RKL Escritório de Advocacia

DESPEJO LIMINAR PELA FALTA DE PAGAMENTO

Maurício Piacentini

 

1 DISPOSIÇÕES JURÍDICAS INTRODUTÓRIAS

O contrato de locação é o negócio jurídico pelo qual uma das partes (locador) se obriga a entregar a outra (locatário), em caráter temporário, um bem para uso e gozo mediante o pagamento de determinado valor.

A locação de imóveis urbanos para fins residenciais está contemplada pela Lei n. 8.245/1991, a qual estabelece, dentre outras disposições, os deveres inerentes ao locatário, dos quais se destaca a obrigação de pagar pontualmente o aluguel e os encargos da locação e a obrigação de pagar as despesas ordinárias de condomínio, in verbis:

Art. 23. O locatário é obrigado a:

I – pagar pontualmente o aluguel e os encargos da locação, legal ou contratualmente exigíveis, no prazo estipulado ou, em sua falta, até o sexto dia útil do mês seguinte ao vencido, no imóvel locado, quando outro local não tiver sido indicado no contrato;

[…]

XII – pagar as despesas ordinárias de condomínio.

O descumprimento destes deveres, por sua vez, configura infração legal ou contratual e enseja à rescisão da locação e, consequentemente, o manejo de ação de despejo.

A Lei n. 8.245/1991, nesse sentido, define em seu art. 9°, dentre as possibilidades de desfazimento da locação, a infração legal ou contratual (inciso II) e a falta de pagamento de aluguel e encargos (inciso III). De todo modo, destaca-se, que qualquer infração aos deveres legais ou contratuais por parte do locatário, como é o caso da falta de pagamento das despesas ordinárias de condomínio, também pode provocar a rescisão contratual.

Vale destacar, que, desde a entrada em vigor da “Lei de Locações”, no ano de 1991, a orientação jurisprudencial do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina é no sentido de que o descumprimento dos deveres pelo locatário, em especial pela falta de pagamento de aluguéis e de taxas condominiais, autorizam o desfazimento da locação e, por consequência, o despejo, como pode ser observado pelos ementários abaixo citados:

“APELAÇÃO CÍVEL – LOCAÇÃO RESIDENCIAL – AÇÃO DE DESPEJO CUMULADA COM COBRANÇA DE ALUGUÉIS E TAXAS CONDOMINIAIS – PROCEDÊNCIA DO PLEITO FORMULADO NA INSTÂNCIA INICIAL – CONFIRMAÇÃO EM GRAU DE RECURSO. A falta de pagamento de aluguel e demais encargos contratuais, autoriza o desfazimento do vínculo locatício (Art. 9º, inciso III, da Lei Federal n. 8.245, de 18 de outubro de 1991). PRELIMINARES – NULIDADE DA CITAÇÃO, ILEGITIMIDADE PASSIVA E IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO, ANTE A INDEMONSTRAÇÃO DO FATO CONSTITUTIVO DO DIREITO ALEGADO NA EXORDIAL – REJEIÇÃO. 1. Não é nulo o mandado citatório que contém os requisitos previstos no artigo 225, incisos I a VI, do Código de Processo Civil. 2. “O empresário individual, é a própria pessoa física ou natural, respondendo os seus bens pelas obrigações que assumiu, quer sejam civis, quer comerciais. A transformação de firma individual em pessoa jurídica é uma ficção do direito tributário, somente para efeito de imposto de renda.” (ADCOAS n. 18.878/73). 3. “Incumbe ao autor a prova do fato constitutivo do seu direito e ao réu o ônus da exceção. Conforme orienta a doutrina processual, quando o réu excepciona o juízo nasce para ele o onus probandi, como se o autor fosse réu in exceptione actor est” (ACV n. 38.453, de Criciúma, rel. Des. Pedro Manoel Abreu, in Código de Processo Civil Anotado, Alexandre Rosa, 2ª edição, página 234).” (TJSC, Apelação Cível n. 1998.002396-3, Comarca de Balneário Camboriú, Rel. Des. Orli Rodrigues, Primeira Câmara de Direito Civil, j. em 5/5/1998. Grifou-se).

