A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA NO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR
José Tadeu Neves Xavier
SUMÁRIO: Considerações iniciais; 1 A desconsideração da personalidade jurídica societária nas relações de consumo; 2 Casos de desconsideração da personalidade jurídica na norma consumerista; 3 A desconsideração da personalidade jurídica em função do prejuízo; Considerações finais; Referências.
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
A teoria da desconsideração da personalidade jurídica tem assumido papel de destaque no enfrentamento dos casos de utilização abusiva da entidade personificada em prejuízo dos seus credores. O eixo central da compreensão e aplicação desse instrumento é representado pela cláusula geral consignada no art. 50 da Codificação Civil, na qual é delineada a sua versão mais abrangente, calcada em dois pilares fundamentais: a verificação da atuação abusiva dos agentes que conduzem a pessoa jurídica (sócios, administradores, controladores) e a insuficiência de patrimônio para o cumprimento dos compromissos econômicos assumidos no mercado[1].
Entretanto, o viés especial que delineia a Codificação Consumerista oferece configuração diferenciada da disregard doctrine, que é compreendida de forma objetiva e específica. Neste contexto tem-se a aplicação da teoria desvinculada da necessidade de constatação da ocorrência dos requisitos indicados na legislação civil, bastando para tanto somente a verificação da existência de insolvência patrimonial da pessoa jurídica.
Esse é, especificamente, o objeto do presente ensaio, focando os aspectos peculiares que a teoria da desconsideração da personalidade jurídica recebe pela Codificação de Defesa do Consumidor.
1 A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA SOCIETÁRIA NAS RELAÇÕES DE CONSUMO
O Estatuto Consumerista foi o primeiro texto legislativo nacional a trazer previsão expressa sobre a teoria da desconsideração da personalidade jurídica dos entes coletivos, vindo atender ao anseio de existência de regras jurídicas mais adequadas às relações de consumo, carentes até então de normas jurídicas que rompessem com a tradição liberal e individualista que tanto marcou o direito privado tradicional.
Porém, no âmbito do Direito Consumerista, a teoria da desconsideração da personalidade jurídica ganhou contornos próprios, aptos a corresponder à forma diferenciada de tutela do consumidor[2].
As disposições sobre a possibilidade de aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica dos entes societários nas relações de consumo constam de art. 28, e seus parágrafos, nos seguintes termos:
Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.
- 1º (Vetado);
- 2º As sociedades integrantes dos grupos societários e as sociedades controladas são subsidiariamente responsáveis pelas obrigações decorrentes deste Código;
- 3º As sociedades consorciadas são solidariamente responsáveis pelas obrigações decorrentes deste Código;
- 4º As sociedades coligadas só responderão por culpa;
- 5º Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores.[3]
Tal previsão normativa se apresenta como um retoque final dado pelo legislador ao sistema de responsabilidades na relação de consumo[4], pois está prevista no final do Capítulo que cuida da qualidade dos produtos e serviços e da prevenção e reparação dos danos causados ao consumidor. Nesse sentido, Cláudia Lima Marques aponta que o reflexo da teoria da desconsideração no esforço de proteção aos interesses do consumidor é facilitar o ressarcimento dos danos causados por fornecedores-pessoas jurídicos no mercado de consumo[5]. Esse viés deve estar presente pelo intérprete e aplicador na atividade de subsunção de cada uma das normas e princípios do Direito do Consumidor. Trata-se de regra-matriz da interpretação das normas consumeristas.
No entanto, ao analisarmos esse dispositivo, constatamos uma inequívoca falta de aprimoramento do legislador, o que não pode ser utilizado como motivo para deixar de dar efetividade à proteção do consumidor, elevada a nível constitucional como direito fundamental[6]. Assim, o tema na seara consumerista deve ser analisado de forma a se extrair dele o entendimento mais consentâneo com o sentido finalístico da norma. Não há motivos para críticas destrutivas, que só viriam a debilitar a legitimidade do texto consumerista. É preciso que se proporcione uma análise construtiva, buscando luzes que venham a tornar mais nítida a utilidade e a devida aplicação do art. 28 do Código de Defesa do Consumidor. Essa é a tarefa da doutrina, ou seja, a construção para otimizar os textos normativos desprovidos de clareza.
2 CASOS DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA NA NORMA CONSUMERISTA
Antes de adentrar na análise dos casos de superação da personalidade societária previstos na Lei do Consumidor, é oportuno que se esclareça que em dois momentos o legislador referiu sob a rubrica da desconsideração da personalidade jurídica matérias de responsabilidade subsidiária e solidária, ou seja, nos casos de grupos e consórcio de empresas. O § 2º do art. 28 estabelece que as sociedades integrantes de grupos societários e as sociedades controladas são subsidiariamente responsáveis perante crédito do consumidor[7]. Tem-se, portanto, caso de responsabilização legal de terceiro, em caráter subsidiário. E, ainda, no parágrafo seguinte é estabelecida a responsabilidade solidária das sociedades consorciadas. Ora, em tais situações não temos a aplicação da disregard doctrine, ou seja, não é necessário que o julgador, no caso concreto, desconsidere a personalidade jurídica da sociedade para fazer atuar a responsabilidade estabelecida na lei.
