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 DIREITO AUTORAL DIGITAL À LUZ DA LEI Nº 9.610, DE 1998. A JURISPRUDÊNCIA EXISTENTE

Ivan Barbosa Rigolin

Gina Copola

SUMÁRIO: 1 Breve introdução ao tema; 2 O direito autoral decorrente de obra musical; 3 A Lei Federal nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998; 4 A jurisprudência já existente sobre o tema. 

1 BREVE INTRODUÇÃO AO TEMA

A internet, ou rede mundial, é hoje de fundamental e crucial importância para todas as atividades e relações humanas, sendo que não se consegue, em tempos modernos, realizar qualquer tipo de trabalho ou ofício sem o suporte da rede mundial de computadores, diversamente do que ocorria há cerca de duas décadas, quando nem se cogitava da existência de um meio tão eficaz de comunicação e de compartilhamento da informação.

O avanço da internet – sítios, aplicativos, programas – tornou o trabalho humano significativamente mais rápido, e desde logo assegurou a oportunidade de que qualquer trabalho realizado seja complementado, aperfeiçoado ou evoluído com informações disponíveis a todos indistintamente, na rede sem qualquer complicação.

Além disso, a internet é um meio célere e eficaz, e na maioria das vezes confiável, para a realização de pesquisas e consultas de toda forma e gênero e sobre qualquer assunto, o que possibilita também o acesso a uma gama imensa de conhecimento, sendo que hoje tudo é postado, publicado e compartilhado na internet com a velocidade da luz.

E na mesma esteira as músicas e os vídeos são baixados e compartilhados de forma prática e em geral sem grande custo aos internautas, que se valem de tais trabalhos artísticos e culturais sem arcar com quaisquer ônus ou contraprestação por isto. A democratização da mais ampla informação, com todos os resultados e os consectários de esperar por sobre todas as áreas do conhecimento humano, é talvez o resultado mais notável de todo esse genial sistema.

Mas, por outro lado, existe a equivocada e falsa ideia no sentido de que a internet é um território de ninguém, à margem e ao largo de qualquer lei, e que todos os cidadãos podem compartilhar e se valer de todos os artifícios, ferramentas, plataformas, aplicativos e demais recursos disponibilizados na rede, sem qualquer limite e sem despesa, talvez como uma dádiva da natureza.

E, nesse exato sentido, também as obras musicais têm sido compartilhadas de forma desmedida e desenfreada sem qualquer custo aos usuários da internet, que se valem de programas e aplicativos para tanto.

Tal conduta, contudo, não está de acordo com o direito e mesmo a lei em sentido positivo, porque o meio utilizado, por mais avançado e impensado que seja, jamais pode afastar o direito patrimonial e substantivo dos autores das obras. Não será o apenas extraordinário avanço da tecnologia que suprimirá direitos inerentes à autoria de obras intelectuais e artísticas, como resta evidente a quem não se afaste do mundo real apenas pelo fascínio ou o deslumbramento ante as novidades da ciência.

Seja qual for o estágio a que se alce a tecnologia, por evidente permanece intacta a necessidade de se observarem e se respeitarem os direitos autorais da pessoa que compõe ou é responsável pelo material utilizado ou compartilhado na internet. Este, muita vez, vive apenas disso, e não será artifício algum da internet, por mais esplendoroso, que terá condão de privá-lo de seu meio de subsistência.

E, em nosso país, a regra maior que disciplina esse tema é a Lei Federal nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998, regulamentada pelo Decreto nº 8.469, de 22 de junho de 2015.

2 O DIREITO AUTORAL DECORRENTE DE OBRA MUSICAL

O direito autoral pode ser conceituado como o direito da pessoa que compõe ou é responsável pela obra para que possa gozar dos benefícios morais e patrimoniais decorrentes da exploração e utilização de sua criação.

João Ademar de Andrade Lima[1] separa os direitos autorais em duas categorias: o direito autoral moral e o direito autoral patrimonial.

Segundo o referido autor, o direito autoral moral surge com a criação da obra, e é um direito intransferível, indisponível, irrenunciável, impenhorável, e absoluto do autor, materializado exemplificativamente como o direito de o autor ter seu nome indicado ou anunciado na utilização da obra; o direito de assegurar a integridade da obra; o direito de modificar a obra, entre outros. Nesse sentido, pode ser tido com um direito personalíssimo.