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE DESPEJO POR FALTA DE PAGAMENTO CUMULADA COM COBRANÇA DE ALUGUERES E ACESSÓRIOS. JULGAMENTO PROCEDENTE. RECURSO DOS LOCATÁRIOS QUE ALEGAM CERCEAMENTO DE DEFESA COM PEDIDO DE RETORNO DOS AUTOS AO JUÍZO A QUO PARA DESIGNAÇÃO DE AUDIÊNCIA CONCILIATÓRIA. INSUBSISTÊNCIA DO PLEITO. ATO PROCESSUAL FACULTATIVO. PREFACIAL AFASTADA. ILEGITIMIDADE ATIVA. INOCORRÊNCIA. HERDEIROS QUE SE SUB-ROGAM NOS DIREITOS DA GENITORA QUE FIGURAVA NO CONTRATO COMO LOCADORA. PRELIMINAR REJEITADA. AUSÊNCIA DE INSURGÊNCIA DOS APELANTES QUANTO AO MÉRITO. RESCISÃO CONTRATUAL MOTIVADA PELA FALTA DE PAGAMENTO. CONDENAÇÃO AO PAGAMENTO DOS ALUGUERES E ACESSÓRIOS VENCIDOS E NÃO PAGOS ATÉ A DESOCUPAÇÃO DO IMÓVEL. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. No procedimento desalijatório não há um dever do magistrado de designar audiência de conciliação, mas tão somente uma faculdade de assim proceder caso verifique a possibilidade de as partes virem a acordar em juízo, até porque se os litigantes tiverem interesse em uma composição, permitido-lhes é peticionar em juízo informando a realização de acordo e colacionando cópia deste aos autos para sua homologação. Com a transmissão da propriedade durante a vigência do contrato de locação, os recorridos assumiram a posição de locadores e se sub-rogaram nos direitos da genitora, que figurava como locadora. Portanto, na ação de despejo vindicam a defesa de seus direitos enquanto herdeiros e também como atuais proprietários do imóvel locado, porquanto a transmissão da propriedade restou comprovada pela certidão de inteiro teor do Cartório de Registro de Imóveis. A falta de pagamento dos alugueres e acessórios constitui infração contratual que autoriza a rescisão do contrato, bem como a condenação ao pagamento dos encargos vencidos e não pagos até a desocupação do imóvel, consoante o disposto no inciso III do artigo 9º da Lei n. 8.245/91.” (TJSC, Apelação Cível n. 0300174-79.2016.8.24.0082, Comarca da Capital – Continente, Rel. Des. Saul Steil, Terceira Câmara de Direito Civil, j. em 18/4/2017)

Essa orientação também está sufragada no âmbito dos demais Tribunais de Justiça brasileiros, como o Gaúcho, Mineiro e Paulista (cf. TJRS, Apelação Cível n. 70052446689, Décima Sexta Câmara Cível, Rel. Des. Ana Maria Nedel Scalzilli, j. em 4/12/2014; TJRS, Apelação Cível n. 70052539590, Décima Quinta Câmara Cível, Rel. Des. Angelo Maraninchi Giannakos, j. em 27/11/2013; TJRS, Apelação Cível n. 70054519020, Décima Quinta Câmara Cível, Rel. Des. Ana Beatriz Iser, j. em 12/6/2013; TJMG, Apelação Cível n. 1.0024.12.202556-2/006, Rel. Des. Moacyr Lobato, 9ª Câmara Cível, j. em 6/5/2014, DJe em 12/5/2014; TJMG, Apelação Cível n. 1.0035.09.165564-3/002, Rel. Des. Pereira da Silva, 10ª Câmara Cível, j. em 30/7/2013, DJe em 9/8/2013; TJMG, Apelação Cível n. 1.0460.08.032011-8/001, Rel. Des. Luciano Pinto, 17ª Câmara Cível, j. em 6/8/2009, DJe em 25/8/2009; TJSP,  Apelação Cível n. 1011396-35.2020.8.26.0008, Rel. Des. Antonio Nascimento, 26ª Câmara de Direito Privado, Foro Regional VIII – Tatuapé – 3ª Vara Cível, j. em 20/06/2021, DJe em 20/6/2021; TJSP, Apelação Cível n. 1000062-86.2020.8.26.0595, Rel. Des. L. G. Costa Wagner, 34ª Câmara de Direito Privado, Foro de Serra Negra – 1ª Vara, j. em 30/04/2021, DJe em 30/4/2021; TJSP, Apelação Cível n. 1054250-59.2020.8.26.0100, Rel. Des. Antonio Nascimento, 26ª Câmara de Direito Privado, Foro Central Cível – 22ª Vara Cível, j. em 17/4/2021, DJe em 17/4/2021).