Devidamente afastadas as hipóteses em que não se verifica verdadeiramente a previsão normativa da teoria da desconsideração da personalidade jurídica, restam três situações estabelecidas pelo legislador consumerista: (a) quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito[8], excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos e do contrato social; (b) nos casos de falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração; (c) sempre que a personalidade societária for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados ao consumidor.
No primeiro caso, temos o condicionante legal, que é a lesão dos interesses do consumidor, ou seja, somente será possível o uso da desconsideração se restar evidenciado que a prática abusiva ou ilícita foi praticada em detrimento do consumidor. O abuso de direito coloca-se como o exercício não regular de um direito reconhecido, autorizando o levantamento do véu societário, pois, nas palavras de Marlon Tomazette, a personalidade jurídica é atribuída visando determinada finalidade social: se qualquer ato é praticado em desacordo com tal finalidade, causando prejuízos a outrem, tal ato é abusivo e, por conseguinte, atentatório ao direito, sendo a desconsideração um meio efetivo de repressão a tais práticas.[9]
Luciano Amaro, ao analisar o dispositivo legal, lembra que somente será afastada a personalidade societária, nessa hipótese, quando estiver presente a incapacidade financeira da pessoa jurídica para ressarcir o dano causado ao consumidor[10], pois o caráter excepcional da efetivação da disregard doctrine é e deve ser preservado, mesmo frente à capitulação legal de conduta específica autorizada da sua aplicação. Também está autorizada a superação da personalidade jurídica da sociedade fornecedora quando verificada conduta representativa de excesso de poder, ou seja, se os administradores entidade societária assumirem conduta que vai além dos limites fixados em lei, no contrato social ou no estatuto.
A doutrina, de um modo geral, não demonstra simpatia à dicção legislativa que inclui excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos e do contrato social como motivos ensejadores da efetivação da extensão da responsabilidade da pessoa jurídica aos seus membros ou administradores, enxergando aqui a presença de meras condutas justificadoras de responsabilidade pessoal dos autores da prática de tais atos[11].
Na segunda hipótese, a intenção de causar prejuízo ao consumidor é afastada e o elemento justificador da aplicação da superação da desconsideração jurídica é a verificação de má administração societária, que ocasione desfalque patrimonial da empresa, atingindo indiretamente o crédito do consumidor[12]. Assim, ocorrendo falência, encerramento[13] ou inatividade da empresa, somente será utilizada a técnica da desconsideração quando a causa destas puder ser atribuída à má administração societária[14]. Marlon Tomazette, ao analisar essa questão, critica a escolha da dicção legislativa, colocando em dúvida a sua aplicabilidade, em face da dificuldade manifesta de definição do que pode ser considerado como má administração, que, na sua visão, seria um conceito de caráter abstrato e subjetivo[15].
A terceira situação autorizadora da efetivação da disregard doctrine no âmbito consumerista será analisada no próximo tópico.
3 A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA EM FUNÇÃO DO PREJUÍZO
A previsão expressa no § 5º do art. 28 do Código Consumerista inova na própria teoria da desconsideração da personalidade jurídica, ao estabelecer que essa deverá ser utilizada sempre que, de alguma forma, o reconhecimento irrestrito da personalidade jurídica da entidade representar obstáculos ao ressarcimento de prejuízos causados a consumidores[16]. Aqui vigora o que ficou conhecido na doutrina como teoria menor da desconsideração, na qual são desprezados os questionamentos sobre aspectos subjetivos, como a má-fé, a fraude, bastando para tanto a insolvência do fornecedor[17].
A amplitude estabelecida por este parágrafo, quanto à utilização da teoria da desconsideração, bem como o fato de possuir uma abrangência maior que o próprio caput do artigo, foi alvo de severas críticas entre os doutrinadores brasileiros[18]. Alexandre Freitas de Assumpção Alves, nessa linha, sugere que a amplitude da norma e o âmbito de sua incidência devem ser estritamente interpretados, argumentando: “Qualquer prejuízo patrimonial sofrido pelo consumidor quando o agente é uma pessoa jurídica não pode levar ao afastamento de sua personalidade” e “se o que se pretende é um aprimoramento do instituto da pessoa jurídica, não é possível sujeitar os sócios que ingressam na sociedade sob a garantia da limitação de sua responsabilidade e desvinculação de seus patrimônios à simples insatisfação de qualquer credor, ainda que seja um consumidor“[19].
Leandro Martins Zanitelli questiona a constitucionalidade do dispositivo em questão em dois aspectos. Em um primeiro momento, o autor propõe que se examine se a Constituição, ao regular a atividade econômica, não teria implicitamente vedado a supressão, pela via legislativa, da limitação de responsabilidade do empresário, o que viria a representar desestímulo à livre iniciativa e ao crescimento econômico. E, em segundo lugar, sugere que se questione a violação normativa pelo legislador consumerista do princípio da igualdade, em face da disparidade de tratamento aos créditos de que são titulares os consumidores e os demais créditos de outros parceiros contratuais, como os trabalhistas e fiscais[20].
