RKL Escritório de Advocacia

DESAPROPRIAÇÃO: ASPECTOS GERAIS

 Letícia Queiroz de Andrade

 

A desapropriação é uma das formas mais incisivas de intervenção estatal na propriedade privada, conquanto possa recair até mesmo sobre bens públicos.[1] Perde apenas para o confisco – para o qual alguns reservam o nome expropriação -, que, além de seguir procedimento mais simplificado, não comporta indenização, sempre cabível na desapropriação, ainda que se trate de uma de suas modalidades sancionatórias decorrentes do descumprimento da função social do bem a ser desapropriado. Nada obstante, sendo o âmbito de aplicação do confisco bem mais restrito,[2] a desapropriação é certamente a forma compulsória de despojamento patrimonial com maior impacto social admitido pelo sistema jurídico.

Por implicar sacrifício de direito consagrado na Constituição da República, é também nela que tal instituto encontra seu fundamento jurídico e suas principais fronteiras (v. arts. 5º, caput e incisos XI, XXII, XXIII e XIV; 153, § 4º, I; 170, II, III, VI, VII; 182; 184; 185; 186; 188;189 e 191), as quais serão exploradas ao longo deste Verbete e configuram o instituto jurídico da desapropriação como uma das manifestações mais emblemáticas do princípio da preponderância[3] dos interesses públicos sobre o privado, ou, de modo mais preciso e específico para a temática da desapropriação, preponderância do interesse que extraia diretamente do bem seu melhor proveito público.[4]

Note-se que a função social da propriedade, comumente apontada como fundamento jurídico da desapropriação, já é, em si mesma, decorrência do princípio supra citado, além de que mesmo o seu mais zeloso atendimento não serve para afastar a possibilidade de desapropriação em caso de necessidade ou utilidade pública, eis que o descumprimento de tal função só é pré-requisito para as modalidades sancionatórias de desapropriação, que, na prática, ocorrem em escala bem menor.

Contudo, em um Estado Democrático de Direito (cf. art. 1º da Constituição da República), o poder expropriatório tem natureza jurídica de prerrogativa,[5] expressão que aqui se emprega em seu sentido jurídico mais estrito,[6] de poder-dever, ou melhor, como prefere o Professor Celso Antônio Bandeira de Mello, dever-poder – já que é o dever que justifica o correlato poder –, por se tratar de poder desenvolvido em vantagem de outrem e em relação a quem o titular da prerrogativa ostenta um dever. Trata-se, de modo mais particularizado, de uma prerrogativa jurídico-administrativa, ou seja, de um poder exercido em vantagem da coletividade, atrelado a deveres jurídico-administrativos[7] face aos beneficiários do exercício de tal prerrogativa.

De modo que o exercício de todo esse poderio expropriatório só se legitima em função do dever jurídico-administrativo de prover infraestrutura, equipamentos e serviços públicos, e, no caso das modalidades sancionatórias, condicionarem a propriedade de imóveis urbanos e rurais ao cumprimento de sua função social, bem como dar aos bens desapropriados por descumpri-la aproveitamento condizente com políticas de habitação e uso adequado da terra.

Estas são as finalidades econômico-sociais do instituto da desapropriação, para atendimento das quais foi criado e deve funcionar.

Entretanto, estivesse à extinção de direitos e sua frequente incorporação ao patrimônio público condicionado à concordância de seus respectivos proprietários, assim como à resolução dos ônus e problemas jurídicos relacionados à transferência da propriedade anterior, faltaria meia para a expansão e melhoria da infraestrutura, equipamentos e serviços públicos e das políticas habitacional e de uso adequado da terra.

Esta é a função jurídico-operativa[8] do instrumento expropriatório, para o desempenho da qual foi revestido de caráter compulsório, para extinção, e, originário, para aquisição, se for o caso, de uma nova propriedade, livre, portanto, de qualquer ônus e vícios que porventura tenham recaído anteriormente sobre o bem desapropriado, sem o que as finalidades econômico-sociais do instituto dificilmente seriam atingidas.

Em seus contornos mais gerais, a desapropriação pode ser definida como um procedimento que culmina na extinção do direito de alguém sobre um bem e em sua eventual incorporação, com caráter originário, ao patrimônio público, mediante o pagamento de indenização, por motivo de interesse público, consubstanciado em necessidades ou utilidades públicas, ou, ainda, interesses sociais, tipificados em lei.

Os motivos, devidamente tipificados em lei, que justificam as desapropriações servem também para diferençar as quatro modalidades previstas na legislação brasileira: 1) desapropriação por utilidade ou necessidade pública,[9] disciplinada pelo Decreto-lei 3.365/1941, que é, largamente, a mais praticada em qualquer uma das esferas federativas; 2) desapropriação por interesse social, prevista na Lei 4.132/1962, de pouco uso, conquanto possa ser também efetivada por todas as entidades federativas conforme a pertinência de cada uma de suas hipóteses ainda vigentes às respectivas competências;[10] 3) desapropriação por interesse social para fins de reforma agraria, de que tratam a Lei 4.505/1964, denominada Estatuto da Terra, e a Lei 8.629/1993, sendo seu procedimento regido pela Lei Complementar n° 76/1993, que pode ser promovida pela União Federal quando a propriedade rural descumprir sua função social;[11] e 4) desapropriação por interesse social para fins de política urbana, prevista na Lei 10.257/2001, denominada Estatuto da Cidade, a ser implementada pelos Municípios na hipótese de que imóveis urbanos persistam descumprindo sua função social após a adoção de uma série de outras medidas compulsórias.[12]

Além dos motivos justificadores, objeto sobre os quais podem recair e algumas peculiaridades procedimentais, inclusive no que toca ao ente federativo competente para promovê-las, as duas últimas modalidades de desapropriação citadas diferenciam-se das duas primeiras[13] por se revestirem de cunho sancionatório face ao descumprimento da função social dos imóveis que podem atingir, com repercussão no regime da indenização devida a seu proprietário, como adiante se verá.

As modalidades sancionatórias de desapropriação, por descumprimento da função social de imóveis rurais e urbanos, foram criadas pela Constituição e são, portanto, reguladas por leis posteriores à Constituição de 1988 e editadas de acordo com a disciplina constitucional.

Diversamente, as outras duas modalidades são disciplinadas por leis anteriores à Constituição de 1988, editadas com base em marco constitucional diverso, fato que, a nosso ver, justifica, por si só, uma revisão da regulamentação ainda vigente, sobretudo no caso da desapropriação por necessidade e utilidade pública, por se tratar da modalidade mais praticada.

Note-se que todas essas modalidades, mesmo as que podem ser implementadas por quaisquer das entidades federativas, são disciplinadas por leis editadas pela União Federal, todas com caráter nacional, haja vista que a competência privativa para legislar sobre desapropriação foi atribuída à União por força do art. 22, II, da Constituição da República.

Assim, mesmo nas modalidades em que a competência para promover a desapropriação é de mais de um ente federativo ou é exclusiva dos municípios, com ocorre na desapropriação para fins de política urbana, a competência legislativa é sempre da União, a fim de que tema que afeta tão drasticamente os cidadãos brasileiros possa ser regulado de modo uniforme em todo território nacional.

Para completar a apresentação de noções que perfazem este panorama introdutório acerca do tema das desapropriações e propiciam a melhor compreensão do conteúdo deste verbete que a ele se segue, vale ainda breve referência às denominadas  desapropriação indireta e desapropriação por zona, apenas para explicitar os respectivos conceitos que serão objeto de comentários mais adiante, assinalando não constituírem propriamente modalidades de desapropriação.

A desapropriação indireta decorre de um esbulho possessório, denominado apossamento administrativo, praticado com certa frequência pela Administração Pública, que ocupa determinado bem antes da conclusão, ou até mesmo início, do procedimento expropriatório, dando-lhe uso público que justificaria sua desapropriação, com o que conta a tolerância dos Poderes Legislativo e Judiciário, diversamente do que se faz em relação aos movimentos sociais.

Aos que se opuserem à utilização pública de seus bens, no prazo prescricional de 10 anos,[14] cabe mover uma ação ordinária de indenização que se costuma chamar de ação de desapropriação indireta, à qual se aplica regramento similar ao aplicável às desapropriações (v., por exemplo, arts. 15-A, § 3º; e 27, § 3º, II, do DL 3.365/1941).

Já a desapropriação por zona, consiste na desapropriação de áreas excedentes àquelas estritamente necessárias para realização de determinada obra ou serviço, visando sua expansão ou capturar a valorização extraordinária das áreas remanescentes à desapropriação como consequência da realização de tal obra ou serviço, conforme previsto no art. 4º do DL 3.365/1941.[15]

Pois bem. Feito esse panorama introdutório acerca do peso social, força, natureza e fundamentos jurídicos, assim como das finalidades econômico-sociais visadas e função jurídica desempenhada pelo instituto da desapropriação em suas diversas modalidades, passa-se a pormenorizar os elementos que compõem a definição acima enunciada e demais aspectos gerais abordados nesse panorama, organizados em torno das respostas às seguintes questões: O que pode ser desapropriado? Como a desapropriação se processa e qual é o destino dos bens expropriados? E, por fim, Que elementos compõem sua indenização?

Finaliza-se com alguns comentários de Política do Direito, os quais não poderiam ser omitidos em um Verbete sobre tema de tamanho peso e impacto social, que não se chega, portanto, a compreender integralmente sem que seja inserido em seu contexto econômico-social, palco propício para conflitos de interesses, com reflexos em seu tratamento jurídico, aproveitando-nos, ainda, para chamar atenção acerca da importância de se promover debate atualizado acerca do tema, inclusive com a revisão de seu marco legal.

 

1. Objeto das desapropriações: o que pode ser desaspropriado?

Conforme visto no panorama apresentado na Introdução a este Verbete, há quatro modalidades de desapropriação, diferençadas, sobretudo, por seus motivos, com repercussões importantes no que se refere ao sujeito competente para promovê-las, procedimento, valor da indenização e, também, no objeto de cada uma delas.

No que toca ao objeto, as desapropriações por interesse social são bem mais restritas do que a modalidade de desapropriação por necessidade ou utilidade pública, mais praticada e de espectro bem mais amplo, na medida a seguir exposta.

 

1.1. Bens objeto das desapropriações para fins de necessidade e utilidade pública

Conforme consta do art. 2º do DL 3.365/1941, mediante declaração de utilidade pública, todos os bens poderão ser desapropriados pela União, pelos Estados, Municípios, Distrito Federal e Territórios.

Assim, essa modalidade de desapropriação pode recair sobre qualquer objeto que possa ser qualificado como um bem, isto é, qualquer coisa material ou imaterial, móvel ou imóvel, desde que tenha conteúdo patrimonial e seja, portanto, suscetível de valoração econômica.

Conquanto o objeto mais frequente dessa modalidade de desapropriação seja bens imóveis privados – e estes são o único tipo de objeto sobre o qual as modalidades de desapropriação para fins de reforma agrária e política urbana podem recair -, bens públicos também podem ser desapropriados, conforme prevê expressamente o § 2º do art. 2º do DL 3.365/1941, assim como qualquer outro tipo de bem, como, por exemplo, direitos, entre eles os direitos possessórios, ressalvados os personalíssimos; e ações e quotas representativas do capital de empresas.

Ainda que esses sejam objeto mais “exótico” do instituto jurídico da desapropriação, apresenta-se a seguir breves considerações acerca dos exemplos de desapropriação que não recaem sobre bens imóveis privados, com a finalidade de ampliar a visão acerca de outros usos que se faz do instituto e daí destacar algumas de suas características.