E o direito autoral patrimonial, segundo o mesmo autor, resulta da publicação, divulgação ou comunicação da obra ao público, e versa sobre os interesses financeiros ou monetários da obra. É, de tal sorte, um direito que pode ser negociado pelo titular.

O Ecad – Escritório Central de Arrecadação e Distribuição[2] aduz sobre direito autoral nos seguintes termos:

Direito autoral é um conjunto de prerrogativas conferidas por lei à pessoa física ou jurídica criadora da obra intelectual, para que ela possa gozar dos benefícios morais e patrimoniais resultantes da exploração de suas criações. O direito autoral está regulamentado pela Lei de Direitos Autorais (Lei nº 9.610/1998) e protege as relações entre o criador e quem utiliza suas criações artísticas, literárias ou científicas, para efeitos legais, em direitos morais e patrimoniais.

Lê-se, ainda, das formulações do Ecad sobre a distinção entre direitos morais e patrimoniais:

Os direitos morais asseguram a autoria da criação ao autor da obra intelectual, no caso de obras protegidas por direito de autor. Já os direitos patrimoniais são aqueles que se referem principalmente à utilização econômica da obra intelectual. É direito exclusivo do autor utilizar sua obra criativa da maneira que quiser, bem como permitir que terceiros a utilizem, total ou parcialmente.

Ao contrário dos direitos morais, que são intransferíveis e irrenunciáveis, os direitos patrimoniais podem ser transferidos ou cedidos a outras pessoas, às quais o autor concede direito de representação ou mesmo de utilização de suas criações. Caso a obra intelectual seja utilizada sem prévia autorização, o responsável pelo uso desautorizado estará violando normas de direito autoral, e sua conduta poderá gerar um processo judicial.

E a obra musical, artística e personalíssima como é, enquadra-se à perfeição no conceito de obra intelectual, que está protegida pela legislação sobre direitos autorais, que, como se disse, no Brasil se fulcra a Lei federal nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998.

E nesse sentido, também, é a disponibilização de obra musical por meio eletrônico, independente da tecnologia utilizada, o que inclui, portanto, a tecnologia streaming, que permite a transmissão de dados e informações pela internet, mesmo sem a necessidade de download dos arquivos.

Streaming, que em inglês significa, aproximadamente tanto quanto o substantivo stream de que se origina, um fluido contínuo, uma corrente ou um fluxo livre e desimpedido. Streaming é em verdade, com mais precisão, o exercício daquele fluxo ou daquela corrente, ou o ato de fluir ou de correr.

A palavra, que não poderia estar mais em moda nestes idos de 2017, representa mais uma extraordinária conquista da tecnologia de informação ou da ciência da informática, desta vez aplicada à transmissão de música, e que em pouco tempo quase fez por reduzir a não menos revolucionária invenção do CD (compact disc), que, na década de 80, mudou definitivamente o mundo – acredite-se – a artefato ou curiosidade do passado, coisa de velhos ou relíquia tecnológica.

O fato é que o streaming já desperta extraordinária atenção das pessoas, sejam autores de obras, sejam usuários, sejam empresas provedoras, pela pujança, jamais imaginada até passado muito recente, que revela na propagação do criações artísticas. E os profissionais do Direito não podem manter-se alheios ou distantes de tais cogitações, até para tentar delimitar os seus efeitos e equacionar a sua abrangência.

3 A LEI FEDERAL Nº 9.610, DE 19 DE FEVEREIRO DE 1998

A norma que disciplina a questão dos direitos autorais em nosso país é a Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998, a qual já foi objeto de profunda alteração pela Lei nº 12.853, de 14 de agosto de 2013.

Trata-se de uma longa lei, com 115 artigos, e, tendo revogado toda a matéria anterior sobre o assunto – inclusive dezenas de artigos do próprio Código Civil anterior ao atual -, hoje enfeixa praticamente todos os institutos existentes sobre o tema. Divide-se em 8 títulos, cada qual com seus capítulos, o que lhe dá feição mesmo de um código, ainda que esta não tenha sido a preocupação explícita do legislador.

