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A DICOTOMIA ENTRE A CONCESSÃO LIMINAR DA TUTELA PROVISÓRIA DE EVIDÊNCIA E A CONCRETIZAÇÃO DO PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO

A DICOTOMIA ENTRE A CONCESSÃO LIMINAR DA TUTELA PROVISÓRIA DE EVIDÊNCIA E A CONCRETIZAÇÃO DO PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO

Fernando Rubin

Vinicius Silva Nunes

SUMÁRIO: Introdução; I – O Processo civil e Constituição; II – Os princípios a sua função no ordenamento jurídico; III – Princípio do contraditório; IV – A tutela provisória de evidência; V – A dicotomia entre o princípio do contraditório e a concessão liminar da tutela de evidência; VI – Análise acerca do posicionamento adotado pelos tribunais diante da polêmica envolvendo a concessão liminar da tutela de evidência; Conclusão; Referências.

 

INTRODUÇÃO

Em 18 de março de 2016, entrou em vigor o novo Código de Processo Civil, promulgado pela Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. O novo Código trouxe consigo uma nova roupagem a antigos dispositivos, suprimiu alguns regramentos e incluiu institutos totalmente novos no seu texto.

A nova lei adjetiva civil veio travestida de inspirações que conduzem os operadores do Direito ao espírito da busca pela efetividade processual, propondo mecanismos que alcançam ao procedimento um dinamismo capaz de acelerar a resolução dos conflitos confiados à tutela jurisdicional do Estado.

Dentre as novidades do Codex, destacam-se a contagem de prazos processuais em dias úteis, a obrigatoriedade de designação de audiência de conciliação ou mediação antes da instauração da lide, a supressão no sistema recursal dos embargos infringentes e do agravo retido, entre outras. De todas as novidades propostas pelo novo Código, a que interessa a este estudo é aquela regrada no art. 311 do diploma: a tutela provisória de evidência.

A inovação, nesse caso, refere-se ao próprio instituto da tutela de evidência, que não existia expressamente no Código Buzaid.

Na sua essência, a tutela de evidência diferencia-se da tutela de urgência – outra modalidade de tutela provisória constante no novo código – pelo fato de abdicar do elemento urgência como requisito para sua concessão. Para tanto, basta que a parte leve ao Magistrado a evidência de seu direito para que este lhe seja entregue antecipadamente, mesmo antes da ouvida da parte adversa. Ou seja, a presença dos requisitos do perigo de dano ou de risco ao resultado útil do processo, cuja presença é atribuída de forma condicional à concessão da tutela provisória de urgência, não terá relevância quando o assunto for o novíssimo instituto da tutela provisória de evidência.

Da análise dos requisitos enumerados no art. 311 do diploma processual em voga, verifica-se que a concessão, ou não, da tutela de evidência em liminar passará pela análise do conjunto probatório documental que a parte encartar no processo, já que a prova documental é requisito fundamental exigido tanto na hipótese de concessão prevista no inciso II como na hipótese de concessão prevista no inciso III do art. 311. O ponto chave do presente estudo, deste modo, situa-se na hipótese de concessão provisória do direito à parte que o requer, em tutela de evidência, antes da citação do réu, ou seja, quando o direito é entregue antecipadamente a uma parte sem que a outra participe da construção da decisão ou sequer tome conhecimento da existência do processo.

O motivo que nos leva a propor este estudo é a crença na fragilidade da prova documental quando não oportunizada ao adverso a impugnação destes documentos, haja vista, por exemplo e inclusive, a possibilidade de falsificação ou adulteração dos documentos que instruirão o pedido como esteio probatório à busca da tutela pretendida[1].

Mais do que estudar a tutela de evidência como um todo, o presente artigo tem a pretensão de debruçar-se especificamente sob o regramento trazido no parágrafo único do art. 311 do Código, dispositivo que irá permitir a concessão da tutela de evidência de forma liminar (permitindo inclusive a concessão da referida tutela antes mesmo da citação), o que ocorrerá quando a parte requerente do direito lograr êxito em demonstrar que seu pedido enquadra-se nas hipóteses dos incisos II ou III do art. 311.

O fato de o Código permitir ao Magistrado, em cognição sumária, entregar à parte um direito, de forma antecipada, baseando-se em provas documentais, antes de oportunizar ao réu a apresentação de sua defesa ou impugnação dos documentos encartados nos autos, fez acender uma luz de alerta no radar dos defensores dos direitos e garantias constitucionais do requerido no processo civil. O alerta diz respeito à existência de eventual violação a esses direitos, especialmente no que se refere ao princípio constitucional do contraditório.

Eis o objeto de estudo deste artigo: a análise da tutela provisória de evidência quando concedida liminarmente inaudita altera pars à luz do princípio do contraditório com o objetivo de apurar eventual violação às garantias constitucionais do réu fundadas no citado princípio, que, consigna-se, é integrante nuclear do due process of law.

I – O PROCESSO CIVIL E A CONSTITUIÇÃO

A tutela jurisdicional do Estado, no modelo contemporâneo de processo constitucionalizado, deixou de ser concebida como um simples instrumento estatal de solução de conflitos para se transformar em um sistema que busca a entrega da efetiva proteção e satisfação do direito material ao jurisdicionado[2].

Essa metamorfose na concepção ideológica da tutela jurisdicional, segundo Leonardo Ferres da Silva Ribeiro, somente foi possível devido a um movimento doutrinário, deflagrado em tempos atuais, pela “conformação da lei à Constituição, ou, noutras palavras, por uma interpretação da lei conforme os mandamentos constitucionais”. Isto é, não traduz elemento novo a informação de que as leis devem se subordinar à ordem constitucional instaurada, mas concebendo-se por pressuposto que cada nação possui o seu próprio modelo processual-constitucional desenvolvido em consonância com as suas opções ideológicas, que invariavelmente se materializam em princípios próprios e fundamentais do seu ordenamento jurídico, conclui-se que a novidade, em verdade, é a busca constante e cada vez maior pela aproximação das leis processuais aos preceitos constitucionais. Para Ribeiro, a lei, hoje, “perdeu seu posto de supremacia e está subordinada à Constituição de uma forma mais nítida que em outrora[3].