 

1.1.1. Desapropriação de Bens Públicos

Apesar de possível a superposição de mais de uma utilidade pública diversa sobre um mesmo bem, a desapropriação de bens públicos[16] está sujeita a requisitos especiais, por ser a expressão de um conflito federativo, que, em regra, deve ser evitado, privilegiando-se, sempre que possível à conciliação das utilidades públicas superpostas e uma composição amigável entre os entes federativos.

O caráter excepcional da desapropriação de um bem público justifica, ainda, que a expedição do decreto de utilidade pública do bem público seja sempre precedida por autorização legislativa, conforme § 2º do art. 2º do DL 3.365/1941,[17] e, no caso de desapropriação de ações ou quotas de empresas cujo funcionamento dependa de autorização federal, a declaração de utilidade pública deve ser precedida também por decreto autorizativo do Presidente da República, conforme § 3º do mesmo dispositivo legal.

A exigência deste decreto autorizativo foi introduzida no DL 3.365/1941 pelo DL 856/1969, após a tentativa de desapropriação das ações da Companhia Central Brasileira de Força Elétrica pelo Estado do Espírito Santo, obstada pelo Supremo Tribunal Federal.[18] O entendimento adotado pelo STF foi o de que, com esta desapropriação, o Estado Capixaba visava, em verdade, promover a encampação da concessão, o que só a União, na condição de Poder Concedente poderia fazer. Tal entendimento foi consolidado na Súmula 157 e aplicado em caso mais recente, em que o Superior Tribunal de Justiça[19] manteve decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região por força da qual foram suspensos os efeitos de decretos de utilidade pública expedidos pelo Estado do Paraná, em 1994, para desapropriação das ações das concessionárias de rodovias federais que passavam por aquele Estado.

De acordo com os termos do § 2º do art. 2º do DL 3.365/1941, a desapropriação de bens públicos estaria sujeita ainda a observação de uma “escala federativa descente”, que, a nosso ver, é incompatível com o federalismo traçado na Constituição de 1988, segundo a qual os Municípios não podem desapropriar bens dos Estados e da União, nem os Estados poderiam desapropriar bens da União, em qualquer hipótese.

Conforme sustentamos em nossa monografia acerca do tema,[20]  a chamada “escala federativa descendente” há de ser interpretada, no máximo, como critério para solução de eventual conflito federativo causado pela superposição de utilidades públicas sobre um mesmo bem, haja vista que os interesses federais costumam ser mais abrangentes que os regionais e, estes, mais abrangentes que os locais.

De acordo com essa interpretação, que a chamada “escala federativa descendente” não haveria de ser observada na hipótese de bens não afetados a utilidade ou serviço público ou em qualquer outra em que não se extraia do diretamente do bem a ser desapropriado seu melhor proveito público.

Ainda que esta nos pareça ser a interpretação conforme do § 2º do art. 2º do DL 3.365/1941, seria bem vinda alteração legislativa prevendo que referida escala, assim como a autorização legislativa necessária para a desapropriação de bens públicos, não seriam aplicáveis no caso de bens dominicais, assim entendidos aquelas não afetados a utilidades públicas.

 

1.1.2. Desapropriação de Ações

A desapropriação de ações também conta com casos emblemáticos, como a que recaiu sobre as ações do Banco Hipotecário e Agrícola de Minas Gerais, promovida pelo Estado de Minas Gerais, em 1944; e sobre as ações da Companhia Paulista de Estradas de Ferro, promovida pelo Estado de São Paulo em 1961; além dos dois casos citados acima quando se tratou da desapropriação de bens públicos.

Ao julgar o caso mineiro,[21] o STF considerou correto o critério que o Estado utilizou para calcular o valor da ação, qual seja: o resultado da divisão do ativo líquido, constante do último balanço publicado, pelo número de ações em circulação, mas desde que o valor de compra das ações não seja maior.

O mesmo critério de cálculo foi adotado no caso paulista, o que resultou em valor indenizatório que o Estado considerou excessivamente alto, em função do que expediu, em 1983, decreto revogando a declaração de utilidade pública das ações expedida 22 anos antes, mesmo após já ter até mesmo extinto a Companhia Paulista de Estradas de Ferro e incorporado seu patrimônio a também já extinta FEPASA. A revogação do decreto de declaração de utilidade foi barrada pelo TJ/SP,[22] dada à inviabilidade de reposição do status quo ante, mas, ao que se sabe, as indenizações ainda pendem de pagamento.

O julgamento do caso pelo STF[23] resultou na Súmula 476, segundo a qual, desapropriadas as ações de uma sociedade, o Poder desapropriante, imitido na posse, pode exercer, desde logo, todos os direitos inerentes aos respectivos títulos.

 

1.1.3. Desapropriação da Posse

No que toca à desapropriação para extinção dos direitos possessórios de alguém sobre um bem, o direito à indenização foi reconhecido pela jurisprudência que, nessa hipótese, dispensa a prova da propriedade para levantamento da indenização, cf. art. 34 do DL 3.365/1941, cabível apenas quando houver dúvida do domínio decorrente de disputa quanto à titularidade do bem,[24] e, arbitrou em 60% o percentual do valor da indenização que seria integralmente devido no caso de propriedade sobre o mesmo bem.[25]

 

1.2. Bens objeto das desapropriações para fins de interesse social

Como exposto no panorama apresentado na Introdução a este Verbete, além das desapropriações para fins de reforma agrária e política urbana, ambas consideradas modalidades de desapropriação por interesse social, há outra modalidade desapropriação passíveis de ser efetivada por esse motivo, que é regida pela Lei 4.132/1962.

Conforme exposto no panorama introdutório a este Verbete, esta última modalidade diferencia-se das outras duas acima citadas por não ter caráter sancionatório, com repercussão na forma de pagamento de sua indenização; por se sujeitar a alguns a aspectos procedimentais diversos, inclusive no que toca as entidades federativas que poderão promovê-la, distinções que serão pormenorizadas mais adiante em tópicos próprios; e, distinguem-se, também, por outro critério mais pertinente a este tópico do objeto das desapropriações, que se relaciona aos motivos que justificam sua promoção, porque repercute no que pode ser objeto de cada uma dessas modalidades, conforme exposto adiante.

 

1.3. Bens objeto da modalidade não sancionatória

Enquanto as duas modalidades sancionatórias de desapropriação por interesse social recaem exclusivamente sobre bens imóveis, a modalidade regida Lei 4.132/1964, à semelhança da desapropriação por necessidade e utilidade pública, pode recair sobre qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial,

Importante, observar, entretanto, que o tratamento constitucional dado às modalidades sancionatórias de desapropriação por interesse social (v. arts. 182, 184 e 185 da CF), tacitamente revogou as hipóteses que justificavam a promoção da desapropriação por interesse social regidas pela Lei 4.132/1962 previstas nos incisos I à IV do art. 2º de referida Lei.

Assim, o objeto dessa modalidade não sancionatória de desapropriação pode ser qualquer bem necessário para a construção de casas populares, desenvolvimento de atividades turísticas e preservação de cursos e mananciais de água e de reservas florestais (cf. incs. V, VII e VIII do art. 2º da Lei 4.132/1964), e, ainda sobre as águas e imóveis suscetíveis de valorização extraordinária, pela conclusão de obras e serviços públicos (cf. inc. VI do mesmo dispositivo legal).

 

1.4. Características do imóvel incurso no descumprimento da função social que enseja a desapropriação para fins de reforma agrária

De acordo com os arts. 184 e 185, I, da Constituição da República, poderá ser objeto de desapropriação por interesse social, para fins de reforma agrária, as grandes propriedades rurais e também as propriedades de porte médio ou pequeno que pertençam a quem já possui outro imóvel rural e que estejam descumprindo sua função social.

Conforme previsto no art. 186, o imóvel rural não atenderá sua função social quando a ele não se dá (i) aproveitamento racional e adequado; ou (ii) utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e (iii) preservação do meio ambiente; ou, nele se faz (iv) exploração que não favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores, ou, no qual (v) não se observe as disposições que regulam as relações de trabalho.

Sendo assim, o objeto da desapropriação para fins de reforma abrange, mas não se restringe a imóveis rurais improdutivos, estendendo-se também àqueles que, apesar de produtivos incorrem em alguma das outras hipóteses não estritamente econômicas de descumprimento de sua função social, acima enumeradas. Nada obstante, são raros os casos de desapropriação para fins de reforma agrária que não seja pela improdutividade do imóvel rural.[26]

Em atendimento ao previsto no caput do art. 186 da Constituição, os arts. 6 a 9 da Lei 8.629/1993 estabelecem os critérios e graus de exigência relativos a cada uma das hipóteses acima citadas. Basicamente, considera-se: (i) racional e adequado o aproveitamento que atinja os graus de utilização da terra (GUT) e de eficiência na exploração (GEE) especificados nos §§ 1º a 7º do art. 6º da Lei 8.629/1993; (ii) adequada a utilização dos recursos naturais disponíveis quando a exploração se faz respeitando a vocação natural da terra, de modo a manter o potencial produtivo da propriedade; (iii) preservação do meio ambiente a manutenção das características próprias do meio natural e da qualidade dos recursos ambientais, na medida adequada à manutenção do equilíbrio ecológico da propriedade e da saúde e qualidade de vida das comunidades vizinhas; iv) observância das disposições que regulam as relações de trabalho o respeito às leis trabalhistas e aos contratos coletivos de trabalho e às disposições que disciplinam os contratos de arrendamento e parceria rurais; e v) exploração que favorece o bem-estar dos proprietários e trabalhadores rurais é a que objetiva o atendimento das necessidades básicas dos que trabalham a terra, observa as normas de segurança do trabalho e não provoca conflitos e tensões sociais no imóvel.

É importante mencionar, a fim de que se possa compreender melhor os problemas peculiares a esta modalidade de desapropriação e os conflitos de interesses a ela atrelados, haver intensa polêmica ao redor da metodologia de cálculo e atualização dos índices de produtividade, quais sejam, os graus de utilização da terra (GUT) e de eficiência na exploração (GEE), para fins de mensuração dos patamares de produtividade previstos nos parágrafos do art. 6º da Lei 8.629/1993.

A atualização desses índices é um das principais bandeiras do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST, haja vista terem sido estipulados em 1980, com base no Censo Agropecuário de 1975. A iniciativa mais recente de revisão desses índices, por meio de portaria que seria editada em 2005, não seguiu adiante,[27] contrariando a previsão legal que impõe o reajuste periódico de modo a se levar em conta o progresso científico e tecnológico da agricultura e o desenvolvimento regional (v. art. 11 da Lei 8.629/1993), que certamente ocorreram desde 1975.

Argumenta-se, em sentido diverso, que a estipulação de índices únicos e estáticos, ainda que estabelecidos regionalmente, não retratam o grau de produtividade da terra, o qual deveria ser apurado por meio de laudos de avaliação que considere o nível de tecnologia e as condições do solo e clima, para o que seria necessário, entretanto, alterar a legislação vigente.[28]

 

1.1.1. Características do imóvel incurso no descumprimento da função social que enseja a desapropriação para fins de política urbana

Consoante ao art. 182 da Constituição da República poderão ser desapropriados por interesse social para fins de política urbana os imóveis urbanos não edificados, subutilizados ou não utilizados, localizados em área incluída no plano diretor da cidade.