De nossa parte, não vislumbramos nenhuma inconstitucionalidade no texto sob comento; ao contrário, ele expressa os valores elegidos pelo legislador constituinte em duas passagens de suma importância da Carta Constitucional. A proteção ao consumidor é colocada pela Constituição como direito fundamental (art. 5º, XXXII) e também erigida a princípio norteador da ordem econômica (art. 170, V). Não há vício de inconstitucionalidade de norma que excepcione o sistema de limitação de responsabilidade societária, tão largamente difundido e de reconhecível importância no nosso Direito. Para confirmar tal assertiva, basta que se recorde que as formas societárias previstas na Codificação Civil não contemplam a limitação de responsabilidade em suas características, embora sem utilização em função de questões de ordem práticas.
Da mesma forma, indicar a inconstitucionalidade do texto normativo consumerista que prevê a aplicação da teoria da desconsideração em favor do consumidor, sob a alegação de violação do princípio da isonomia em face dos credores trabalhistas e fiscais, não está em sintonia com a ideia atual de igualdade, que é exatamente o elemento motivador de toda a produção legislativa de cunho social, com é o caso do Código de Defesa do Consumidor.
O Direito do Consumidor ostenta peculiaridades que justificam a existência de regramento não coincidente com aquele destinado ao direito comum. Há um nítido interesse público na matéria consumerista de trocas e prestações de serviços que movimentam o mercado e permitem a circulação das riquezas, com inevitáveis repercussões no âmbito das relações privadas, de forma a proporcionar a efetiva tutela dos consumidores. A necessidade de consumo, o caráter preponderantemente de adesão das relações contratuais de massa e a disparidade de forças econômicas em desfavor do consumidor impõem a existência de normas mais rígidas, capazes de amenizar a ausência de equivalência entre os contratantes.
Entendemos que a vida do dispositivo em questão deverá ser estabelecida pelo intérprete, norteado pela técnica hermenêutica tradicional de harmonizar o enunciado do caput do artigo com a previsão presente no § 5º. Assim, a cláusula geral inserta no parágrafo em questão não poderá ser aplicada de forma a tornar inócua a previsão do caput do art. 28 da Lei Consumerista. No mesmo sentido, não pode ser ignorado o texto do parágrafo, deixando-se de aplicá-lo, por apego literal ao mandamento contido no caput. A conciliação necessária e inquestionável deverá passar pela ideia de que o parágrafo proporcionou uma abertura do rol de casos autorizadores da aplicação da teoria da desconsideração previstos no caput do artigo, sem o prejuízo dos pressupostos teóricos que a doutrina da desconsideração da personalidade dos entes coletivos que o legislador consumerista visou consagrar na criação do art. 28. Como afirma Luiz Antônio Rizzatto Nunes, o § 5º do referido dispositivo normativo deixa patente que as hipóteses elencadas no seu caput são meramente exemplificativas, sendo o seu intuito, acima de tudo, garantir sempre o ressarcimento do consumidor pelos danos provocados pelo fornecedor[21]. Assim, a regra consagrada no § 5º do art. 28 de Código Consumerista representa um momento de compartilhamento do Direito do Consumidor com o Direito Negocial que lhe é estranho, de forma que, por meio deste ponto contado, o aplicador do direito poderá utilizar, para justificar a incidência da teoria da desconsideração da personalidade jurídica em uma determinada relação de consumo, algum dos fatos que justificam a aplicação dessa teoria no macro sistema negocial, como a ocorrência de confusão patrimonial ou subcapitalização[22]. Dessa forma, o microssistema do Direito do Consumidor poderá ostentar o domínio de realidades jurídicas que lhe são próprias e peculiares, cunhado sob medida para a sua práxis, sem, contudo, deixar de aproveitar a evolução experimentada pelo sistema maior[23].
Finalizando, é oportuna a indagação sobre a melhor interpretação a ser dada à expressão “poderá desconsiderar“, constante do caput do art. 28 do Código do Consumidor, ou seja, a aplicação da teoria da desconsideração, nos casos previstos por esse texto normativo é indicativo de faculdade outorgada ao julgador ou trata-se de norma de incidência obrigatória.
Domingos Afonso Kriger Filho é enfático ao manifestar-se no sentido de que a expressão em comento não encerra uma simples faculdade outorgada a ser utilizada pelo magistrado, ao seu alvedrio. Entende esse autor que o juiz deverá chamar à responsabilidade os sócios que estavam na direção da empresa na ocasião da ofensa ao consumidor, sob pena de quebra da escala de valores instituída por ordem legal[24].
Comungamos com essa orientação, pois comprometida com os princípios que norteiam a aplicação da legislação consumerista, dita, em seu art. 1º, como norma de ordem pública e de interesse social. Portanto, verificada uma das hipóteses apropriadas para o uso da teoria da desconsideração, deve esta ser realizada, como melhor forma de realização da justiça.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O tratamento diferenciado que o ordenamento jurídico oferece à normatização da teoria da desconsideração no âmbito da esfera consumerista, além de confirmar a sua autonomia, reforça a importância que a Codificação Consumerista deposita no princípio da tutela da confiança e da efetiva reparação dos danos sofridos pelos consumidores[25]. Efetivamente, o consumidor, ao adquirir produtos ou contratar serviços, não possui condições de verificar as condições financeiras da pessoa jurídica com está negociando, assumindo a posição equivalente à de um credor involuntário, desprovido de qualquer instrumento que lhe permita salvaguardar as suas pretensões econômicas frente ao que lhe é infinitamente mais forte e, em grande parte das vezes, invisível quanto à sua estrutura interna.
