muito defendida, ainda que com restrições. A lesão como vício do negócio jurídico; a lesão entre comerciantes; as formalidades pré-contratuais, a proibição de venire contra factum proprium e a ratificação de atos anuláveis; a possibilidade de resolução ou revisão contratual por atos supervenientes; a excessiva onerosidade, a base do negócio e a impossibilidade da prestação.

Nas sábias lições de Caio Mário da Silva Pereira, que ponderou in litteris: “Após quase dois mil anos de existência, o instituto da lesão continua presente na proteção ao contratualmente mais fraco e tudo indica que veio para ficar“.

Lembremos que o Código Beviláqua fora elaborado sob a influência da concepção de que as pessoas são completamente livres para disporem de seus próprios interesses sem haver ingerências estatais e, ainda, projetado para, então, sociedade eminentemente rural e patriarcal.

Os princípios jurídicos registram que os valores ao longo do tempo utilizados já não mais encontravam respaldo na Constituição Federal e nem nas legislações específicas posteriores, tais como o CDC, e também no pensamento doutrinário, vigente a partir do Código Civil brasileiro de 2002.

Por essa razão, Miguel Reale destacou a passagem do individualismo e do formalismo do primeiro Código, o de 1916, para dar sentido socializando ao segundo Código (o de 2002) e bem mais atencioso às mutações sociais, em uma composição equitativa de liberdade e igualdade.

Diversas leis esparsas no direito civil vieram nos atualizar, tais como o Estatuto da Mulher Casada, a Lei do Divórcio, o Estatuto da Criança e do Adolescente, o Código de Defesa do Consumidor. Nesse diapasão, fez-se necessária a edição do novo Código Civil que fora promulgado em 2002.

Com a publicação da Lei nº 10.406, que institui o Código Civil brasileiro de 2002, os princípios tradicionais do direito contratual, tais como a autonomia da vontade, da relatividade do contrato, a obrigatoriedade do contrato, conti­nuaram presentes na então nova ordem jurídica, porém sob nova interpretação ordenada pelos princípios de boa-fé objetiva, função social e equilíbrio contratual.

Mas a alteração dos princípios contratuais não é exclusivamente brasileira, sendo igualmente possível observar também no exterior, onde o dogma da intangibilidade do contrato cede maior espaço, da mesma forma, aos princípios da ética jurídica e da boa-fé.

E tal previsão ganhou corpo por meio do Enunciado nº 23 da I Jornada de Direito Civil, realizada pelo Conselho da Justiça Federal de setembro de 2002, nos exatos termos: “A função social do contrato, prevista no art. 421 do novo Código Civil, não elimina o princípio da autonomia contratual, mas atenua ou reduz o alcance desse princípio quando presentes interesses metaindividuais ou interesse individual relativo à dignidade da pessoa humana“.

Antônio Junqueira de Azevedo já enfatizava, em parecer de 1997, que recebemos do século XIX três princípios, a saber: a liberdade contratual lato sensu, a força obrigatória e a relatividade dos efeitos contratuais. E a esses se adicionou um limite na primeira metade do século XX, que alguns identificam como um quarto princípio, geralmente denominado como supremacia da ordem pública.

A boa doutrina notou que, ao final do século XX, se deu nova alteração nos fundamentos do direito contratual, adicionando-se aos já identificados anteriormente os três novos princípios, a saber: a boa-fé objetiva, o equilíbrio econômico do contrato e a função social do contrato. E o Código Civil brasileiro de 2002 confinou e reverberou a alteração dos princípios contratuais.

A lesão é defeito do negócio jurídico manejável com o objetivo de anular contratos, e seguindo os dizeres de Miguel Reale apontando os princípios orientadores do novo diploma cível como um todo, quais sejam, os princípios da socialidade, da eticidade e da operabilidade.

O princípio da socialidade visa romper a concepção individualista do Código Civil de 1916, determinando o predomínio de interesses da sociedade sobre os individuais, sem prejuízo da dignidade da pessoa humana.

A aplicação desse princípio deve se dar de forma ampla e abrangendo os diversos campos do direito civil, como os contratos, o direito de propriedade, a posse, o direito de família e o sucessório.

Na ótica individualista, o contratante, mediante o princípio da força obrigatória dos contratos, poderia exigir o cumprimento do contrato, mesmo diante de onerosidade excessiva originária ou superveniente; porém, em função da evolução do direito civil e agora pela materialização do princípio da socialidade no direito positivo, não mais se admite tal entendimento.

Foi em razão do sentido da socialidade do direito que fora inserida a lesão. Francisco Amaral destaca que, no âmbito contratual, se destacam as expressões do princípio da socialidade, as disposições que determinam nos contratos de adesão à interpretação mais favorável à parte aderente e, ainda, que reputam nulas as cláusulas que decorrem em renúncia antecipada de direitos pelo aderente.

Também as evoluções vistas no âmbito do direito de família e empresarial são creditadas ao princípio da socialidade, pelo qual, à guisa de exemplo, no primeiro, do pátrio poder que passou a ser o poder familiar, e, no segundo, responsabiliza-se pessoalmente o empresário que abusa e desvia os fins da pessoa jurídica.

Sem dúvida, o princípio da socialidade é um dos básicos pilares do direito moderno pelo qual é estabelecida a primazia ou prevalência dos chamados valores plurais ou coletivos em face dos equivalentes axiológicos do plano indivi­dual, em franco prestígio e tutela do bem-estar coletivo.

Aliás, nesse sentido a Professora Judith Martins-Costa expressou que o princípio da liberdade contratual foi mitigado pelo da função social.

Comenta-se que a justificação para adoção do princípio da socialidade. Sintetizou Miguel Reale que, na elaboração do diploma legal para regular o direito privado, há três soluções ao legislador, a saber: dar maior relevância aos interesses individuais, conforme ocorria com a codificação cível anterior; dar preferência aos valores coletivos, promovendo a socialização dos contratos; ou assumir posição intermédia, combinando o individual com o social de modo complementar, segundo regras ou cláusulas abertas propícias a soluções equitativas e concretas. Concluiu Reale que o CC de 2002 adotou a última opção.

Já o princípio da eticidade tem por fim o rompimento com o excesso de formalismo jurídico existente e vigente no Código Beviláqua mediante a incidência de valores éticos e sociais no Código Civil brasileiro de 2002.

Em verdade, o Código Civil revogado tinha natureza fechada, ou, em outras palavras, de forma casuística, o legislador definiu, delimitou e atribuiu qualificações ou consequências jurídicas às diversas situações fáticas com o fito de que o intérprete, no mais das bastasse verificar a adequação do fato à hipótese prevista em lei para aplicá-la.

Se foi justificável o surgimento de normas do tipo fechado naquele momento histórico que tinham como fim conter as arbitrariedades e os excessos, observa-se que essa natureza rígida e ortodoxa acarretou o envelhecimento dos Códigos pela progressiva inadequação das soluções previstas diante da evolução da sociedade e de seus valores, ou, ainda, pela ausência de previsão legal das novas situações fáticas.