Assim, estando configurada a falta de pagamento do aluguel e das despesas ordinárias de condomínio pelo locatário, a locação deve ser desfeita, sendo legítimo o direito do locador propor ação de despejo, buscando rescindir o contrato, reaver o seu imóvel e cobrar os débitos em atraso, conforme permite o art. 5°, caput, c/c o art. 62, inciso I, ambos da Lei n. 8.245/1991.

 

2 DESNECESSIDADE DE NOTIFICAÇÃO PREMONITÓRIA

Por outro lado, importante registrar que a falta de pagamento de aluguéis e de despesas ordinárias de condomínio, por si só, autoriza a rescisão da locação, de modo que a ausência de demonstração de notificação prévia eficaz do locatário não se constitui óbice ao pedido de despejo (despejo motivado, conhecido por “denúncia cheia”).

A notificação premonitória, nesse sentido, somente é exigível nos casos em que o pedido de despejo seja sem motivação, ou seja, a chamada “denúncia vazia”.

Esse, aliás, é entendimento antigo adotado pelo Superior Tribunal de Justiça (cf. STJ, REsp. n. 129.408/BA, Rel. Min. Edson Vidigal, Quinta Turma, j. em 16/12/1997, DJe em 2/3/1998, p. 132) e pelos Tribunais de Justiça brasileiros (cf. TJMG, Apelação Cível n. 1.0672.12.005126-9/001, Rel. Des. Antônio Bispo, 15ª Câmara Cível, j. em 3/10/2013; TJMG, Apelação Cível em Reexame Necessário n. 1.0016.15.009726-5/001, Rel. Des. Sandra Fonseca, 6ª Câmara Cível, j. em 17/5/2016, DJe em 1°/6/2016), inclusive pela Corte Catarinense (cf. TJSC, Agravo de Instrumento n. 4012455-22.2019.8.24.0000, Rel. Des. Haidée Denise Grin, Sétima Câmara de Direito Civil, j. em 10/10/2019; TJSC, Apelação Cível n. 0302344-89.2016.8.24.0125, Rel. Des. Bettina Maria Maresch de Moura, Sexta Câmara de Direito Civil, j. em 5/5/2020), como pode ser exemplificado pelo julgado a seguir:

CIVIL – LOCAÇÃO COMERCIAL – AÇÃO DE DESPEJO C/C COBRANÇA DE ALUGUERES – CONTRATO VERBAL – DENÚNCIA MOTIVADA – NOTIFICAÇÃO EXTRAJUDICIAL – DESNECESSIDADE – LEI N. 8.245/1991, ART. 47, I C/C ART. 9º, III. A ação de despejo fundamentada na falta de pagamento dos alugueres pelo inquilino, seja para fim residencial ou comercial, por prazo indeterminado ou não, independe da realização de notificação prévia pelo locatário, porquanto a inadimplência, por si só, já confere ao locador o direito de retomada do imóvel (Lei n. 8.245/1991, art. 9º, III). ARGUIÇÃO DE EXCEÇÃO DO CONTRATO NÃO CUMPRIDO – INOCORRÊNCIA – AUSÊNCIA DE DESCUMPRIMENTO CONTRATUAL DO LOCADOR 1 É cediço que a exceção do contrato não cumprido é aplicável em avenças bilaterais, que exige a existência de prestações e contraprestações interligadas, de modo que quando uma das partes não cumpre, total ou parcialmente, com sua obrigação, a outra pode recusar-se a cumprir a sua até que o inadimplemento da primeira seja sanado (CC, art. 476). 2 Não há se falar em descumprimento de obrigação contratual por parte do locador quando franqueado o pleno uso do imóvel. A ausência da formalização de contrato escrito, por si só, não justificaria a suspensão do pagamento dos alugueres.” (TJSC, Apelação Cível n. 0301884-87.2016.8.24.0033, Comarca de Itajaí, Rel. Des. Luiz Cézar Medeiros, Quinta Câmara de Direito Civil, j. em 12/2/2019)

