DIREITO ALIMENTAR: UMA OBRIGAÇÃO SUBSIDIÁRIA DOS AVÓS
Aldair Hippler
Sandra Ostroski Lacks
SUMÁRIO: Introdução – 1. Dos alimentos: 1.1. Abordagem histórica; 1.2. Conceito de alimentos; 1.3. Conceito de obrigação de prestar alimentos; 1.4. Natureza jurídica da obrigação alimentar; 1.5. Principais características da obrigação alimentar: 1.5.1. pessoalidade; 1.5.2. Irrenunciabilidade; 1.5.3. Intransmissibilidade; 1.5.4. Incedibilidade; 1.5.5. Impenhorabilidade; 1.5.6. Incompensabilidade; 1.5.7. Imprescritibilidade – 2. Obrigação alimentar entre parentes: 2.1. Parentesco; 2.2. Obrigação alimentar decorrente do poder familiar; 2.3. Obrigação alimentar decorrente do parentesco; 2.4. Obrigação alimentar dos avós: 2.4.1. A natureza dos alimentos devidos pelos avós; 2.4.2. Subsidiariedade; 2.4.3. A prevalência do grau mais próximo; 2.4.4. Questões polêmicas que resultam problemas na obrigação alimentar avoenga – Considerações finais – Referências.
INTRODUÇÃO
É sabido que o homem necessita viver em sociedade para que sobreviva. Nesse cenário, divide os encargos para conseguir obter os recursos necessários para manter-se vivo, distribuindo o ônus da sobrevivência a toda sociedade, em especial, à família.
Nesse sentido, a obrigação alimentar não se limita a existir entre pais e filhos e envolve outros membros da família, como os avós, chamados a integrar o polo passivo nas demandas judiciais em que os netos requerem os alimentos necessários para sua mantença.
O eixo central do presente trabalho monográfico é averiguar os limites da obrigação alimentar dos avós e se estes estariam obrigados a prestar alimentos até os limites de suas possibilidades, de modo compatível com sua condição social e sem desfalque de seu necessário sustento, como preceituam os artigos 1.694 e 1.695 do Código Civil Brasileiro – CCB.
A construção do presente trabalho dar-se-á em dois capítulos. Primeiramente, uma breve abordagem histórica sobre o tema, conceituando alimentos, obrigação alimentar e enumerando suas principais características.
O segundo capítulo versará acerca da obrigação alimentar entre parentes, explanando sobre o parentesco e sua relação de subsidiariedade na obrigação de prestar alimentos. Por fim, será abordada a obrigação alimentar dos avós, com exposição de alguns controversos dispositivos legais e posicionamento doutrinário e jurisprudencial acerca de suas peculiaridades.
Para a concretização do trabalho, será utilizado o método de abordagem dedutivo, tendo como metodologia a pesquisa doutrinária em diversos livros, revistas e artigos eletrônicos que tratam do tema alimentos, ainda utilizar-se-á consulta jurisprudencial dos julgados do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul.
1 . DOS ALIMENTOS
O presente capítulo tem por objetivo fazer uma abordagem histórica do surgimento da relação entre direito e dever alimentar, destacando algumas noções doutrinárias acerca do instituto jurídico alimentos e, de forma genérica, da obrigação alimentar. Ainda, serão abordadas as principais características do direito aos alimentos, estabelecendo um paralelo delas com a obrigação alimentar avoenga, que será o objeto específico do segundo capítulo do presente trabalho monográfico.
1.1. Abordagem histórica
Observa-se grande evolução na história dos alimentos, sendo unânime na doutrina que, em tempos primórdios, não falava em obrigação alimentar.
Para Cahali (2009, p. 41), essa omissão seria reflexa da própria constituição da família romana, que subsistiu durante todo o período arcaico e republicano; um direito a alimentos resultantes de uma relação de parentesco seria até mesmo sem sentido, tendo em vista que o único vínculo existente entre os integrantes do grupo familiar seria o vínculo derivado do pátrio poder.
A doutrina não apresenta data certa de quando iniciou a obrigação alimentar no contexto da família. Acredita-se que teria sido “a partir do principado, em concomitância com a progressiva afirmação do conceito de família em que o vínculo de sangue adquire uma importância maior” (CAHALI, 2009, p. 42). Nessa época, houve uma paulatina transformação no dever moral de socorro, incluindo aí a obrigação moral de prestar alimentos aos parentes necessitados.
Ainda na mesma época, relatos doutrinários dão conta de discussões acerca da definição das pessoas vinculadas à obrigação alimentar. Assinala Cahali (2009, p. 43) que no direito justinianeu foi seguramente reconhecida uma obrigação alimentar recíproca entre ascendentes e descendentes em linha reta ao infinito, paternos e maternos na família legítima, entre ascendentes maternos, pai e descendentes na família ilegítima, com exclusão daquela constituída ex nefariis vel incestis vel damnatis complexibus, talvez entre irmãos e irmãs, e, muito provavelmente, pertence a esse período a extensão da obrigação alimentar à linha colateral.
Acredita-se que houve um erro de interpretação do direito justinianeu que acabou incluindo também filhos havidos fora do casamento. Explica Cahali (2009, p. 44) que, no plano das relações determinadas pelo vínculo de sangue, um texto que em realidade se referia aos liberti naturalis do direito justinianeu, inexatamente interpretado, teria sido o ponto de partida para o reconhecimento do direito de alimentos também aos filhos espúrios em relação ao companheiro da mãe durante o período da gravidez.
Mas a ampliação do dever alimentar como resultado da operabilidade do princípio da solidariedade social é mesmo resultado da influência da igreja católica sobre o direito, em outros termos, é com o direito canônico que a obrigação familiar estende-se, inclusive nas relações extrafamiliares. Nesse mesmo sentido, Siqueira (2010, p. 6) destaca que na Idade Média surge também a ideia de que a família deve ser garantia de amparo aos seus membros doentes, inválidos e impossibilitados de prover o próprio sustento, ideia que hoje se confunde com o dever de prover alimentos.