No sentido diametralmente contrário veio o Código Civil de 2002 ou o Código Reale prever algumas normas genéricas que são denominadas de cláusulas gerais, que servem justamente pelo fato de exigirem do intérprete sua integração, viabilizam a criação de modelos jurídicos hermenêuticos que admitem a contínua atualização e oxigenação dos preceitos legais.

As cláusulas gerais são normas genéricas que adotam conceitos jurídicos indeterminados, permitindo, pela vagueza semântica que caracteriza os seus termos, a incorporação de princípios, diretrizes e máximas condutas que eram originalmente estrangeiros ao corpus codificado.

É nesse locus que o princípio da eticidade encontra sua maior expressão, pois as cláusulas abertas possibilitam a incorporação de valores éticos e sociais à época de sua interpretação.

A eticidade opera a superação do formalismo jurídico em prol dos valores éticos e pontua que esta se manifesta pelo princípio da boa-fé objetiva. Francisco Amaral aponta que o princípio da eticidade representa a crença de que o equilíbrio econômico dos contratos vem sendo a base ética de todo o direito obrigacional.

O princípio da operabilidade norteou o Código Civil de 2002 de forma a implicar a escolha de soluções normativas que facilitassem sua futura interpretação e aplicação. E deve ser compreendido sob os enfoques da simplicidade e da efetividade.

Segundo Reale, o princípio da operabilidade não se inspira apenas no pragmatismo, mas resulta da necessidade de assegurar a quem de direito o máximo de resultados com o uso mínimo de meios, sobretudo com a eliminação de desnecessários formalismos. Por isso a operabilidade deve ser visualizada sob o aspecto da efetividade ou concretude do texto normativo.

Discorrendo sobre a evolução do Direito pátrio com o Código Civil de 2002, destaca-se a incidência da Constituição Federal vigente no âmbito do direito civil e, sendo que o novo Codex sempre respeita os ditames daquela, razão pela qual o art. 421, a liberdade contratual, mas condicionada pela função social do contrato e pela boa-fé por parte dos contraentes, previstas no art. 422 do vigente CC.

Nessa nova dimensão, o princípio da liberdade contratual em sentido amplo deve se adequar ao princípio da função social, de forma que o indivíduo, ao livremente dispor de seus interesses, deve fazê-lo em consonância com o bem-comum.

Nesse sentido, o grande Flávio Tartuce conceitua a liberdade contratual como o poder de a parte regulamentar seus interesses, limitado por normas de ordem pública e pelos demais princípios contratuais.

Já o princípio da força obrigatória, que é identificado com a expressão latina pacta sunt servanda, é aquele pelo qual se enuncia que as cláusulas contratuais devem ser observadas tal como se fossem os preceitos legais imperativos.

Partindo da premissa individualista onde as partes são iguais e podem livremente estabelecer os vínculos contratuais e, ainda, definir seu conteúdo e seus efeitos, devem, por isso mesmo, fielmente cumprir as obrigações assumidas.

Assim se presume que estipulariam as cláusulas justas e que, por consequência, deveriam ser criteriosamente cumpridas. E, segundo Orlando Gomes, o princípio da força obrigatória é a pedra angular da segurança do comércio jurídico, pois, regularmente formados, os contratos impõem seu estrito cumprimento às partes e a impossibilidade da alteração de seu conteúdo por apenas uma destas.

Por força do princípio da força obrigatória, o contrato é irretratável e intangível, pois a parte não pode unilateralmente desfazê-lo ou mudar seu conteúdo. Impunha também a inadmissão da intervenção judicial para revisão do conteúdo de cláusulas contratuais, salvo para anulação ou resolução, de forma a garantir eficácia à liberdade contratual em sentido amplo.

Ocorre que, em face das transformações econômicas, políticas e sociais, o contrato sob a ótica do voluntarismo jurídico passou a não mais suprir as necessidades sociais. E, na medida em que a sociedade mudou seus valores éticos e seus interesses econômicos e políticos, alterou-se a consciência jurídica, tornando necessária a adequação de seus princípios e conceitos.

Impactaram com firmeza as duas grandes guerras e também os movimentos sociais desencadearam a reação contra a estrita observância da força obrigatória do contrato, na medida em que se passou a postular a revisão de contratos desequilibrados em função desses eventos extraordinários, ou, ainda, em decorrência da própria desigualdade existente entre os contratantes.

O contrato não deve ser o instrumento para veicular a exploração dos mais fracos pelos mais fortes, ou seja, desigualdade. Concluiu-se que algumas pessoas não eram efetivamente livres para discutir e estabelecer as cláusulas contratuais às quais se vinculavam.

Diante da estreita relação entre o princípio da força obrigatória dos contratos e da liberdade contratual que se justifica ter seus efeitos mitigados porque as premissas da liberdade contratual não eram plenamente verdadeiras.

Passou-se a admitir a intervenção do Estado nos contratos, seja mediante a aplicação de leis de ordem pública em benefício do interesse coletivo, seja com a adoção de uma intervenção judicial na economia do contrato, modificando-o ou apenas liberando o contratante lesado.

Tal tendência já era verificada antes mesmo da vigência do Código Civil de 2002 e ganhou nova força com este na medida em que foram reconhecidos os novos princípios que foram positivados, como a lesão, o estado de perigo e a revisão contratual por fato superveniente.

Pondera Miguel Reale, a instituição de novos princípios contratuais não tem por fim diminuir a garantia e a segurança daqueles que firmam contratos, isto é, excluir o princípio da força obrigatória dos contratos; ao contrário, afirma o autor que pacta sunt servanda continua a ser o fundamento primeiro das obrigações contratuais.

O princípio da função social do contrato visa realizar o melhor equilíbrio social, imbuídos seus preceitos não somente da preocupação moral de impedir a exploração do fraco pelo forte, senão, também, de sobrepor o interesse coletivo, em que se inclui a harmonia social aos interesses individuais de cunho meramente egoístico.

Os geniais doutrinadores Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho sustentam que, em nosso País, a efetiva evolução legislativa do Estado Liberal para o Estado Social e, como corolário disso, o abandono da visão individualista do contrato, que ocorreu no mundo a partir do primeiro quarto do século XX, só veio a efetivamente ocorrer aqui após a redemocratização do País e a promulgação da Constituição Federal brasileira de 1988. Os doutrinadores em crítica também apontaram que no Direito Civil foi necessária a lei ordinária para explicitar o óbvio que já constava no texto constitucional vigente.

Há tempos a concepção individualista do contrato cede espaço para o prisma social, entre nós com a edição do Código de Defesa do Consumidor e a Lei de Inquilinato (Lei nº 8.245/1991). Precisamos reconhecer que a com o Código civil de 2002, por seu cunho genérico que possui, dissemina essa ideia para todas as relações jurídicas.

Cogita-se que o germe da função social do contrato decorre do reconhecimento da função social da propriedade, pois, se o contrato é instrumento para a obtenção da propriedade e, para essa, há limites na sua utilização, sendo natural, por consequência, que também se admitam os limites para manejo daquele.

A proteção à propriedade e o vínculo dessa proteção à sua função social vieram expressamente previsto no texto constitucional vigente, nos incisos XXII e XXIII do seu art. 5º, e, nas lições de Reale, esses dispositivos somente serão plenamente cumpridos e observados se igual princípio (o da função social) for estendido aos contratos, cuja conclusão e exercício não interessam somente aos contratantes, mas, sim, a toda coletividade.