De todo modo, nada impede que o locador, na busca pela solução consensual do conflito, emita notificações extrajudiciais destinadas ao locatário, ofertando-lhe a oportunidade de pagar os débitos em atraso e, até mesmo, a desocupação voluntária do imóvel.

 

3 REQUISITOS À CONCESSÃO LIMINAR PARA DESOCUPAÇÃO

Pois bem. O despejo liminar pode ser concedido por duas vias.

A primeira via para a concessão do despejo liminar é percorrida pelas diretrizes norteadoras da Lei n. 8.245/1991, no âmbito da qual é exigida a conjugação de determinados requisitos para o deferimento da desocupação de imóvel, independentemente da audiência da parte contrária, a saber: (a) prestação de caução no valor equivalente a 3 (três) meses de aluguel; e (b) fundamento exclusivo previsto em uma das hipóteses do § 1° do art. 59 da referida lei, sendo destacado o inciso IX, que se refere à falta de pagamento de aluguel e acessórios da locação no vencimento, somado ao fato de o contrato não possuir garantias, in verbis:

Art. 59. Com as modificações constantes deste capítulo, as ações de despejo terão o rito ordinário.

1º Conceder-se-á liminar para desocupação em quinze dias, independentemente da audiência da parte contrária e desde que prestada a caução no valor equivalente a três meses de aluguel, nas ações que tiverem por fundamento exclusivo:

[…]

IX – a falta de pagamento de aluguel e acessórios da locação no vencimento, estando o contrato desprovido de qualquer das garantias previstas no art. 37, por não ter sido contratada ou em caso de extinção ou pedido de exoneração dela, independentemente de motivo.

Verifica-se, portanto, que a “Lei de Locações” privilegia a evidência do direito, (independentemente do perigo de dano), considerando a falta de pagamento da contraprestação pactuada na relação locatícia, cumulada com a ausência de garantia da locação e com a prestação de caução, requisitos suficientes a autorizar a determinação, em sede liminar, de desocupação do imóvel.

Situações envolvendo falta de pagamento de aluguéis e acessórios da locação são frequentes nos Tribunais de Justiça brasileiros, tanto que, recentemente, o Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina decidiu pela concessão liminar para desocupação de imóvel, sem a oitiva da parte contrária, considerando, para tanto, os requisitos exigidos pela “Lei de Locações”. Confira-se:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE DESPEJO. DECISÃO QUE DEFERIU O PEDIDO DE DESOCUPAÇÃO LIMINAR DO IMÓVEL LOCADO. INSURGÊNCIA DO RÉU. ADMISSIBILIDADE. ALEGADA EXISTÊNCIA DE CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA DE ARBITRAGEM NO CONTRATO LITIGIOSO. PEDIDO DE RECONHECIMENTO DA PERDA DA EFICÁCIA DA MEDIDA LIMINAR POR INOBSERVÂNCIA DO COMANDO PREVISTO NO ART. 22-A DA LEI N. 9.307/96. QUESTÃO NÃO SUBMETIDA À APRECIAÇÃO DO JUÍZO A QUO. INOVAÇÃO RECURSAL. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. RECURSO NÃO CONHECIDO NO PONTO. MÉRITO. LIMINAR DESALIJATÓRIA. ART. 59, § 1º, IX, DA LEI N. 8.245/91. REQUISITOS PREENCHIDOS NO CASO CONCRETO. DEMANDA FUNDADA NA FALTA DE PAGAMENTO DOS ENCARGOS LOCATÍCIOS. CONTRATO DESPROVIDO DE GARANTIA. CAUÇÃO EM VALOR EQUIVALENTE A TRÊS MESES DE ALUGUEL DEVIDAMENTE PRESTADA PELA LOCADORA. DESNECESSIDADE DE PERQUIRIÇÃO DO FUMUS BONI IURIS E DO PERICULUM IN MORA ELECANDOS PELO ART. 300 DO CPC PARA CONCESSÃO DE TUTELA ANTECIPADA DE URGÊNCIA. INTERLOCUTÓRIO MANTIDO. RECURSO CONHECIDO EM PARTE E, NESTA EXTENSÃO, DESPROVIDO.” (TJSC, Agravo de Instrumento n. 4005996-67.2020.8.24.0000, Rel. Des. Haidée Denise Grin, Sétima Câmara de Direito Civil, j. em 27/5/2021).