O conceito de assistência aos incapacitados é essencial neste período histórico, eis que as famílias produziam todos os bens necessários à sobrevivência, tais como alimentos e peças do vestuário. A assistência implicava também no dever familiar de ajuda moral e psicológica aos membros.
Na atualidade, a obrigação da família em prestar alimentos tem fundamento maior na dignidade da pessoa, impondo aos parentes mais próximos à obrigação de socorrer os necessitados. Essa obrigação encontra fundamento no princípio da solidariedade e seu amparo legal está no artigo 3º, I, da Constituição da República Federativa do Brasil – CF/88, além da legislação infraconstitucional que reforça os efeitos jurídicos dessa obrigação, tema a ser tratado neste trabalho.
1.2. Conceitos de alimentos
Os alimentos são as prestações devidas por alguém a outrem para satisfazer as principais necessidades do ser humano. É fornecida a um parente, cônjuge ou companheiro o essencial para sua subsistência, posto que os indivíduos, desde o seu nascimento até sua morte, precisam de amparo de seus semelhantes e de bens essenciais para a sua sobrevivência.
Nesse sentido, define Gomes (2000, p. 427) que alimentos são as prestações para a satisfação das necessidades vitais de quem não pode provê-las por si. A expressão designa medidas diversas. Ora significa o que é estritamente necessário à vida de uma pessoa, compreendendo, tão somente, a alimentação, a cura, o vestuário e a habitação, ora abrange outras necessidades, compreendidas as intelectuais e as morais, variando conforme a posição social da pessoa necessitada.
Em sentido geral, os alimentos são fundamentais para a subsistência de uma pessoa. Tecnicamente, seu significado é mais amplo, além de ser um dever de solidariedade entre parentes, que substitui a solidariedade política de outrora, como relembrada por Queiroga (2004, p. 6), é também um dever de prestações em dinheiro ou in natura para que o familiar que, por qualquer razão, não possa manter-se por si só, mesmo assim, consiga sobreviver.
Diante disso, Venosa (2009, p. 352) assim conceitua: alimentos na linguagem jurídica possuem significado bem mais amplo do que o sentido comum, compreendendo, além da alimentação, também o que for necessário para moradia, vestuário, assistência médica e instrução. Os alimentos traduzem-se em prestações periódicas fornecidas a alguém para suprir essas necessidades e assegurar sua subsistência.
Portanto, o conceito de alimentos tem sentido abrangente, compreendendo além das necessidades habituais para a sobrevivência do ser humano, que são os alimentos propriamente ditos para seu sustento, habitação, vestuário, amparo médico e odontológico, educação intelectual e moral, lazer, dentre outros; os quais advêm de solidariedade familiar ou parental, visando, contudo, suprir as carências dos familiares necessitados.
Do ponto de vista da solidariedade social e familiar, os alimentos assumem o caráter de amparo no caso da ocorrência de infortúnios, como uma doença, a idade, a velhice etc.
Segundo Venosa (2009, p. 253), em linha fundamental, quem não pode prover a própria subsistência nem por isso deve ser relegado ao infortúnio. A pouca idade, a velhice, a doença, a falta de trabalho ou qualquer incapacidade podem colocar a pessoa em estado de necessidade alimentar. A sociedade deve prestar-lhe auxílio. O Estado designa em primeiro lugar os parentes para fazê-lo, aliviando em parte seu encargo social.
Há, porém, uma inclinação de se impor ao Estado o dever de assistir os necessitados de carência alimentar, por existirem políticas assistenciais e previdenciárias; porém, para aliviar-se dessa incumbência, o Estado transfere a obrigação aos parentes do credor ou aos seus cônjuges ou companheiros. Esse interesse é tido como um direito de ordem pública para com a observância dessa norma, pois a recusa do dever de prestar alimentos aos parentes, cônjuges ou companheiros uns aos outros traz como sanção a prisão do devedor (RODRIGUES, 2004, p. 373-374).
No ordenamento jurídico, algumas pessoas tem o dever de prestar alimentos em decorrência de laços sanguíneos e outras são obrigadas pelas relações civis de cônjuges ou companheiros, já que estes têm dever de assistência e socorro mútuo entre si. Nas palavras de Venosa (2009, p. 353), “existe, pois, no ordenamento, uma distinção entre a obrigação alimentar entre parentes e aquela entre cônjuges ou companheiros. Ambas, porém, são derivadas da Lei”.
É pertinente destacar que o dever de prestar alimentos decorre do parentesco, da dissolução do casamento e do rompimento da união estável, ensejando ação de pensão alimentícia, conforme está previsto nos artigos 1.694 e seguintes do CCB.
Da expressão alimentos, que abrange tudo aquilo considerado necessário para viver-se com dignidade, a doutrina subdivide-os em naturais e civis, denominando os primeiros como sendo apenas os indispensáveis para a mantença do alimentante, compreendendo basicamente alimentação, saúde, vestuário e moradia, e, os segundos estendendo-se, também, à necessidade de manter o padrão e qualidade de vida do alimentante.
1.3. Conceito de obrigação de prestar alimentos
O conceito da obrigação de alimentos é distinto de certos deveres que os familiares têm, como o dever moral de prestar socorro, sustento e assistência, que é o caso dos pais em relação aos filhos e dos cônjuges entre si. Esse dever de sustento torna-se obrigação de alimento, ou seja, é exigível pelo credor quando estiver necessitado; por exemplo, quando ocorre a quebra do vínculo conjugal, com a dissolução da sociedade conjugal (GOMES, 2000, p. 428).
Para Queiroga (2004, p. 294-295), essa obrigação “trata-se de um direito criado pela lei com fundamento num princípio razoável de solidariedade familiar, colocando de lado qualquer indagação ou pressuposto de haver afeto ou existir realmente amizade”.