Ao se falar de constitucionalização do processo[4], portanto, está se falando em uma metodologia de estudo em que as leis processuais devem ser lidas sob a perspectiva constitucional, ou seja, preservando primordialmente os direitos fundamentais garantidos pela Constituição Federal.

Neste aspecto, tem-se, antes de tudo, o dever do Estado em proteger os direitos fundamentais através de normas de direito[5], e, em outro plano de significativa importância, o dever do Estado de prestar a efetiva jurisdição, o que deve ser feito mediante suas opções ideológicas retratadas em princípios estruturantes inseridos e insculpidos sob a égide constitucional.

É neste escopo que surge a importância de um estudo preliminar acerca da matéria principiológica para que possamos, em um segundo momento, dialogar sobre a pertinência das novas regras processuais tocantes às tutelas provisórias e sua validade na nova lei adjetiva civil como forma de a ordem constitucional proteger os direitos fundamentais e satisfazer o direito material através da entrega da efetiva jurisdição.

II – OS PRINCÍPIOS E SUA FUNÇÃO NO ORDENAMENTO JURÍDICO

O estudo acerca dos princípios jurídicos requer reflexões que adentram na seara sociológica e na necessidade de instauração de uma ordem como forma antagônica de combater-se o caos. Não iremos nos aprofundar no campo da sociologia, mas tão somente apontar um ensinamento pertinente proferido por Ronald Dworkin ao escrever, em outras palavras, que a harmonia que se espera na convivência social é diretamente dependente da pré-existência de comandos, preceitos que irão delimitar as ações dos indivíduos com o propósito de evitar conflitos, e, quando estes forem inevitáveis, os comandos servirão, então, para criar mecanismos que propiciem a solução desses conflitos[6]. As normas citadas por Dworkin estão inseridas dentro de um ambiente maior: o sistema jurídico. Pontes de Miranda, com a costumeira profundidade filosófica que lhe é peculiar, na mesma linha de raciocínio, acrescenta que:

[…] Os sistemas jurídicos são sistemas lógicos compostos de proposições que se referem a situações da vida, criadas pelos interesses mais diversos. Essas proposições, regras jurídicas, preveem [sic] (ou veem [sic]) que tais situações ocorrem, e incidem sobre elas, como se as marcassem. […] as proposições jurídicas não são diferentes de outras proposições: empregam-se conceitos, para que se possa assegurar que, ocorrendo a, se terá a.[7]

Nos é lícito concluir, deste modo, que os mandamentos que irão nortear as ações humanas dentro de uma ordem social expressam-se dentro de um sistema jurídico, composto de regras e princípios, sendo que, para Robert Alexy, princípio e regra são figuras que compõem a concepção de norma, em que a norma não se trata somente de atos legislativos expressos (regras), mas também de mecanismos existentes no ordenamento jurídico que servem para preencher eventuais lacunas que habitam o ambiente textual das leis: os princípios[8].

Quando Pontes de Miranda fala em “proposições ou regra jurídica“, ele está, em verdade, referindo-se ao conceito de norma, do qual decorrem os princípios e as regras expressas. Tanto é assim que, em certa passagem da sua obra Tratado de direito privado, o autor refere que a regra jurídica pode admitir lacunas, nas quais deve incidir um mandamento genérico que traduzisse valores correspondentes aos fatos da vida. Pontes estava referindo-se aos princípios, de modo que não é equivocado interpretar que, para este autor, o conceito de regra jurídica abarcava no seu ventre aquilo que ele chama de regras acertadas e regras não acertadas[9]. Não obstante tenha utilizado expressões linguísticas distintas, percebe-se nitidamente que a essência do pensamento de Pontes é a mesma de Alexy.

Recuperando o que dissemos no primeiro tópico deste artigo, o modelo constitucional de cada país é construído em conformidade com as suas opções ideológicas, consubstanciando essas opções ideológicas em princípios que irão compor o seu núcleo imutável de lei e de ordem[10].

Se os princípios refletem as opções ideológicas nucleares e imutáveis de uma nação e são considerados, ao lado das regras escritas, como um elemento que compõe a conceituação de norma jurídica, devemos conceber, de forma inafastável, que se tratam esses princípios de fontes normativas[11].

Dentro dessa concepção de princípio jurídico como fonte normativa, faz-se necessário pontuar que importantes e significativas funções são exercidas por esses princípios dentro da ordem constitucional e processual brasileira, e, de acordo com Patrícia Elias Cozzolino de Oliveira[12], as principais funções podem ser assim classificadas:

  1. Função regulativa: como todas as normas jurídicas, os princípios servem para regular o caso in concreto;
  1. Função hermenêutica: os princípios servem para informar a hermenêutica constitucional, tendo um limite protetivo contra a arbitrariedade do intérprete no momento da concretização do Direito;
  1. Função integradora: os princípios são instrumentos técnicos para preencher as lacunas do ordenamento jurídico;
  1. Função interpretativa: os princípios auxiliam o intérprete no momento da concretização do Direito;
  1. Função delimitadora: os princípios caracterizam limites mínimos às bruscas oscilações das regras, ou seja, não é possível permanecerem dentro do ordenamento jurídico regras que os contrariem;
  1. Função fundante: os princípios constituem um valor que fundamenta todo o ordenamento jurídico;
  1. Função simplificadora: os princípios condensam valores básicos que inspiram o Direito, prestando-se à construção e à compreensão de um determinado sistema jurídico.

É neste viés, reconhecendo a principiologia jurídica como fonte de direito e fonte normativa, e concebendo que as funções dos princípios são aquelas ensinadas por Patricia Elias Cozzolino de Oliveira e transcritas acima, que avançamos no estudo para tecer agora importantes considerações a respeito do princípio do contraditório e seus desdobramentos dentro do processo civil, em especial no que diz respeito às diretrizes trazidas pela Lei nº 13.105/2015.

III – PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO

O princípio constitucional do contraditório está positivado no inciso LV do art. 5º da Constituição Federal. O texto dispõe que “aos litigantes em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes[13].

Neste viés, Edoardo Ricci assegura que o contraditório é a “fonte dos poderes das partes no âmbito do processo, tendo por meio dele a possibilidade de participar do desenvolvimento do procedimento e da construção da decisão, bem como a faculdade de oferecer a sua defesa, propor provas e assumir posição sobre teses e provas da outra parte ou determinadas de oficio pelo Juiz”[14].

Nelson Nery Junior pontua que o contraditório consubstancia-se, a priori, na materialização do direito de defesa propriamente dito, tendo íntima ligação com o princípio da igualdade das partes e do direito de ação, na medida em que a Constituição, ao garantir aos litigantes o direito ao contraditório, “quer significar que tanto o direito de ação quanto o direito de defesa são manifestações do próprio princípio do contraditório[15].

Analisando sob uma perspectiva sociológica, o Professor Felipe Camilo Dall’Alba associa o princípio do contraditório com o conceito puro de defesa, em sentido latu, aduzindo que

[…] a defesa é um instinto vital dos seres vivos, pois, para conservação da sobrevivência, opõe resistência a qualquer ameaça contra sua integridade. A sua origem vem bem antes de sua delimitação jurídica, sendo a ideia de defesa uma exigência insuperável e conatural de reação do homem frente a atos de ofensa; sem esta inexiste defesa.[16]

Transplantando a concepção sociológica de Dall’Alba para o campo processual, afigura-se o contraditório, portanto, como o direito de reação ante uma demanda[17], sendo que, nesse mesmo sentido, já ponderamos, em artigo publicado recentemente, que o princípio do contraditório

[…] tradicionalmente é apresentado como a necessidade de ser ouvido o cidadão perante o qual será proferida a decisão. Garantindo-lhe o exercício de defesa e de pronunciamento durante todo o curso do processo, decorrendo dele, dentre outras, três básicas consequências: (i) só há relação processual completa após regular citação do demandado, (ii) toda decisão só é proferida depois de ouvida ambas as partes, e (iii) a sentença só afeta os indivíduos que foram partes no processo.[18]

Essas considerações demonstram com apreciável nitidez o caráter dialético concebido ao processo atual, de forma a empregar ao princípio do contraditório a adequada responsabilização por essa condição, fato que deve ser celebrado pelo Direito.

Com efeito e sem embargo, propõe-se, neste estudo, uma reflexão acerca da aplicação do supramencionado preceito constitucional nomeadamente no âmbito do processo civil. A rigor, para que possamos utilizar as lições doutrinárias colhidas na pesquisa para traçar os necessários paralelos ao pleno deslinde da problemática que dá causa à existência deste artigo, é imperioso que estreitemos, neste tópico, ainda mais o objeto de estudo: conhecer as possibilidades de aplicação do princípio constitucional do contraditório especialmente no bojo da Lei nº 13.105/2015 (novo Código de Processo Civil).

Nesse aspecto, parece-nos conveniente referir que o novo Código de Processo Civil preocupou-se em fazer constar dispositivos em seu texto que proporcionassem uma aproximação ainda maior com a Constituição Federal, quando em comparação com o Código de 1973. A onipresença da Constituição Federal em todos os ramos do Direito é elemento natural dentro do ordenamento jurídico, mas, especialmente no novo Código de Processo Civil, tem-se que é visível a sintonia existente entre os mandamentos constitucionais e as regras vigentes do rito processual civil[19].

O Professor José Rogério Cruz e Tucci, neste sentido, leciona que

[…] o novo Código de Processo Civil, finalmente sancionado em 16 de março de 2015 – Lei nº 13.105 -, não descurou a moderna linha principiológica que advém do texto constitucional. Pelo contrário, destacam-se em sua redação inúmeras regras que, a todo o momento, procuram assegurar o devido processo legal aos litigantes. Até porque os fundamentos de um diploma processual devem se nortear, em primeiro lugar, nas diretrizes traçadas pela Constituição Federal.[20]

Da citação de autoria de Cruz e Tucci, mencionada acima, colhe-se a ideia de que “os fundamentos de um diploma processual devem se nortear, em primeiro lugar, nas diretrizes traçadas pela Constituição Federal[21], e, neste prisma principiológico, damos destaque àquele preceito que nos interessa: o contraditório. Ocorre que, nessa busca por aproximação com a Constituição Federal, o novo Código de Processo Civil fez constar nos seus regramentos diversos dispositivos que dizem respeito ao princípio do contraditório[22]

Essa aproximação das regras do processo civil com as disposições constitucionais faz por conferir uma importância ainda maior ao princípio do contraditório.

Nesta esteira de raciocínio, observamos que, no art. 7º do novo Diploma Processual Civil, o princípio do contraditório é mencionado expressamente: “É assegurada às partes paridade de tratamento em relação ao exercício de direitos e faculdades processuais, aos meios de defesa, aos ônus, aos deveres e à aplicação de sanções processuais, competindo ao juiz zelar pelo efetivo contraditório“.

Destacamos que a importância conferida ao princípio do contraditório no ordenamento jurídico deve-se ao fato de esse princípio não ter um fim em si mesmo; é, em verdade, um princípio que irradia e confere ao processo garantias imprescindíveis ao espírito democrático da lide e seu propósito de proteção de garantias e direitos fundamentais, bem como de resolução de conflitos. É o caso, por exemplo, do princípio da segurança jurídica. Diversos são os mecanismos procedimentais que ao fim e ao cabo trabalham em prol da busca pelo processo justo e, por vias de consequência, pela segurança jurídica, e o princípio do contraditório encaixa-se nesse contexto. O processo é uma ferramenta que busca proporcionar segurança jurídica aos jurisdicionados, e, para que haja um processo minimamente democrático e justo, faz-se mister a presença do direito de instauração do contraditório pela parte processada. É o desdobramento do macroprincípio do devido processo legal por meio do corolário específico do “subprincípio” do contraditório em prol da busca pela segurança jurídica[23].