O consumidor é levado a contratar pela confiança que lhe é criada pelas sedutoras técnicas de publicidade e pelo impacto proporcionado pela marca utilizada no mercado pelo fornecedor, para a divulgação de sua atividade. A realidade do mercado consumerista propicia uma verdadeira blindagem do fornecedor, tornando-o opaco àqueles que depositam neles sua confiança, contratando seus produtos ou serviços.
REFERÊNCIAS
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SAAD, Eduardo Gabriel. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor: Lei nº 8.078/1990, de 11.09.1990. 4. ed. São Paulo: LTr, 1999.
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SOUZA, André Pagani. Desconsideração da personalidade jurídica: aspectos processuais. São Paulo: Saraiva, 2009.
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ZANITELLI, Leandro Martins. Abuso da pessoa jurídica e desconsideração. Revista da Faculdade de Direito Ritter dos Reis, Porto Alegre, v. III, p. 181, mar./jul. 2000.
[1] Tivemos oportunidade de enfrentar o tema da análise e aplicação da disregard doctrine no âmbito do Código Civil em dois ensaios específicos: “A teoria da desconsideração da pessoa jurídica no novo Código Civil” (Revista de Direito Privado, v. 10, p. 69-85, abr./jun. 2002) e “A processualização da desconsideração da personalidade jurídica” (Revista de Processo, v. 254, p. 151-191, abr. 2016).
[2] Nas palavras de Cláudia Lima Marques: “No CDC, o método é mais uma vez tópico e funcional, bem ao gosto do CDC, no sentido de resolver o problema concreto do conflito de valores entre a manutenção do dogma da separação patrimonial e os interesses da outra parte contratante com a pessoa jurídica insolvente” (MARQUES, Claudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. 8. ed. São Paulo: RT, 2016. p. 1410).
[3] O § 1º, que foi vetado quando da sanção presidencial, contava com a seguinte redação: “A pedido da parte interessada, o juiz determinará que a efetivação da responsabilidade da pessoa jurídica recaia sobre o acionista controlador, o sócio majoritário, os sócios-gerentes, os administradores societários e, no caso de grupo societário, as sociedades que o integrem”. Alexandre Ferreira de Assumpção Alves também afirma a adequação do veto, argumentando: “Em boa hora veio o veto, pois o texto continha falhas e omissões: preliminarmente não contemplou a possibilidade do Ministério Público requerer a efetivação da responsabilidade, não da pessoa jurídica, como se disse, mas daqueles que tenham conduzido o ente moral a se desviar de sua finalidade ou abusar do direito que a lei lhe conferiu em detrimento do consumidor; em segundo, não há que se falar em desconsideração quando a lei já prevê o comprometimento dos bens particulares de acionistas controladores, administradores e gerentes e, por último, tratou de envolver as sociedades integrantes de grupos de direito pelos atos praticados por uma das associadas, esquecendo que a disregard doctrine não imputa responsabilidade à sociedade, mas aos seus membros” (ALVES, Alexandre Ferreira de Assumpção. A desconsideração da personalidade jurídica e o Direito do Consumidor: um estudo de direito civil constitucional. In: Problemas de direito civil-constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. p. 269).
[4] Cf. Domingos Afonso Kriger Filho, “o motivo que levou o legislador, nas relações de consumo, a abrir exceção à regra que distingue o sócio da sociedade, chamando aquele à responsabilidade por atos praticados em nome desta, é o fato de que neste campo ao Estado interessa a efetiva proteção do consumidor, não lhe interessando o idealismo ou simples previsão de responsabilidade” (KRIGER FILHO, Domingos Afonso. Aspectos da desconsideração da personalidade societária na lei do consumidor. Revista de Direito do Consumidor, v. 13, p. 82-83, jan./mar. 1995).
[5] MARQUES, Claudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. 8. ed. São Paulo: RT, 2016. p. 1466.
[6] A nossa Constituição Federal determina, no seu Título II (Dos Direitos e Garantias Fundamentais), que “o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor”.
[7] Luciano Amaro critica a redação do texto em análise, entendendo que este, ao estabelecer a responsabilidade subsidiária das sociedades integrantes de grupos societários, não fez referência a quem seria o devedor principal. No entanto, o próprio autor já soluciona a questão, ponderando que não são todas as sociedades integrantes do grupo que respondem subsidiariamente, pelo menos uma delas, a que participou efetivamente da relação de consumo, deve ser responsabilizada diretamente como devedora principal. Analisando esse ponto, o autor explica: “Em face do preceito legal, se a pessoa jurídica ‘A’ não tiver condição patrimonial de responder pelas obrigações oriundas das relações em que ocupe a posição de fornecedora, outras sociedades ‘B ’e ‘C’ (integrantes do grupo de sociedades a que a ‘A’ pertence), poderão ser chamadas, subsidiariamente, para responder por tais obrigações” (AMARO, Luciano. Desconsideração da pessoa jurídica no Código de Defesa do Consumidor. Revista de Direito do Consumidor, v. 5, p. 180, jan./mar. 1993).