Importante salientar que a obrigação de prestar alimentos subsiste sempre que o alimentado não puder manter-se com o seu trabalho e não possuir bens, sem importar a causa que originou a situação de necessidade.
A origem dessa obrigação vem do princípio da solidariedade familiar, posto que a família advém dos laços de parentesco, que interligam os indivíduos, decorrente de casamento, união estável, relações homoafetivas e parentalidade socioafetiva, etc.
Nas palavras de Dias (2009, p. 459), trata-se de obrigação alimentar que repousa na solidariedade familiar entre os parentes em linha reta e se estende infinitamente. Na linha colateral, é necessário reconhecer que a obrigação vai até o quarto grau de parentesco. O encargo alimentar decorrente do casamento e da união estável tem origem no dever de mútua assistência, que existe durante a convivência e persiste mesmo depois de rompida a união.
Assim, como a obrigação de prestar alimentos decorre de diversos fatos e acontecimentos, no que tange ao parentesco, o direito à prestação de alimentos é recíproco entre pais e filhos, e extensivo a todos os ascendentes, recaindo a obrigação sobre os mais próximos em grau, uns em falta de outros, devendo ser respeitada a ordem de sucessão.
1.4. Natureza jurídica da obrigação alimentar
É divergente o entendimento quanto à natureza jurídica dos alimentos; alguns entendem ser um direito pessoal extrapatrimonial, posto que corresponde a um interesse familiar superior e social. O valor recebido advindo da relação de credor e devedor consubstancia-se em crédito de natureza personalíssima, não podendo dele dispor para garantir os seus credores, pois visa somente a preservação de sua vida (DINIZ, 2007, p. 542).
Outros consideram que a obrigação alimentar é de conteúdo patrimonial, por acrescer ou diminuir o patrimônio dos entres da relação jurídica. Existe uma prestação econômica material exigível nesse contexto.
Há ainda uma terceira corrente, que entende ser tal obrigação de natureza mista, ou seja, de conteúdo patrimonial e de finalidade pessoal, sendo este o entendimento majoritário, já que é inegável a transferência de valor econômico na prestação, mas sem caracterizar aumento de riqueza de quem recebe, caso possível fosse, estaria descaracterizado tal instituto (DINIZ, 2007, p. 542-543).
1.5. Principais características da obrigação alimentar
Os alimentos são aqueles que derivam do direito de família, os prestados em razão do parentesco, do casamento ou da união estável, que na maior parte dos casos são estabelecidos em quantia fixada em espécie e fornecida periodicamente à pessoa necessitada.
Analisando a legislação civil, identificam-se determinados elementos característicos, dando ao instituto dos alimentos uma feição que lhe é própria e não encontrada em outras esferas do direito.
São várias as características do direito de alimentos que o distingue dos demais tipos de dívidas, e merece tratamento especial por fazer parte do direito natural, inato à própria pessoa. É um direito personalíssimo, irrenunciável, intransmissível, não cedível, impenhorável, incompensável e imprescritível.
1.5.1. Pessoalidade
Um dos pontos fundamentais, quando se trata dos alimentos, é sua pessoalidade posto que esteja diretamente ligado ao direito da personalidade, inato ao alimentado para assegurar sua subsistência e integridade física.
Trata-se de uma obrigação tida como personalíssima que é devida pelo alimentante em função do laço de parentesco existente entre ele e o alimentado. A titularidade desse dever é pessoal, recaindo na pessoa do alimentário, não podendo ser transferido a outrem.
Nas palavras de Dias (2009, p. 461), o escopo da medida é preservar a vida e assegurar a existência do indivíduo que necessita de auxílio para sobreviver:
O direito a alimentos não pode ser transferido a outrem, na medida em que se visa a preservar a vida e assegurar a existência do indivíduo que necessita de auxílio para sobreviver. Como decorrência direta de seu caráter personalíssimo, trata-se de direito que não pode ser objeto de cessão (CC 1.707) nem se sujeita a compensação (CC 373, II), qualquer que seja a natureza da dívida que venha a lhe ser oposta.
Por sua vez, Gomes (2000, p. 431) refere ser um direito pessoal no sentido de que a sua titularidade não passa a outrem por negócio ou por outro fato jurídico. Consideram-no direito personalíssimo, como uma das manifestações do direito à vida, vale dizer, um direito que se destina a tutelar a própria integridade física do indivíduo.
Do caráter personalíssimo advêm as seguintes características: intransmissibilidade, imprescritibilidade e impenhorabilidade, que serão tratadas nos itens seguintes.
1.5.2. Irrenunciabilidade
No direito a alimentos não se admite a renúncia, está protegido pelo Estado, vincula-se à pessoa de seu titular e, por ser um direito pessoal, apresenta-se como uma das consequências do direito à vida.
A irrenunciabilidade alcança o direito, mas não seu exercício, depende do alimentado exercitar ou não esse direito, pois é uma faculdade, podendo deixar de procurar a tutela jurisdicional. Se de outro modo houver essa renúncia, esta não compreende o universo jurídico. Sobre essa característica descreve o artigo 1.707 do CCB que “Pode o credor não exercer, porém lhe é vedado renunciar o direito a alimentos, sendo o respectivo crédito insuscetível de cessão, compensação ou penhora”.
A propósito, Gonçalves (2007, p. 463) menciona que o direito a alimentos constitui uma modalidade do direito à vida. Por isso, o Estado protege-o com normas de ordem pública, decorrendo daí a sua irrenunciabilidade, que atinge, porém, somente o direito, não o seu exercício. Não se pode assim renunciar aos alimentos futuros. A não postulação em juízo é interpretada apenas como falta de exercício, não significando renúncia.
O que é vedado pelo ordenamento é a renúncia dos alimentos futuros, porém os devidos e não prestados podem ser objeto de renúncia por parte do credor, tendo em vista que a falta do seu exercício não denota renúncia.