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE DESPEJO POR FALTA DE PAGAMENTO. LOCAÇÃO RESIDENCIAL. DECISÃO QUE DETERMINOU A DESOCUPAÇÃO DO IMÓVEL. INSURGÊNCIA DA PARTE RÉ. ALEGADO ADIMPLEMENTO DOS ALUGUÉIS. INSUBSISTÊNCIA. PAGAMENTOS NÃO COMPROVADOS NOS AUTOS. ÔNUS QUE COMPETIA AO LOCATÁRIO. EXEGESE DO ART. 373, II, DO CPC. AUSÊNCIA DE PRÉVIA NOTIFICAÇÃO EXTRAJUDICIAL. IRRELEVÂNCIA. PROVIDÊNCIA INEXIGÍVEL NO DESPEJO POR FALTA DE PAGAMENTO. INAPLICABILIDADE DO ART. 57 DA LEI N. 8.245/1991 NO CASO. REQUISITOS PARA CONCESSÃO DA LIMINAR PREENCHIDOS, A TEOR DO ART. 59, § 1º, IX, DA LEI DE LOCAÇÕES. CAUÇÃO DEVIDAMENTE PRESTADA. GARANTIA LOCATÍCIA INEXISTENTE. INADIMPLÊNCIA CARACTERIZADA. MANUTENÇÃO DA DECISÃO AGRAVADA QUE SE IMPÕE.   RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.” (TJSC, Agravo de Instrumento n. 4012455-22.2019.8.24.0000, Comarca de Itajaí, Rel. Des. Haidée Denise Grin, Sétima Câmara de Direito Civil, j. em 10/10/2019).

Logo, com amparo na Lei n. 8.245/1991, legítima se afigura a concessão liminar para desocupação de imóvel, em quinze dias, independentemente da audiência do locatário.

A segunda via, por outro lado, para a concessão, inaudita altera parte, do despejo, é percorrida pelas diretrizes norteadoras do Código de Processo Civil, quando preenchidos os requisitos da tutela provisória de urgência, ou seja, quando estiverem evidenciadas a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo (art. 300, caput, do Código de Processo Civil), in verbis:

Art. 300. A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.

1° Para a concessão da tutela de urgência, o juiz pode, conforme o caso, exigir caução real ou fidejussória idônea para ressarcir os danos que a outra parte possa vir a sofrer, podendo a caução ser dispensada se a parte economicamente hipossuficiente não puder oferecê-la.

2º A tutela de urgência pode ser concedida liminarmente ou após justificação prévia.

3º A tutela de urgência de natureza antecipada não será concedida quando houver perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão.

Essa via, importante registrar, deve ser encarada como subsidiária, uma vez que não se faz necessária a perquirição do “fumus boni iuris” e do “periculum in mora”, previstos no art. 300 do Código de Processo Civil, para a concessão liminar de despejo.