Corroboram Gagliano e Pamplona Filho que, após sustentarem que o princípio da dignidade da pessoa humana constitui fundamento do princípio da função social, complementam que os outros princípios são vetores de uma ordem econômica sustentada e equilibrada, em que haja respeito ao direito do consumidor, ao meio ambiente e, também, à própria função social da propriedade, todos estes, reunidos e interligados, dão sustentação constitucional à função social do contrato.

JÁ Antonio Junqueira de Azevedo centra-se prioritariamente no valor social da livre iniciativa no âmbito da ordem econômica (arts. 1º, inciso IV, e 170, caput, da Constituição Federal brasileira de 1988) para pontuar que o contrato não pode ser mais encarado como um átomo algo que somente interessa aos contratantes, desvinculado de tudo o mais; ao revés, a partir desse enfoque social da livre iniciativa, deve-se mesmo verificar que os contratos interessam a toda coletividade.

Rogério Ferraz Donnini sustenta que o princípio da função social seria extensão da solidariedade, prevista no art. 3º, inciso I, da CF vigente e que, em conjunto com a igualdade, constituiriam instrumento para a consecução da proteção à dignidade da pessoa humana.

O respeito à dignidade humana só se realiza plenamente na medida em que o contrato se institui entre as partes, de forma a ter uma relação equilibrada e colaborarem mutuamente para a consecução do escopo por estas individualmente pretendido.

Pondera Teresa Ancona Lopes que isso não traduza que a função social seja o objetivo do contrato, pois o contrato regula mesmo os interesses privados e o bem-estar social é a função estatal; a função social serve, então, como o limite para o exercício da liberdade contratual das partes.

Interessante é o teor do acórdão promanado pelo Superior Tribunal de Justiça, que, por sua precisão e coerência, vale a pena citar literalmente:

A função social infligida ao contrato não pode desconsiderar seu papel primário e natural, que é o econômico. Este não pode ser ignorado, a pretexto de cumprir-se uma atividade beneficente. Ao contrato incumbe uma função social, mas não de assistência social. Por mais que o indivíduo mereça tal assistência, não será no contrato que se encontrará remédio para tal carência. O instituto é econômico e tem fins econômicos a realizar, que não podem ser postos de lado pela lei e muito menos pelo seu aplicador. A função social não se apresenta como objetivo do contrato, mas sim, como limite da liberdade dos contratantes em promover a circulação de riquezas. (STJ, REsp 803491, Relª Desª Nancy Andrighi, J. 28.06.2007)

Pondera, com razão, a Professora Judith Martins-Costa, que deve haver maior preocupação com o objeto que é o bem da vida do contrato, do que propriamente com o contrato em si, de forma que a função social determina que, quanto mais essencial for, para os contratantes, o bem da vida subjacente ao objeto contratual (como no contrato de seguro de vida, no seguro-saúde, no fornecimento de água, de energia elétrica, transportes, etc.), maior deverá ser a intervenção estatal, para atuar em sua tríplice esfera, para tutelar o bem contratado.

Em que pese aos doutrinadores que entendem e inserem o princípio do equilíbrio contratual como subproduto da função social, melhor é a posição dos juristas que reconhecem autonomia ao princípio do equilíbrio contratual, já que, apesar de com este se relacionar, convém lembrar que possui suas características próprias.

Tal princípio institui a necessidade de observância da equivalência entre as obrigações assumidas pelas partes no aperfeiçoamento e cumprimento da relação negocial.

Visa o princípio em comento preservar a equação e o justo equilíbrio contratual, a fim de manter a proporcionalidade inicial dos direitos e das obrigações, seja para corrigir eventuais desequilíbrios supervenientes.

Há de se entender que o reconhecimento e a aplicação do princípio do equilíbrio contratual têm como consequência a mitigação do princípio da liberdade contratual, na medida em que a vontade das partes deva se vincular as estipulações razoavelmente equilibradas. E, da mesma forma, limita a incidência do princípio da força obrigatória, já que com fundamento na ausência de equilíbrio, originário ou posterior, é admissível a anulação, resolução ou revisão do contrato.

Leonardo Mattietto, outro brilhante doutrinador, aponta a relativização do princípio da força obrigatória dos contratos pelo princípio do equilíbrio contratual.

A Codificação Cível de 2002 não fora explícita, ao contrário do que se viu com a função social e da boa-fé objetiva; porém, sua presença está implícita ao prever o instituto da lesão, do estado de perigo e da resolução por contrato por onerosidade excessiva superveniente.

Argumentou ainda Miguel Reale que a incorporação de tais institutos representam exemplos da ingerência da boa-fé em todos os campos desse diploma e finaliza afirmando que constituem o reconhecimento de que as relações jurídicas são presididas por um equilíbrio ético-econômico, devendo ser exigida a equação financeira dos contratos, como uma equidade necessária e saudável, a vigência das avenças.

Cumpre alertar ainda que não se atribui validade apenas ao contrato sinalagmático perfeito, posto que o equilíbrio buscado é aquele razoavelmente esperado, aquele que preserva a função econômica.

O equilíbrio deverá ser substancial nas relações de direito privado, assegurando a igual distribuição não apenas do critério econômico das prestações, mas, igualmente, das obrigações e dos direitos.

O princípio do equilíbrio econômico remete à existência ou não de equivalência entre prestação e contraprestação, enquanto que o equilíbrio contratual é mais abrangente, já que implica na comparação entre os direitos e deveres atribuídos a cada uma das partes.

Tal diferenciação foi observada por Antonio Junqueira de Azevedo em parecer editado anterior da edição do Código Civil de 2002, mas quando já estavam presentes tanto o CDC quanto a Medida Provisória nº 2.089 (2.172-32), alertando para a diferença entre o equilíbrio a ser resgatado pela lesão, o equilíbrio econômico e o equilíbrio contratual que se restabelece pelo combate às cláusulas abusivas, instituído pelo CDC.

Dessa forma, enquanto o art. 157 do Código Civil e a Medida Provisória nº 2.171-32 tratam de prestação manifestamente desproporcional e lucros ou vantagens patrimoniais excessivos, respectivamente, o CDC condena não só o desequilíbrio entre as prestações, mas entre as obrigações, como se verifica no art. 51, inciso IV e § 1º, inciso II.

Portanto, a lesão não decorre propriamente do princípio do equilíbrio contratual, mas do princípio do equilíbrio econômico do contrato, na medida em que serve de instrumento para corrigir a iniquidade entre as prestações das partes, e não para desfazer o desequilíbrio existente entre as obrigações a estas atribuídas.

O princípio da conservação dos contratos tem como função viabilizar a circulação de riquezas entre os homens e propiciar o desenvolvimento social. Porém, devido às eventuais vicissitudes na sua formação, ao desenvolvimento ou à execução, pode acarretar a negativa de atribuição de efeitos pelo próprio sistema jurídico.