1.5.3. Intransmissibilidade
Sabe-se que a intransmissibilidade é decorrente do caráter personalíssimo do direito a alimentos. Com o falecimento do credor ou do devedor, extingue o direito ou o dever, respectivamente.
O CCB, em seu artigo 1.700, enuncia o seguinte: “A obrigação de prestar alimentos transmite-se aos herdeiros do devedor, na forma do art. 1.694”.
O artigo 1.694 do CCB estatui que podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação.
Os alimentos mantêm o caráter de pessoalidade e não são transmitidos aos herdeiros, somente atingem a dívida comum, em que o alimentário reveste-se como credor de prestações vencidas e não pagas pelo devedor, no caso de seu falecimento.
A ideia dessa característica é transferir aos herdeiros somente as prestações em atraso, não atingindo a obrigação alimentar de prestar os alimentos da então em diante, haja vista que a condição de pessoalidade extinguiu-se com a morte do obrigado.
1.5.4. Incedibilidade
O direito a alimentos é atribuído a quem necessita de meios para subsistir, e assegura-o que não viva em estado de miserabilidade, é intransferível, não podendo ser cedido, assim como está previsto no já citado art. 1.707 do CCB.
Segundo Cahali (2009, p. 81): “O direito de alimentos não pode ser cedido, pois que a isso se opõe a sua natureza”. Assim, pelo caráter personalíssimo que tem o instituo, não pode ser objeto de cessão de crédito.
Dessa forma, não há o que duvidar da incedibilidade dos alimentos futuros, no entanto, o crédito de pensão alimentícia vencida, já que é considerado crédito de natureza comum, pode ser cedido.
1.5.5. Impenhorabilidade
Essa característica é uma particularidade interligada ao direito personalíssimo, visto que o crédito está destinado à mantença da vida, como meio de sustento do alimentado que não dispõe de meios para sobreviver, seja por incapacidade ou por doença.
A impenhorabilidade dos alimentos é característica que também está prevista expressamente no artigo 1.707 do CCB: “Pode o credor não exercer, porém lhe é vedado renunciar o direito a alimentos, sendo o respectivo crédito insuscetível de cessão, compensação ou penhora”.
Assim, por ser um crédito insuscetível de penhora, é inadmissível que credores do alimentando o privem do que é estritamente necessário para a sua sobrevivência.
1.5.6. Incompensabilidade
É a compensação um dos meios que extingue obrigações entre pessoas que ao mesmo tempo são credor e devedor umas das outras, podendo acarretar a extinção das duas obrigações. A compensação é vedada pelo ordenamento jurídico quando se refere a alimentos, em função do caráter personalíssimo desse direito.
Desse modo, por constituírem o mínimo necessário à subsistência do beneficiário, os alimentos não podem ser objeto de compensação, como preceituam os artigos 1.707 e 373, inc. II, ambos do CCB.
Explicando essa característica, Cahali (2009, p. 87) destaca se o devedor da pensão alimentícia se torna credor da pessoa alimentada, não pode opor-lhe, não obstante, o seu crédito, quando exigida aquela obrigação.
Aliás, a não compensação deve ser avaliada com prudência. Assim, se forem pagos pelo sujeito passivo da obrigação valores a mais que o devido, torna-se viável a compensação para que não haja enriquecimento se causa para o beneficiário.
1.5.7. Imprescritibilidade
A pretensão alimentícia é imprescritível. Vale enfatizar que não prescreve o direito que possui o beneficiário de postular em juízo o pagamento dos valores referentes à pensão alimentícia, desde que haja a necessidade, mas dependerá do exercício ou não desse direito.
Ocorre que, a partir do momento em que ficou estabelecida em sentença ou mediante acordo valor devido a título de pensão alimentícia, e não houver o pagamento voluntário da obrigação, tem início o prazo de dois anos para a cobrança. É o que estabelece o artigo 206, § 2º, do CCB: Prescreve em dois anos, a pretensão para haver prestações alimentares, a partir da data em que se venceram.
O termo inicial começa a contar a partir do instante que o devedor foi citado, prescrevendo em dois anos tal pretensão no que diz respeito às prestações alimentícias já vencidas. No entanto, cumpre ressaltar que o artigo 198 do mesmo diploma civil fixa causa de impedimento do transcurso do prazo prescricional, caso o sujeito ativo do direito subjetivo lesado seja, por qualquer das razões estabelecidas no artigo 3º do mesmo Código, considerado absolutamente incapaz. Nestes casos, o prazo prescricional estabelecido no artigo 206, § 2º, do CCB, somente terá início depois de cessada a causa da incapacidade.
2 . OBRIGAÇÃO ALIMENTAR ENTRE PARENTES
A obrigação de prestar sustento aos familiares é decorrente dos deveres inerentes ao exercício do poder familiar, seja na modalidade de dar, representada pelo dever de alcançar uma prestação periódica em espécie, seja sob a forma de uma obrigação de fazer, que têm os pais em relação aos filhos menores. Porém, como causa e efeito, não é restrita aos laços decorrentes do poder familiar, estendendo-se entre os parentes ligados por vínculos sanguíneos em linha reta ou ainda na colateral, desde que restrita ao segundo grau de parentesco.
A escolha da pessoa que irá participar no polo passivo não é feita de forma aleatória, seu chamado está disciplinado e estabelecido pelo artigo 1.697 do CCB: Na falta dos ascendentes cabe à obrigação aos descendentes, guardada à ordem de sucessão e, faltando estes, aos irmãos, assim germanos como unilaterais.
Significa que inicialmente deve ser chamado ao dever o parente que estiver mais próximo ao alimentando, na escala de ascendência ou descendência, e, na falta destes, passa-se ao mais remoto. Essa normatização pode adaptar-se a novos fatos que porventura vierem a surgir, como a falta de recursos financeiros do parente mais próximo, encaixando nesse contexto o parente mais distante, com condições de arcar com a prestação alimentícia.