[8] Na opinião de Domingos Afonso Kriger Filho, “dentre as hipóteses avençadas pelo art. 28 da Lei de Consumo, a única que tem correspondência aproximada com a teoria da desconsideração é a de abuso de direito, uma vez que, nesse caso, a sanção premial do Estado ao ente assim personificado poderia representar uma ameaça à escala de valores previamente estabelecida pelo ordenamento jurídico. É somente nela que existe vício no exercício de uma faculdade – no caso a de se associar – tendente a praticar atos que não correspondem aos fins teóricos e abstratos visados pela lei ao consagrar a personalidade societária” (KRIGER FILHO, Domingos Afonso. Aspectos da desconsideração da personalidade societária na lei do consumidor. Revista de Direito do Consumidor, v. 13, p. 85, jan./mar. 1995). No mesmo sentido manifesta-se Alexandre Couto Silva: “No caput do art. 28, apenas o caso de abuso de direito pode ser entendido como justificadora da desconsideração. As hipóteses de excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social, falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica, desde que provocados por má administração, não se enquadram como hipóteses de desconsideração, pelo já abordado. A violação dos estatutos ou contrato social é hipótese de teoria da ultra vires. Nos casos de ato ilícito, este deverá ser reparado por quem o criou: diretamente, a sociedade, ou, indiretamente, os diretores, gerentes ou sócios. Falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração, por si só, não configuram casos de desconsideração da personalidade jurídica, devendo ser acompanhados das verdadeiras hipóteses que ocorrem quando o instituto da pessoa jurídica é utilizado para realizar o abuso de direito, defraudar credores, evitar uma obrigação existente, tirar vantagem da lei, atingir ou perpetuar monopólio, proteger a desonestidade ou o crime, quando há confusão entre sócio e sociedade ou sociedades do mesmo grupo, evitando-se sempre a ocorrência de injustiças” (SILVA, Alexandre Couto. Aplicação da desconsideração da personalidade jurídica no Direito brasileiro. São Paulo: LTr, 1999. p. 159).
[9] TOMAZETTE Marlon. Curso de direito empresarial: teoria geral e direito societário. 6. ed. São Paulo: Atlas, v. 1, 2014. p. 258.
[10] AMARO, Luciano. Desconsideração da pessoa jurídica no Código de Defesa do Consumidor. Revista de Direito do Consumidor, v. 5, p 80, jan./mar. 1993.
[11] André Pagani de Souza, ao se deter na análise do caput do art. 28 do CDC, defende que somente a referência ao abuso de direito estaria em consonância com a elaboração doutrinária da disregard doctrine (SOUZA, André Pagani. Desconsideração da personalidade jurídica: aspectos processuais. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 65).
[12] A má administração atinge primeiramente a própria empresa, causando seus efeitos danosos diretamente nesta, pelo que se pode dizer que neste caso o consumidor é atingido indiretamente.
[13] Luciano Amaro desenvolve crítica ao legislador consumerista que estabeleceu a previsão da desconsideração em favor do consumidor apenas na hipótese de encerramento das atividades por má administração. O autor refere expressamente que, “em suma, parece-nos mal posta a hipótese legal, já pela falta de nexo entre a qualidade de sua administração e os eventuais prejuízos do consumidor, já pela falta de isonomia entre o tratamento dado ao consumidor da empresa, encerrada por má-administração, e o conferido ao consumidor que tenha tido a infelicidade de ser cliente de uma empresa bem administrada que encerrou suas atividades. Não é por aí que se deve buscar a proteção do consumidor, que seria talvez melhor servido se o dispositivo não contivesse o adendo em exame” (AMARO, Luciano. Desconsideração da pessoa jurídica no Código de Defesa do Consumidor. Revista de Direito do Consumidor, v. 5, p. 180, jan./mar. 1993).