Como consequência natural de o ordenamento jurídico reconhecer a utilidade da categoria jurídica denominada contratos, surge o implícito reconhecimento da utilidade de cada contrato em concreto e, portanto, a ideia de que se deve buscar a produção de seus efeitos, e não o contrário…

Portanto, o princípio da conservação dos contratos, que não é novo, surge em um movimento contraditório à negativa de efeitos jurídicos existentes no próprio ordenamento, como forma de, na medida do possível, propiciar o melhor aproveitamento possível dos contratos em atenção à vontade manifestada pelas partes.

Segundo Antonio Junqueira de Azevedo, esse princípio se orienta no sentido de conservar, sempre que possível, os efeitos manifestados como queridos pelas partes. A expectativa das partes e da sociedade é que os contratos firmados sejam válidos e produzam seus efeitos, e por isso se diz que o princípio da conservação consistiria em um autêntico favor contractus.

Há quem sustente que o princípio ora comentado teria uma maior amplitude, pois consistiria em um verdadeiro princípio geral de direito que evitaria o desperdício da atividade jurídica em geral.

Tanto na seara do direito privado quanto na do direito público, seriam aproveitados os atos jurídicos praticados, evitando-se, quando possível, a inutilização das consequências práticas que as partes buscaram alcançar.

Quanto à amplitude do princípio da conservação, há que se observar que este implica, tanto para o legislador, na criação de normas, quanto ao intérprete, na sua aplicação, o dever de procurar evitar ao máximo a negativa de efeitos ao negócio jurídico.

E essa ampla ingerência do princípio da conservação é vista em todos os planos do contrato, isto é, incide certamente nos planos de existência, validade e eficácia.

Demonstrou a boa doutrina que a conversão substancial é consequência do princípio da conservação, na medida em que, ausente um elemento categorial inderrogável, isto é, um elemento indispensável para uma espécie de contrato, conclui-se pela existência de outras espécies de negócio jurídico que na forma original não existiria.

No plano de validade, o princípio da conservação do contrato também se revela em diversas hipóteses. Assim é expressão desse princípio que a nulidade de uma cláusula não implique na do contrato todo, desde que seja viável sua subsistência sem a disposição inválida.

Também, a distinção entre a nulidade e anulabilidade é decorrente do princípio da conservação do contrato; portanto, na medida em que o sistema jurídico optar por hipóteses de anulabilidade em detrimento das primeiras, favorece a manutenção do contrato.

Geralmente, as hipóteses de anulabilidade têm um sistema menos rígido que as nulidades, como a possibilidade de confirmação pelas partes do negócio anulável, seu convalescimento por decurso de prazo, o fato de apenas os interessados poder alegá-la e, também, de o juiz não poder conhecê-las de ofício.

Outro fenômeno decorrente do princípio da conservação dos negócios jurídicos no plano de validade é a admissão de correções nos negócios jurídicos inválidos como forma de evitar a anulação, tais como as previstas para as hipóteses de erro e de lesão.

Em verdade, ao prever o Código Civil brasileiro que, uma vez corrigidas as distorções que o atingem, seja quanto à vontade, no que concerne ao erro, seja quanto ao desequilíbrio das prestações, no que se refere à lesão, será mantido o negócio jurídico.

No mesmo entendimento se pronunciou o Enunciado nº 149 da III Jornada de Direito Civil, promovida pelo CNJ em dezembro de 2004. O Enunciado dispôs que é em atenção ao princípio da conservação dos contratos que o magistrado deve conduzir o processo de forma a incitar as partes a buscarem o equilíbrio contratual de forma a evitar anulação.

Ainda na linha da relação existente entre o princípio da conservação do negócio jurídico e a lesão, porém agora não mais como decorrência de disposição legislativa, mas de entendimento doutrinário, deve-se mencionar o Enunciado nº 291 da IV da Jornada de Direito Civil.

Por esse Enunciado, que, aliás, não menciona explicitamente o princípio da conservação do contrato, ampliou-se a dicção literal do art. 157, § 2º, do Código Civil, admitindo-se não só que o beneficiário da lesão ofereça suplemento, mas que o próprio lesado postule-o desde logo, via pleito judicial, com objetivo de revisão do contrato, e não de anulação.

Assim, em razão do princípio da conservação, o lesado pode adotar a postura de evitar a anulação do negócio jurídico pela lesão, via pedido de revisão judicial do contrato que proporciona o equilíbrio das prestações.

Há também ingerência do princípio da conservação no regramento da simulação. Sustenta que é por conta desse princípio que se prevê, na segunda parte do art. 167 do Código Civil, a subsistência do ato oculto válido em substituição ao ato aparente inválido.

Por derradeiro, no plano de eficácia, aponta-se novamente a ingerência do princípio da conservação do negócio jurídico na revisão judicial dos casos desequilibrados por onerosidade excessiva superveniente.

A outra opção seria a resolução do contrato e, por fim, hipótese de ineficácia superveniente; entretanto, o princípio em comento fundamenta a manutenção do negócio mediante a busca de seu equilíbrio originário.

Com efeito, o art. 479 do Código Civil de 2002 prevê a resolução por onerosidade excessiva superveniente, que pode ser evitada se o beneficiário do desequilíbrio se propuser o reequilibrar o contrato.

E, novamente, o princípio da conservação do contrato se presta a fundamentar uma interpretação doutrinária extensiva dos dispositivos legais do Código Civil, pois, consoante o Enunciado nº 367 da IV Jornada de Direito Civil, com base nesse princípio, o magistrado pode modificar o contrato, restabelecendo seu equilíbrio, respeitada a vontade do prejudicado pelo desequilíbrio e o contraditório em relação ao beneficiário.

Por derradeiro, há de se ressalvar a existência de limites para a aplicação do princípio da conservação do negócio jurídico. Somente se conserva o contrato quando for possível, o que pressupõe haver as hipóteses em que o ordenamento jurídico expressamente nega à vontade conservar o contrato, outorgando-lhe existência, validade ou eficácia.

Conclui-se que cumpre enfatizar que o STJ já manifestou entendimento corroborando a concepção de que o negócio jurídico deve ser compreendido sob o ângulo da sociedade, e não da vontade interna das partes.

O instituto da lesão propriamente dito foi identificado em dois fragmentos do Código de Justiniano (529 d.C.), supostamente extraídos das Constituições Imperais de Diocleciano e Maximiano editadas ao terceiro século da era cristã.

A lesão nos moldes romanos e que, posteriormente, veio a ser denominada como lesão enorme tinha como fundamento exclusivo o critério objetivo, não se perquirindo a intenção das partes.

Outro ponto dissonante na lesão no âmbito do Direito romano é se era admissível sua alegação em quaisquer contratos ou se apenas as compras e vendas poderiam ser rescindidas com tal fundamento.

Caio Mário da Silva Pereira inclina-se pela aplicação exclusiva na compra e venda, já que os fragmentos se referem apenas a essa espécie de contrato. Em relação ao objeto do negócio jurídico rescindível pela lesão, se apenas imóveis ou também bens móveis, também há dissonância entre os doutrinadores.

A lesão foi incorporada ao direito pátrio logo na Independência de Portugal, por força de disposição legal que determinou a aplicação das ordenações portuguesas e demais diplomas normativos vigentes quando o Brasil era colônia, enquanto não fosse editada nova legislação. Tal situação perdurou até a promulgação do Código Civil brasileiro de 1916.