Queiroga (2004, p. 299) ressalta ainda que, nesses moldes, o filho maior e necessitado não pode pedir alimentos ao avô ou ao irmão se ele tem pai em condições de satisfazer a obrigação. Em suma, somente quando não houver ascendentes é que se pedem alimentos aos descendentes, e, não existindo estes ou aqueles, serão pedidos alimentos a irmão.
Sobre essa obrigação, prevê o artigo 1.698 do CCB: se o parente, que deve alimentos em primeiro lugar, não estiver em condições de suportar totalmente o encargo, serão chamados a concorrer os de grau imediato; sendo várias as pessoas obrigadas a prestar alimentos, todas devem concorrer na proporção dos respectivos recursos, e, intentada a ação contra uma delas, poderão as demais ser chamadas a integrar a lide.
Portanto, se o parente mais próximo a ser chamado a prestar os alimentos não puder suportar os encargos sozinho, poderá chamar a lide outros parentes de grau imediato, que concorrerão nas mesmas condições, como devedores subsidiários, de forma semelhante ao disposto no art. 130, III, do CPC, passando a ter na relação processual vários coobrigados.
2.1. Parentesco
Parentesco, em linhas gerais, pode ser definido como uma relação existente entre pessoas que se unem, vinculando as que descendem de um mesmo tronco comum. Deriva também de laços conjugais ou de união estável em que cada um dos cônjuges ou companheiros se une aos parentes do outro pela afinidade.
Na conceituação de parentes é importante elencar a adoção, que em épocas antigas não se considerava, e ainda outras origens, como a filiação socioafetiva e inseminação artificial.
No que tange aos alimentos devidos a filhos adotivos, salienta-se que, com o advento da Constituição Federal de 1988 e o Código Civil de 2002, não há mais parentesco adotivo, pois, após a consumação da adoção por decisão judicial, o filho é igual aos demais consanguíneos dos pais que o adotaram, rompendo-se integralmente os laços com a família de origem. (LOBO, 2009, p. 185).
Ao definir parentesco, Gonçalves (2007, p. 264) compreende-o de modo estrito e amplo. Veja-se em sentido estrito, a palavra “parentesco” abrange somente o consanguíneo, definido de forma mais correta como a relação que vincula entre si pessoas que descendem umas das outras, ou de um mesmo tronco. Em sentido amplo, no entanto, inclui o parentesco por afinidade e o decorrente da adoção ou de outra origem, como algumas modalidades de técnicas de reprodução medicamente assistida, que, nos países de língua francesa, é chamada de procréatio medicalement assistée.
Dias (2009, p. 313) assevera que “além de um vínculo natural, o parentesco também é um vínculo jurídico estabelecido por lei, que assegura direitos e impõe deveres recíprocos”, pois, segundo ela, “trata-se de elos que não se constituem nem se desfazem por ato de vontade”.
O CCB trata das relações de parentesco dos artigos 1.591 a 1.595. Observe:
Art. 1.591. São parentes em linha reta as pessoas que estão umas para com as outras na relação de ascendentes e descendentes.
Art. 1.592. São parentes em linha colateral ou transversal, até o quarto grau, as pessoas provenientes de um só tronco, sem descenderem uma da outra.
Art. 1.593. O parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consanguinidade ou outra origem.
Art. 1.594. Contam-se, na linha reta, os graus de parentesco pelo número de gerações, e, na colateral, também pelo número delas, subindo de um dos parentes até ao ascendente comum, e descendo até encontrar o outro parente.
Art. 1.595. Cada cônjuge ou companheiro é aliado aos parentes do outro pelo vínculo da afinidade.
- 1º O parentesco por afinidade limita-se aos ascendentes, aos descendentes e aos irmãos do cônjuge ou companheiro.
- 2º Na linha reta, a afinidade não se extingue com a dissolução do casamento ou da união estável.
Conforme os dispositivos legais supracitados, tem-se que são parentes em linha reta aqueles que descendem uns dos outros, e os parentes colaterais os que possuem um mesmo tronco comum. A melhor distinção que se tem entre parentes em linha reta e colaterais é que os primeiros descendem uns dos outros, enquanto os últimos encontram-se ligados apenas por um mesmo ancestral.
Nesse mesmo entendimento, é o parentesco natural o que deriva de vínculos de consanguinidade, enquanto que o civil é o que vem de outra origem diversa da biológica, conforme demonstrado no art. 1.593 do CCB.
Assim, em caso de necessidade, os parentes têm o dever de solidariedade de prestar uns aos outros os alimentos necessários à subsistência, imprescindível é o vínculo de parentesco entre o polo ativo, seja em razão da consanguinidade ou de lei.
2.2. Obrigação alimentar decorrente do poder familiar
Os genitores são as pessoas naturalmente destinadas a esse dever, recaindo o encargo em ambos, ou somente em um deles, a prestar o sustento dos filhos para prover-lhes a subsistência de ordem moral e material, que abrange o necessário para o custeio das necessidades básicas como alimentação, vestuário, moradia, medicamentos, educação, e tudo que for indispensável ao desenvolvimento físico, mental e intelectual da criança e do adolescente, nos termos de acordo com a interpretação dos princípios estampados no art. 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
É obrigação dos genitores prestar esse auxílio durante o processo de formação e desenvolvimento da prole, resultante do poder familiar enquanto menores, ou do parentesco em linha reta, com a maioridade. O dever de sustento que advém do poder familiar trata-se de dever assistencial, enquanto que o vinculado ao parentesco em linha reta transforma-se em obrigação alimentar. Sobre esse assunto dispõem as regras contidas nos artigos 1.566, IV, e 1.694, ambos do CCB:
Art. 1.566. São deveres de ambos os cônjuges; sustento guarda e educação dos filhos.
Art. 1.694. Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação.