É inquestionavelmente uma boa lei, redigida com técnica e atenção às peculiaridades desse ramo do direito civil, e, sendo de 1998, felizmente antecedeu a trágica era que se lhe seguiu em matéria de técnica legislativa, que perdura até hoje por força das piores leis que é lícito imaginar que existam, e as quais povoam nosso ordenamento atual em profusão. Ao estudioso e ao aplicador sempre é um alívio lidar com leis que digam coisa com coisa, e integrem um ordenamento hígido e coerente.

Nada obstante a sua boa técnica, entretanto a matéria dos direitos autorais, naturalmente como tudo que existe, sofre o influxo e o impacto das inovações de toda ordem, entre as quais, e em destaque, as impostas pela tecnologia da informação, em tão precipitada evolução que se faz árduo sequer assimilar a invenção de ontem, ante a invenção de hoje.

O streaming constitui apenas uma dessas prodigiosas inovações que virtualmente atropelam os meios tradicionais, conhecidos e controláveis, de divulgação de obras artísticas, e o reflexo desse impasse no direito autoral não se faz esperar.

Em breve panorâmica, a lei dos direitos autorais, no Capítulo I, arts. 1º a 6º, prescreve

– que regula os direitos autorias em nosso país;

– que se estende essa proteção a estrangeiros que residem no exterior ou no país, desde que reciprocamente o faça por acordo ou tratado o país respectivo; que se classificam como bens móveis os direitos autorais;

– que se interpretam restritivamente os negócios sobre direitos autorais – excelente referência em prol do direito positivo e literal, que evita voos interpretativos esotéricos ou delirantes, que sempre seriam em absoluto descompasso com esta matéria de direitos autorais que precisa ser a mais objetiva possível;

– contém, no art. 5º, uma muito adequada e precisa lista de definições de institutos pertinentes ao tema, quais seja publicação; transmissão ou emissão; retransmissão; distribuição; comunicação ao público; reprodução; contrafação; obra (e aqui se evidencia a relevância da definição específica para os efeitos de cada lei, pois que outras leis definem obra sob o prisma da engenharia, ou ainda o da licitação), desde logo estabelecendo, com máximo sintetismo, o que significa aquela realizada em coautoria, a anônima, a pseudônima, a inédita, a póstuma, a originária; a derivada; a coletiva, e a audiovisual. Essas são definições que não poderiam faltar numa atenta lei de direitos autorais. Talvez outras venham a ser necessárias ao longo de pouco tempo, porém estas acima são imprescindíveis;

– ainda no art. 5º, o que é fonograma, editor, produtor, radiodifusão, artistas intérpretes ou executantes, e titular originário. Essa é também matéria indispensável ao disciplinamento de direitos autorais, sem a qual os mais evitáveis impasses aconteceriam a todo tempo.

O art. 6º, que encerra o Título I, informa que apenas por subvencionarem obras os entes integrantes da federação (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) não adquirem o seu domínio. Parece óbvio, mas em Direito frequentemente o óbvio precisa ser declarado com todas as letras, sobretudo para não alimentar, ou para desarmar, os inventores de falsos problemas.

No Título II, arts. 7º a 21, a lei inicia por enumerar as obras intelectuais que por sua natureza são protegidas, e elas são 13, entre as quais as composições musicais, com ou sem letra (art. 7º, V).

O art. 8º, por outro lado, exclui de proteção 7 espécies de manifestações humanas, em geral culturais, que, pela sua generalidade ou vagueza, não permitem proteção objetiva pelo Direito, como, por exemplo, simples ideias ou conceitos matemáticos, formulários em branco ou textos de tratados ou convenções. Segue a lei particularizando outras hipóteses de proteção, como as cópias das obras. Do art. 8º ao 17, a lei define e disciplina o que seja autoria.

Segue o texto informando (art. 18) que a proteção aos direitos autorais independe de registro da obra – o que, inobstante, dificilmente poderia ser diferente; é desde logo bastante salutar por desencorajar aventuras. E até o art. 21 a lei cuida do registro das obras a serem protegidas.

O art. 22 determina pertencerem ao autor das obras os correspondentes direitos autorais, e quanto à coautoria também, porém dependentemente de acordo entre os interessados, que livremente poderão pactuar o que bem quiserem sobre essa copropriedade (art. 23).

Segue a lei disciplinando, nos arts. 24 a 27, de modo enxuto e com objetividade máxima, os direitos morais do autor da obra, desde logo os classificando como inalienáveis e irrenunciáveis, sabendo-se que são direitos imateriais e personalíssimos.