Concluímos este tópico procedendo o necessário realce ao fato de que, por tudo que foi colhido na doutrina, o princípio do contraditório consubstancia-se em direito fundamental da parte de exercer a sua defesa, instaurar a oposição processual, impugnar atos, provas e documentos, visando, sempre, a proporcionar a democratização do processo e a busca pela justiça no caso concreto, de modo a assegurar a segurança jurídica.

IV – A TUTELA PROVISÓRIA DE EVIDÊNCIA

Convém destacar que a Lei nº 13.105/2015 promoveu importantes alterações nas regras procedimentais cíveis no tocante às tutelas provisórias. O novo Código, em vigor desde 18 de março de 2016, traz entre as suas disposições duas hipóteses de tutela provisória, que são aquelas disciplinadas no Livro V do diploma em voga, tutela de urgência (art. 300), que pode ser concedida de forma antecipada (art. 300, § 3º) ou cautelar (art. 301) e a tutela de evidência (art. 311). Neste estudo, todavia, centralizaremos nossas atenções na análise exclusiva da tutela de evidência.

A esse respeito, convém referir que o instituto da tutela de evidência é aquele que representa a grande novidade no que se refere às tutelas provisórias no novo CPC. No Código de 1973, esse instituto não existia de forma expressa, ainda que sua aplicação prática já viesse ocorrendo na égide daquele diploma em decorrência de construção jurisprudencial e doutrinária fundada sob as bases do § 6º do art. 273 da Lei nº 5.869/1973. O que já vinha sendo aplicado por interpretação da doutrina e da jurisprudência tornou-se expresso no novo Código por ocasião da publicação da Lei nº 13.105/2015.

A positivação da tutela provisória de evidência no ordenamento jurídico brasileiro deu-se, portanto, com a inclusão do dispositivo regrado no art. 311 do novo Código, que dispõe, in verbis:

Art. 311. A tutela da evidência será concedida, independentemente da demonstração de perigo de dano ou de risco ao resultado útil do processo, quando:

I – ficar caracterizado o abuso do direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório da parte;

II – as alegações de fato puderem ser comprovadas apenas documentalmente e houver tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante;

III – se tratar de pedido reipersecutório fundado em prova documental adequada do contrato de depósito, caso em que será decretada a ordem de entrega do objeto custodiado, sob cominação de multa;

IV – a petição inicial for instruída com prova documental suficiente dos fatos constitutivos do direito do autor, a que o réu não oponha prova capaz de gerar dúvida razoável.

Parágrafo único. Nas hipóteses dos incisos II e III, o juiz poderá decidir liminarmente.

A Lei nº 13.105/2015 buscou reunir em um só dispositivo (art. 311) os esparsos dispositivos que existiam no Código de Processo Civil de 1973 e que, de algum modo, permitiam ao Magistrado a antecipação dos efeitos da tutela baseando-se na quase certa existência do direito, fenômeno que o CPC de 2015 chama de tutela de evidência[24]. Observamos, por exemplo, que o texto do inciso I do art. 311, citado acima, é muito semelhante ao texto do inciso II do art. 273 do Código revogado:

Art. 273. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e:

[…]

II – fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu.[25]

O mesmo ocorre quando comparamos o sentido da norma prescrita no inciso III do art. 311, colacionado acima, com a regra contida no art. 902 do CPC de 1973:

Art. 902. Na petição inicial instruída com a prova literal do depósito e a estimativa do valor da coisa, se não constar do contrato, o autor pedirá a citação do réu para no prazo de cinco (5) dias, contestar a ação ou entregar a coisa, depositá-la, ou seu equivalente em dinheiro, em juízo.[26]

Por outro lado, os incisos II e IV do CPC de 2015 não encontram correspondência com nenhuma regra contida no antigo Código. A inclusão desses dispositivos e a repaginação daqueles que já existiam no Código de 1973 revelam o objetivo do legislador em buscar na tutela provisória de evidência um mecanismo capaz de dar efetividade e celeridade ao processo civil, de forma a permitir ao Magistrado antecipar os efeitos da tutela jurisdicional contemplando aqueles casos em que o elemento urgência não se faz presente[27].

Ao incluir a tutela de evidência no novo diploma processual civil, o legislador considerou que o direito postulado pelo autor era tão evidente, que não fazia qualquer sentido privá-lo da tutela imediata, nem condicionar a entrega deste direito à existência do elemento urgência[28].

A ideia do legislador caminha de encontro ao desígnio de dar efetividade à entrega do direito para aquele que evidentemente o possui. Se o autor detém provas documentais passíveis de convencer o juiz da verossimilhança do seu direito, em níveis de elevada probabilidade, então não há razões para fazê-lo perecer com o ônus do tempo[29].

Levando-se em conta o que foi observado, pode-se dizer que a tutela provisória de evidência se trata, pura e simplesmente, da busca pelo emprego do princípio da efetividade jurisdicional no processo civil.

Nesse contexto, acenamos para o fato de que “houve um movimento legislativo tendente a incentivar o âmbito de incidência do princípio da efetividade ao longo das décadas de reforma do Código Buzaid“, mas que o aprovado projeto do novo CPC tratou de pôr um freio na onda reformista direcionado ao princípio da efetividade em nome da manutenção das garantias constitucionais amoldadoras da segurança jurídica[30].

A tutela de evidência expressa textualmente no art. 311 do novo CPC prevê quatro hipóteses de concessão, retratadas nos incisos do referido dispositivo. Entre os pressupostos para a concessão da tutela provisória in comento, a prova documental emerge com certo protagonismo[31], já que presente como condição de concessão em três (II, III e IV) dos quatro incisos que compõem o art. 311.

Consigna-se, entretanto, que, além do pressuposto comum da prova documental, a exigência de cumprimento de outros pressupostos também se faz presente nos incisos II, III e IV do art. 311. O inciso II, por exemplo, exige que haja tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante; já o inciso III exige que o direito postulado se trate de pedido reipersecutório; e o inciso IV, por sua vez, exige que o réu não logre êxito em apresentar contraprova capaz de gerar dúvida razoável acerca da verossimilhança do direito postulado pelo autor.