Portanto, desde 1822 até 1917 vigoraram entre nós as Ordenações Filipinas que estipulavam a lesão de forma extremamente prolixa no Livro IV, Título XIII: Do que quer desfazer a venda por ser enganado em mais da metade do justo preço.

Tal dispositivo das Ordenações Filipinas não diferiu em muito das Ordenações Afonsinas e das Manuelinas, tendo a doutrina da lesão no Direito lusitano se fundado no Código Justiniano, acrescida de características provenientes da construção levada à efeito na Idade Média.

A lesão no Código Filipino era tarifada em mais da metade do preço justo, e justamente por isso Cândido Mendes de Almeida a identifica como lesão enorme.

No que se refere à existência do elemento subjetivo, os doutrinadores divergem. Uns afirmam não estar presente o elemento subjetivo, ainda aqui derivando as Ordenações diretamente do Direito romano, na medida em que o dispositivo legal ressalva a ocorrência da lesão, ainda que o engano não procedesse do comprador, mas somente se causasse da simpleza do vendedor.

Wilson de Andrade Brandão criticou tal entendimento, asseverando que a subjetividade da lesão nas Ordenações é manifestada por conto dos termos “engano“, “simpleza” e “ignorância“! Constante do texto legal, inconciliáveis com uma interpretação efetivamente objetiva.

Evidenciará com maior riqueza nos itens subsequentes, atualmente se distinguem circunstâncias subjetivas derivadas da intenção do beneficiário da lesão e outras vinculadas à pessoa do lesado, sua situação de vulnerabilidade, identificadas com uma necessidade contratual, ignorância ou leviandade.

O texto legal transparece que não se exige um elemento subjetivo do beneficiário da lesão, ainda que presumido, tal como se concebeu na Idade Média, já que se reputa enganado o lesado, ainda que o engano não procedesse do comprador, mas somente se causasse da simpleza do vendedor.

Porém, o texto nem por isso é totalmente isento de elementos atinentes às partes, porque a excessiva menção aos termos citados por Wilson de Andrade de Brandão realmente demonstra uma busca de justificativa para a rescisão pela lesão, que não a tão só existência de desequilíbrio entre as prestações, como decorreria de um manejo puramente objetivo do instituto, segundo os moldes do Direito romano.

Nesse sentido, salta aos olhos o trecho que alude que se procede a rescisão mesmo se não houver engano provocado pelo comprador, mas decorrente da simplicidade do vendedor. Daí se conclui que o que ocorreu nas Ordenações foi a presunção das circunstâncias subjetivas atinentes à pessoa do lesado, presumidas essas em função da tarifação do desequilíbrio em mais da metade das prestações e, de outro lado, a não exigência de qualquer elemento subjetivo por parte do beneficiário da lesão.

Em outra ordem de ideias, ao contrário do que ocorria no Direito romano, na legislação portuguesa a lesão era indiscutivelmente aplicável na alienação de qualquer tipo de bem (imóvel ou não) e tanto o comprador quanto o vendedor poderiam alegá-la.

As Ordenações Filipinas também continham disposição que ampliava a incidência da lesão a qualquer tipo de contrato comutativo, já que, após exemplificar sua aplicabilidade aos arrendamentos, aos aforamentos, aos escambos e às transações, finaliza com o período e quaisquer outras avenças, em que se dá ou deixa uma coisa por outra.

Nas Ordenações Filipinas também havia estipulação de que o desfazimento do negócio poderia ser evitado mediante o oferecimento de suplemento de preço pelo beneficiário da lesão, equilibrando-se as prestações.

Discorda dessa afirmação Caio Mário, feita por José Homem Correia Teles e Manuel Antonio Coelho da Rocha, por entender que não constavam das referidas Ordenações tal hipótese. Afinal, segundo o doutrinador belo-horizontino, o lesado só poderia pedir a rescisão do contrato e ao beneficiário caberia a faculdade de optar pela rescisão ou pelo complemento.

As Ordenações Filipinas foram progressivamente substituídas pelo ordenamento jurídico brasileiro, fazendo-se relevante observar que, em 1850, com a promulgação do Código Comercial, se iniciou a decadência do instituto da lesão no Direito brasileiro, dado que foi vedada sua utilização nas compras e vendas celebradas entre comerciantes.

De outro lado, nos trabalhos de tentativa de codificação do direito civil, expressamente se declarava a impossibilidade de rescisão com fundamento exclusivo na lesão, como ocorreu no esboço de Teixeira de Freitas, ou o instituto era previsto de forma limitada.

Caio Mário menciona o Decreto nº 4.403/1921 como o primeiro instrumento legal que, apesar de não ter reinserido a lesão no ordenamento jurídico brasileiro, demonstra entre nós a interferência estatal nos contratos, e, portanto, que o individualismo assumido no Código Civil de 1916 não era absoluto.

O referido Decreto interferia nos contratos de locação de prédios urbanos, estipulando, por exemplo, que à exceção de existir contrato escrito, os prazos de locação seriam de um ano, prorrogáveis por mais um, desde que não houvesse aviso para desocupação com três meses de antecedência.

Dispunha ainda tal diploma legal que o aumento do aluguel somente teria efeito após dois anos da notificação do inquilino, não havendo qualquer disposição similar no Código Civil então em vigor.

Já, em 1922, veio nova interferência nas locações por força do Decreto nº 4.624, que vedou nas locações verbais, durante dezoito meses, processamento de qualquer ação de despejo que não tivesse por motivo falta de pagamento, uso próprio do locador, reformas no imóvel ou seu uso para fins ilícitos, ou seja, visava evitar a denúncia vazia nos casos em que não havia prova cabal no prazo de locação.

A Lei de Usura (Decreto nº 22.727/1933) também é comumente mencionada como exemplo de intervenção estatal no direito privado, na medida em que limitou o poder de as partes livremente estipulares os juros em seus contratos.

Com efeito, estipulava o art. 1º limites para as taxas de juros que variavam de acordo com o objeto contratual ou as garantias apresentadas e que, de maneira geral, não poderiam exceder a doze por cento ao ano.

Afora isso, esse instrumento legal trouxe outras disposições que interferiam na liberdade de definir o conteúdo contratual, como o limite de dez por cento para a cláusula penal, que era imposição de nulidade para os contratos que porventura viessem a violá-lo.

Não obstante o Código Civil tivesse adotado o ideário da liberdade contratual e da não interferência do Estado nas contratações de particulares, o fato é que apenas cinco anos após sua edição e nos anos que se seguiram o Poder Público já interferia nos contratos privados para coibir eventuais abusos.

Os diplomas legais mais relevantes no período que intermediou o início da vigência do Código Civil de 1916 e a edição do Código Civil de 2002 formam as leis de economia popular (Decreto-Lei nº 869/1938) e a Lei nº 1.521/1951, o CDC e a Medida Provisória nº 2.172-32, de 23 de agosto de 2001, pois, ao menos para parte da doutrina, resgataram a aplicação da lesão no ordenamento jurídico brasileiro.