Com base no que foi exposto quanto ao elo existente entre os genitores e os filhos menores, não há propriamente uma obrigação, mas um dever de sustento de ampla assistência pelo titular do poder familiar, ou inerente à vida conjugal e somente se encerrará com a maioridade dos alimentandos.
A cessação da menoridade dos filhos pode não ser necessariamente objeto de encerramento do direito de receber alimentos, continuando a obrigação dos genitores em caso de filhos maiores incapazes ou enfermos, sem condições de prover o seu próprio sustento, abrangendo também aqueles que estão cursando graduação.
A obrigação alimentar entre pais e filhos tem como base o estado de necessidade do alimentado e a possibilidade de oferecê-los pelo alimentante. Já a obrigação entre parentes é proporcional, conforme expõe Cahali (2009, p. 342), a obrigação alimentar do art. 1.696 do CCB é proporcional, segundo o art. 1.694, § 1º, à capacidade econômica de quem os deve e às necessidades de quem os reclama; trata-se, pois, de uma obrigação de conteúdo variável e contingente, enquanto o dever de sustento dos filhos menores, imposto aos genitores, caracteriza-se como sendo absoluto, sem qualquer consideração às respectivas fortunas.
A partir do instante que o filho torna-se maior ou adquire alguma incapacidade ou enfermidade, ou outra origem, desde que comprovado, o vínculo da obrigação alimentar entre pais e filhos será determinado pela necessidade de um e capacidade do outro.
Também decorre do poder familiar a obrigação que o pai tem de prover o sustento do nascituro. Esse dever traduz-se em garantia a nutrição e cuidados médicos da gestante para assim assegurar ao feto o nascimento com vida, nos termos do que dispõem o artigo 8º do ECA e as regras procedimentais estabelecidas com o advento da Lei nº 11.804, de 5 de novembro de 2008.
Conforme dispõe o art. 2º da Lei suprarreferida, os alimentos de que trata esta Lei compreenderão os valores suficientes para cobrir as despesas adicionais do período de gravidez e que sejam dela decorrentes, da concepção ao parto, inclusive as referentes à alimentação especial, assistência médica e psicológica, exames complementares, internações, parto, medicamentos e demais prescrições preventivas e terapêuticas indispensáveis, a juízo do médico, além de outras que o juiz considere pertinentes.
Assim, como é assegurado constitucionalmente o direito à vida (CF, art. 5º), também o artigo 227 do mesmo documento impõe à família com diploma absoluta prioridade e o dever de assegurar aos filhos o direito à vida, à saúde, à alimentação, encargos a serem exercidos igualmente pelo homem e pela mulher (CF, art. 226, § 5º).
2.3. Obrigação alimentar decorrente do parentesco
Como se vem abordando no presente trabalho, vê-se a possibilidades dos parentes exigirem uns dos outros os alimentos de que necessitem para sobreviver, não importando se a obrigação é decorrente do companheirismo, civil ou consanguinidade.
O vínculo de parentesco é pressuposto indispensável para haver a obrigação, já que a reciprocidade é característica fundamental desse dever entre os parentes, que só pode ser reclamada entre as pessoas elencadas nos artigos 1.694, 1.696 e 1.697 do CCB.
Num primeiro momento, temos a obrigação dos pais em relação aos filhos, e dos filhos em relação aos pais (reciprocidade). Na sequência: na falta destes, estariam os ascendentes, na ordem da proximidade (os mais próximos em graus), conforme os artigos 1.696 e 1.697 do CCB, que já foram descritos acima, e tratam do assunto. Após os ascendentes é que seriam chamados os descendentes (ordem de sucessão). E, por fim, os irmãos (germanos como unilaterais).
Vale salientar que a obrigação alimentar é imposta aos parentes mais próximos em grau, sem possibilidade do alimentante escolher quem a proverá.
No caso específico da obrigação avoenga de prestar alimentos, para que os filhos chamem os avós ao dever de prestar alimentos, é necessário que faltem os pais, ou estes comprovem a impossibilidade de prestar alimentos.
Nas palavras de Cahali (2009, p. 468), assim, duas circunstâncias abrem oportunidade para a convocação do ascendente mais remoto à prestação alimentícia: a falta de ascendente em grau mais próximo ou a falta de condição econômica deste para fazê-lo; o grau mais próximo exclui o mais remoto, sendo o primeiro lugar na escala dos obrigados ocupado pelos genitores; apenas se faltam os genitores, ou se estes se encontram impossibilitados financeiramente de fazê-lo, estende-se a obrigação de alimentos aos ulteriores ascendentes, respeitada a ordem de proximidade.
Nesse sentido, a ação de alimentos também pode ser proposta contra o pai e o avô ao mesmo tempo, se o primeiro não tiver condições de arcar sozinho com o dever de alimentos, tendo em vista o seu estado financeiro. Nesse caso, seria uma complementação da pensão devida pelos genitores a prestada pelo avô, como legitimado passivo da relação jurídica.
2.4. Obrigação alimentar dos avós
Relembrando o já citado conceito de obrigação alimentar, como sendo aquela que obriga uma pessoa a fornecer a outra meios necessários para sua sobrevivência, temos a problemática envolvendo os alimentos devidos pelos avós, sempre que os pais não tenham meios suficientes para provê-la.
Inicialmente, cumpre frisar que a obrigação dos avós é obrigação caracterizada pela excepcionalidade, somente sendo admitida diante de prova inequívoca da impossibilidade dos pais proverem os alimentos, sendo obrigação subsidiária e complementar.
2.4.1. A natureza dos alimentos devidos pelos avós
A natureza da obrigação alimentar de modo geral e também dos avós deriva do princípio da solidariedade. Nas palavras de Rizzardo (2007, p. 721), “funda-se o dever de prestar alimentos na solidariedade humana e econômica que deve imperar entre os membros da família ou os parentes. Há um dever legal de mútuo auxílio familiar, transformado em norma ou mandamento jurídico”.