Não basta, portanto, que se trate de imóvel urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, eis que, para fins de sua expropriabilidade, o imóvel deve estar localizado em cidade que tenha um Plano Diretor e estar nele incluído.

De acordo com o § 1º do art. 182 da Constituição, o Plano Diretor é obrigatório em cidades com mais de vinte mil habitantes, ou, conforme art. 41 da Lei 10.257/2001, que integram regiões metropolitanas e aglomerações urbanas ou área de especial interesse turístico; ou, insiram-se na área de influência de empreendimentos ou atividades com significativo impacto ambiental de âmbito regional ou nacional; ou, ainda, incluam-se no cadastro nacional de Municípios com áreas suscetíveis à ocorrência de deslizamentos de grande impacto, inundações bruscas ou processos geológicos ou hidrológicos correlatos.

O Plano Diretor ou legislação dele decorrente deverá definir também o percentual mínimo de aproveitamento sem o alcance do qual o imóvel será considerado subutilizado, conforme art. 5º, § 1º, I, da Lei 10.257/2001, Estatuto da Cidade.

Vale referir que, por força do previsto no § 4º do art. 182 da Constituição da República, mesmo que o imóvel se revista de todas as características acima indicadas, sua expropriabilidade dependerá ainda de que seja editada lei municipal específica autorizando a adoção de uma série de medidas descritas no tópico pertinente às peculiaridades do procedimento expropriatório dessa modalidade de desapropriação, que nunca foi efetivada na pratica municipal brasileira.

 

2. Fases e etapas do procedimento de desapropriação e seus efeitos: como a desapropriação se processa?

O processo que culmina na desapropriação de um bem se sujeita a um procedimento de caráter misto por compreender tanto uma fase administrativa quanto uma fase judicial. Em virtude de idiossincrasias da prática registral brasileira, a desapropriação, entendida na plenitude de seus efeitos jurídicos, que serão pormenorizados a seguir, envolve, sempre, a participação do Poder Judiciário.

Cada uma dessas fases é composta por etapas diversas, as quais, enquanto sucessão itinerária de atos e fatos jurídicos, interelacionam-se, ainda que preservem cada qual sua identidade funcional própria, para a produção de um mesmo resultado final, como apresentado a seguir.

 

2.1. Judicialização como fase necessária do procedimento expropriatório para produção dos efeitos típicos do instituto

Conforme pontuado no panorama acerca do tema da desapropriação apresentado na Introdução deste Verbete, a função jurídico-operativa do instrumento expropriatório, para o qual é revestido de caráter compulsório, é a de extinguir direitos, e, quando necessária sua incorporação no patrimônio público, tal aquisição se dá em caráter originário.

Apesar de frequente, a incorporação do bem objeto de desapropriação ao patrimônio público nem sempre é necessária; ao contrário do efeito extintivo, sempre presente nas desapropriações, e, por isso, a ele atribuímos maior destaque na definição que apresentamos acerca do instituto da desapropriação na Introdução a este verbete.

Cite-se como exemplos de desapropriações, com efeito, exclusivamente extintivos as que se faz com a finalidade de extinguir direitos de construção adquiridos anteriormente a mudanças nas leis de zoneamento e para indenizar a extinção de direitos possessórios e de benfeitorias edificadas por pessoas que não os proprietários do imóvel que se pretende incorporar ao patrimônio público. Em todos esses casos, busca-se tão somente a extinção de direito, que precisa ser indenizado em virtude de sua proteção jurídica, sem necessidade de incorporá-lo ao patrimônio público.

Nada obstante, é bastante frequente que, para além da extinção de direito, pretenda-se com a desapropriação, incorporá-lo ao patrimônio público, como ocorre no caso de desapropriação de imóveis, objeto mais comum das desapropriações.

Para tanto, conforme já destacado na Introdução a este Verbete, estivesse a extinção de direitos e sua frequente incorporação ao patrimônio público condicionada à concordância de seus respectivos proprietários, assim como à resolução dos ônus e problemas jurídicos relacionados à transferência da propriedade anterior, faltariam meios para a expansão e melhoria da infraestrutura, equipamentos e serviços públicos e das políticas habitacional e de uso adequado da terra.

O instrumento jurídico da desapropriação foi delineado em função do alcance dessas finalidades econômico-social e, assim, revestido de compulsoriedade, para que possa operar seu efeito jurídico extintivo ainda que não seja essa a vontade do expropriado, e, de originariedade, para que o efeito jurídico aquisitivo possa ocorrer sempre que necessário, ainda que hajam problemas e vícios relacionados aos direitos que precisam ser incorporados ao patrimônio público.

A desapropriação é, portanto, sempre uma forma compulsória de extinção da propriedade, já que se impõe independentemente da vontade de seu titular, e, quando necessária sua incorporação ao patrimônio público, é também uma forma originária de aquisição da propriedade, o que significa que constitui uma nova propriedade, livre de qualquer ônus e vícios que porventura tenham recaído anteriormente sobre o bem desapropriado, sem o que as finalidades econômico-sociais do instituto dificilmente seriam atingidas.

Ocorre que, como já destacado no panorama introdutório deste Verbete, os cartórios de registro de imóveis no Brasil não costumam reconhecer a força originária – que, como visto, singulariza o instituto da desapropriação sempre que opera como forma de aquisição da propriedade – às escrituras de desapropriação amigável, condicionando a transferência do título de propriedade à resolução de problemas anteriores.

Com efeito, apenas a carta de sentença resultante da ação judicial de desapropriação é registrada pelos cartórios brasileiros sem qualquer tipo de questão. É por esse motivo que as aquisições que se processam integralmente no âmbito administrativo não são propriamente uma desapropriação, pois, ainda que precedidas por declarações de utilidade pública, não se lhes reconhece o efeito originário que caracteriza o instituto chamado de desapropriação.

Diante desta prática, a solução adotada tem sido a judicialização das desapropriações mesmo nos casos em que as partes estejam de acordo em relação ao valor da indenização. Nesse caso, o acordo é o homologado no âmbito da ação de desapropriação que, com base no art. 487, III, do Código de Processo Civil, e art. 22 do DL 3.365/1941, somos extinta, com o registrado da respectiva carta de sentença em cartório, com a força originária peculiar da desapropriação.

Assim, embora se possa falar em desapropriação amigável no caso de as partes chegarem a um consenso no bojo de uma ação judicial, a aquisição consensual de bens sem a intervenção do Poder Judiciário, ainda que precedida por declaração de utilidade pública não constitui propriamente uma desapropriação, a qual, para que produza plenamente seus efeitos, demanda sempre intervenção judicial, daí porque afirmamos no princípio na introdução deste tópico que o procedimento da desapropriação tem sempre uma fase judicial.

 

2.2. Fase administrativa do procedimento de desapropriação

Entende-se por fase administrativa do procedimento expropriatório a que se processa integralmente no âmbito da Administração Pública, regida, portanto, pelas regras e princípios a ela aplicáveis.

O ato de maior expressão é significado jurídico da fase administrativa é a declaração de utilidade pública ou interesse social para fins de desapropriação do bem. Assim, em função deste ato, pode-se dividir a fase administrativa em duas etapas: (i) a que precede a declaração de utilidade pública, na qual ocorre a maioria dos atos e fatos relativos ao planejamento da desapropriação, inclusive os necessários para instruir tal declaração, sendo excluídos desta etapa apenas os atos que dependem da força jurídica que advém desta declaração para serem praticados; e, (ii) a que lhe é posterior, em que, por força dos efeitos da declaração de utilidade pública ou interesse social do bem, são praticados todos os demais atos necessários à propositura da ação de desapropriação, como a estimativa do valor indenizatório e de sua correspondente previsão orçamentária.

O procedimento administrativo aplicável às modalidades sancionatórias de desapropriação que ocorrem para fins de reforma agrária ou política urbana apresenta uma série de singularidades, sobretudo em razão da necessidade de caracterização do descumprimento da função social do imóvel, que justificam tratamento em subtópico apartado, como segue.

 

2.2.1. Etapa precedente à declaração de utilidade pública: o planejamento

Conforme já mencionado é nesta etapa que ocorre a maioria dos atos e fatos relativos ao planejamento da desapropriação, como a delimitação de seu escopo, avaliação de seu impacto social e a prática de todos os demais atos necessários à expedição da declaração de utilidade pública e interesse social do bem a ser desapropriado.

Pensamos não ser exagerado afirmar que a seriedade com que este planejamento é proporcional ao grau de cidadania de uma nação. Infelizmente, nossa legislação é pobre e bastante pontual no que toca aos atos e fatos que deveriam compor este planejamento, falha que deveria ser corrigida em uma revisão do marco legal das desapropriações.

 

2.2.1.1. Delimitação do escopo da desapropriação e avaliação de seu impacto social

No caso das desapropriações por necessidade ou utilidade pública ou, ainda, pelo interesse social de que trata a Lei 4.132/1962, o escopo da desapropriação é delimitado com base nos projetos, plantas e mapas pertinentes às intervenções que serão executadas para atendimento da necessidade ou utilidade pública que justificará a desapropriação, a partir do que se procede a uma identificação prévia dos bens que seriam por ela atingidos.

Para tanto, deve-se considerar não só a necessidade e utilidade imediata dos bens, mas, também as decorrentes de futuras expansões das obras e serviços a serem executados, e, eventualmente, outras áreas contíguas que justifiquem a desapropriação por zona de que trata o art. 4º do DL 3.365/1941.[29]

Apesar de não ser expressamente exigido por nossa legislação, deve-se avaliar também o impacto social da desapropriação pretendida, como recomendam os princípios republicano, da razoabilidade e proporcionalidade, que devem nortear o exercício da função administrativa. Nesse sentido, sobretudo quando identificada a necessidade de se promover desapropriações com grande impacto social, deve-se analisar a viabilidade de planos e medidas alternativas, sempre visando minorar ou, quando menos, compensar o impacto social da intervenção.

 

2.2.1.2. Demais atos necessários para instruir a declaração de utilidade pública

A partir dessa identificação prévia, devem ser levantados os registros, certidões imobiliárias e demais dados cadastrais dos bens que serão atingidos, os quais, além de outros elementos pertinentes à caracterização do bem, instruirão a proposta de declaração de utilidade pública do bem, a ser enviada para o órgão competente para tanto, da qual já deve constar também o nome da entidade em nome de quem os bens serão incorporados.

É o que normalmente se pratica, apesar de não haver, em nossa legislação, indicação dos elementos que deverão instruir a declaração de utilidade, outra lacuna que a nosso ver deveria ser corrigida em uma revisão do marco legal, conforme apontado no tópico dos comentários acerca de Política do Direito.

Tais atos que antecedem a expedição da declaração de utilidade pública devem ser conduzidos sempre pelo próprio Poder Público, uma vez que a delimitação do escopo da desapropriação é incumbência sua.

É comum, no entanto, que as entidades que exerçam funções delegadas de Poder Público cujos contratos atribua-lhes a incumbência de promover atos executórios da desapropriação, com base no que prevê o art. 3º do DL 3.365/1941, prestem algum apoio material, sobretudo porque, nessas hipóteses, cabe-lhes também elaborar as plantas, projetos e memoriais descritivos acerca da intervenção que será realizada.

 

2.2.1.3. A expedição da declaração de utilidade pública e interesse social

A declaração de utilidade pública ou interesse social do bem que se pretende desapropriar é como dito, o ato jurídico mais importante da fase administrativa do procedimento de desapropriação, já que é a partir dela que o bem passa a estar submetido à força expropriatória, além de outros efeitos jurídicos relevantes, os quais são abordados após algumas considerações a respeito dos sujeitos competentes para sua expedição.