De todo modo, é possível exercitar tais requisitos buscando o despejo liminar, sobretudo quando a causa de pedir não esteja enumerada no § 1° do art. 59 da Lei n. 8.245/1991.

O Superior Tribunal de Justiça, nesse sentido, já decidiu pela possibilidade de concessão de tutela provisória de urgência na hipótese de despejo. Confira-se:

PROCESSUAL CIVIL. LOCAÇÃO. AÇÃO DE DESPEJO POR FALTA DE PAGAMENTO DE ALUGUÉIS E OUTROS ENCARGOS. TUTELA ANTECIPADA. CONCESSÃO. POSSIBILIDADE. PRESSUPOSTOS AUTORIZATIVOS. EXISTÊNCIA. REEXAME DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E IMPROVIDO. 1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, em consonância com abalizada doutrina, tem se posicionado no sentido de que, presentes os pressupostos legais do art. 273 do CPC, é possível a concessão de tutela antecipada mesmo nas ações de despejo cuja causa de pedir não estejam elencadas no art. 59, § 1º, da Lei 8.245/91. 2. Tendo a Corte de origem, além de adotar a tese contrária, segundo a qual seria incabível a concessão de tutela antecipada nas ações de despejo, concluído, também, pela ausência dos requisitos autorizativos previstos no art. 273 do CPC, infimar tal entendimento demandaria o revolvimento de matéria fático-probatória, o que atrai o óbice da Súmula 7/STJ. Precedentes. 3. Recurso especial conhecido e improvido.” (STJ, REsp. n. 702.205/SP, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, Quinta Turma, j. em 12/9/2006, DJe em 9/10/2006, p. 346)

Esse posicionamento também vem sendo seguido pelo Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE DESPEJO POR FALTA DE PAGAMENTO CUMULADA COM COBRANÇA DE ALUGUÉIS. DECISÃO AGRAVADA QUE DEFERIU O PEDIDO DE TUTELA DE URGÊNCIA. DECISÃO MONOCRÁTICA QUE CONCEDEU EFEITO SUSPENSIVO AO RECURSO.   INSURGÊNCIA DA RÉ (LOCATÁRIA) PRELIMINARES. ALEGAÇÕES DE LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ DA DEMANDANTE E DE AUSÊNCIA DE PRESSUPOSTO ESSENCIAL AO DESENVOLVIMENTO DO PROCESSO. IMPOSSIBILIDADE DE APRECIAÇÃO, POR ESTE TRIBUNAL, SOB PENA DE SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. NÃO CONHECIMENTO.    MÉRITO. CONTRATO DE LOCAÇÃO DE IMÓVEL COMERCIAL (NÃO RESIDENCIAL) GARANTIDO POR FIANÇA. IMPOSSIBILIDADE DO DEFERIMENTO DA MEDIDA LIMINAR DE DESPEJO, COM FULCRO NO ART. 59, § 1º, INC. IX, DA LEI N. 8.245/1991. POSSIBILIDADE, CONTUDO, DE CONCESSÃO DA TUTELA DE URGÊNCIA, NOS MOLDES DO ART. 300 DO NCPC. PRECEDENTE DESTA CORTE. “[…] 1 “O rol previsto no art. 59, § 1º, da Lei n.º 8.245/94, não é taxativo, podendo o magistrado acionar o disposto no art. 273 do CPC para a concessão da antecipação de tutela em ação de despejo, desde que preenchidos os requisitos para a medida”(REsp n. 1.207.161/AL, Min. Luís Felipe Salomão).” […] (TJSC, Agravo de Instrumento n. 2015.061667-2, de Ituporanga, rel. Des. Luiz Cézar Medeiros, Quinta Câmara de Direito Civil, j. 28-03-2016).