Quando desaparece a solidariedade nas relações entre parentes, principalmente entre pais e filhos, os netos recorrem ao Poder Judiciário pedindo alimentos aos avós, geralmente aposentados e com alguma reserva de dinheiro acumulada, que subsidiariamente lhes forneçam os alimentos necessários para que possam gozar de melhores condições financeiras.
As discussões tornaram-se maiores e mais ousadas após a vigência do Código Civil de 2002, que com a nova redação dos artigos 1.694 e 1.695 pode levar o intérprete do Direito, equivocadamente, concluir que o legislador objetivou que os avós paguem alimentos a seus netos de forma imperativa e indiscriminada.
Art. 1.694. Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação.
Art. 1.695. São devidos os alimentos quando quem os pretende não tem bens suficientes, nem pode prover, pelo seu trabalho, a própria mantença, e aquele que, de quem se reclamam, pode fornecê-los, sem desfalque do necessário ao seu sustento.
Quando o artigo 1.694 do CCB refere que os parentes podem pedir alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com sua condição social, deve-se interpretá-lo com precaução, haja vista que, num primeiro contato, pode-se entender que o credor dos alimentos poderá equiparar-se ao padrão de vida daquele que os alcança, que, ainda, deverá prestá-lo até o limite de suas possibilidades.
Sobre parâmetros de razoabilidade, bem explica Lobo (2009, p. 354) a razoabilidade está na fundamentação, por exemplo, da natureza complementar da obrigação alimentar dos avós, a saber, é razoável que estes apenas complementem os alimentos devidos pelos pais, quando estes não puderem provê-los integralmente, sem sacrifício de sua própria subsistência.
A doutrina elege como principais características da obrigação avoenga a subsidiariedade e complementariedade, visto que os avós só podem ser requeridos subsidiariamente em situações de comprovada impossibilidade financeira dos pais, e a auxiliarem de forma a complementar o valor devido pelos principais obrigados, ou seja, os genitores.
Assim, mesmo que os avós tenham melhores condições financeiras que os pais, não é razoável que paguem integralmente os alimentos aos seus netos, por ser esta obrigação primordialmente dos pais em relação a seus filhos.
2.4.2. Subsidiariedade
Atualmente, com o aumento do desemprego e consequentemente das dificuldades financeiras, vê-se mais acentuado o não cumprimento da obrigação alimentar por parte dos genitores, por outro lado, os menores não podem ficar desamparados assim, recorrendo cada vez mais aos parentes mais próximos, como preceitua o artigo 1.698 do CCB: se o parente, que deve alimentos em primeiro lugar, não estiver em condições de suportar totalmente o encargo, serão chamados a concorrer os de grau imediato; sendo várias as pessoas obrigadas a prestar alimentos, todas devem concorrer na proporção dos respectivos recursos, e, intentada ação contra uma delas, poderão as demais ser chamadas a integrar a lide.
Assim, demonstrado o caráter residual da obrigação alimentar dos parentes, vê-se que é complementar, como bem explica o Ilustre doutrinador Cahali (2005, p. 197) de outra parte, agora por texto expresso no artigo 1.698, acolheu-se orientação já consolidada na doutrina e na jurisprudência, pela qual se podem pleitear alimentos complementares ao parente de outra classe se o mais próximo não estiver em condições de suportar totalmente o encargo.
É bom lembrar que a obrigação é complementar nas exatas medidas das possibilidades dos alimentantes, em nenhuma hipótese equiparando-se a divisão matemática do montante.
2.4.3. A prevalência do grau mais próximo
O ordenamento jurídico brasileiro traz a obrigação relativa aos avós nos artigos 1.694, 1.696 e 1.698 do CCB.
De acordo com o artigo 1.698 do CCB, se o parente que deve alimentos em primeiro lugar não estiver em condições de suportar totalmente o encargo, serão chamados a concorrer os de grau imediato; sendo várias as pessoas obrigadas a prestar alimentos, todas devem concorrer na proporção dos respectivos recursos, e, intentada ação contra uma delas, poderão os demais ser chamados a integrar a lide.
Fica claro que a obrigação somente poderá recair aos avós em situações extremas, como por exemplo, a impossibilidade de localização do pai ou este encontrar-se incapacitado para o trabalho.
Assim, conforme Costa (2004, p. 230): “Participar da obrigação não implica divisão matemática da obrigação. Não há que confundir a solidariedade jurídica com a ‘solidariedade humana’. Juridicamente não existe solidariedade na obrigação alimentar”.
Portanto, acerca dessa divisibilidade, deve-se interpretar com cautela o artigo 1.698 do CCB eis que a obrigação dos avós maternos e paternos não é de metade para cada uma das linhas, o mesmo acontece com relação aos pais. O encargo alimentar não é matematicamente divisível, cada obrigado contribui na medida de suas possibilidades.
2.4.4. Questões polêmicas que resultam problemas na obrigação alimentar avoenga
É comum que os filhos peçam alimentos a seus pais, porém, aos avós, é excepcional. Assim, tratando-se de pedido complementar, a condenação dos avós a alimentos só é possível ante prova de que ambos os genitores não possam arcar com a mantença dos alimentantes. Questiona-se, pois se a obrigação dos avós compreende apenas os alimentos naturais ou também os civis.
Com a redação dada em 2002 aos dispositivos do Código Civil, inerentes à obrigação alimentar entre parentes, o legislador deixou grande margem a todo tipo de interpretação doutrinária, desde as mais conservadoras, que entendem ser esses alimentos só os naturais, indispensáveis à mantença da vida orgânica, como aquelas que pregam o direito do neto ser mais relevante ao do avô, devendo aquele sacrificar-se até o limite de suas possibilidades para alcançar alimentos aos seus netos.