(a) Sujeitos competentes para expedição da declaração

De acordo com o art. 6º do DL 3.365/1941, a declaração de utilidade pública se fará por meio de decreto do chefe do Poder Executivo, denominado DUP, conquanto o art. 8º do mesmo diploma legal confira também ao Poder Legislativo a faculdade de editar as declarações de utilidade pública que lhe sejam pertinentes, prevendo-se que, nessa hipótese, caberá ao Poder Executivo promover os atos executórios da desapropriação.

Além do Poder Legislativo e chefes do Poder Executivo, algumas leis conferem a competência de expedir tal declaração a pessoas jurídicas de direito público no que toca à sua área de atuação, como ocorre em relação ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA (cf. art. 22 da Lei 4.505/1964), Departamento Nacional de Infraestrutura e Transportes – DNIT (cf. art. 82 da Lei 10.233/2001) e à Agência Nacional de Energia Elétrica – ANELL (cf. art. 10 da Lei 9.074/1995).

Trata-se de medida de descentralização compatível com a personalidade jurídica de direito público de tais entidades e que produz efeito positivo de desburocratização, já que, na prática, são essas as entidades responsáveis pela pratica dos atos preparatórios necessários à promoção das desapropriações, eliminando-se a necessidade de que a proposta de declaração de utilidade pública seja remetida, primeiro, ao ministério ou secretaria de governo a que tais entidades se vinculam, e siga, depois, à Casa Civil ou outra secretaria de articulação político-institucional, e, só então, seja por ela remetida à chefia do Poder Executivo, em tramite que não costuma demorar menos que seis meses, sem que os demais órgãos envolvidos façam análise substancial da proposta enviada.

Conforme sugerido no tópico em que apresentamos comentários de Política do Direito, a delegação da competência para que pessoas jurídicas de direito público possam declarar a utilidade pública de bens pertinentes à sua área de atuação, mediante certas condições, já poderia estar previamente autorizada em lei, para ser efetivada mediante ato administrativo de delegação, mantendo-se a entidade delegante informada acerca das principais características da desapropriação a ser promovida.

No caso da modalidade não sancionatória de desapropriação por interesse social, a declaração será também expedida pelo Chefe do Poder Executivo da entidade federativa com competência para promover cada uma de suas hipóteses, conclusão a que se chega ante a ausência de previsão legal específica em sentido diverso, hipótese em que se deve estender a esta modalidade o tratamento das desapropriações por necessidade e utilidade pública.

No que toca às desapropriações por interesse sociais para fins de reforma agrária, a correspondente declaração poderá ser formalizada por meio de decreto expedido pelo Presidente da República, conforme art. 2º da LC 76/93, ou, pelo INCRA, conforme autoriza o art. 22 do Estatuto da Terra.

Quanto às desapropriações por interesse sociais para fins de política urbana, não há qualquer previsão acerca da declaração que lhe seria correspondente. Tal fato pode ser interpretado como uma lacuna a ser preenchida pela aplicação de algum dos diplomas que tratam das demais modalidades, ou, tratar-se de uma singularidade dessa modalidade, haja vista ser precedida por lei municipal específica, que expressa, portanto, as vontades dos Poderes Executivo e Legislativo de submeter o bem ao regime peculiar da desapropriação para fins de política urbana.

Por se tratar de lei de efeitos concretos, editada especificamente para o imóvel visado, consideramos ser desnecessária a edição de mais um ato jurídico para expressar a vontade de submeter esse bem à força expropriatória, desde que a possibilidade de desapropriação, no caso de insucesso das demais medidas descritas no tópico pertinente ao procedimento de desapropriação, conste expressamente de tal lei.

(b) Efeitos Jurídicos Da Declaração

Pois bem. Além de submeter o bem à força expropriatória, condição necessária para a propositura de ação de desapropriação da declaração de utilidade pública emana outros três efeitos jurídicos importantes.

O primeiro desses efeitos jurídicos relevantes a ser citado é que, a partir da declaração de utilidade pública ou interesse social, inicia-se a contagem de seu prazo de validade, que só se interrompe com o despacho que ordena a citação do expropriado, retroagindo-se à data de propositura da ação de desapropriação, conforme prevê o § 1º do art. 240 do Código de Processo Civil.

O art. 1º do DL 3.3651/1941 fixa em cinco anos o prazo de validade das declarações de utilidade pública e o prazo aplicável às declarações de interesse social, em sua modalidade não sancionatória e para fins de reforma agrária[30] é de dois anos, conforme art. 2º da Lei 4.132/1962 e art. 3º da Lei Complementar 76/1993.

Nos termos do art. 10 do DL 3.365/1941, trata-se de prazo de caducidade, de modo que, finda a validade da declaração de utilidade pública,  extingue-se o direito de promover os atos executórios pertinentes à ação de desapropriação. Nada obstante, o mesmo dispositivo legal prevê que, após o transcurso de um ano, pode-se expedir uma nova declaração de utilidade pública, aplicando-se o mesmo no caso de interesse social haja vista a ausência de previsão específica.

Outro efeito jurídico importante atrelado à declaração de utilidade pública é que, a partir dela, ficam as autoridades administrativas autorizadas a penetrar nos imóveis abrangidos na declaração, podendo recorrer, em caso de oposição, ao auxílio de força policial, conforme prevê o art. 7º do DL 3.365/1941.

Ainda que não expresso em referidos dispositivo legal, a finalidade do acesso aos imóveis é, tão somente, a de que nele se procedam aos levantamentos e avaliações necessárias para estimar o valor indenizatório, de acordo com o estado em que o bem efetivamente se encontra no momento de expedição da declaração de utilidade pública.

Este é, aliás, o terceiro efeito jurídico relevante que emana da declaração de utilidade pública e interesse social, qual seja, fixar o estado do bem para fins de estimativa da indenização devida, seja no que toca a seu estado de conservação, seja no que se refere às benfeitorias passíveis de indenização.

Isso porque, até a expedição da declaração de utilidade pública ou interesse social, todas as benfeitorias devem ser indenizadas, mas, após este ato, apenas as benfeitorias necessárias e as úteis, realizadas mediante autorização do poder competente, são passíveis de indenização, de acordo com o previsto no art. 26, § 1º, do DL 3.365/1941.

 

2.2.2. Atos posteriores à declaração de utilidade pública: estimativa do valor indenizatório e sua previsão oçamentária

Após proceder aos levantamentos e avaliações mais específicas que o acesso aos bens declarados de utilidade pública permite, o expropriante poderá estimar com precisão o valor indenizatório a ser ofertado e depositado em juízo, na hipótese de que se pretenda obter a liminar de imissão provisória na posse, como costuma ocorrer.

Caso a responsabilidade pelo pagamento da indenização pertinente a imóveis urbanos seja do próprio Poder Público, seu impacto orçamentário-financeiro deve estar devidamente coberto pela lei orçamentária anual – LOA e ser compatível com o Plano Plurianual – PPA e Lei de Diretrizes Orçamentárias – LDO, exigência que consta expressamente dos arts 16, § 4º, II[31], da LC 101/2000, Lei de Responsabilidade Fiscal.

Vale observar que, conquanto o dispositivo legal supra citado se refira ao art. 182 da Constituição, que trata mais especificamente das desapropriações para fins de política urbana, o § 3º de referido dispositivo constitucional faz uma alusão genérica às desapropriações de imóveis urbanos, para o fim de estabelecer que a correspondente indenização será “prévia e em dinheiro”, o que sequer se aplica à modalidade sancionatória para fins de política urbana, que, por força do que dispõe o inc. III do §4º do mesmo dispositivo constitucional, são pagas por meio de títulos da dívida pública resgatáveis em 10 anos.

Assim, a única interpretação que não esvaziaria por completo o conteúdo do dispositivo que consta da LRF é a de que ele se refere às desapropriações por necessidade ou utilidade pública que recaiam sobre imóveis urbanos, e não às desapropriações para fins de política urbana, que, por não serem pagas com recursos orçamentários, não constituem objeto de uma Lei que trata de responsabilidade fiscal.

Nas hipóteses em que se transfere a responsabilidade pelo pagamento às entidades que exercem funções delegadas, com base no que permite o art. 3º do DL 3.365/1941, tais medidas orçamentárias são desnecessárias, mas caberão ao Poder Concedente estabelecer nos documentos editalícios pautas para que os licitantes possam estimar o valor a ser pago, assim como outros critérios e diretrizes importantes a serem observados pelo vencedor da licitação.

De posse dos recursos necessários, caberá ao expropriante avaliar a urgência na obtenção da posse do imóvel para fins de requerimento da liminar de imissão provisória prevista no art. 15 do DL 3.365/1941. Conquanto, nos termos de referido dispositivo legal, a mera alegação de urgência, aliada ao depósito do valor ofertado ou estimado, baste para a concessão da liminar, entende-se que a responsabilidade social que deve nortear as ações do Poder Público impõe alguma reflexão acerca da efetiva caracterização de urgência haja vista as consequências que a liminar de imissão na posse acarreta para o expropriado, as quais serão objeto de comentários no tópico relativo à fase judicial do procedimento de desapropriação.

 

2.2.3. Peculiaridades da fase administrativa nas desapropriações para fins de reforma agrária: avaliação e caracterização do descumprimento da função social do imóvel

Conforme mencionado, o procedimento administrativo pertinente às desapropriações para fins de reforma agrária, assim como o que se refere as que se faz para fins de política urbana, reveste-se de uma série de singularidades que justificam abordagem em subtópico apartado.

Tais singularidades decorrem, sobretudo, do fato de que é nessa etapa do procedimento que se avalia e caracteriza a situação de descumprimento da função social do imóvel que se pretende desapropriar, que constitui, portanto, o momento crucial no que toca a esta modalidade de desapropriação, eis que dele depende sua efetivação ou não.

A importância desta etapa no procedimento de desapropriação justificou a edição de norma jurídica para sua disciplina, que é a Instrução Normativa nº 83, editada pelo INCRA em 20/07/2015, que, dentre outras medidas, trata da vistoria preliminar a ser realizada em imóveis nos quais haja indicativos de possível descumprimento da função social.

Para fins desta avaliação preliminar, o § 2º do art. 2º da Lei 8.629/1993 autoriza as autoridades competentes a ingressarem nos imóveis passíveis de serem desapropriados para fins de reforma agrária, antes mesmo da declaração de seu interesse social para fins de desapropriação, até porque, como visto, sua expropriabilidade dependerá do resultado obtido em tal vistoria.

Nas hipóteses em que o descumprimento da função social refira-se à improdutividade do bem, a validade dos demais atos que integram o procedimento administrativo, inclusive da declaração de interesse social do imóvel para fins de desapropriação, depende de prévia comunicação a seu proprietário, preposta ou representante legal, nos termos do que estipula o art. 2º, §§ 2º e 3º da Lei 8.629/1993, para que possa acompanhar a vistoria.

Nada obstante, de acordo com o previsto no § 5º do art. 2º do mesmo diploma leal, a prévia comunicação será dispensada nas demais hipóteses de descumprimento da função social por se tratar de fiscalização inerente a poder polícia, a ser exercido pelos fiscais do Ministério do Trabalho e Emprego – MTE ou do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Renováveis – IBAMA, cujas avaliações deverão ser incorporadas ao processo administrativo.