Quanto à irrenunciabilidade, temos uma clássica objeção, pois que, se são direitos ipso facto, precisam ser renunciáveis, ou, de outro modo, convertem-se em obrigações. Com efeito, um direito em que a pessoa seja obrigada a fruir contraria a natureza de direito, convertendo-se em obrigação de fazer, ou de deixar de fazer, ou de suportar. Compreende-se a irrenunciabilidade de um direito quando envolver interesses de terceiros, que dele podem mesmo depender, e que o podem exigir sempre, enquanto forem titulares; mas não de outro modo, ou, então, repita-se: um direito se tornará uma obrigação.

Seja como for, a lei dos direitos autorais classifica o direito moral do autor como irrenunciável, e também inalienável, ou seja: que não pode ser negociado – plenamente compreensível, na medida em que não se negocia a honra, a imagem ou a paternidade de uma obra. Os negócios poderão dar-se sobre direitos autorais patrimoniais, mas não morais.

E do art. 28 até o 45 a lei se espraia sobre o fértil terreno dos direitos autorais patrimoniais, que porventura compreendem praticamente todas as disputas em torno de direito autoral. O homem, como se sabe, é um ser econômico e não moral, e, na sua grossa maioria, apenas cuidará desse último assunto se francamente não tiver nada mais a fazer.

Uma vez que cabe ao autor o direito exclusivo de utilizar ou de fruir sua obra (art. 28), para o tema deste breve estudo não deixa de ser bastante interessante ler o inciso X do art. 29, regra já de olho no futuro:

Art. 29. Depende de autorização prévia e expressa do autor a utilização da obra, por quaisquer modalidades, tais como:

[…]

X – quaisquer outras modalidades de utilização existentes ou que venham a ser inventadas.

Quando foi editada a lei, em 1998, ainda não existia o streaming, mas o legislador já sabia quão velozes são as inovações tecnológicas sobre as formas de comunicação. A lei, então, já em 1998, tratou de assegurar protegidos os direitos autorais patrimoniais, do autor de obras intelectuais, que um dia viessem a ser divulgadas até por meios que ainda em 1998 não existiam, mantendo-se, portanto, de olho muito atento no futuro. E o futuro, quanto a isso, chegou e se impôs.

E prossegue o Capítulo, do art. 30 ao art. 45, relativo aos direitos patrimoniais, muito sinteticamente e bem redigido, como de resto é a marca de toda a lei, dispondo sobre exclusividade; coautoria; domínio público; versão definitiva; aquisição dos originais; direito patrimonial mínimo; direito sobre obras anônimas; prazo de 70 anos a contar do falecimento do autor da obra para o exercício do direito autoral; prazo em caso de obras em coautoria porém indivisíveis, ou se forem anônimas, ou se se tratar de obras audiovisuais ou fotográficas, e, por fim, a obras que pertencem ao domínio público.

O art. 46 informa as práticas que não constituem violação do direito autoral, e o traço comum de todas as exclusões é a utilização não comercial da obra artística, variando as hipóteses conforme circunstâncias que a lei reproduz, atenta ao que ocorre na prática. Os arts. 47 e 48 encerram o Capítulo referindo-se a paródias, livremente exercitáveis por quem seja, e a obras situadas em locais públicos, que também podem ser reproduzidas livremente.

O Capítulo seguinte desse Título, nos arts. 49 a 52, dispõe sobre a transferência, total ou parcial, dos direitos de autor, que são sempre patrimoniais e não morais, e b) podem se dar por licenciamento, concessão, cessão ou outros eventuais meios existentes ou admissíveis em direito. A cessão é presumivelmente onerosa – podendo ser gratuita, se o autor assim quiser -, e necessariamente por escrito. Tudo isso é plenamente aplicável aos direitos relativos a obras transmitidas por streaming, dentro do cabível nesse meio.

Do art. 53 ao 67, um Capítulo inteiro, a lei cuida dos direitos relativos à edição, o que dificilmente guarda alguma relação com transmissão por streaming – porém, nos dias que correm, em que a invenção do dia obscurece a do dia anterior, nada mais deve surpreender a ninguém.

O Capítulo seguinte da lei, que compreende os arts. 68 a 76, também pouco tem a ver com transmissão de obras por streaming, referindo-se à questão da comunicação ao público da apresentação da obra, da frequência das pessoas e de temas correlatos, a envolver peças teatrais ou musicais.