A redação dos artigos 1.694 e 1.695 do CCB causa preocupação porque, quando o caput do artigo 1.695 determina que quem alcança alimentos deve fazê-lo “sem desfalque do necessário a seu sustento”, pode levar a uma interpretação equivocada de que o alimentante deve fazê-lo até o limite de extremo de suas posses, ficando para ele apenas o indispensável para sua sobrevivência, ao passo que, de conformidade com o art. 1.694, caput, quem os recebe, terá a garantia da mantença de sua condição social.
Deve-se interpretar o referido dispositivo legal com precaução, eis que o padrão de vida a ser garantido deve ser o dos pais para os filhos, e não o dos avós para os netos, uma vez que a obrigação dos avós decorre do seu parentesco.
Assim é o entendimento jurisprudencial:
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. ALIMENTOS. OBRIGAÇÃO AVOENGA. A obrigação alimentar avoenga possui caráter subsidiário e complementar, somente tendo cabimento quando efetivamente demonstrada a impossibilidade do genitor atender as necessidades do alimentando. Inteligência dos arts. 1.696 e 1.698 do Código Civil. Recurso improvido. (RIO GRANDE DO SUL, 2010).
Segundo o Relator, “os autores não demonstraram a total impossibilidade de o genitor atender suas necessidades, ônus que lhes incumbia, nos termos do artigo 333, inciso I, do Código de Processo Civil, a demanda, por ora, não pode ser dirigida contra o avô paterno”.
Dessa forma, faltou requisito fundamental para recair a obrigação aos avós, ou seja, a comprovação da incapacidade do pai em prestá-los.
Ademais, como se tem visto, a obrigação alimentar não é solidária, mas subsidiária, o que tem sido ratificado por nossos tribunais, veja-se:
EMENTA: AÇÃO DE ALIMENTOS. AVÓS PATERNOS. NÃO ESGOTADAS TODAS AS FORMAS DE SE COBRAR DOS OBRIGADOS PRINCIPAIS. FALTA DE COMPROVAÇÃO ACERCA DA IMPOSSIBILIDADE DO PAI. A obrigação avoenga tem caráter subsidiário e somente pode existir quando comprovada a impossibilidade de se cobrar alimentos dos obrigados principais. O pai das apelantes não está em lugar incerto ou não sabido. Alegam que ele se encontra em situação de desemprego. No entanto, o desemprego nunca serviu de desculpa para se eximir das obrigações. Nesse passo, deve se esgotar todas as maneiras para que o pai pague a pensão. Negaram provimento. (RIO GRANDE DO SUL, 2010).
O que não se mostra razoável é sacrificar os avós a complementar a pensão dos netos para lhes assegurar igual padrão de vida, padrão este construído pelos avós, portanto, somente a eles pertencente. Assim entende o Tribunal de Justiça do RS:
EMENTA: ALIMENTOS. AVÓS PATERNOS. A menina vive na Itália, com a mãe e o padrasto. Alega despender 1.100,00 EUROS mensais para sua manutenção, o que não é, com efeito, nada extraordinário, considerando o custo de vida naquele país. Entretanto, evidencia a possibilidade e o padrão de vida a que está habituada. Nesse contexto, condenar os avós a pagar-lhe UM salário mínimo, seria, para ela, absolutamente inútil e, de outro lado, viria a sacrificar indevidamente os avós paternos, acerca dos quais inexiste qualquer comprovação de ganhos. Negaram provimento, por maioria, vencido o relator. (RIO GRANDE DO SUL, 2010).
No caso em tela, não podem ser responsabilizados os avós pela omissão do pai, ainda mais em se tratando de valores que, mesmo sendo fixados em um salário mínimo, conforme voto do Relator, seria valor irrisório para a alimentante, eis que para manter o padrão de vida da neta na Itália, necessário seria valor maior, acima das possibilidades dos avós.
Dessa forma, ficou demonstrado, diante dessas decisões, que o padrão de vida a ser garantido é o dos pais para os filhos e não o dos avós para os netos, já que a obrigação primordial é do parente mais próximo, ou seja, dos pais. Sendo assim, tal obrigação não pode ser simplesmente repassada aos avós por adquirirem melhores condições financeiras que os pais.
Em fim, a razoabilidade, assim como outros requisitos, deve ser preenchida em cada caso concreto, levando-se em consideração a dignidade da pessoa humana como fundamento básico da pretensão alimentar ou da sua resistência, não podendo a renunciar e nem lhe ser retirada.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A necessidade de auxílio dos semelhantes é característica inata do ser humano, fundamental para a sobrevivência da espécie. Para a mantença da vida, a principal necessidade é a alimentar e está calcada no princípio da solidariedade familiar, recaindo a obrigação de prestar alimentos a seus parentes necessitados.
Nesse sentido, a obrigação alimentar dos avós para com seus netos deve ser interpretada com cautela, visto que possui características diferentes às da obrigação inerente ao poder familiar, por ser obrigação não solidária, mas subsidiária e complementar, aplicada somente mediante prova inequívoca da impossibilidade dos pais.
Assim, mesmo que os avós não sejam pobres, não é coerente que depois de uma vida inteira de trabalho e sacrifícios para criar seus próprios filhos sejam obrigados, na velhice, a dividir seu patrimônio com os netos para que estes tenham garantida a equiparação do seu padrão social.
Os netos, por serem jovens e de pouca idade, terão no futuro muito tempo para adquirirem patrimônio e gozarem de boas condições financeiras, por outro lado, os avós, por serem geralmente idosos, podem não ter muito tempo para viagens de lazer ou desfrutar da velhice de forma digna e merecedora.
Finalmente, as decisões judiciais acerca da obrigação alimentar dos avós devem estar pautadas no princípio da dignidade da pessoa humana, tratando com absoluta prioridade a criança e o adolescente mas sem despender do mesmo cuidado e atenção para com o idoso, já que ambos, criança/adolescente e idoso são protegidos especialmente por estatutos próprios.
REFERÊNCIAS
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