A origem da lesão no contexto dos crimes contra economia popular já se observava no Decreto-Lei nº 869, de 18 de novembro de 1938, vindo posteriormente ser reiterada na Lei nº 1.521/1951. Ambos diplomas legais visam à proteção da economia popular mediante a previsão de tipos penais, mas como institui­ram efeitos civis em um de seus dispositivos.

Em que pese o último diploma legal tenha natureza penal, visualiza-se em seu bojo os requisitos caracterizadores da lesão, isto é, a desproporção entre as prestações, verificável de maneira tarifada no patamar de vinte por cento; circunstâncias subjetivas para a pessoa do lesado, expressadas pelos termos “premente necessidade“, “inexperiência” e “leviandade” e, ainda, a exigência de elemento subjetivo na pessoa beneficiário com o disposto no § 3º do mesmo art. 4º da Lei nº 1.521/1951, que previa a nulidade da estipulação contratual nesses termos e devolução de valores eventualmente já pagos, não deixaria dúvidas de que se tratava efetivamente da lesão.

Aos efeitos civis previstos na norma penal cabia acrescentar o disposto no art. 145 do Código Civil de 1916, na época em vigor, que previa a nulidade de ato jurídico cujo o objeto fosse ilícito.

Assim, uma vez caracterizados os requisitos e efeitos, conclui-se que a Lei de Economia Popular resgatou o instituto da lesão ao ordenamento jurídico brasileiro, conforme se manifestou significativa parte da doutrina. E consiste em lesão realmente, denominada pela doutrina como lesão por usura ou usurária, posto que se identifica no conceito legal a existência de prejuízo para uma das partes em razão de desequilíbrio contratual, justamente o conceito de lesão comumente adotado pela doutrina.

Dá-se a constatação do desequilíbrio quando é tarifada em valor superior a vinte por cento do preço justo, aferível na oportunidade da celebração do negócio jurídico. Já, no aspecto subjetivo, deve-se também reconhecer a existência de dolo de aproveitamento pelo beneficiário do desequilíbrio contratual.

A Medida Provisória nº 2.172-32, de 23 de agosto de 2001, editada pela primeira vez em 6 de abril de 1999, sob o nº 1.820 e reeditada sucessivas vezes até a promulgação da Emenda Constitucional nº 32/2001, estipulou a lesão nos negócios jurídicos civis de forma independente do direito penal, revogando o § 3º do art. 4º da Lei nº 1.521/1951.

Percebe-se que essa medida provisória possui âmbito de incidência similar ao previsto no art. 157 do Código Civil.

De acordo com o vigente Código Civil se identificam três espécies de lesão, a saber: a lesão enorme ou propriamente dita (proveniente do Direito romano), a lesão usurária e a lesão especial. Em comum, todas possuem a característica do elemento objetivo, que é consistente no desequilíbrio entre as prestações estipuladas em contrato oneroso, com prejuízo para uma das partes e benefício para outra.

Ainda diferem essas três espécies de lesão o fato de que na lesão enorme há apenas esse requisito objetivo, o desequilíbrio entre as prestações; na lesão usurária também há a necessidade do dolo de aproveitamento do beneficiário e uma situação de inferioridade do lesado. Já, na lesão especial, além do requisito objetivo, a situação de inferioridade já mencionada.

A lesão especial ou lesão-vício do Código Civil de 2002 se caracteriza pelo prejuízo experimentado pelo lesado por haver assumido prestação manifestamente desproporcional à da outra parte em decorrência de situação de vulnerabilidade quando da celebração do negócio.

Caio Mário da Silva Pereira, ressalvando que se trata de conceituação genérica, define a lesão como o prejuízo que uma pessoa sofre na conclusão de um ato negocial, resultante da desproporção existente entre as prestações das duas partes.

E realmente essa conceituação se circunscreve ao instituto da lesão tal como idealizada em seus primórdios, ou, ainda, de uma forma ampla, sem se adequar à lesão atualmente positivada, já que não faz referência ao estado de vulnerabilidade da parte lesada.

Maria Helena Diniz conceitua a lesão como um vício do consentimento decorrente do abuso praticado em situação de desigualdade de um dos contratantes, por estar sob premente necessidade, ou por inexperiência, visando protegê-lo, ante o prejuízo sofrido na conclusão do contrato comutativo, devido à desproporção existente entre as prestações das duas partes, dispensando-se a verificação de dolo ou má-fé da parte que se aproveitou.

Apesar de a autora ter advertido mais à frente que é dispensada a verificação de má-fé ou dolo “da parte que se aproveitou“, em seu início o conceito declara que a lesão é um vício decorrente do abuso praticado, tornando-o ambíguo.

A desproporção ocorre entre as prestações de um contrato, no momento de sua celebração, oriunda do aproveitamento, por uma das partes contratantes, da situação de inferioridade em que se encontrava a outra.

Porém, não se pode concordar diante da menção da necessidade aproveitamento da parte beneficiária da desproporção. Diante das posições doutrinárias sustentadas sobre a lesão, pode ser definido como defeito do negócio jurídico caracterizado por uma manifesta desproporção entre as prestações assumidas pelas partes, decorrente de premente necessidade ou inexperiência de uma delas e que acarreta a anulação do contrato firmado, salvo se obtido posterior equilíbrio entre as prestações por atuação das partes ou por intervenção judicial.

Existem diferentes posicionamentos acerca da natureza jurídica da lesão, entre estas as que a classificam como espécie proteção legal, vício por ausência de causa, vício do consentimento e vício de natureza mista.

Ressalta-se essa distinção dos elementos que configuram as várias espécies de lesão, pois a relevância ou ausência de um desses elementos em determinada espécie fundamenta de melhor ou pior forma a inserção do instituto sob uma ou outra natureza jurídica.

Ao enquadrar a lesão entre os vícios de consentimento, parece ter maior lógica quando estão presentes elementos subjetivos que, justamente, denotam que a vontade do lesado estava de alguma forma viciada na oportunidade em que celebrou o negócio jurídico.

Outra dificuldade em situar a natureza jurídica da lesão decorre do fato de que no Direito romano e no sistema civil italiano se menciona que a lesão acarreta a rescisão contratual, e, em tantos outros, como o alemão e o adotado no Código Civil, implica em nulidade ou anulabilidade, respectivamente.

A diferença histórica entre a rescindibilidade e anulabilidade decorre do fato de que esta se vincula aos vícios de consentimento e aquela à repressão de injustiça, de desigualdades. Portanto, na lesão e no estado de perigo não haveria propriamente vício no que se refere à vontade, mas ao conteúdo econômico do negócio jurídico.

É de se destacar que tal distinção não fora ignorada pela comissão que elaborou o Código Civil, pois, quando da tramitação do projeto de lei que originou o estatuto, a não adoção do sistema italiano foi objetivo crítica. Moreira Alves refutou-a, ponderando que mesmo na doutrina italiana há discussão acerca da utilidade da distinção sob o fundamento de que a rescindibilidade é, na realidade, uma espécie de anulabilidade que atinge o negócio jurídico da mesma forma que outros vícios da vontade.

Outro enfoque deu Orlando Gomes quanto à natureza jurídica, negando o caráter de lesão às espécies que não se enquadrassem nos moldes da concepção romana. Portanto, somente é lesão se houver um desequilíbrio entre as prestações que acarrete a rescisão negocial.

