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DESISTÉNCIA DO COMPRADOR DE IMÓVEL – NÃO EXISTE DIREITO ABSOLUTO DE ARREPENDIMENTO: AS AÇÕES DE RESOLUÇÃO DE COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEIS PROMOVIDAS PELOS ADQUIRENTES INADIMPLENTES

DESISTÉNCIA DO COMPRADOR DE IMÓVEL – NÃO EXISTE DIREITO ABSOLUTO DE ARREPENDIMENTO: AS AÇÕES DE RESOLUÇÃO DE COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEIS PROMOVIDAS PELOS ADQUIRENTES INADIMPLENTES

DESISTÉNCIA DO COMPRADOR DE IMÓVEL – NÃO EXISTE DIREITO ABSOLUTO DE ARREPENDIMENTO: AS AÇÕES DE RESOLUÇÃO DE COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEIS PROMOVIDAS PELOS ADQUIRENTES INADIMPLENTES

Luiz Antonio Scavone Junior

 

Em razão da grave crise que assola o Brasil, tornaram-se comuns, aos milhares, os pleitos de resolução dos compromissos de compra e venda de imóveis pleiteados por “desistentes“, que, em razão da queda do valor dos imóveis, buscam restituição daquilo que pagaram em razão do contrato.

Na verdade, com o arrefecimento do mercado, muitos buscam instados até por propaganda em meios de comunicação, simplesmente desistir do negócio sem demonstrar a impossibilidade de pagamento, o que gera grande instabilidade à segurança dos negócios jurídicos e não encontra previsão no sistema.

Não se ignora que, demonstrando a impossibilidade de pagar, o que é fundamental, o adquirente de imóvel por compromisso de compra e venda conta com o justo direito de buscar a resolução do contrato, arcando com as consequências do seu inadimplemento.

Neste sentido, as Súmulas nºs 1 e 2 do Tribunal de Justiça de São Paulo, que, respectivamente, reconhecem o direito de o inadimplente ingressar com a ação e o direito à devolução em única parcela, sem a aplicação da cláusula considerada abusiva, de devolução dos valores em parcelas, muitas vezes no mesmo número que o adquirente houver pago:

Súmula nº 1: O compromissário comprador de imóvel, mesmo inadimplente, pode pedir a rescisão do contrato e reaver as quantias pagas admitidas a compensação com gastos próprios de administração e propaganda feitos pelo compromissário vendedor, assim como com o valor que se arbitrar pelo tempo de ocupação do bem.

Súmula nº 2: A devolução das quantias pagas em contrato de compromisso de compra e venda de imóvel deve ser feita de uma só vez, não se sujeitando à forma de parcelamento prevista para a aquisição. Importante salientar, entretanto, que o direito conferido ao promitente comprador inadimplente não é absoluto.

Não é dado ao adquirente decidir quando quer pagar e quando quer cumprir a sua obrigação.

Admitir o contrário seria contrariar os princípios da socialidade, da eticidade e da boa-fé, que pautam os negócios jurídicos, decorram eles ou não de uma relação de consumo (Código Civil, arts. 113 e 422, e Código de Defesa do Consumidor, art. 4º, III).

Isto significa que o promitente comprador só dispõe do direito subjetivo de buscar a resolução do contrato, na qualidade de inadimplente, se provar que não reúne mais condições de pagar.

Deveras, se o promitente comprador tem patrimônio, nos termos do art. 391 do Código Civil, o seu patrimônio deve responder pelo descumprimento das obrigações (Código Civil, art. 389), e o promitente vendedor – credor lesado pelo inadimplemento – tem a faculdade de exigir o cumprimento em vez de requerer a resolução do contrato, nos termos do art. 475 do Código Civil: “Art. 475. A parte lesada pelo inadimplemento pode pedir a resolução do contrato, se não preferir exigir-lhe o cumprimento, cabendo, em qualquer dos casos, indenização por perdas e danos“.

A possibilidade jurídica de o promitente comprador inadimplente requerer a resolução, portanto, somente existe no sistema se ele de fato não reunir mais condições para efetivar os pagamentos.

Nesta hipótese, o promitente vendedor credor não terá a alternativa do art. 475 do Código Civil, ou seja, não há a possibilidade de exigir o cumprimento, mas apenas a de exigir a resolução do compromisso, e, diante da sua inércia, o promitente comprador inadimplente pode requerer a resolução.

Neste sentido:

Rescisão contratual. Inadimplência do autor. Extinção sob fundamento de ausência de possibilidade jurídica e falta de interesse processual. Inadmissibilidade. Mesmo sendo inadimplente, tem o autor o direito de tentar obter, via judicial, a devolução (integral ou parcial) das parcelas pagas e de ver declarado rescindido o contrato por impossibilidade de pagamento, mesmo que arcando com as consequências do fato. Recurso provido para se afastar a extinção, prosseguindo o feito. (TJSP, AC 56.419-4, São Paulo, 7ª CDPriv., Rel. Benini Cabral, 02.09.1998, v.u.)

