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DIFERENÇA ENTRE HERANÇA, LEGADO E TESTAMENTO

DIFERENÇA ENTRE HERANÇA, LEGADO E TESTAMENTO

Márcio Jardim Matos

 

Muito se confunde na prática do direito sucessório sobre a diferença entre herança e legado. A bem da verdade, não raras vezes, vemos o legado ser tratado indistintamente como herança. Para piorar essa confusão, por vezes também surge a figura do testamento junto com a herança e o legado. Diante disso, a proposta do nosso artigo hoje é esclarecer a figura desses institutos jurídicos e pontuar suas diferenças, algo crucial no direito sucessório.

 

Diferença entre sucessão legítima e testamentária

Primeiro, precisamos relembrar ao leitor que uma vez aberta a sucessão (ou seja, com o falecimento da pessoa) a transmissão dos bens do falecido para os herdeiros será perfectibilizada por meio da sucessão legítima ou testamentária. A sucessão legítima é imposta pela lei, a testamentária é por disposição de última vontade, ou seja, enquanto naquela a lei determina quem tem direito aos bens deixados, nesta, o próprio falecido escolhe em vida para quem deixá-los após a sua morte.

 

Herdeiro e legatário

Em nosso sistema jurídico, a sucessão testamentária poderá ser a título de legado ou de herança. Explico. Quando o autor do testamento deixar bens individualmente considerados (uma casa localizada em determinada rua e número de uma cidade específica, por exemplo) se estará diante de legado. Já quando não houver testamento, ou havendo não for destinado ao herdeiro bem determinado, se estará diante de herança. Assim, nas palavras de Orlando Gomes, “quem sucede a título universal é herdeiro. Quem sucede a título singular, legatário[1]. Desta forma, somente haverá legatário por força de testamento e o herdeiro poderá tanto ser instituído por força de lei (ordem de sucessão hereditária instituída pelo Código Civil) ou testamento que destine bens a título universal, ou seja, uma porcentagem sobre a totalidade dos bens. A doutrina atenta ainda ao fato de que o usufruto total do patrimônio do testador constitui também legado.

Como a herança é considerada como a universalidade do patrimônio deixado pelo falecido, nela se inclui tanto os bens que pertenciam ao de cujus, quanto as dívidas por ele deixadas. Desta forma, a herança responde também pelas dívidas deixadas, enquanto que o legado não, eis que trata-se de bem determinado. Situação que pode ser alterada em razão de uma grande quantidade de dívidas tornar a herança “insolvente ou toda distribuída em legados válidos, ou quando a obrigação de atender ao passivo lhe é imposta pelo testador, expressamente[2]. A renomada jurista Maria Helena Diniz pondera que “o herdeiro representa o defunto, para efeitos patrimoniais; o legatário não, tanto que só responde pelas dívidas quando a herança for insolvável ou distribuída, por inteiro, em legados válidos, ou quando a obrigação de atender ao passivo lhe é imposta pelo testador, explicitamente[3].

 

Testamento ou legado?

Diferença entre herança, legado e testamento.

Não há também que se confundir legado com testamento, pois, nos dizeres de Flávio Tartuce, o legado “contrapõe-se ao testamento pelo fato de ser este uma disposição da herança a título universal[4], enquanto que aquele é uma disposição sucessória específica, a título singular, conforme já abordado acima. Todavia, necessário destacar que, embora diferentes, o legado pode ser instituído por testamento como chama atenção Conrado Paulino da Rosa ao lecionar que o legado trata-se de “uma liberalidade, a título singular, realizada mediante testamento ou codicilo, a favor de um contemplado[5], ou seja, ele não será instituído só por meio de testamento, mas também por codicilo, já que bens de pouca monta podem ser dispostos por esse instituto jurídico.

 

Afinal, o que é testamento?

Já que no início desse artigo trouxemos também a confusão que muitas vezes se faz com o conceito de testamento, aproveitamos para tecer algumas linhas sobre essa forma de suceder. Como já tratamos acima, com o falecimento da pessoa ocorre a abertura da sucessão. Uma vez aberta a sucessão será necessário averiguar quais pessoas irão suceder ao falecido e a que título, ou seja, se a pessoa irá ter direito aos bens que antes pertenciam a pessoa morta por força de lei ou disposição de última vontade. Na primeira opção temos a sucessão hereditária, na segunda a sucessão testamentária.

Diante disso, para que se tenha a sucessão testamentária é imprescindível que se tenha um documento que corresponda a autonomia privada de quem deixa os bens, o testamento. A doutrina jurídica vem, ao longo dos anos, conceituando o testamento, chegando até mesmo a ter um conceito legal no art. 1.626 do Código Civil de 1916 que não se repetiu no Código Civil vigente. Dentre os conceitos doutrinários destacamos o do paraense Zeno Veloso de que “o testamento é um negócio jurídico pelo qual uma pessoa dispõe de seus bens, no todo ou em parte, ou faz determinações não patrimoniais, para depois de sua morte[6]. Em interessante abordagem, o professor Daniel Alt da Silva esclarece que em nosso sistema jurídico o testamento trata-se da regra sucessória, já que, logo após a abertura da sucessão, primeiramente se faz necessário averiguar a existência ou não de testamento e, uma vez existindo, as disposições testamentárias em regra se sobrepõem às disposições estabelecidas em lei[7].

Assim sendo, na prática forense verifica-se que a disposição testamentária trata-se de importante forma de planejamento sucessório e a instituição de legado ou herança irá depender da finalidade específica na qual o testador deseja alcançar, razão pela qual é imprescindível que busque um acompanhamento profissional qualificado na técnica jurídica e, sobretudo, que tenha a confiança daquele que necessita da consultoria testamentária.

 

Herança, Legado e Testamento – Conclusão

Diante de todas as explicações, concluímos que, embora possa haver uma confusão por parte do público geral sobre o que é e para que serve cada um dos institutos jurídicos aqui tratados, a herança, o legado e o testamento são distintos entre si. A herança é universalidade dos bens deixados pelo falecido, o legado é considerado a título singular (ou seja, uma liberalidade testamentária sobre determinado bem), enquanto que o testamento é a disposição de última vontade pela qual pode ser determinado quem irá suceder sobre determinado bem (legado) ou sobre determinada universalidade dos bens (herança).

 

[1] GOMES, Orlando. Sucessões. 17. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019. p. 06.

[2] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume 7: direito das sucessões. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 415.

[3] DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, volume 6: Direito das Sucessões. 25. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 342.

[4] TARTUCE, Flávio. Direito das Sucessões. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019. p. 495.

[5] ROSA, Conrado Paulino da; RODRIGUES, Marco Antonio. Inventário e Partilha. Salvador: Editora JusPodivm, 2019. p. 262.

[6] VELOSO, Zeno, apud, TARTUCE, Flávio. Direito das Sucessões. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019. p. 383.

[7] SILVA, Daniel Alt da. Teoria e prática de testamentos. Palestra ministrada no dia 08 jun 19 no XI Congresso do Mercosul de Direito de Família e Sucessões. Gramado, RS.