Até esse ponto, a tutela provisória de evidência trazida na nova lei adjetiva civil foi bem recebida pela comunidade jurídica, o que já era esperado, uma vez que se trata de um mecanismo criado pela própria jurisprudência, com respaldo da doutrina, como um instrumento processual apto a entregar uma solução a um antigo problema procedimental: a distribuição justa do ônus do tempo no processo civil[32].

O ponto de divergência doutrinária, entretanto, reside especificamente no parágrafo único do art. 311, que prevê e possibilita a concessão da tutela de evidência em liminar nas hipóteses retratadas nos incisos II e III do referido dispositivo. Tudo porque o referido dispositivo permite a concessão da tutela de evidência antes mesmo da citação do réu, o que, segundo Luiz Guilherme Marinoni, “se mostra uma absoluta falta de racionalidade do legislador“, já que não se pode auferir evidência do direito antes do réu ter apresentado sua defesa[33]. Para o autor,

[…] a cognição sumária diz respeito em regra à defesa indireta; os fatos constitutivos devem ser incontroversos ou estar provados mediante documento, o que significa que em relação aos fatos constitutivos deve haver cognição exauriente. Sucede que a cognição exauriente, ou melhor, a aferição de incontrovérsia – não contestação e incompatibilidade entre a negação do fato constitutivo e a defesa indireta – e da qualidade do documento – não alegação de falsidade – dependem da devida oportunidade à manifestação do demandado, especialmente da análise da defesa. Isso demonstra que liminar antes da ouvida do réu jamais pode ser tutela de evidência, embora possa ser concedida quando o tempo para a ouvida do demandado puder causar dano.[34]

Nesse aspecto, ao se falar de garantias processuais emanadas por princípios jurídicos, como é o caso do contraditório, que é o protagonista do tema polêmico retratado neste artigo, devemos, para solver o conflito teórico posto em debate, analisar os argumentos das duas correntes doutrinárias que, em certo ponto, colocam-se em colidência no tocante à possível inconstitucionalidade do parágrafo único do art. 311 do novo CPC.

V – A DICOTOMIA ENTRE O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E A CONCESSÃO LIMINAR DA TUTELA DE EVIDÊNCIA

O legislador, como vimos, buscou entregar efetividade ao processo civil ao incluir no novo diploma a tutela provisória de evidência. Os juristas que avalizam a validade deste dispositivo e, consequentemente, sua plena compatibilidade com os preceitos constitucionais e com os objetivos da nova lei adjetiva civil, o fazem com fundamento basilar no princípio da efetividade. A outra corrente da doutrina, que defende a inconstitucionalidade do parágrafo único do art. 311, por violar o princípio do contraditório, o faz pautado principalmente no princípio da segurança jurídica. Para essa corrente, por mais provável e evidente que seja o direito do requerente, não é crível a relativização do princípio do contraditório, sob pena de fragilizar a segurança jurídica que o processo visa assegurar.

Os argumentos invocados pelos defensores da validade jurídica e constitucionalidade do dispositivo in comento estão previstos no texto do anteprojeto do novo diploma processual civil. São três: (i) o processo não pode prejudicar o autor que tem razão, (ii) a necessidade de serem combatidas as práticas do réu que importassem em abuso do direito de defesa e em manifestos atos protelatórios e (iii) o caráter revogável da decisão[35].

O primeiro argumento dispõe sobre a questão da distribuição do ônus do tempo no processo. Se a tutela provisória positivada no art. 311 do NCPC é baseada na evidência do direito, deve, portanto, premiar aquele que demonstrar a probabilidade do direito[36]. A tutela de evidência neste sentido seria algo como um fumus boni iuris qualificado, ou seja, seria um juízo de quase certeza da existência do direito postulado[37]. O segundo argumento flutua sobre o tema da repressão às práticas do réu que, sem razão, busca protelar o processo mediante atos de abuso do direito de defesa. Esse argumento complementa o primeiro, abordado no parágrafo anterior, já que enquanto o primeiro busca premiar o detentor provável do direito, o segundo busca o punir a parte que não o detém com a aceleração da entrega da tutela satisfativa ao requerente[38]. O terceiro argumento baseia-se na revogabilidade da decisão. Ou seja, caso concedida equivocadamente a tutela de evidência em liminar, basta revogá-la quando identificado o equivoco, restabelecendo o status quo ante que o deferimento da tutela fez alterar.

Do outro lado desse embate, parte da doutrina defende com entusiasmo a inconstitucionalidade do parágrafo único do art. 311. Entre os juristas que compõem essa corrente, destacamos nomes como Luiz Guilherme

Marinoni e Lênio Streck. Para esses autores, a prova documental por si só, sem que haja a oportunização à parte adversa do contraditório, é frágil, já que, por exemplo, pode se fundar essa prova em documento falso, ou, ainda, em documento de dúbia interpretação. Como os incisos II e III do art. 311 exigem como requisito à concessão liminar da tutela de evidência que a parte apresente prova documental dos fatos constitutivos, esses autores e essa parte da doutrina entende que há grave violação do contraditório. Registramos também que o outro pressuposto exigido nos referidos dispositivos, qual seja, a existência de tese firmada em julgamento de casos repetitivos, para esses autores, não importa automaticamente em admissão de pré-existência de direito. Ou seja, não é porque existe uma tese firmada por tribunal superior que o direito deve ser entendido prontamente como existente. Para que haja a verificação do direito, mesmo em casos de teses repetitivas, é necessária a instauração do procedimento judicial e, em especial, do contraditório, permitindo ao réu que exercite amplamente a sua defesa[39].

Nesse aspecto, tanto os argumentos que defendem a inconstitucionalidade do parágrafo único do art. 311 quanto os argumentos daqueles que entendem que não há violação são eivados de lógica e validade jurídica. Parece-nos, entretanto, que os argumentos em prol da inconstitucionalidade do dispositivo em estudo apresentam maior grau de consistência, motivo pelo qual nos filiamos à corrente doutrinária que defende a prevalência do princípio da segurança jurídica em detrimento do princípio da efetividade jurisdicional, reconhecendo a existência de uma dicotomia entre o princípio do contraditório e a concessão liminar da tutela provisória de evidência.