A crítica à incorporação de novos requisitos e consequências à lesão do Direito romano, de forma a descaracterizar o instituto originalmente concebido naquela época, tem a virtude de apontar os motivos pelos quais a doutrina moderna debate os diversos aspectos da lesão, entre eles sua natureza jurídica. Nesse ponto, muito útil a transcrição do seguinte trecho:

O expediente de recorrer aos velhos conceitos e modernizá-los por completa subversão, acarreta inconvenientes de monta, quer sob o aspecto doutrinário e técnico, quer sob o ponto de vista prático. Em regra, a subversão conceitual não consegue libertar-se de certos princípios informativos ou de consequências lógicas do instituto ou regra subvertida, de modo que, não raro, falta correspondência, ressaltando-se, ao vivo, a ilogicidade desse hibridismo histórico. (GOMES, Orlando. A crise do direito)

Assim, o referido Orlando Gomes excluía expressamente do âmbito da lesão a usura real ou usurária, como atualmente preferem denominar.

Hélio Borghi conclui que se trata de proteção legal à parte desfavorecida no ato ou no negócio jurídico. A partir dessa premissa, a lesão existe desacompanhada de outros vícios, tais como dolo e coação, não se podendo extrair a conclusão de que não se trata de defeito do negócio jurídico; ao contrário, somente se pode concluir pela autonomia do referido instituto.

Há outros doutrinadores que entendem que a natureza jurídica está relacionada à causa do negócio jurídico. E aduz-se que a principal característica da lesão é o desequilíbrio entre as prestações, porque esse elemento objetivo está presente em todas as espécies de lesão. Em outras palavras, tal como o elemento subjetivo está ausente em algumas espécies de lesão, não serviria com fundamento para a definição de sua natureza jurídica.

A partir desse entendimento, a simples existência de desequilíbrio entre as prestações contratuais suprime a causa do negócio jurídico, fundamenta-se na ausência desta consiste na natureza do negócio jurídico.

Silvio Rodrigues também discorreu sobre o dissenso doutrinário acerca da natureza jurídica da lesão e acaba por adotar posição daqueles que a encaram como um vício de consentimento, justificando sua posição no fato de que a lesão, na forma disciplinada nas legislações modernas, perdeu o caráter objetivo de que vinha marcada no Direito romano.

Apontou o doutrinador paulista que a lesão é constituída por um aproveitamento da necessidade ou inexperiência do outro, decorrendo em um ínsito vício de vontade que, respectivamente, aproxima a lesão da coação e do dolo.

Destaque-se, no entanto, que essa posição foi a mesma exarada pela Lei nº 1.521/1951, e, conforme se viu, exigia o dolo de aproveitamento em relação ao beneficiário da desproporção.

Aduz-se que, diante da lesão tratada como vício de consentimento, dá-se um consentimento patológico, caracterizado por uma ausência de liberdade plena (necessidade) ou de conhecimento pleno (inexperiência).

E o doutrinador paulista ainda complementa que, apesar de o requisito objetivo da desproporção entre as prestações contratuais enfraquecer a tese de que a lesão é um dos vícios do consentimento, não lhe retira o caráter de tal, porque a vontade foi manifestada em estado patológico que desmerecer o caráter real do ato.

No entanto, nenhuma dessas colocações se coaduna com a lesão, tal como disciplinada no Código Civil de 2002, pois se é certo que foi prevista entre as diferentes hipóteses de defeito dos negócios jurídicos; de outro, é muito claro que não basta que exista um vício na vontade.

Não é possível simplesmente ignorar um requisito fundamental para a configuração da lesão no âmbito do Código Civil – a desproporção entre as prestações que, inclusive, pode vir desacompanhada do elemento subjetivo em outros ordenamentos, e vice-versa.

Rodolfo Sacco discorreu sobre a doutrina italiana que ora enquadra a lesão como lesão e estado de perigo como vícios de consentimento, ora como defeito originado na causa, e pondera, ainda, que é aplicável entre nós, mas não é possível eleger um dos elementos desses vícios ignorando o outro.

Renan Lotufo se refere ao problema da mensuração da desproporção e relata que diversas codificações, tal como a italiana, optam pela tarifação; a tarifação do elemento objetivo da lesão fora adotada nas leis de economia popular que estabeleceram existirem prestações desproporcionais quando fosse caracterizado lucro patrimonial de uma das partes superior a um quinto do valor justo ou corrente.

A tarifação prevista nessa leis foi objeto de críticas da doutrina civilista que, apesar de reconhecer sua utilidade na esfera penal, entendia não solucionar adequadamente a questão no âmbito civil, pois haveria casos em que, embora não atingido o percentual legal, seria possível reconhecer o desequilíbrio entre as prestações.

Caio Mário ponderava que poderia ser afastada a tarifação legal, pois a pretensão do legislador de escapar do arbítrio do juiz, com a fixação de parâmetro legal rígido, acarretaria em um arbítrio maior, porque o decorrente da lei não seria suscetível de adaptação à realidade.

E prossegue o doutrinador ilustrando sua conclusão com a hipótese de a lei fixar como desproporcional a prestação equivalente a cinquenta por cento do preço justo; se viesse a ser apurada uma diferença entre as prestações de quarenta e nove por cento em um caso concreto, o juiz não poderá restabelecer o equilíbrio, por ter faltado a diferença mínima de um por cento.

Na esteira do Código Civil vigente, realmente abandonou a tarifação prevista na Lei de Economia Popular, e, nos termos do seu art. 157, encarregou ao prudente arbítrio do juiz o encargo de aferir a existência de prestação manifestamente desproporcional.

Ressalte-se que, nesse critério usado no art. 157 do CC, não é qualquer desequilíbrio que caracteriza a lesão, mas somente aquele relevante, pois é comum a desproporção mínima entre as prestações.

Há de se admitir certa desproporção entre as prestações, porque é indiscutivelmente ilícito, imoral e útil às relações jurídicas conceber que alguém elabore mercadorias ou simplesmente as adquira, lucrando posteriormente na diferença entre o custo de produção ou aquisição e o valor da posterior venda.

O Código Civil estipulou um conceito aberto no requisito aberto no requisito objetivo da lesão, a desproporção entre as prestações será apurada em cada caso concreto.

No art. 156, o Código Civil de 2002 previu que o estado de perigo está configurado quando alguém, premido da necessidade de salvar-se ou a pessoa de sua família, de grave dano conhecido pela outra parte, assume obrigação excessivamente onerosa.

É defeito do negócio jurídico no qual o declarante se encontra diante de uma situação em que tem que optar entre dois males, a saber: sofrer o dano ou participar de um contrato que lhe é excessivamente oneroso. E complementa que esse dano, em vias de se materializar, ou já em curso, deve afetar a própria pessoa ou, ainda, a pessoa de sua família, tanto física quanto moralmente.

Quanto à obrigação excessiva que acarreta a iniquidade do negócio jurídico, apontou Humberto Theodoro Junior que, ao contrário da lesão, o estado de perigo abrange negócios unilaterais, tais como remissão de dívida e promessa de recompensa, pois o é importante é que acarrete uma oneração para a vítima que inexistira se não tivesse havido o perigo.