[14] O Tribunal de Alçada de Minas Gerais aplicou a teoria da desconsideração nesta hipótese em acórdão assim ementado: “A responsabilidade civil do administrador, para efeitos da desconsideração da personalidade jurídica (art. 28 da Lei nº 8.078/1990), se mantém, mesmo após a cessação de suas funções na sociedade. A administração da empresa é composta de atos contínuos, que se encadeiam e não se podem individualizar em curto lapso de tempo. O fato de o administrador ter se afastado do conselho de administração da sociedade, que se encontra em processo de liquidação extrajudicial, por si só, não significa que o mesmo esta desvinculado das ações que praticou no comando da organização, podendo vir a responder pelas consequências da má administração, se a deficiência de sua conduta restar configurada” (AC 186.218-2, da Comarca de Belo Horizonte). Também cabe conferir julgamento do Recurso Especial nº 737000/MG, relatado pelo Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, 3ª Turma do STJ, julgado em 01.09.2011: “Ação de resolução de contrato de promessa de compra e venda de imóvel proposta contra a construtora e seus sócios. Desconsideração da personalidade jurídica. Art. 28, caput e § 5º, do CDC. Prejuízo a consumidores. Inatividade da empresa por má administração. 1. Ação de resolução de contrato de promessa de compra e venda de imóvel movida contra a construtora e seus sócios. 2. Reconhecimento pelas instâncias ordinárias de que, em detrimento das consumidoras demandantes, houve inatividade da pessoa jurídica, decorrente da má administração, circunstância apta, de per si, a ensejar a desconsideração, com fundamento no art. 28, caput, do CDC. 3. No contexto das relações de consumo, em atenção ao art. 28, § 5º, do CDC, os credores não negociais da pessoa jurídica podem ter acesso ao patrimônio dos sócios, mediante a aplicação da disregard doctrine, bastando a caracterização da dificuldade de reparação dos prejuízos sofridos em face da insolvência da sociedade empresária. 4. Precedente específico desta Corte acerca do tema (REsp 279.273/SP, Rel. Min. Ari Pargendler, Relª p/o Ac. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJ 29.03.2004). 5. Recurso especial conhecido e provido”.
[15] TOMAZETTE, Marlon. Curso de direito empresarial: teoria geral e direito societário. 6. ed. São Paulo: Atlas, v. 1, 2014. p. 258. Fábio Ulhoa Coelho, de outra banda, também se coloca de forma contrária à previsão normativa em foco, mas sob outro argumento: “Aqui, cogita-se de erros do administrador na condução dos negócios sociais. Quando ele desatende às diretrizes fixadas pelas técnicas administrativas, pela chamada ‘ciência’ da administração, deixando de fazer o que elas recomendam ou fazendo o que desaconselham, e disto sobrevêm prejuízos à pessoa jurídica, ele administra ‘mal’; e, se ocorrer a falência da sociedade empresária, a insolvência da associação ou fundação ou mesmo o encerramento ou a inatividade de qualquer uma delas em decorrência da má-administração, então será possível imputar ao administrador a responsabilidade pelos danos sofridos pelos consumidores. Novamente, a existência e autonomia da pessoa jurídica não obstante essa responsabilização, descabendo, por isso, a referência à sua desconsideração” (COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial: direito de empresa. 20. ed. São Paulo: RT, v. 2, 2016. p. 75).
[16] Viviane Coelho de Séllos apresenta a seguinte decisão do 1º TACSP, aplicando o disposto no art. 28, § 5º, do CDC: “A ré, desde 21.08.1991 é sucessora da original vendedora, tem mesmo fundo de comércio, mesmo ramo de atividade e mesmo endereço. Responde pelos contratos firmados pela antecessora. O Código de Defesa do Consumidor, diz em seu art. 6º, VIII (direitos básicos), que há a inversão do ônus da prova quando verossímil a sua alegação; comprou, pagou, não recebeu e, a sucessora não quer entregar. É caso para o Ministério Público também para as autoridades Fazendárias. No CDC, há solidariedade de responsabilidade (arts. 18 e 19) e há desconsideração da personalidade jurídica (art. 28) houve aqui fragrante ato ilícito. Aplica-se, no caso, por inteiro o art. 28 em seu § 5º, desconsiderando-se a pessoa jurídica quando a sua personalidade for obstáculo ao ressarcimento dos prejuízos do consumidor” (AC 557.007-2, Rel. Juiz Mendes de Freitas, ac. un., J. 24.03.1994. In: Defesa do consumidor – Empresa sucessora – Responsabilidade solidária – Teoria da desconsideração da personalidade jurídica – Aplicação. RDC, v. 14, p. 117).
[17] A aplicação da teoria menor da desconsideração da personalidade jurídica em matéria consumerista foi contemplada em decisão do STJ proferida em demanda onde foi questionada a responsabilidade frente a danos causados em função de uma explosão em um shopping center na cidade de Osasco, fato esse que ganhou repercussão nacional. O acordão recebeu a seguinte ementa: “Responsabilidade civil e Direito do Consumidor. Recurso especial. Shopping Osasco/SP. Explosão. Consumidores. Danos materiais e morais. Ministério Público. Legitimidade ativa. Pessoa jurídica. Desconsideração. Teoria maior e teoria menor. Limite de responsabilização dos sócios. Código de Defesa do Consumidor. Requisitos. Obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores. Art. 28, § 5º. […] A teoria menor da desconsideração, acolhida em nosso ordenamento jurídico excepcionalmente no direito do consumidor e no direito ambiental, incide com a mera prova de insolvência da pessoa jurídica para o pagamento de suas obrigações, independentemente da existência de desvio de finalidade ou de confusão patrimonial. Para a teoria menor, o risco empresarial normal às atividades econômicas não pode ser suportado pelo terceiro que contratou com a pessoa jurídica, mas pelos sócios e/ou administradores desta, ainda que estes demonstrem conduta administrativa proba, isto é, mesmo que não exista qualquer prova capaz de identificar conduta culposa ou dolosa por parte dos sócios e/ou administradores da pessoa jurídica. A aplicação da teoria menor da desconsideração às relações de consumo está calcada na exegese autônoma do art. 5º do art. 28 do CDC, porquanto a incidência desse dispositivo não se subordina à demonstração dos requisitos previstos no caput do artigo indicado, mas apenas à prova de causar, a mera existência da pessoa jurídica, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores. Recursos especiais não conhecidos” (REsp 279.273/SP, 3ª Turma, Relª Min. Fátima Andrighi, J. 04.12.2003).