A prática forense da análise do caso concreto, da repercussão geral e do enfrentamento das questões processuais que fizeram com que o legislador instituísse a tutela de evidência liminar no Código de 2015 é quem, certamente, solverá o conflito principiológico posto em estudo neste artigo, e, sobretudo, fará o controle difuso da constitucionalidade do dispositivo em questão. Após alguns meses de vigência do novo Código de Processo Civil, já é possível, contudo, encontrar decisões na jurisprudência que em maior ou menor profundidade enfrentam o tema envolvendo o conflito entre a concessão liminar da tutela de evidência e o princípio do contraditório. No próximo tópico, faremos a análise comedida de alguns decisuns proferidos pelos Tribunais de Justiça dos Estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná.

VI – ANÁLISE ACERCA DO POSICIONAMENTO ADOTADO PELOS TRIBUNAIS DIANTE DA POLÊMICA ENVOLVENDO A CONCESSÃO LIMINAR DA TUTELA DE EVIDÊNCIA 

Meses após o início da vigência do novo Código e da aplicação prática e cotidiana da tutela de evidência no âmbito dos tribunais, já é possível identificar decisões que deflagram o comportamento dos tribunais quando instados a julgar pedidos judiciais pautados no parágrafo único do art. 311 do NCPC.

As decisões proferidas pelos Tribunais de Justiça dos Estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, cujas ementas faremos constar neste artigo, revelam que ainda não há consenso entre os tribunais acerca do tema posto em estudo.

No Agravo Regimental nº 70070276365, de relatoria do Excelentíssimo Desembargador Eugêncio Facchini Neto, componente da 9ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, em ação judicial com eficácia declaratória em que o autor postulou a concessão liminar de tutela de evidência previamente a citação do réu, o iminente julgador entendeu pela manutenção da decisão de primeiro grau que indeferiu a tutela pretendida justificando o seu voto justamente no sentido de que não havia sido oportunizado ao réu o contraditório. A decisão foi assim ementada:

Agravo interno. Subclasse responsabilidade civil. Ação declaratória de inexistência de relação jurídica c/c pedido de tutela provisória de evidência. Decisão do relator. Denegatória do pedido de antecipação da tutela recursal. Impossibilidade. Concessão da tutela de evidência antes da oportunização do contraditório.[40]

No Tribunal de Justiça de Santa Catarina, o ilustre Desembargador Dr. Jaime Machado Junior, componente da 3ª Câmara de Direito Comercial, ao julgar monocraticamente o Agravo de Instrumento nº 4013041-64.2016.8.24.0000, reconheceu e negou provimento ao pedido de concessão liminar da tutela de evidência em cognição sumária, entendendo que a decisão deveria ser postergada para momento posterior à angularização da lide. A decisão foi assim ementada:

Agravo de instrumento. Abstenção de uso de desenho industrial e trade dress cumulada com indenização. Alegado plágio do conjunto visual do produto. Indeferimento da tutela de evidência. Análise postergada para após o contraditório. Pedido invocado não elencado no art. 311, II ou III, do CPC. Impossibilidade do reconhecimento da prática de concorrência desleal em sede de cognição sumária. Recurso conhecido e não provido.[41]

Em sentido diverso das duas decisões colacionadas acima, o Dr. Clayton de Albuquerque Maranhão, componente da 8ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, entendeu pelo provimento em decisão monocrática do Agravo de Instrumento nº 1679590-9 para conceder a tutela de evidência em liminar ao agravante. De acordo com os votos transcritos na decisão, o agravante comprovou documentalmente o direito pleiteado e a matéria já possuía jurisprudência estável no STJ. No caso concreto, o relator entendeu que deveria haver a redistribuição do ônus do tempo processual, e entendeu pela prevalência do direito do agravante em detrimento do direito do réu ao contraditório antes do julgamento da medida. A decisão foi assim ementada:

Decisão monocrática. Agravo de instrumento. Tutela de evidência. Plano de saúde. Custeio de próteses e órteses necessárias a procedimento cirúrgico. Prova documental dos fatos constitutivos. Defesa que se contrapõe à Sumula nº 469 e à jurisprudência estável do STJ. Arts. 926 e 927, IV, do CPC/2015. Fragilidade das teses de defesa. Necessidade de redistribuir o ônus do tempo do processo diante da elevada probabilidade de êxito do autor. Possibilidade de deferimento. Liminar da tutela de evidência.

Art. 311, II, e parágrafo único, do CPC/2015. Deferimento. Art. 932, V, b, do CPC/2015. Recurso provido monocraticamente. Poder Judiciário. Tribunal de Justiça.[42]

As decisões colhidas na pesquisa demonstram a diversidade jurisprudencial a respeito do tema. Nas duas primeiras ementas, prevaleceu o entendimento de que o direito ao contraditório deveria ser assegurado, tendo o princípio da efetividade jurisdicional sucumbido ao princípio da segurança jurídica. Nesse diapasão, o entendimento dos julgadores acompanhou a corrente doutrinária que defende a incompatibilidade entre a concessão liminar inaudita altera pars da tutela provisória de evidência e o princípio constitucional do contraditório. Na última ementa, o contrário. Houve o reconhecimento da tese do agravante para dar provimento ao recurso e conceder a tutela de evidência em sede de liminar. Desta vez foi o princípio do contraditório quem sucumbiu, prevalecendo a efetividade em detrimento da segurança jurídica e o reconhecimento da constitucionalidade do dispositivo em análise.