Os artigos seguintes, 77 a 88, abarcando diversos e curtos Capítulos, tratam da utilização de obras de arte plástica, obra fotográfica, fonograma, obra audiovisual, utilização de base de dados e utilização de obra coletiva. De todos esses temas, possivelmente envolve o streaming apenas o último, porque uma obra musical, transmissível por streaming, pode perfeitamente ser coletiva, de mais de um autor, a cada qual deles assistindo direitos.

O Título seguinte, iniciado pelo art. 89, atinge diretamente o interesse de autores de obras transmissíveis por streaming, eis que manda aplicar diretamente aos artistas intérpretes e executantes, e aos produtores fonográficos, e aos proprietários de empresas de radiodifusão, os direitos de autor contemplados na lei.

E mais: que os direitos relativos a obras literárias e científicas, porventura de algum modo relacionadas com obras transmitidas por streaming, não se prejudicam nem se afetam apenas pela existência dos primeiros.

O Capítulo II do Título V, arts. 90 a 92, afeta diretamente o tema dos direitos de artistas intérpretes ou executantes, que (art. 90) podem autorizar ou proibir, graciosa ou remuneradamente, qualquer modalidade de utilização ou reprodução de suas obras; se é um conjunto de intérpretes, ao seu diretor, que os músicos nomeiam se já não for ele o representante nato, exercerá os direitos.

Um tema recorrente nestes artigos é a fixação da interpretação, que é utilização do trecho como prefixo, tema, vinheta ou mote, que faça reconhecer o programa ou a específica emissão. E sobre a fixação e sua repetida utilização, a lei estabelece regras de atribuição dos direitos autorais, ao titular ou aos seus sucessores, quando é o caso.

O art. 93 dispõe brevemente sobre os direitos dos produtores fonográficos, e o art. 95 sobre o das empresas de radiodifusão, ambos com rematada brevidade, o que denota que a lei atentou bastante mais aos direitos do autor que a das empresas de divulgação das obras, protegendo, portanto, a parte tradicionalmente mais fraca da relação negocial.

O art. 96 estabelece como sendo de 70 anos o prazo de proteção dos direitos conexos, e o art. 97, já situado em outro Título, disciplina extensamente a utilização e o desfrute dos direitos conexos.

Observa-se que nem a fixação nem os direitos conexos estão concei­tuados ou descritos nesta lei, que, em vez disso, se esmerou em definir, no art. 5º, institutos e realidades que, mesmo se não o tivessem sido, não ensejariam dúvida alguma ao aplicador. omitindo-se, entretanto, sobre outras, como estas duas acima, que mereciam delimitação legal precisa.

Mas o art. 97, e também o art. 98, tratam fundamentalmente de outro importante assunto, que é o das associações de autores e de titulares de direitos conexos. O art. 98, nesse sentido, tem não menos que 16 parágrafos, algo único nesta lei e que denota a relevância que o legislador empresta a esse assunto, ciente do papel fundamental que aquelas associações podem e devem exercer na guerra dos autores pelos direitos autorais, conhecida e irresolvida há talvez um século em nosso país.

E ainda chama a atenção constatar que as associações são tão rigidamente parametradas e disciplinadas pela lei que quase adquirem feição de entidades públicas, como o art. 98 deixa a impressão, ao fixar que as associações são mandatárias de seus associados para a defesa administrativa e judicial dos seus direitos, e que a correlata atividade de cobrança (art. 98-A) somente poderá ser exercida se a associação habilitar-se em órgão competente da Administração Pública, com adoção de princípios de administração bem próprios ao Poder Público.

O art. 98-A contém um rígido, burocrático, extenso, trabalhoso e difícil roteiro para o funcionamento das associações de autores e titulares de direitos conexos, e os arts. 98-B e 98-C, ao lado ainda dos arts. 99, 99-A, 99-B, 100-A e 100-B, todos esses acrescidos pela Lei nº 12.853, de 2013, revelam a inequívoca e indisfarçável obsessão do governo federal por intervir em todas as searas da atividade privada e particular.