Nesta vistoria preliminar, deverão ser coletados os dados para elaboração de: (i) Laudo Agronômico de Fiscalização – LAF, em que deve constar a conclusão quanto ao descumprimento ou não da função social do imóvel, de acordo com o previsto nos arts. 6º a 9º da Lei 8.629/1993, assim como manifestação quanto à viabilidade técnica, ambiental, econômica e ao potencial de uso dos recursos naturais do imóvel rural para o assentamento de trabalhadores rurais; (ii) Laudo de Vistoria e Avaliação, para determinação do valor de mercado do imóvel, com base no art. 12 da Lei 8.629/1993; e, ainda de Estudo de Capacidade de Geração de Renda – ECGR da região em que o imóvel se situa, ou, individualizado, no caso de o custo por família do assentamento exceder o valor previsto em tabela referencial.

Importante mencionar, ainda, que, de acordo com o que estabelece o § 6º do art. 1º da Lei 8.629/1993, na redação que lhe foi dada pela MP 2.183-56/01, que, apesar de não ter sido convertida em Lei, continua vigente por força do previsto no art. 2º da EC 32/2001, não poderão ser objeto de vistoria e avaliação os imóveis em que tenha ocorrido esbulho possessório ou invasão motivada por conflito agrário ou fundiário de caráter coletivo, que tem ainda o condão de suspender o curso da correspondente ação de desapropriação se já tiver sido proposta.

A nosso ver, o caráter conflituoso da ocupação do imóvel é determinante para o fim de se impeça a prática de atos necessários para a propositura da ação de desapropriação, o que, diversamente do efeito previsto no § 7º[32] do mesmo dispositivo legal, é que nos parece resultar da redação do § 6º,[33]  por força da qual o impedimento recai sobre imóveis em que o conflito foi o motivo da ocupação, ou seja, de hipótese em que o conflito que se deseja coibir foi instaurado por iniciativa de quem invade ou esbulha o bem, em atitude que não pode ser, portanto, caracterizada como mansa e pacífica.

A nosso ver, conquanto o desestímulo a ocupações desprovidas de caráter manso e pacífico pareça-nos ser um objetivo legítimo a ser perseguido, em um Estado Democrático de Direito, não se deve utiliza-lo como pretexto para coibir as ações dos movimentos sociais de campo que sejam igualmente legítimas, interpretando-se ou prevendo-se dispositivos legais que propiciem restrições que vão além de tal objetivo.[34]

Com efeito, a fim coibir não só as invasões como as reações violentas e não propiciar a aplicação de efeitos exclusivos de programas de Estado a iniciativas pacíficas, a redação dos §§ 6º e 7º do art. 1º da Lei 8.629/1993 deveria desse ser ajustada para que tais efeitos se restrinjam a invasões violentas de propriedades públicas e privadas, sem propiciar excessos interpretativos que impeçam o exercício de posse mansa e pacífica de imóveis desocupados, que é tolerada e até mesmo respaldada pelo Direito.

Pois bem. Além de uma série de outras medidas, a IN prevê ainda a comunicação ao interessado acerca dos resultados destas avaliações, com o envio da cópia do LAF e LVA, com a designação de uma data para audiência visando acordo extrajudicial, a partir da qual passa a correr o prazo de 15 dias para impugnação administrativa desses resultados, caso não se chegue a um acordo ou o interessado não compareça à audiência. A impugnação será julgada pela Superintendência Regional do INCRA em 30 dias, após o que passa a correr prazo de 10 dias para a interposição de recurso ao Comitê de Decisão Regional, o qual, por ser desprovido de efeito suspensivo, não impede que seja feita a declaração de interesse social, e, então, proposta a ação de desapropriação.

Conforme já comentado acima, outra singularidade do procedimento administrativo das desapropriações para fins de reforma agrária, é que a competência para expedição da correspondente declaração expropriatória é da Presidência da República, que o fará por meio de decreto, ou, do próprio INCRA, conforme faculta o art. 22 da Lei 4.505/1964.

 

2.2.4. Peculiaridades da fase administrativa nas desapropriações para fins de política urbana: edificação e parcelamento compulsórios e progressão fiscal

No caso das desapropriações para fins de política urbana, o procedimento expropriatório é precedido por outras medidas que não chegam a integra-lo porque tendem a resultados diversos, eis que cada uma delas visa, por si, promover o adequado aproveitamento do imóvel, e, também porque há medidas de natureza diversa, como é o caso da Lei municipal que deve ser editada para que possam ser praticadas duas outras medidas administrativas que devem preceder os atos pertinentes à desapropriação do imóvel. Nada obstante, a validade do procedimento expropriatório depende da prévia realização de todas essas medidas, de modo que dele deve constar a comprovação de que foram efetivamente adotadas sem sucesso.

A nosso ver, as competências municipais relacionados ao uso dos imóveis situados em seu território, o tratamento dado à caracterização do descumprimento da função social de imóveis urbanos pela Lei 10.257/2001, Estatuto da Cidade; e, ainda as normas e critérios relacionados ao que se deve considerar aproveitamento adequado dos imóveis incluídos no Plano Diretor, são suficientes para que as autoridades municipais possam se considerar autorizadas a ingressar em imóveis nos quais haja indicativos de descumprimento de sua função social, para fins de constatar e caracterizar a inexistência de edificações, ou, ainda que se trate de imóvel não utilizado ou subutilizado, de acordo com os coeficientes que utilização que, de acordo com o art. 5º, § 1º, I, do Estatuto Cidade, devem constar do Plano Diretor.

A partir da constatação de descumprimento da função social do imóvel, o Prefeito deverá em consonância com o previsto no § 4º do art. 182 da Constituição e de acordo os arts. 6, 7 e 8 do Estatuto da Cidade, apresentar projeto de lei que o autorize (i) a notificar seu proprietário para que promova o parcelamento ou edificação do imóvel, no prazo estabelecido em referida Lei, sob pena de que (iii) sobre ele incida, durante o prazo de 5 anos, IPTU com alíquota progressiva no tempo, de acordos com o percentuais também definidos nesta Lei municipal, observados os limites previstos no § 1º do art. 7º do Estatuto da Cidade.[35]

Adotadas todas essas medidas, sem sucesso, entendemos que a municipalidade poderá, essa é a expressão utilizada no art. 8º da Lei 10.257/2001, propor a correspondente ação de desapropriação sem que seja necessária a expedição de declaração de interesse social, conquanto se trate de medida recomendável, haja vista não haver tratamento legal específico a respeito desse ponto, conforme já comentado acima.

Vale mencionar que o uso da expressão poderá no que toca à prerrogativa expropriatória do Município, indica apenas a possibilidade de juízo discricionário da Administração Pública quanto ao momento da desapropriação e outros aspectos discricionários do exercício dessa competência. Essa carga de discricionariedade que existe, aliás, em diversas competências administrativas, e que se reduz à luz das circunstâncias de fatos, não é apta a descaracterizar a natureza de prerrogativa do poder expropriatório para configurá-lo como faculdade.

Com efeito, conforme expusemos com maior detalhe em obra sobre o tema,[36]  faculdade e prerrogativa são poderes jurídicos que se diferenciam pelo fato de que a primeira é exercida em vantagem de seu próprio titular, por isso o livre arbítrio em relação a seu exercício ou não; enquanto que a prerrogativa é um poder exercido em vantagem de terceiro, razão pela qual, quando se trata de uma prerrogativa, pode haver espaço para competência discricionária, mas não arbítrio.

Na prática, a distinção entre prerrogativa e faculdade impõe à Administração Pública, quando menos, o dever de justificar a razão pela qual deixou de exercer seu poder expropriatório em determinadas circunstâncias e se preordenar a fazê-lo, considerando os recursos de que dispõe. Nesse sentido, de acordo com o art. 4º, § 3º, do Estatuto da Cidade, o uso dos instrumentos de política habitacional que demandam dispêndio de recursos por parte do Poder Público municipal, como é o caso das desapropriações, devem ser objeto de controle social garantido a participação de comunidades, movimentos e entidades da sociedade civil.

Vale comentar, por fim, que a necessidade de edição de lei específica e os prazos dilatados para a prática dos atos nela previstos explicam porque não se tenha até agora promovido sequer uma desapropriação para fins de política urbana, o que, considerando que o problema de habitação nas cidades brasileiras não foi resolvido após a edição do Estatuto das Cidades, mas, ao contrário, agravou-se, recomendam a, nosso ver, a rediscussão e revisão da disciplina acerca dessa modalidade de desapropriação.

 

2.3. Fase judicial do procedimento de desapropriação

Iniciada com a propositura da ação de desapropriação, a fase judicial é, em virtude das práticas registrais já mencionados acima, necessária para que a desapropriação produza os efeitos jurídicos que caracterizam o instituto, a saber: o efeito compulsório apto a extinguir direitos e, quando necessário, o efeito originário para aquisição do bem expropriado livre de quaisquer ônus e problemas relacionados ao título de propriedade anterior.

Conforme decorre de previsão expressa dos art. 19 do DL 3.365/41 e art. 5º da Lei 4.132/1962, as ações de desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou, ainda, por interesse social desprovida de caráter sancionatório, seguem o rito ordinário previsto no DL 3.365/1941, aplicando-se supletivamente o Código de Processo Civil.

Por força do previsto no § 3º do art. 184 da Constituição da República, a desapropriação para fins de reforma agrária deve seguir rito sumário, estabelecido na LC 76/1993, cujas distinções em relação ao rito ordinário previsto no DL 3.365/1941 serão apontadas a seguir, de modo a se ter também visão geral do que ocorre em ambos os ritos.

A Constituição da República não contempla, entretanto, previsão semelhante acerca do rito judicial aplicável à desapropriação por interesse social para fins de política urbana e o Estatuto da Cidade é silente a esse respeito, o que gera questão a ser resolvida por via interpretativa, até que seja editada Lei específica acerca da matéria.

Em que pese a similitude entre as desapropriações para fins de reforma agrária e política urbana no que toca a seu caráter sancionatório, entendemos, com base no que estabelece o art. 318 do CPC,[37] que a submissão de ações a rito especial de caráter sumário decorre forçosamente de lei, de modo que na ausência de previsão legal neste sentido, não se pode aplicar a estas ações o rito sumário previsto na LC 76/1993, de modo que tais ações – se um dia vierem a ser propostas… – subordinam-se, a nosso ver, ao rito judicial ordinário.

Sem que haja disposição legal nesse sentido, pensamos que também não será aplicável a esta modalidade, revestida de características tão próprias, o rito ordinário previsto no DL 3.365/1941, o qual, conforme enunciado em seu art. 1º regula tão somente as desapropriações por necessidade e utilidade pública, estendendo-se sua regulação às desapropriações regidas pela Lei 4.132/1962 apenas por força de disposição legal expressa nesse sentido (cf. art. 5º de referida Lei).

Assim, ainda que não contribua para a efetividade dessa modalidade de desapropriação, o que se passa, aliás, com todo seu procedimento, parece-nos forçosa a conclusão de que as ações de desapropriação para fins de política urbana serão processadas de acordo com o rito ordinário previsto no Código de Processo Civil, sem que lhe sejam aplicáveis, por exemplo, o regramento acerca da liminar de imissão na posse, mas, sim, os das liminares e medidas cautelares previsto no CPC.

Esta, a liminar de imissão provisória na posse, é a mais relevante particularidade do rito ordinário previsto no DL 3.365/1941 em relação ao rito ordinário previsto no CPC, a qual será, por esse motivo, objeto de comentários mais pormenorizados mais adiante.