Afora isso, o estado de perigo requer que a parte beneficiada conheça as circunstâncias pessoais vivenciadas pela parte prejudicada, segundo expressamente mencionado no art. 156 do CC, o que não ocorre na lesão.

Deve-se atentar para o Enunciado nº 148 da III Jornada do Direito Civil, promovida pelo Centro de Estudos Judiciários do CJF em dezembro de 2003, se firmou o entendimento.

A ocorrência de eventos supervenientes à celebração do contrato que dificultem muito seu cumprimento por imporem a uma das partes sacrifício extremado é uma situação há muito tempo conhecida da sociedade e, por isso mesmo, objeto de antiga preocupação no âmbito do direito.

Em razão da antiguidade da questão no mundo jurídico, já foi objeto de diferentes proposições, no decorrer dos séculos, tal como visto no âmbito da lesão, até chegar na solução prevista no nosso ordenamento jurídico em vigor, seja no âmbito do Código Civil, seja no Código de Defesa do Consumidor.

Na geografia do Código Civil de 2002, a questão veio a ser tratada na seção denominada de resolução de contratos de execução continuada ou diferida ou, ainda, contratos unilaterais, em que a prestação de uma das partes se torne excessivamente onerosa com vantagem para a outra, em razão de evento imprevisível e extraordinário.

Menciona-se o art. 470 do CC, que previu a possibilidade de o contrato ser mantido mediante de proposta do beneficiado pelo desequilíbrio que vise resgatar o equilíbrio contratual.

O art. 478 do CC decorre de forte influência havida do Direito italiano e, diante de sua redação, se apontam como requisitos legais de onerosidade excessiva superveniente: a existência de contrato de execução diferida ou continuada, seja ela bilateral ou unilateral; a ocorrência de evento imprevisível e extraordinário; e que ocorra uma excessiva onerosidade para uma das partes e uma extrema vantagem para a outra.

Há também os requisitos negativos para a possibilidade de resolução ou revisão judicial de contratos, reconhecidos pela doutrina e jurisprudência, a saber: a ausência de adimplemento da prestação onerosa; ausência de mora quando da configuração do evento imprevisto; e que esse evento não esteja abrangido pela álea normal do contrato.

Cabe ainda se referir ao art. 6º, inciso V, do CDC, que institui a excessiva onerosidade de maneira objetiva para as relações consumeristas.

Discorre-se que, no âmbito do CDC, não se indaga se as partes teriam condições ou não de prever o acontecimento superveniente. Antes, se pergunta se este acontecimento provocou ou não uma onerosidade.

Ruy Rosado de Aguiar Júnior alude se o desequilíbrio entre as prestações está na própria convenção, o caso é de lesão; se a dificuldade decorre de fatos posteriores, a hipótese é de resolução ou modificação do contrato por onerosidade excessiva.

O CDC, tal como a Lei de Economia Popular, não menciona de maneira literal a lesão, mas é suficiente a constatação de elementos no contexto da lei do consumidor para se concluir pela sua presença, o que se verifica a partir dos arts. 6º, inciso V, 39, inciso V, e 51, inciso IV, do CDC.

Porém, há que se observar que a configuração de lesão não implica exclusivamente em hipótese de anulabilidade do contrato e supressão de seus efeitos. O Código Civil vigente previu, no § 2º do art. 157, a possibilidade da manutenção do negócio desde que obtido o equilíbrio entre as prestações, mediante uma desproporção entre as prestações.

E aí caberá atuação do magistrado que, nos termos do Enunciado nº 149 da III Jornada do Direito Civil do CJF em dezembro de 2004, deve incitar as partes à manutenção do contrato mediante o equilíbrio das prestações.

Cumpre, por sua vez, imaginar a hipótese em que o lesado pretenda não a anulação do contrato, mas sua manutenção combinada com a revisão de suas estipulações originárias, objetivando o equilíbrio entre as prestações.

Silvio Rodrigues aponta que uma das características de lesão na feição moderna do instituto é o fato de quem apenas à parte beneficiada ser dada prerrogativa de ilidir a rescisão do negócio mediante o oferecimento do equilíbrio contratual de forma ao prejudicado não é deferido o direito de pedir a inteiração do valor.

Talvez por essa concepção é que Caio Mário, em sua clássica obra sobre lesão, propugnava, sob sugestivo Capítulo IX – Proposição – Lesão de lege ferenda, que o legislador deveria optar pela anulabilidade como consequência da lesão, facultando ao lesado requerer também a revisão do contrato e a obtenção do equilíbrio contratual, de forma a impor ao beneficiário a restituição ou o pagamento da diferença entre as prestações contratuais.

Mas o vigente Código Civil brasileiro, seguindo o estipulado no Direito romano, no Código Civil italiano e no Código Civil francês, previu apenas ao beneficiário do desequilíbrio a possibilidade de manter o contrato, já que dispôs singelamente que não se decretará a anulação do negócio se for oferecido suplemento suficiente ou se a parte concordar com a redução do proveito.

Em termos similares, dispôs o Código Civil italiano, em seu art. 1.450, no qual o contratante contra quem é requerida a rescisão pode evitá-la oferecendo uma modificação do contrato suficiente para conduzi-lo à equidade.

Nesse ponto cabe reiterar o entendimento de Silvia Orrú, de que o legislador italiano reservou ao beneficiário da lesão o poder de formular oferta para equilibrar as prestações.

Na França é previsto no âmbito da compra e venda que apenas o vendedor é possível alegar a lesão e, em contrapartida, apenas ao comprador franqueia impedir a rescisão, oferecendo pagamento suplementar.

Porém, atualmente, o diploma legal francês, em seu art. 889, Code Civil modificado em 2006 e em vigor desde 2007, estipulou que agora o objetivo não é mais na desconstituição com fundamento na lesão, mas complemento do quinhão do prejudicado.

E, de forma genérica, o Código Civil português estipulou, no art. 293, que o lesado pode pleitear a anulação ou a modificação do negócio, segundo juízo de equidade. O Código Civil argentino adota a mesma linha que o Direito português, pois prevê, em seu art. 954, que o lesado pode pleitear a anulação do contrato ou sua modificação e que, em caso de haver sido pleiteada a anulação, a demanda será transformada em modificação caso o beneficiário ofereça um suplemento quando da formulação de sua defesa.

Cabe salientar que, em nossa doutrina, há controvérsia se as Ordenações Filipinas que vigoraram no país já viabilizavam ou não o pedido de revisão judicial pelo lesado, mas é patente que o resultado da lesão verificada no âmbito das leis de economia popular e também da Medida Provisória nº 2.172-32 era modificação do contrato pela obtenção do equilíbrio entre as prestações.

Também o CDC prevê, em seus arts. 6º, inciso V, e 51, § 2º, a revisão contratual como regra e a anulação como exceção. Defende-se a interpretação extensiva do § 2º do art. 157 do vigente Código Civil de forma a admitir o pleito de modificação contratual pela parte lesada, não é estranho aos outros ordenamentos nem destes da nossa tradição jurídica.

 

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