Enquanto a jurisprudência dos tribunais estaduais de 2ª instância ainda não é unificada a respeito do tema, convém referir que está em tramite no Supremo Tribunal Federal a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5492, promovida pelo Governador do Estado do Rio de Janeiro, que, entre outras providências, pede o reconhecimento de inconstitucionalidade do parágrafo único do art. 311, justamente por, no entendimento do requerente, violar o princípio do contraditório nos casos em que a medida for concedida antes da citação do réu. A ação foi proposta em 5 de abril de 2016 e está sob a relatoria do Ministro Dias Toffolli. Na referida ação, foi postulada medida cautelar pelo requerente, a qual está pendente de julgamento. A presidência da República, o Senado Federal e a Procuradoria Geral da República defenderam a constitucionalidade do parágrafo único do art. 311, sob o argumento de que não há violação do contraditório, apenas o deslocamento do direito de resposta para momento posterior ao da concessão liminar da tutela de evidência[43]. O julgamento dessa ADIn é de suma importância para o direito processual civil, mas ainda não há data prevista para julgamento.

CONCLUSÃO

Com a promulgação da Lei nº 13.105, em 15 de março de 2015, houve certa agitação na comunidade jurídica por conta de possível afronta à garantia do contraditório pela possibilidade de concessão de tutela de evidência em momento prévio à oitiva do réu, nos termos no parágrafo único do art. 311 do NCPC. Este estudo buscou, portanto, analisar os aspectos teóricos que envolvem a questão polêmica com o propósito de elucidar a matéria. Para tanto, ponderamos a respeito da aproximação entre processo e Constituição, justificando que não é novidade que a lei submete-se à Constituição Federal, mas ponderando que, com o passar do tempo, o legislador foi produzindo normas com o propósito de aproximar cada vez mais a lei processual das disposições constitucionais. Depois, avançamos no estudo e passamos a compreender a natureza jurídica dos princípios jurídicos e a sua função dentro do ordenamento jurídico. Essa análise principiológica demonstrou-nos que os princípios tratam-se de fontes normativas e desenvolvem funções regulativas, hermenêuticas, integradoras, interpretativas, delimitadoras, fundantes e simplificadoras das normas jurídicas. Fixadas as bases principiológicas, passamos a estudar a tutela provisória de evidência propriamente dita, buscando compreender o contexto em que foi inserida no ordenamento jurídico e os motivos que levou o legislador a instituí-la expressamente no novo Código de Processo Civil, que foi, resumidamente, para atender o detentor de direito evidente e não urgente. Posteriormente, comparamos os argumentos dos juristas que se posicionaram a favor da constitucionalidade do parágrafo único do art. 311 e também da outra corrente doutrinária, que se posicionou a favor da inconstitucionalidade. Em arremate, analisamos o posicionamento dos Tribunais quando postos a julgamento casos em que o conflito que se pretendia desvendar neste estudo eram confiados à tutela jurisdicional.

No que diz respeito aos argumentos doutrinários, salientamos que o Professor Fredie Didier Junior classifica a tutela de evidência como medida destinada a conferir efetividade à prestação jurisdicional, porquanto assegura à parte que demonstrar os requisitos exigidos na lei processual a prestação de direito em prazo razoável. Segundo o autor, a norma encontra respaldo no princípio do devido processo legal, no princípio da razoável duração do processo, os quais também são preceitos orientadores do acesso à justiça. Por outro lado, trouxemos a opinião do Professor Luiz Guilherme Marinoni, que, de maneira geral, não se opõe a esses argumentos articulados, mas relembra que a prova documental dos fatos constitutivos pode fundar-se em documentos falsos, por exemplo, e que, portanto, diante dessa possibilidade, o contraditório não pode ser postergado, sob pena de expor a segurança jurídica a risco.

No que diz respeito às decisões judiciais encontradas na pesquisa de jurisprudência, três decisões foram colacionadas e analisadas, das quais em duas delas a tutela de evidência liminar foi indeferida com fundamento na violação do contraditório. A terceira foi deferida, tendo entendido o julgador que, diante da quase absoluta certeza do direito ante o encarte documental acostado, era o réu quem deveria padecer com o ônus do tempo do processo.

Levando-se em consideração todos os aspectos analisados, posicionamos o nosso entendimento senão pela inconstitucionalidade do parágrafo único do art. 311 do novo Código de Processo Civil, pela sua aplicação absolutamente restrita, em situações excepcionais em que se justifica, visto que, na contemporaneidade do processo civil, mormente nas fases iniciais do procedimento comum, a segurança jurídica deve prevalecer em detrimento da efetividade jurisdicional. Se existe a fragilidade da prova documental, deve ser oportunizado o contraditório antes de ser concedida a tutela jurisdicional. Em contraponto, devemos registrar que, em sendo privilegiada a efetividade da tutela do direito, forçoso reconhecer que deva ser dado ao réu ampla possibilidade de produção de provas na fase do aprofundamento da instrução com a clara viabilidade de revogação da tutela provisória concedida, e, ainda, a necessidade de devolução das parcelas indevidamente recebidas, nos termos do examinado art. 302 do novel diploma.

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[1] Sobre a lógica e a importância da defesa do réu, consultar: SICA, Heitor Vitor Mendonça. O direito de defesa no processo civil brasileiro – Um estudo sobre a posição do réu. São Paulo: Atlas, 2011.

[2] RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva. Tutela provisória: tutela de urgência e tutela de evidência do CPC/1973 ao CPC/2015. 2. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais: 2016 (Coleção Liebman. Coordenação de Teresa Arruda Alvim e Eduardo Talamini). p. 28.

[3] RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva. Loc. cit.

[4] A respeito do tema, fundamental: ZANETI JÚNIOR, Hermes. A constitucionalização do processo. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2014.

[5] MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela de urgência e tutela de evidência. 1. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017. p. 22.

[6] DWORKIN, Ronald. O império do direito. Trad. Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 1999. p. 217.

[7] MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado: parte geral: introdução: pessoas físicas e jurídicas. Campinas: Bookseller, 1999. p. 13.

[8] ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Trad. Virgílio Afonso da Silva. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 85.

[9] MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado: parte geral: introdução: pessoas físicas e jurídicas. Campinas: Bookseller, 1999. p. 14.

[10] KELSEN, Hans. Teoria geral das normas. Trad. José Florentino Duarte. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1986. p. 18.