Vale registrar também que, além dessa espécie singular de liminar, o rito aplicável às ações de desapropriação por necessidade ou utilidade pública, assim como as que se vinculam a motivo de interesse social previsto na Lei 4.132/1962, particulariza-se ainda (i) pela restrição de matérias que podem ser discutidas em seu bojo, já que, de acordo com o previsto no art. 20 do DL 3.365/1941, a contestação só poderá versar sobre vício do processo judicial ou impugnação do preço, qualquer outra questão deverá ser decidida por ação direta; (ii) por prever que a apelação, quando interposta pelo expropriado,  tem apenas efeito devolutivo, e que tal recurso terá caráter caráter ex officio, isto é, independe até mesmo de sua interposição tempestiva, nos casos em que a Fazenda Pública seja condenada em quantia superior ao dobro da oferecida (cf. art. 28 do DL 3.365/1941); e (iii) pelo fato de que o valor indenizatório que superar a quantia oferecida pela Fazenda Pública será pago de acordo com o regime de execução especial, previsto no art. 100 da Constituição, por meio de precatórios.

Essas duas peculiaridades do rito ordinário no DL 3.365/1941 não se aplicam às ações de desapropriação quando ajuizadas por concessionárias ou permissionárias de serviço público, com base no que prevê o art. 3º do DL 3.365/1941 por se tratarem de previsões de aplicação específica à Fazenda Pública em juízo, aspecto que se traduz em benefício significativo ao expropriado.

 

2.3.1. A liminar de imissão na posse

A chamada liminar de imissão provisória na posse é prevista no art. 15 do DL 3.365/1941 no art. 15 do DL 3.365/1941, segundo o qual, mediante a alegação de urgência, o juiz poderá imitir o expropriante na posse do bem, desde que deposite quantia correspondente a seu valor cadastral para fins de lançamento do IPTU ou ITR, caso esse que é denominado valor venal tenha sido atualizado no ano fiscal imediatamente anterior, ou, se não, a 20 vezes do valor locativo do bem.

Nos termos do art. 15 do DL 3.365/41, a liminar poderá ser deferida antes mesmo da citação do réu e avaliação judicial do valor arbitrado pelo expropriante com base nos critérios acima apontados. Uma vez deferida a liminar, o expropriado ou quem ocupar o bem objeto da liminar é imediatamente despejado do imóvel, se for o caso, e o expropriante passa a deter amplos poderes para dar ao bem a destinação pública que justificou a desapropriação, o que pode incluir a demolição de eventuais edificações que nele existam. Na prática, apesar de ser chamada de provisória, a imissão na posse tem caráter definitivo, até porque o exercício dos amplos poderes que confere ao expropriante normalmente inviabiliza a restituição do bem ao estado em que se encontrava antes da liminar.

Até mesmo o Governo Médici reconheceu o impacto social nefasto desta liminar, que, visando, declaradamente,[38] conter a fermentação social propiciada pela possibilidade de desalojamento de milhares de famílias na Cidade de São Paulo, editou o Decreto-lei 1.075/1970, que regula a imissão de posse, initio litis, em imóveis residenciais urbanos.

Referido DL, o qual, assim como o DL 3.365/1941 foi recepcionado pela Constituição de 1988 com status de lei, é permanece vigente, passou a prever a necessidade de laudo de avaliação prévio à concessão de tais liminares, no caso de impugnação do valor inicialmente ofertado ser impugnado pelo expropriado.

Nada obstante, o “avanço social” introduzido por este diploma legal ficou restrito aos casos em que o imóvel urbano seja habitado pelo proprietário ou compromissário comprador, cuja promessa de compra esteja inscrita no Registro de Imóveis; e, ademais, o complemento de valor da indenização a ser depositada para fins de obtenção da posse “provisória” do imóvel foi limitado à apenas metade do valor arbitrado no laudo avaliatório, chegando, de todo modo, ao máximo de 2.300 (dois mil e trezentos) salários-mínimos vigentes na região.

Antes mesmo da edição do DL 1.075/1970, algumas decisões judiciais, inclusive do Superior Tribunal de Justiça, já impunham a realização de laudo avaliatório simplificado prévio à concessão da liminar, quando menos para verificar o atendimento aos critérios fixados no art. 15 do DL 3.365/1941, o que continua a ser comumente exigido pela justiça de primeira instância e tribunais de justiça mesmo após a prolação, em 09/10/2003, da Súmula 652, por meio da qual o Supremo Tribunal Federal expressou a consolidação de seu entendimento quanto à constitucionalidade do art. 15 do DL  nº 3.365/1941.

A nosso ver, a concessão de liminar apta a produzir efeitos tão drásticos e irreversíveis para o expropriado antes mesmo de sua citação, initio litis, e sem que tenha, portanto, direito de demonstrar eventuais incorreções no laudo feito pelo expropriante é uma das maiores violências toleradas pelo Direito, por força do que se impõe a necessidade de revisão de seu tratamento legal, conforme apontado no tópico pertinente aos comentários sobre Política do Direito.

Note-se que a determinação de registro da imissão na posse no registro de imóveis competente, inserida como § 4º do art. 15 do DL 3.365/1941, pela Lei 11.977/2009, é indicativo do caráter definitivo dessa medida, a justificar, ainda mais que se lhe dê tratamento jurídico mais condizente com seus efeitos.

Nesse sentido, vale comentar, ainda, que, no caso das desapropriações para fins de reforma agrária, a jurisprudência é pacífica no sentido de entender que medida cautelar deferida no âmbito de ação ordinária em que se discuta a improdutividade do imóvel objeto da declaração de interesse social tem o condão de impedir a concessão da liminar de imissão, assim como o andamento do processo como um todo.

A ampla maioria das decisões em que se suspende o curso do procedimento de desapropriação fundamenta-se em vícios relacionados ao procedimento de avaliação do imóvel, o que deveria valer também para o caso da liminar de imissão na posse no âmbito do DL 3.365/1941.

 

2.3.2. Principais distinções entre o rito ordinário previsto no DL 3.365/1941 e o rito sumário da LC 67/1993

As principais distinções são as seguintes: i) as ações de desapropriação para fins de reforma agrária correm na justiça federal e as demais nas varas de fazenda pública, salvo quando propostas por concessionárias e permissionárias de serviço público, hipótese em que as ações correrão na justiça estadual; ii) em virtude do prazo de caducidade das declarações que submetem o bem à força expropriatória, o prazo de propositura das ações de desapropriação para fins de reforma agrária é de 2 anos, enquanto as que decorrem de necessidade ou utilidade pública devem ser propostas em até 5 anos, após a publicação das correspondentes declarações de utilidade pública ou interesse social; iii) nas ações de desapropriação para fins de reforma agrária, há intervenção do Ministério Público Federal, sem que haja previsão similar em relação às demais ações de desapropriação; iv) anteriormente à audiência de instrução e julgamento, há previsão expressa da possibilidade de que o juiz designe audiência de conciliação logo após despachar a inicial da ação de desapropriação para fins de reforma agrária, medida recomendável sem previsão similar específica para as demais ações de desapropriação, embora tal audiência possa ser designada, com base no art. 3º, § 3º, do CPC, por ser medida compatível com o estímulo à conciliação a que o referido dispositivo legal faz alusão; e v) nas ações ações de desapropriação para fins de reforma agrária, há fixação do prazo limite de 60 dias para que o perito judicial apresente seu lado de avaliação, enquanto que nas demais ações de desapropriação o prazo está atrelado à designação da audiência de instrução e julgamento, de modo que poderá superar o prazo limite previsto na LC 76/1993.

 

3. A justa indenização: panorama do tratamento constitucional e legislativo e os elementos que a compõem

Conforme mencionado no panorama introdutório a este Verbete, a principal distinção entre os institutos da desapropriação e do confisco consiste em que a indenização é sempre devida nas desapropriações, ainda que se trate de suas modalidades sancionatórias, razão pela qual a destacamos como elemento componente da definição deste instituto.

Como diz o nome, seu recebimento deve deixar seu beneficiário indene, ou seja, incólume, livre de qualquer perda ou dano.[39] Esta ideia por traz do nome foi consubstanciada na Constituição da República para todas as modalidades de desapropriação, mediante o uso das expressões “prévia” e “justa” para qualificar a indenização devida no âmbito das desapropriações por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social[40] (cf. inc. XXIV do art. 5º), das desapropriações para fins de política urbana (cf. § 3º do art. 182[41]) e das desapropriações para fins de reforma agrária (cf. caput do art. 184[42]).

Embora o próprio caput do art. 184 e o inciso III do § 4º do art. 182[43] contradite a adjetivação “prévia” no que toca à forma de pagamento da indenização devida no caso das desapropriações para fins de reforma agrária e política urbana, ao preverem que será feito por meio de títulos da dívida agrária e pública, respectivamente, resgatáveis ao longo de 20 e 10 anos, o mesmo não se passa em relação ao adjetivo quanto ao conteúdo da indenização, que, em todos os casos, sem qualquer contradição, deve ser “justa”.

Apresenta-se logo mais adiante os elementos que, de acordo com as leis aplicáveis e jurisprudência, compõem a “justa” indenização, mas cabe discutir já neste panorama do tratamento constitucional acerca deste aspecto do tema se, mesmo no caso das desapropriações para fins de política urbana, a indenização deve ser “justa” no que toca ao valor da chamada terra nua, considerando-se, dentre outros elementos, que o inciso III do § 4º do art. 182 vale-se da expressão “valor real” para qualificar a indenização por meio dela assegurada, a qual é também utilizada no Estatuto da Cidade.

Destaque-se ainda que o valor correspondente à terra nua e aos juros legais, a que o mesmo dispositivo constitucional refere-se também para assegurar que integrem à indenização relativa a esta modalidade de desapropriação, serão provavelmente os únicos elementos que comporão a indenização pertinente a imóvel cuja desapropriação deriva justamente de não estar edificado, utilizado ou, ainda, subutilizado.

O inciso I do art. § 2º do art. 8º da Lei 10.257/2001, Estatuto da Cidade, estabelece que o valor da indenização “real” do imóvel deve refletir o valor da base de cálculo do IPTU, descontado o montante incorporado em função de obras realizadas pelo Poder Público na área onde o mesmo se localiza após a notificação para edificação ou parcelamento compulsório do bem.

Contudo, o entendimento consolidado pela jurisprudência é o de que o denominado valor venal do imóvel, a que o art. 27 do DL 3.365/1941 também se refere, não costuma refletir seu valor real, de modo que adotá-lo contraria o mandamento constitucional da justa indenização, que deve ser estimada, de acordo com as práticas de avaliação imobiliária, em que se adota o valor de mercado do metro quadrado do terreno de acordo, sobretudo, com a região em que está localizado.

Essa nos parece ser, de fato, a conclusão a que se deve chegar face à previsão da “justa” indenização que consta do § 3º do art. 182, sem que o uso da expressão “real” sirva para afasta-la, eis que decorre nitidamente da leitura do inciso III do § 4º do art. 182 que ali está para assegurar a atualização do valor indenizatório. Deve-se aplicar, entretanto, o desconto previsto na parte final do inciso I do art. § 2º do art. 8º da Lei 10.257/2001 sobre o valor de mercado do terreno.

Também pensamos ser constitucional a previsão do inciso II do mesmo dispositivo da Lei 10.257/2001, que veda eventual indenização pertinente a expectativas de ganhos e lucros cessantes, bem como juros compensatórios, ainda que o inciso III do § 4º do art. 182 da Constituição assegure a incidência de juros legais sobre o valor indenizatório.