Veja-se, ainda, o seguinte precedente do STJ: “Direito do consumidor e processual civil. Recurso especial. Execução frustrada. Pedido de desconsideração da personalidade jurídica. Indeferimento. Fundamentação apoiada na inexistência dos requisitos previstos no art. 50 do CC/2002 (teoria menor). Omissão. Ofensa ao art. 535 do CPC reconhecida. 1. É possível, em linha de princípio, em se tratando de vínculo de índole consumerista, a utilização da chamada teoria menor da desconsideração da personalidade jurídica, a qual se contenta com o estado de insolvência do fornecedor, somado à má administração da empresa, ou, ainda, com o fato de a personalidade jurídica representar um ‘obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores’ (art. 28 e seu § 5º CDC). 2. Omitindo-se o Tribunal a quo quanto à tese de incidência do art. 28, § 5º, do CDC (teoria menor), acolhe-se a alegação de ofensa ao art. 535 do CPC. 3. Recurso especial parcialmente conhecido e provido” (REsp 1.11.153, 4ª Turma, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, J. 06.12.2012).
[18] Domingos Afonso Kriger Filho, salvo melhor juízo, apresenta a seguinte contradição na análise do dispositivo legal em questão. Inicialmente, pondera: “Apesar das opiniões contrárias, achamos perfeitamente possível a superação da personalidade societária quando esta constituir-se em óbice par a recomposição do patrimônio do consumidor lesado. E assim pensamos porque, como vimos, interessa ao legislador acima de tudo, a efetiva proteção do consumidor”. E mais adiante apresenta a seguinte crítica ao § 5º do art. 28 do Código do Consumidor: “A previsão da desconsideração da personalidade jurídica no caso em que a sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento dos prejuízos causados ao consumidor encerra, também, uma falha, uma vez que o superamento da personalidade objetiva só e somente buscar no patrimônio dos sócios o montante necessário para fazer frente aos danos provocados. Tal modo de compreender o assunto é completamente errôneo, dado que, com vimos, o objetivo principal da desconsideração é atribuir a outras pessoas, que não aquelas que figuram na relação jurídica, os atos jurídicos – válidos na sua essência – praticados pela sociedade em desacordo com os fins previstos em lei ao lhe outorgar personalidade, sendo que a vinculação patrimonial dos sócios é, em virtude disso, decorrência do superamento e não sua condição” (KRIGER FILHO, Domingos Afonso. Aspectos da desconsideração da personalidade societária na lei do consumidor. Revista de Direito do Consumidor, v. 13, p. 83 e 86, respectivamente, jan./mar. 1995).
[19] ALVES, Alexandre Freitas de Assumpção. A desconsideração da personalidade jurídica e o Direito do Consumidor: um estudo de direito civil constitucional. In: Problemas de direito civil-constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. p. 272.
[20] ZANITELLI, Leandro Martins. Abuso da pessoa jurídica e desconsideração. Revista da Faculdade de Direito Ritter dos Reis, Porto Alegre, v. III, p. 201/202, mar./jul. 2000.
[21] NUNES, Antônio Rizzatto. Curso de direito do consumidor. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 789.
[22] O TJRS, no julgamento da Apelação Cível nº 196147912, entendeu por aplicar a teoria da desconsideração da personalidade societária, com base no § 5º do art. 28 do CDC, considerando a falta de idoneidade financeira da empresa administradora de consórcio (5ª C.Cív., Rel. Des. Silvestre Jasson Ayres Torres). No julgamento do Agravo de Instrumento nº 595131186, a 7ª Câmara Cível, o TJRS confirmou a possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica em favor do consumidor, com fulcro no disposto no § 5º do art. 28 do CDC, argumentando que “os novos rumos do Direito, na proteção do consumidor, têm evitado a constrangedora realidade consistente em verdadeiro paradoxo, qual seja o de as empresas soçobrarem, enquanto os empresários enriquecem. Por isso, em boa hora, a Lei nº 8.078/1990, consagrou em seu texto a doutrina de desconsideração da pessoa jurídica, de larga aplicação no direito anglo-saxão sempre que ela serve de escudo protetivo àqueles que ingressam no mercado sem qualquer risco, constituindo empresas sem idoneidade econômica. Isso para não falar nas hipóteses teratológicas, em que a pessoa jurídica acoberta atividades manifestamente ilícitas… com efeito, a agravada descumpriu integralmente o contrato, não contestou a ação de resolução contratual e repetição do pagamento, não indicou bens à penhora, descumpriu acordo celebrado para sustar a execução da sentença e, persistindo em sua atitude olímpica, não veio a Juízo para contraminutar o agravo. Ficou saliente frente às graves assertivas da agravante, referentemente à sua situação econômico-financeira, demonstrando, assim, que, efetivamente, não oferece àqueles que com ela contratam, qualquer garantia pelo descumprimento de suas obrigações” (Rel. Des. Luiz Felipe Azevedo Gomes).