[11] PORTANOVA, Rui. Princípios do processo civil. 8. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013. p. 13.

[12] OLIVEIRA, Patrícia Elias Cozzolino de. Sistemas, regras e princípios na Constituição Brasileira de 1988. In: OLIVEIRA NETO, Olavo; LOPES, Maria Elizabeth Castro (Org.). Rio de Janeiro: Elsevier, 2008. p. 12.

[13] BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 19 set. 2017.

[14] RICCI, Edoardo Flávio. Princípio do contraditório e questões que o juiz pode propor de ofício. In: FUX, Luiz; NERY JUNIOR, Nelson; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (Coord.). Processo e constituição: estudos em homenagem ao Professor José Carlos Barbosa Moreira. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 495.

[15] NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do processo civil na Constituição Federal. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 135.

[16] DALL’ALBA, Felipe Camilo. A defesa no novo Código de Processo Civil. In: REICHELT, Luis Alberto; RUBIN, Fernando (Org.). Grandes temas do novo Código de Processo Civil. Porto Alegre: Livraria do Advogado, v. 2. 2017. p. 18.

[17] DALL’ALBA, Felipe Camilo. Loc. cit.

[18] RUBIN, Fernando. Contraditório na visão cooperativa do processo. 2013. Disponível em: <https://fernandorubin.jusbrasil.com.br/artigos/121943628/o-contraditorio-na-visao-cooperativa-do-processo?ref=topic_feed/>. Acesso em: 18 ago. 2017.

[19] DONIZETTI, Elpídio. A expressa constitucionalização do direito processual civil. 2013. Disponível em: <http://atualidadesdodireito.com.br/elpidionunes/2012/04/11/expressa-constitucionalizacao-do-direito-processual-civil-positivacao-do-{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6}E2{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6}80{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6}9Ctotalitarismo-constitucional{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6}E2{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6}80{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6}9D/>. Acesso em: 14 set. 2017.

[20] TUCCI, José Rogério Cruz e. Supremacia da garantia do contraditório no novo Código de Processo Civil. 2015. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2015-abr-28/paradoxo-corte-supremacia-garantia-contraditorio-cpc/>. Acesso em: 14 set. 2017.

[21] TUCCI, José Rogério Cruz e. Loc. cit.

[22] RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva. Tutela provisória: tutela de urgência e tutela de evidência do CPC/1973 ao CPC/2015. 2. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016 (Coleção Liebman. Coordenação de Teresa Arruda Alvim e Eduardo Talamini). p. 45.

[23] RICCI, Edoardo Flávio. Princípio do contraditório e questões que o juiz pode propor de ofício. In: FUX, Luiz; NERY JUNIOR, Nelson; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (Coord.). Processo e Constituição: estudos em homenagem ao Professor José Carlos Barbosa Moreira. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 495.

[24] DIDIER JUNIOR, Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de direito processual civil: teoria da prova, direito probatório, decisão, precedente, coisa julgada e tutela provisória. 11. ed. Salvador: JusPodivm, v. 2. 2016, p. 630.

[25] BRASIL. Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L5869.htm>. Acesso em: 18 set. 2017.

[26] BRASIL. Loc. cit.

[27] DIDIER JUNIOR, Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de direito processual civil: teoria da prova, direito probatório, decisão, precedente, coisa julgada e tutela provisória. 11. ed. Salvador: JusPodivm, v. 2, 2016. p. 631.

[28] BODART, Bruno Vinícius da Rós. Tutela de evidência: teoria da cognição, análise econômica do direito processual e comentários sobre o novo CPC. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015 (Coleção Liebman. Coordenação de Tereza Arruda Alvim Wambier e Eduardo Talamini). p. 154.

[29] MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela de urgência e tutela de evidência. 1. ed. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2017. p. 282.

[30] RUBIN, Fernando. O novo Código de Processo Civil: da construção de um novo modelo processual às principais linhas estruturantes da Lei nº 13.105/2015. Porto Alegre, Lex Magister: 2016. p. 63.

[31] MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela de urgência e tutela de evidência. 1. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017. p. 337.

[32] Ibidem, p. 283.

[33] MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela de urgência e tutela de evidência. 1. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017. p. 338.

[34] Ibidem, p. 339.

[35] BRASIL. Anteprojeto do novo Código de Processo Civil. 2010. Disponível em: <https://www.senado.gov.br/senado/novocpc/pdf/ATO{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6}20DO{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6}20PRESIDENTE{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6}20N{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6}C2{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6}BA{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6}20379.pdf>. Acesso em: 13 set. 2017.

[36] DIDIER JUNIOR, Fredie. Curso de direito processual civil: introdução do direito processual civil e processo de conhecimento. 13. ed. Salvador: JusPodivm, v. 1, 2011. p. 618.

[37] RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva. Tutela provisória: tutela de urgência e tutela de evidência do CPC/1973 ao CPC/2015. 2. ed. rev. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2016 (Coleção Liebman. Coordenação de Teresa Arruda Alvim e Eduardo Talamini). p. 21.

[38] DIDIER JUNIOR, Fredie. Op. cit, p. 618.

[39] STRECK, Lênio; DELFINO, Lúcio; SOUSA, Diego Crevelin de. Tutela provisória e contraditório: uma evidente inconstitucionalidade. 2017. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2017-mai-15/tutela-provisoria-contraditorio-evidente-inconstitucionalidade#sdfootnote8anc>. Acesso em: 14 set. 2017.

[40] RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça (9ª Câmara Cível). Agravo Interno nº 70070276365. Desembargador Relator: Eugênio Facchini Neto, 2016.

[41] SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça (3ª Câmara de Direito Comercial). Agravo de Instrumento nº 4013041-64.2016.8.24.0000. Desembargador Relator: Jaime Machado Junior, 2017.

[42] PARANÁ. Tribunal de Justiça (8ª Câmara Cível). Agravo de Instrumento nº 1679590-9. Desembargador Relator: Clayton de Albuquerque Maranhão, 2017.

[43] BRASÍLIA. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5492. Ministro Relator: Dias Tóffolli, 2016.