Isso porque, não se devem indenizar meras expectativas, mormente quando se referem a ganhos e lucros cessantes relativos à imóvel cuja desapropriação decorre de não ter estar sendo adequadamente aproveitado mesmo após a adoção de diversas medidas administrativas que instavam seu proprietário a edificar ou utilizar adequadamente seu bem. No que toca aos juros compensatórios, além de terem sido afastados por previsão legal, a que alude o dispositivo constitucional ainda que se possa pensar que visava o efeito inclusivo contrário, pensamos que não há qualquer tipo de prejuízo pela perda antecipada da posse do bem a ser compensado, conforme melhor explanado abaixo a propósito de comentários mais gerias acerca dos juros compensatórios.

Pois bem. Além dos parâmetros constitucionais já citados, a Constituição estabelece ainda que a indenização será integralmente paga “em dinheiro”, nos casos das desapropriações por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social (cf. inc. XXIV do art. 5º), e que também “em dinheiro” será paga a parcela da indenização pertinente às benfeitorias necessárias e úteis edificadas nos imóveis rurais em que se tenha descumprido sua função social (cf. § 1º do art. 184), sem que haja previsão de qualquer parcela de pagamento “em dinheiro” no que se refere às desapropriações para fins de política urbana, até porque recaem sobre imóveis não edificados, não utilizados ou subutilizados (cf. § 4º do art. 182).

No que toca às desapropriações para fins de reforma agrária, cumpre comentar alteração ao art. 5º da Lei 8.629/1993, que se visa introduzir por meio do art. 2º da MP 759/2016, ainda em fase de conversão, para o fim de se prever a possibilidade de pagamento em dinheiro da diferença entre o valor ofertado e o que vier a ser fixado em decisão judicial transitada em julgado no âmbito de desapropriação para fins de reforma agrária.

Tal dispositivo padece, a nosso ver, de vício de constitucionalidade face ao que dispõe o art. 184 da Constituição da República, cujo caput estipula claramente que o pagamento da indenização deve ser feito por meio de Títulos da Dívida Agrária – TDA, ressalvada apenas a parcela da indenização relativa às benfeitorias úteis e necessárias, que, conforme o § 1º de referido dispositivo constitucional serão indenizadas em dinheiro.

Trata-se, com efeito, de previsão condizente com o caráter sancionatório dessa modalidade de desapropriação, sem qualquer justificativa legítima para que deva ser objeto de alteração.

De acordo com o previsto no caput do art. 184, a utilização de títulos da dívida agrária é definida pelas Leis 4.505/1964, Estatuto da Terra, e Lei 8.177/1991, enquanto os títulos da dívida pública cuja emissão deve ser previamente aprovada pelo Senado Federal que, de acordo com o previsto no inciso III do § 4º do art. 182, devem ser utilizados no pagamento da indenização das desapropriações para fins de política urbana não foram ainda objeto de devida regulamentação, o que constitui mais um fator impeditivo da eficácia desta modalidade de desapropriação.

Pois bem. Para além do tratamento constitucional acima descrito, os arts. 15-A e B, 25, 26 e 27 do DL 3.365/1941 estabelecem alguns componentes e parâmetros para arbitramento da indenização a serem observados nas desapropriações por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social regidas pela Lei 4.132/1962, assim como o fazem os arts. 12 e 19 da LC 76/1993 no que toca às desapropriações para fins de reforma agrária, e o § 2º do art. 8º da Lei 10.257/2001, Estatuto da Cidade.

Feito este panorama legislativo, apresenta-se a seguir mais alguns comentários acerca dos elementos que compõem a justa indenização devida nas desapropriações.

 

3.1. Elementos que compõem a parcela principal da indenização

Conforme já pontuado, indenização destina-se a deixar seu beneficiário livre de qualquer dano ou prejuízo. Trata-se, portanto, de conceito distinto do que corresponde ao preço do bem, estritamente atrelado a seu valor de mercado.

Seja por esse motivo, seja pela natureza e efeitos jurídicos do instituto da desapropriação, pensamos ser totalmente inadequada sua caracterização como uma operação de “compra e venda forçada”, pois falar em compra e venda “forçada” nos parece ser em si uma contradição, eis que tal operação não se caracteriza pela compulsoriedade que notabiliza o instituto da desapropriação, além de que a aquisição que pode resultar de uma desapropriação tem caráter originário, o que não se verifica na operação de compra e venda, e, ainda, o valor a ser pago na desapropriação abrange, mas, não se restringe ao preço que corresponde ao valor de mercado do bem.

Além do preço de mercado do bem a ser desapropriado, incluindo as benfeitorias nele edificadas – conforme já exposto, apenas as benfeitorias necessárias e as úteis autorizadas pelo expropriante serão indenizadas após a declaração de utilidade pública ou interesse social do bem -, devem ser indenizados todos os danos emergentes e lucros cessantes, desde que efetivos e não prováveis, pois, como já dito, não se deve indenizar meras expectativas.

De modo que a indenização abrangerá, por exemplo, despesas com a mudança desinstalação e instalação de maquinário, e, com maior expressão econômica, o que se denomina fundo de comércio, que é conjunto de bens, materiais e imateriais, que contribuem para o funcionamento e lucratividade, como sua clientela, nome, marca e ponto comercial.

 

3.2. Juros, correção monetária e ônus da sucumbência

A despeito do que estabelece o § 2º do art. 26 do DL 3.365/1941, no sentido que incidirá correção monetária sobre a parcela principal do valor indenizatório, desde que decorrido prazo superior a um ano da data do laudo de avaliação, a jurisprudência adota o entendimento de que a correção incide a partir da data de elaboração do laudo, conforme se tem da Súmula 67 do STJ[44]  e se extrai da Súmula 561 do STF[45].

No que toca aos juros, é frequente que se faça incidir sobre a parcela principal corrigida do bem dos tipos de juros passíveis de serem cumulados: os juros moratórios, que visam indenizar o expropriado pela mora no pagamento da indenização, e os juros compensatórios, que se destinam a compensar a perda antecipada da posse do bem.

A cumulatividade dos juros moratórios e compensatórios é admitida pela jurisprudência[46] com base no entendimento de que são encargos que incidem em períodos diferentes: os juros compensatórios passam a incidir desde a data de deferimento da liminar de imissão provisória na posse até a data de pagamento da indenização ou expedição do correspondente precatório; enquanto que os juros moratórios incidirão a partir do momento em que a indenização deveria ter sido paga.

De acordo com o art. 15-B do DL 3.365/1941, os juros moratórios são devidos no percentual de 6% ao ano e incidirão sobre a parcela principal do valor indenizatório a partir de 1º de janeiro do exercício seguinte, que é o momento em que a Fazenda Pública teria disponibilidade de numerário para honrar o pagamento da indenização, haja vista o regime de execução especial por meio de precatórios a que está submetida por força do art. 100 da Constituição.

No que toca ao termo inicial de incidência dos juros moratórios previsto no dispositivo legal acima citado, de acordo com a redação que lhe foi dada pela Medida Provisória nº 2.183-56/2001, é correspondente ao entendimento já esposado pelo STF, o qual, por entender que não se poderia caracterizar mora da Fazenda Pública durante o transcurso dos prazos relacionados ao regime de precatórios previsto na Constituição, divergia da jurisprudência consolidada na Sumula 70 do STJ, em que se previa que “os juros moratórios, da desapropriação direta ou indireta, conta-se desde o trânsito em julgado da sentença.” Nada obstante, a partir da edição da primeira versão da MP, o STJ passou a adotar o termo inicial nela previsto para as desapropriações em curso,[47] tornando sem efeito a Súmula que antes dela vigorava.

De acordo com a jurisprudência do STF, os juros compensatórios destinam-se, como dito, a compensar a perda antecipada da posse, no caso de concessão da liminar de imissão provisória, sendo, portanto, devidos independentemente de comprovação de perda de renda gerada pelo imóvel por parte de seu proprietário e mesmo nos casos de imóveis cujos índices de produtividade sejam iguais à zero, no percentual que a Súmula 618 estabelece ser de 12% ao ano, a incidir sobre a diferença entre o valor fixado na sentença e 80% do valor ofertado, que corresponde ao que pode ser levantado pelo expropriado.

Com efeito, no julgamento das ADI 2.332, proposta pelo Conselho Federal da OAB, o STF suspendeu a vigência das alterações acerca dos juros compensatórios que a Medida Provisória nº 2.183-56/2001 introduziu no caput e §§ 1º e 2º do art. 15 do DL 3.365/1941, nos quais se fixava que o percentual de 6% ao ano incidiria sobre a diferença entre o valor fixado na sentença e o valor ofertado, desde que comprovada à perda de renda advinda do imóvel por parte de seu proprietário, afastando-se ainda a incidência de tais juros sobre imóveis improdutivos, contrariando jurisprudência do STF em sentido contrário.

Em que pese o entendimento esposado pelo STF, a tentativa de redução do percentual dos juros compensatórios para 6% ao ano, assim como de afastar sua incidência sobre o valor indenizatório pertinente a imóveis improdutivos parece-nos adequado ao imperativo de justa indenização que consta da Constituição.

Isso porque, mesmo sendo certos que os juros compensatórios não se destinem somente a compensar eventual renda gerada pelo imóvel, de acordo com a jurisprudência acerca do tema, tais juros visam a compensar a perda antecipada da posse quando concedida liminar para esse fim, a qual que pode acarretar prejuízos outros que não o percebimento de renda do imóvel, como a perda de sua disponibilidade, fruição e sua desvalorização.

Assim, ainda que não adstritos a hipóteses em que se extraia do imóvel alguma renda, os juros compensatórios hão de compensar algum prejuízo decorrente da perda antecipada da posse, o que, a nossos ver, não deveria ser presumido, mormente no valor expressivo de 12% ao ano.

O único prejuízo decorrente da perda antecipada da posse que nos parece passível de presunção relativa –no sentido de se admitir prova em contrário – seria o correspondente ao valor locativo do bem, já que, a disponibilidade de uso a que o expropriante fica autorizado quando obtém a imissão provisória em sua posse deve ser objeto de compensação, sob pena de enriquecimento sem causa, para não dizer, ilícito.

Assim, a nosso ver, a Lei deveria estabelecer uma presunção relativa para que os juros compensatórios sejam fixados em 6% ao ano, percentual historicamente adotado pelo mercado imobiliário para definição do valor locativo de um bem, salvo se comprovado algum prejuízo adicional pela perda antecipada da posse, o que nos parece ser difícil de vislumbrar quando o grau de utilização e eficiência de exploração da terra for igual a zero, ou, ainda, quando o mercado imobiliário da região em que o imóvel se situe e/ou suas condições conduzam a estimativa de percentual distinto correspondente ao valor locativo do bem.

Vale comentar ainda a esse propósito que o percentual de 12% ao ano a que Súmula 618 do STF, editada em 17/10/1984, faz alusão advém de paralelo com o art. 161, § 1º, do CTN, que fixa a taxa de 1% ao mês, logo, 12% ao ano, para os juros moratórios, percentual mais elevado do que o de 6% ao ano previsto no art. 1062 do Código Civil então vigente, por se entender que tal percentual era insuficiente para a justa compensação do expropriado, em época na qual a inflação chegava a 200% ao ano.[48]

Com efeito, o inc. II do § 2º do art. 10 da Lei 10.257/2001, Estatuto da Cidade, contém previsão similar, que afasta a incidência de juros compensatórios no âmbito das desapropriações para fins de política urbana, o qual não foi ainda objeto de arguição de inconstitucionalidade, provavelmente porque esse tipo de desapropriação é de rara ocorrência na prática.