ALEGAÇÃO DE QUE OS REQUISITOS AUTORIZADORES DA CONCESSÃO DA TUTELA DE URGÊNCIA NÃO RESTARAM PREENCHIDOS. SUBSISTÊNCIA. PERIGO DE DANO OU RISCO AO RESULTADO ÚTIL DO PROCESSO NÃO VISLUMBRADO, DIANTE DA GARANTIA DA FIANÇA E DA AUSÊNCIA DE NOTÍCIAS ACERCA DA COMPLETA INSOLVÊNCIA DOS DEVEDORES OU DE QUE NÃO SEJA POSSÍVEL A COBRANÇA DOS ALUGUÉIS. RISCO IMINENTE DE DANO INVERSO. FATOS E DOCUMENTOS NOVOS APRESENTADOS EM CONTRARRAZÕES. APRECIAÇÃO VEDADA, SOB PENA DE SUPRESSÃO INSTÂNCIA. REQUISITOS CUMULATIVOS DO ART. 300 DO NCPC NÃO PREENCHIDOS. DECISÃO INTERLOCUTÓRIA REFORMADA.   RECURSO CONHECIDO EM PARTE E PROVIDO, NA PARTE CONHECIDA.” (TJSC, Agravo de Instrumento n. 4022410-14.2018.8.24.0000, Comarca de Jaraguá do Sul, Rel. Des. Cláudia Lambert de Faria, Quinta Câmara de Direito Civil, j. em 4/12/2018).

Assim, seja por uma via (requisitos da “Lei de Locações”) seja por outra (requisitos da tutela provisória de urgência do Código de Processo Civil), é possível a concessão liminar para desocupação de imóvel, desde que, para tanto, estejam preenchidos os requisitos autorizadores.

 

4 DESPEJO LIMINAR, AINDA QUE EM PERÍODO DE PANDEMIA

Uma questão que não deve ser ignorada repousa na possibilidade de concessão de ordem de despejo liminar, ainda que durante o período de pandemia.

Não se nega que o mundo passa por um momento de exceção em sua história, marcado pela disseminação de um vírus surgido no final do ano de 2019, que ficou conhecido como “COVID-19”, cujos efeitos representam, com as ponderações necessárias, feições de uma crise sem precedentes nos cenários nacional e internacional, com características e consequências econômicas semelhantes às situações de guerra, que reclamam, muitas vezes, a adoção de medidas drásticas.

É cediço, por sua vez, que, buscando enfrentar esta nova situação, pairam sobre os universos político (Projeto de Lei n. 827/2020, em tramitação no Congresso Nacional) e jurídico (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 828, em tramitação no Supremo Tribunal Federal) brasileiro forte corrente inclinada à suspensão das ordens de despejo liminar no país.

Todavia, esse entendimento fechado e objetivo de suspensão das ordens de despejo liminar não deve ser adotado a todo e qualquer caso. Raciocinar assim é afastar o direito do justo e do razoável e, ainda, gerar a falsa sensação de proteção do locatário, quando, na verdade, desampara-se o locador.

Nesse sentido, a Desembargadora Carmem Lucia da Silva, do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, destacou em recente voto proferido no âmbito do Agravo de Instrumento n. 2036055-81.2021.8.26.0000 que “[…] os efeitos deletérios da crise pandêmica são suportados pela sociedade como um todo e não tem o condão de desfigurar toda e qualquer relação jurídica, sob pena de violação aos princípios da igualdade e da segurança jurídica.” (TJSP, Agravo de Instrumento n. 2036055-81.2021.8.26.0000, Rel. Des. Carmen Lucia da Silva, 25ª Câmara de Direito Privado, Foro de São José do Rio Preto – 5ª Vara Cível, j. em 10/6/2021, DJe. em 21/6/2021)

É com amparo nessas premissas e nos requisitos discorridos no tópico anterior, que se chega à conclusão de que é plenamente possível a concessão de despejo liminar, ainda que em período de pandemia.