Esse monumental atraso de vida, fruto de um governo socializante, esquerdizante e atrasado como o são todos dessa tendência sem exceção de um só na face do planeta desde que alguém inventou a esquerda, que reduziu o país ao descalabro mais completo em todos os aspectos imagináveis nos meados da década de 2010 e que exigirá talvez meio século para vê-lo recuperar-se plenamente, está patente também na lei dos direitos autorais.

Corrompeu, maculou e contaminou lei dos direitos autorais, de origem bastante melhor que após a alteração de 2013. Lei nº 12.853/2013: eis algo que merece ser expungido com urgência do texto originário da lei, e que guarda a marca, tecnicamente pestilencial, do seu autor.

O Título VII da lei, arts. 101 a 110, contempla as sanções, ou a punibilidade, às violações dos direitos autorais. As penas civis (art. 101) não afastam nem prejudicam as sanções penais, como é de regra em qualquer ramo do Direito.

O art. 105 interessa diretamente ao tema do streaming, e pune a transmissão desautorizada ou fraudulenta com paralisação imediata, e ainda a possibilidade de multa, tudo se agravando em reincidência pelo infrator. O curioso é que o dispositivo praticamente determina ao juiz que suspenda a transmissão, o que é no mínimo de uma falta de técnica gravíssima, já que suprime o arbítrio e o livre convencimento da autoridade judiciária – e desta vez o texto é o originário de 1998, não se o devendo aos governantes intervencionistas que editaram a lei de 2013.

Os demais artigos deste Capítulo pouco dizem à transmissão de peças por streaming.

O Título VIII, que encerra a lei, dá as suas disposições finais e transitórias, curtíssimas e resumidas a três artigos, de nenhum interesse para o tema deste estudo.

Assim é, em rapidíssima vista d’olhos, a estrutura da lei dos direitos autorais no Brasil. Uma boa lei em sentido geral e amplo, ainda que com intervencionismos por sobre a atividade privada e associativa, e invasões de competência de um Poder estatal sobre outro, porém, e até pelo seu sintetismo, bastante melhor que as leis ultimamente produzidas em Brasília, uma tragédia institucional possivelmente sem paralelo em nossa história jurídica.

Por outro lado, a lei do marco civil, dito também marco regulatório da internet, a Lei nº 12.965, de 23 de abril de 2014, como é de esperar, pouco diz ao tema, atendo-se apenas a questões operacionais da própria rede mundial, e não a direitos de autor.

O que se questiona, ontem, hoje e talvez para sempre, é a capacidade de controle dos valores pagos como direitos autorais no Brasil, seja pelo artista, seja pelas associações que constitui para isso, seja por quem for. O assunto é fluido, informe, impalpável, quase fantasmagórico na sua operacionalidade, e por si só essa característica impõe todas as dificuldades imagináveis de controle, sendo conhecidíssima a batalha sem fim dos autores de obras pra receberem corretamente seus direitos – e os que têm suas obras divulgadas em streaming não constituem exceção.

4 A JURISPRUDÊNCIA JÁ EXISTENTE SOBRE O TEMA

O egrégio Superior Tribunal de Justiça já decidiu que a distribuição de obras musicais pela internet gera a cobrança de direitos autorais, conforme se lê do Recurso Especial nº 1.559.264/RJ, Relator Ministro Ricardo Villas Boas Cueva, Segunda Seção, julgado em 8 de fevereiro de 2017, com a seguinte ementa:

RECURSO ESPECIAL. DIREITO AUTORAL. INTERNET. DISPONIBILIZAÇÃO DE OBRAS MUSICAIS. TECNOLOGIA STREAMING. SIMULCASTING E WEBCASTING. EXECUÇÃO PÚBLICA. CONFIGURAÇÃO. COBRANÇA DE DIREITOS AUTORAIS. ECAD. POSSIBILIDADE. SIMULCASTING. MEIO AUTÔNOMO DE UTILIZAÇÃO DE OBRAS INTELECTUAIS. COBRANÇA DE DIREITOS AUTORAIS. NOVO FATO GERADOR. TABELA DE PREÇOS. FIXAÇÃO PELO ECAD. VALIDADE.