[23] Ana Carolina Rodrigues e Yolanda Silvia Sendon Rodrigues realizaram interessante pesquisa junto ao Tribunal de Justiça de São Paulo, no ano de 2015, constatando que alguns juízes de primeira instância ainda exigem, para fins de desconsideração da personalidade jurídica em relações de consumo, que os requisitos do art. 50 do Código Civil sejam cumpridos. Porém, essa leitura não tem encontrado respaldo na segunda instância, em que parte das decisões desfavoráveis à desconsideração da personalidade jurídica é reformada. As autoras informam ainda que “também foram encontradas decisões de primeira instância desfavoráveis à desconsideração da personalidade jurídica sob o fundamento de que não foram esgotados os meios para satisfação da demanda do consumidor. Entendemos que tal argumento se coaduna com os preceitos do art. 28 do CDC. De acordo com os resultados da pesquisa realizada, notou-se que, das decisões consideradas, 85{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6} foram favoráveis à desconsideração da personalidade jurídica. Em primeira instância o cenário é diferente, havendo um total de cerca de 50{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6} de decisões favoráveis à desconsideração da personalidade jurídica”, concluindo “este cenário demonstra a ampla aplicabilidade da desconsideração da personalidade jurídica no âmbito das relações de consumo” (RODRIGUES, Ana Carolina; RODRIGUES, Yolanda Silvia Sendon. A desconsideração da personalidade jurídica no Código de Defesa do Consumidor. Revista de Direito Público e Economia – RDPE, ano 15, n. 57, p. 35, jan./mar. 2017).
[24] KRIGER FILHO, Domingos Afonso. Aspectos da desconsideração da personalidade societária na lei do consumidor. Revista de Direito do Consumidor, v. 13, p. 83, jan./mar. 1995. No mesmo tom manifesta-se Olga Maria do Val: “De fato, tendo em vista que as normas do CDC são de ordem pública e de interesse social, podem e devem ser aplicadas de ofício pelos juízes, independentemente de solicitação das partes envolvidas, ou ainda, de prévia cognição para verificar a sua aplicabilidade. Tratando-se de normas cogentes, os poderes dos juízes são ampliados de vez que estão obrigados a propiciar a efetiva tutela das relações de consumo”; entretanto, na conclusão de seu estudo a autora parece contradizer-se ao referir “mesmo tratando–se de medida excepcional, isto é, uma faculdade do juiz para aquelas hipóteses em que a pessoa jurídica constitua-se em obstáculo para a efetiva reparação de danos, o fato é que esta norma representa, no mínimo, um instrumento inibidor de condutas contrárias à ordem jurídica, um instrumento valioso para tornar eficaz a proteção do consumidor” (VAL, Olga Maria do. Responsabilidade civil – Desconsideração da personalidade jurídica – Prestação de serviços defeituosa – Fraude à execução – Artigo 28, caput, do CDC. Revista de Direito do Consumidor, v. 15, p. 189/190, jul./set. 1995). Eduardo Gabriel Saad também entende pela obrigatoriedade da desconsideração: “Deflui do texto do dispositivo aqui sob análise que o juiz tem a faculdade de desconsiderar a personalidade jurídica de uma sociedade. Temos para nós que essa faculdade converte-se em dever depois de feita a prova do prejuízo do consumidor devido a uma das circunstâncias elencadas nesse mesmo art. 28 do Código de Defesa do Consumidor. O silêncio da norma nos permite concluir que semelhante decisão do juiz não depende de requerimento da parte; o procedimento é admitido ex officio” (SAAD, Eduardo Gabriel. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor: Lei nº 8.078/1990, de 11.09.1990. 4. ed. São Paulo: LTr, 1999. p. 312).
[25] Nesta linha, Cláudia Lima Marques leciona que “os tribunais estaduais têm usado com razoabilidade e cautela esta norma do CDC, mas retirando dela toda a sua força, frisando que o instituo é de ser utilizado toda vez que os consumidores confiam na aparência, marca ou atuação de um sócio, empresa de grupo, e também em matéria de sucessão de empresas, erros na denominação ou razão social e facilitação do seu processo” (MARQUES, Claudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. 8. ed. São Paulo: RT, 2016. p. 1.413/1414). Na mesma linha, Bruno Miragem aponta: “A aplicação do § 5º do art. 28, como fundamento da desconsideração tem sua aplicação circunscrita às circunstâncias do caso concreto, de acordo com a prudência e cautela do juiz, considerando-se seu caráter subsidiário em relação à responsabilidade da própria pessoa jurídica fornecedora, mas ao mesmo tempo de garantia, de acordo com o princípio da confiança, em vista da necessidade de assegurar o direito do consumidor ao ressarcimento de seus prejuízos” (MIRAGEM, Bruno. Curso de direito do consumidor. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. p. 641).