Essa conclusão, aliás, encontra respaldo em orientação jurisprudencial. Nesse sentido, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, maior do Brasil, onde pulsam diversos casos de despejo, decidiu, recentemente (11/6/2021), que, estando preenchidos os requisitos autorizadores, ainda que estejam em vigor as medidas restritivas impostas pelo Poder Público em razão da pandemia de “COVID-19”, é admissível a concessão liminar de desocupação:

Agravo de instrumento. Locação de imóvel. Ação de despejo por falta de pagamento cumulada com cobrança. Contrato desprovido de garantia. Liminar para desocupação do imóvel. Deferimento. Cerceamento de defesa. Inocorrência. Legislação de regência que prevê a possibilidade de concessão da liminar de desocupação independentemente da audiência da parte contrária (Lei nº 8.245/91, art. 59, § 1º). Requisitos autorizadores da concessão da liminar de desocupação presentes, sendo admitido seu deferimento ainda que estejam em vigor as medidas restritivas impostas pelo Poder Público em razão da pandemia de covid-19. Cumprimento do mandado nas comarcas em que é adotado o sistema escalonado de retorno ao trabalho presencial. Possibilidade. Agravo de instrumento não provido. Agravo interno prejudicado.” (TJSP, Agravo de Instrumento n. 2115346-33.2021.8.26.0000, Rel. Des. Cesar Lacerda, 28ª Câmara de Direito Privado, Foro de Cotia – 2ª Vara Cível, j. em 11/6/2021, DJe em 11/6/2021).

A propósito, interessante citar trecho do voto da lavra do Desembargador Cesar Lacerda, no âmbito do referido julgado, especificamente quando ele aborda acerca da possibilidade de concessão liminar de despejo durante o período de pandemia. Confira-se:

[…] Por fim, tem-se que a liminar pode ser deferida ainda que estejam em vigor as medidas restritivas impostas pelo Poder Público em razão da pandemia de covid-19, cumprindo ao oficial de justiça encarregado de dar cumprimento ao mandado respeitar todos os protocolos sanitários para o enfrentamento da pandemia, podendo cumpri-lo nas comarcas em que é adotado o sistema escalonado de retorno ao trabalho presencial, e aos agravantes e outras pessoas que eventualmente venham a participar do ato de desocupação praticar as cautelas reiteradamente recomendadas pelos profissionais da área da saúde para fins de evitar o contágio pelo coronavírus. […] (TJSP, Agravo de Instrumento n. 2115346-33.2021.8.26.0000, Rel. Des. Cesar Lacerda, 28ª Câmara de Direito Privado, Foro de Cotia –2ª Vara Cível, j. em 11/6/2021, DJe em 11/6/2021).

Outros casos como este foram enfrentados pelos Tribunais de Justiça brasileiros, os quais não estão deixando de aplicar a lei e estão concedendo o despejo liminar, mesmo durante o período excepcional pelo qual o mundo passa atualmente (cf. TJSC, Agravo de Instrumento n. 5033870-10.2020.8.24.0000, Rel. Des. Raulino Jacó Bruning, Primeira Câmara de Direito Civil, j. em 27/5/2021; TJMG, Agravo de Instrumento n.  1.0000.20.530905-7/001, Rel. Des. Fernando Lins, 20ª Câmara Cível, j. em 9/6/0021, DJe em 10/6/2021; TJSP, Apelação Cível n. 1001393-38.2018.8.26.0704, Rel. Des. Morais Pucci, 35ª Câmara de Direito Privado, Foro Regional XV – Butantã – 1ª Vara Cível, j. em 22/6/2021, DJe em 22/6/2021; TJPR, Agravo de Instrumento n. 0050209-54.2020.8.16.0000, Rel. Juíza de Direito Substituta em Segunda Grau Luciane Bortoleto, 18ª Câmara Cível, j. em 28/6/2021).

Além disso, não deve ser esquecido que, no momento, não há lei que impeça a concessão de despejos liminares, sobretudo a considerar que a Lei n. 14.010/2020, que introduziu o Regime Jurídico Emergencial e Transitório das relações jurídicas de Direito Privado (RJET) no período da pandemia do coronavírus (“COVID-19”), obstou a concessão de liminar de despejo até 30/10/2020.

Esse cenário, portanto, revela ser evidente o direito do locador em buscar o Poder Judiciário para obter provimento jurisdicional liminar de despejo, a despeito da pandemia que assola o mundo.

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