  1. Cinge-se a controvérsia a saber: (i) se é devida a cobrança de direitos autorais decorrentes de execução musical via internet de programação da rádio OI FM nas modalidades webcasting e simulcasting (tecnologia streaming); (ii) se tais transmissões configuram execução pública de obras musicais apta a gerar pagamento ao Ecad; e (iii) se a transmissão de músicas por meio da rede mundial de computadores mediante o emprego da tecnologia streaming constitui meio autônomo de uso de obra intelectual, caracterizando novo fato gerador de cobrança de direitos autorais.
  2. Streaming é a tecnologia que permite a transmissão de dados e informações, utilizando a rede de computadores, de modo contínuo. Esse mecanismo é caracterizado pelo envio de dados por meio de pacotes, sem a necessidade de que o usuário realize download dos arquivos a serem executados.
  3. O streaming é gênero que se subdivide em várias espécies, dentre as quais estão o simulcasting e o webcasting. Enquanto na primeira espécie há transmissão simultânea de determinado conteúdo por meio de canais de comunicação diferentes, na segunda, o conteúdo oferecido pelo provedor é transmitido pela internet, existindo a possibilidade ou não de intervenção do usuário na ordem de execução.
  4. À luz do art. 29, VII, VIII, i, IX e X, da Lei nº 9.610/1998, verifica-se que a tecnologia streaming enquadra-se nos requisitos de incidência normativa, configurando-se, portanto, modalidade de exploração econômica das obras musicais a demandar autorização prévia e expressa pelos titulares de direito.
  5. De acordo com os arts. 5º, II, e 68, §§ 2º e 3º, da Lei Autoral, é possível afirmar que o streaming é uma das modalidades previstas em lei, pela qual as obras musicais e fonogramas são transmitidos e que a internet é local de frequência coletiva, caracterizando-se, desse modo, a execução como pública.
  6. Depreende-se da Lei nº 9.610/1998 que é irrelevante a quantidade de pessoas que se encontram no ambiente de execução musical para a configuração de um local como de frequência coletiva. Relevante, assim, é a colocação das obras ao alcance de uma coletividade frequentadora do ambiente digital, que poderá, a qualquer momento, acessar o acervo ali disponibilizado. Logo, o que caracteriza a execução pública de obra musical pela internet é a sua disponibilização decorrente da transmissão em si considerada, tendo em vista o potencial alcance de número indeterminado de pessoas.
  7. O ordenamento jurídico pátrio consagrou o reconhecimento de um amplo direito de comunicação ao público, no qual a simples disponibilização da obra já qualifica o seu uso como uma execução pública, abrangendo, portanto, a transmissão digital interativa (art. 29, VII, da Lei nº 9.610/1998) ou qualquer outra forma de transmissão imaterial a ensejar a cobrança de direitos autorais pelo Ecad.
  8. O critério utilizado pelo legislador para determinar a autorização de uso pelo titular do direito autoral previsto no art. 31 da Lei nº 9.610/1998 está relacionado à modalidade de utilização e não ao conteúdo em si considerado. Assim, no caso do simulcasting, a despeito do conteúdo transmitido ser o mesmo, os canais de transmissão são distintos e, portanto, independentes entre si, tornando exigível novo consentimento para utilização e criando novo fato gerador de cobrança de direitos autorais pelo Ecad.
  9. Está no âmbito de atuação do Ecad a fixação de critérios para a cobrança dos direitos autorais, que serão definidos no regulamento de arrecadação elaborado e aprovado em Assembleia Geral, composta pelos representantes das associações que o integram, e que contém uma tabela especificada de preços. Inteligência do art. 98 da Lei nº 9.610/1998.
  10. Recurso especial provido.

Esse acórdão é o leading case brasileiro, ao considerar o streaming de obra musical no ambiente digital como execução pública, e, por isso, enseja a necessidade de pagamento de direitos autorais ao autor da obra. Nesse sentido, representa um marco bastante importante no terreno dos direitos autorais, que, desde logo, evitará desacertos e demandas sem conta.

E tal decisão – o que é tranquilizador nesse panorama – foi confirmada pelo Supremo Tribunal Federal, no Recurso Extraordinário nº 1056363, Relator Ministro Alexandre de Moraes, com recentíssima decisão datada de 9 de outubro de 2017 e publicada em 17 de outubro de 2017.

[1] LIMA, João Ademar de Andrade. Novos olhares sobre o direito autoral na era da música digital. Simplíssimo livros. Disponível em: http://www.simplissimo.com.br. Posição 167 a 204.

[2] Disponível em: <http://www.ecad.org.br/pt/direito-autoral>.

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