Contrato. Compromisso de compra e venda de imóvel. Cláusula de arrependimento pelo comprador. Inexistência. Não corresponde à melhor interpretação do nosso sistema legal negar-se o direito à ação de resolução do contrato a compromissário-comprador que por circunstâncias excepcionais se torna inadimplente. (TJSP, AC 060.480-4, Ribeirão Preto, 7ª CDPriv., Rel. Oswaldo Breviglieri, 04.11.1998, v.u.)

O Superior Tribunal de Justiça já adotou o entendimento que tem passado muitas vezes despercebido, segundo o qual o inadimplente pode pleitear a resolução, desde que prove não dispor de meios para pagar, aplicando, se não houver ocupação do imóvel (se houver, além da perda, o equivalente ao uso deve ser abatido do valor a ser restituído), a perda de 25{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6} do valor pago a título de pena.

Eis um julgado neste sentido:

Civil. Promessa de compra e venda. Desistência. Ação pretendendo a rescisão e a restituição das importâncias pagas. Retenção de 25{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6} em favor da vendedora, como ressarcimento de despesas. Código de Defesa do Consumidor, arts. 51, II, 53 e 54. Código Civil, art. 924 [atual art. 413]. I – A col. 2ª Seção do STJ, em posição adotada por maioria, admite a possibilidade de resilição do compromisso de compra e venda por iniciativa do devedor, se este não mais reúne condições econômicas para suportar o pagamento das prestações avençadas com a empresa vendedora do imóvel (EREsp 59.870/SP, Rel. Min. Barros Monteiro, DJU de 09.12.2002, p. 281). II – O desfazimento do contrato dá ao comprador o direito à restituição das parcelas pagas, porém não em sua integralidade. Percentual de retenção fixado para 25{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6}. Precedentes do STJ. III – Recurso especial conhecido e parcialmente provido. (STJ, REsp 332.947/MG, 4ª T., Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, Julgado em 24.10.2006, DJ, 11.12.2006, p. 360)

Todavia, na maioria das ações que tramitam no foro, não há um elemento sequer que demonstre que o autor desses pedidos tenha perdido o emprego ou que não reúna mais condições para pagar o que avençou, condições imprescindíveis para se valer da jurisprudência que admite o seu pedido de resolução.

Não existe, e disso estou convicto, direito ao arrependimento tempos depois da contratação sem a demonstração de qualquer vício ou mácula do negócio que entabulou.

No Estado de São Paulo, não é este, definitivamente, o alcance da Súmula nº 1 do Tribunal de Justiça.

De mais a mais, nesta medida, admite-se a execução das parcelas devidas.

Valho-me, ainda, para a conclusão da impossibilidade de admitir direito absoluto à desistência dos contratos, da natureza jurídica da cláusula penal compensatória em razão de o benefício ser do credor.

Se assim o é, impossível o devedor (sujeito passivo da obrigação) comparecer aduzindo que prefere pagar a pena compensatória a cumprir a obrigação (dar, fazer ou não fazer).

Logo, é importante a distinção entre a cláusula penal e a multa penitencial – pactum displicentiae dos romanos que inspirou o sistema francês e, nesse sentido, a lição de Robert Pothier (Traité des obligations: oeuvres complètes. Paris: Langlois-Duran, v. II, 1844, n. 343).

Não existe no sistema jurídico brasileiro qualquer norma semelhante ao art. 1.152 do Código Civil francês, que dispõe sobre a multa penitencial (multa poenitentialis), diferentemente do que faz com a cláusula penal (art. 1.226).

No sistema francês, a multa penitencial permite que o devedor não cumpra a obrigação e se apresente para pagar o valor estipulado.

Em outras palavras, em razão da multa penitencial estipulada no contrato, o devedor se libera do cumprimento pagando-a.

No Brasil, há limites para imposição de pena e só encontramos previsão de cláusula penal.

Como se isso não bastasse, há cristalina disposição no art. 410 do Código Civil, segundo o qual a cláusula penal é uma alternativa em benefício do credor e não do devedor.

Sendo assim, parece-me evidente, evidentíssimo, aliás, que o devedor solvente não pode comparecer com o intuito de pagar o valor referente à cláusula penal em detrimento do cumprimento da obrigação.

Assim, em resumo, tratando-se de devedor solvente: a) o credor é quem poderá escolher entre a cobrança da cláusula penal, a exigência do cumprimento da obrigação tal qual foi convencionada com a cláusula penal moratória ou, como demonstraremos os prejuízos efetivamente provados; b) esse é um benefício do credor, de tal sorte que não cabe a opção ao devedor; e c) no nosso sistema não existe, em regra, a multa penitencial, que, a rigor, tornaria sem efeito a função ontológica da cláusula penal, bem como as limitações percentuais a ela impostas (Código Civil, art. 412).

De qualquer forma, encontra-se à disposição do devedor a possibilidade de pactuar arras penitenciais, desde que o contrato disponha de direito de arrependimento, de forma clara, em respeito ao princípio da boa-fé, com a obrigação de o inadimplente perder o que entregou ou devolver em dobro o que recebeu.