No que toca aos ônus da sucumbência, o art. 30 do DL 3.365/1941 estabelece que à custa sejam pagas pelo expropriante, se o expropriado aceitar o valor da oferta; porém, caso não aceita, à custa serão pagas pelo vencido. Quanto aos honorários advocatícios, serão devidos caso o valor da condenação supere o valor incialmente ofertado em percentual que poderá variar entre 0,5% a 5%, de acordo com estabelecido na Súmula 617 do STF, prevalecendo, no julgamento ADI 2.332-2 a respeito deste ponto, o entendimento jurisprudencial do STF sobre a alteração que a Medida Provisória nº 2.183-56/01 visava alterar o § 1º do art. 27 do DL 3.365/1941, para o fim de limitar os honorários advocatícios ao patamar de R$ 151.000,00.

 

4. Política do direito das desapropriações: proposta de revisão de seu marco legal

Como pontuado na Introdução deste Verbete, a desapropriação é a forma compulsória de despojamento patrimonial com maior impacto social admitido pelo sistema jurídico, que só se justifica em função de relevantes finalidades econômico-sociais que o Estado deve atender: prover infraestrutura, equipamentos e serviços públicos, e, no caso das modalidades sancionatórias, condicionarem a propriedade de imóveis urbanos e rurais ao cumprimento de sua função social, bem como dar aos bens desapropriados por descumpri-la aproveitamento condizente com políticas de habitação e uso adequado da terra.

Trata-se, como dito, do exercício de uma prerrogativa jurídico-administrativa que, além de só se justificar por força do dever jurídico-administrativo de promover as finalidades econômico-sociais acima indicadas, não pode desconsiderar o impacto causado a seus próprios beneficiários, diante de quem o Estado, ou terceiros no desempenho de suas funções, ostentam outros deveres jurídico-administrativos.

Com efeito, a preponderância dos interesses públicos sobre os individuais resulta de uma ponderação de interesses que se relacionam, entrechocam e limitam-se reciprocamente, em virtude das necessidades que a vida em coletividade impõe, mas não legitima o desrespeito aos demais interesses, sobretudo quando, mais do que interesses, constituem-se em direitos, por recair sobre eles proteção jurídica, como ocorre no caso dos que são atingidos pelo instituto da desapropriação.

Assim, pensar politicamente o Direito das Desapropriações, isto é, sobre como deveriam ser as desapropriações no Estado Democrático e Social de Direito Brasileiro impõe a tarefa de buscar solucionar ou atenuar os conflitos de interesses a elas atrelados, dentre eles o que decorre da necessidade de expansão e melhoria de nossa infraestrutura, equipamentos e serviços públicos, assim como de políticas de habitação e uso adequado da tarefa, com outros direitos sociais e individuais.

Além desse exercício constante, a alteração do contexto socioeconômico e de sua estrutura jurídica também impõe que se repense o tema da desapropriação, inclusive para o fim de revisar o principal diploma legal acerca de sua modalidade mais praticada: o já tão mencionado Decreto-lei 3.365/1941, que trata da desapropriação por necessidade ou utilidade pública.

É de se lembrar, a propósito, que referido diploma legal, recepcionado pela Constituição de 1988 com status de Lei, foi editado, sob a égide da Constituição de 1937, pelo Presidente Getúlio Vargas e seu Ministro da Justiça Roberto Campos, que, dentre outros feitos, participou ativamente da elaboração dos Atos Institucionais nº 1 e 2, que constituíram o arcabouço jurídico da ditadura implantada no Brasil.

De lá para cá, não houve o que se possa chamar de uma revisão do marco legal da modalidade de desapropriação de maior impacto social praticado no Brasil, a fim de adaptá-lo à Constituição Cidadã, em que pese sua estreita correlação com o tema de desapropriação. É de se notar, nesse sentido, que as alterações introduzidas no DL 3.3651/1941 visaram tão somente a redução do valor das indenizações.

Acabou ficando a cargo do Poder Judiciário, por meio de interpretações do DL 3.3665/1941 conforme a Constituição, a correção de alguns de seus excessos, assim como a perpetuação de outros, o que faz da desapropriação uma das matérias mais pretorianas do Direito Administrativo.

Cite-se, dentre os direitos reconhecidos pela jurisprudência, a necessidade de laudo de avaliação prévio para a concessão de liminar de imissão provisória na posse antes mesmo da edição do Decreto-lei 1.075/1970 e com amplitude maior do que a nele prevista, o que ainda vem sendo exigido na primeira instância judicial e nos tribunais de justiça, em que pese a Súmula 618; o de que a indenização deveria ser justa ainda que em prejuízo da aplicação dos critérios de precificação previstos no art. 27 do DL 3.365/1941, atribuindo-lhe caráter meramente exemplificativo; o direito de extensão à desapropriação integral do bem quando a parcela não desapropriada do bem ficar inaproveitável, como previsto em legislação anterior ao DL 3.365/1941; o pagamento de indenização pela posse e edificação de benfeitorias em áreas ocupadas de modo manso e pacífico; e o direito a realojamento de ocupantes. Por outro lado, deve-se também à jurisprudência a presunção absoluta, a nosso ver injustificada, de incidência de juros compensatórios no expressivo percentual de 12% ao ano sobre o valor total do bem desapropriado, mesmo em caso de propriedades improdutivas.

Nada obstante, nossa cultura jurídica e, sobretudo, o potencial restritivo de direitos constitucionais imanentes às desapropriações demanda o devido tratamento legal para introdução de certos avanços compatíveis com princípios fundamentais de um Estado Democrático de Direito, assim como para corrigir alguns excessos que vem sendo impostos pela própria jurisprudência, como ocorre, a nosso ver, em relação ao percentual dos juros compensatórios.

Mesmo no que toca às modalidades sancionatórias de desapropriação, previstas na Constituição, e, portanto, disciplinadas por diplomas legais editados após sua promulgação, a absoluta ineficácia da desapropriação para fins de política urbana e a atual estagnação dos programas de reforma agrária demandam também que sejam repensadas como um todo.

No campo dos direitos sociais, pensamos que as desapropriações que afetem número expressivo de pessoas e/ou locais tradicionalmente ocupados para outros fins que não o que se pretende dar com o projeto a ser implementado deveriam ser precedidas por análise criteriosa quanto à efetiva necessidade e condições a serem observadas para implementação de desapropriações.

Para tanto, impõe-se a realização de audiências públicas para que os afetados pelas desapropriações e demais interessados pudessem se manifestar quanto a possíveis planos alternativos de menor impacto social, e, sobretudo no caso de sua inviabilidade técnica e econômico-financeira, devidamente constatada por meio dos estudos pertinentes, acerca de medidas compensatórias que poderiam ser adotadas, buscando-se, sempre que possível, atender o princípio da “chave por chave” ou, nas hipóteses em que não assim não faça o pagamento de “aluguel social”.

Na esteira do que já vem sendo reconhecidas pela jurisprudência, as medidas compensatórias devem ter por objeto não só a extinção dos direitos de propriedade, como os relativos à posse. Nesse sentido, propõe-se que a usucapião especial coletiva de imóvel urbano, prevista no art. 10 do Estatuto da Cidade, possa ser reconhecida no bojo da própria ação de desapropriação, para fins de cálculo da indenização devida aos ocupantes do bem.

Tais medidas de caráter social relacionadas a políticas de habitação a serem adotadas nas desapropriações deveriam ser avaliadas e previstas em seu planejamento, como estabelecia a MP 700/15,[49] etapa do procedimento expropriatório que deveria ser mais valorizada e disciplinada por Lei.

Como visto, não há disciplina legal acerca dos elementos que deverão instruir a declaração de utilidade pública e a necessidade de que as desapropriações sejam atreladas a medidas atinentes à responsabilidade fiscal propicia interpretações que esvaziem o conteúdo dos dispositivos legais que as instituíram.

O caráter menos autoritário do Direito Administrativo atualmente vigente também não é compatível com a possibilidade de que liminar com efeitos tão drásticos quanto a de imissão provisória na posse seja concedida, initio litis, no âmbito de um procedimento em que o expropriado pode ser desejado de seu imóvel sem ter tido a oportunidade de se manifestar acerca do valor ofertado.

Nesse sentido, o contraditório sumário previsto no DL 1.075/1971 atinge o duplo objetivo de celeridade do procedimento e respeito aos mais básicos direitos dos cidadãos, sem que se deva, entretanto, condicionar sua aplicação apenas aos casos de imóveis urbanos e que sejam ocupados por seus proprietários ou promissários compradores com títulos registrados, e, ainda, limitar o depósito necessário para obtenção da liminar a apenas metade do valor arbitrado no laudo prévio, quantia com a qual os despejados certamente não terão condições de adquirir uma nova propriedade em condições similares.

Uma série de outras medidas pode ser previstas no rito judicial da ação de desapropriação para lhe conferir caráter mais sumário, à semelhança do que se aplica às ações de desapropriação para fins de reforma agrária, sem suprimir direitos básicos dos cidadãos, como, por exemplo, a previsão de que o juiz deverá despachar a petição inicial de plano ou no prazo máximo de 48 (quarenta e oito) horas e a estipulação de prazo máximo para apresentação do laudo avaliatório.

Nesse mesmo sentido, a uma série de entraves burocráticos relativos à fase administrativa do procedimento cuja eliminação também contribuiria para lhe dar maior celeridade, como, por exemplo, a previsão da possibilidade de delegação da competência para expedição da declaração de utilidade por pessoas jurídicas de direito público no que toca a sua área de atuação, como já se prevê em relação ao IBAMA, ANEEL e DNIT.

Ainda no que toca à eliminação de burocracias desnecessárias, a MP 700/2015 andou bem ao dispensar a necessidade de autorização legislativa no caso de desapropriação de bens públicos em que as entidades federativas tenham chegado a um acordo, assim como poderia ser dispensada também no caso de desapropriação de bens públicos dominicais.

Acerca do tema da desapropriação de bens públicos, faz-se necessário, ainda, compatibilizar a “escala federativa descendente” com a Constituição de 1988, seria importante prever no plano legislativo que referida escala haveria de ser tomada como critério para solução de conflito entre os entes federativos, operando como presunção relativa – no sentido de se admitir prova em contrário – de que os interesses nacionais são mais abrangentes que os regionais e estes mais abrangentes que os locais.

Há ainda que se reconhecer a importância da participação da iniciativa na promoção de atos executórios do procedimento de desapropriação, constante nos governos das mais diversas inclinações ideológicas, até por se tratar de possibilidade plasmada em nosso Direito.

A promoção por concessionários de atos executórios do procedimento de desapropriação por concessionários e permissionários é prática já bastante comum e se consubstancia, basicamente, em atividades de apoio para a elaboração da minuta de declaração de utilidade pública, levantamento das condições e valor dos bens a serem desapropriados, e a propositura e condução das ações de desapropriação, com o pagamento da indenização devida, sem que a eles se aplique, evidentemente, o regime de precatórios e os prazos mais dilatados em prejuízo dos sujeitos passivos das desapropriações.

Apesar de prevista no art. 3º do DL 3.365/1941, dele não constam algumas pautas que serviriam para garantir que a operacionalização de desapropriações por concessionários e permissionários seja feita de modo adequado, conciliando agilidade na realização dos investimentos necessários para melhoria e expansão da infraestrutura e serviços públicos com a obrigação de implementação de certas políticas sociais cuja contratualização acaba por lhes conferir maior estabilidade do que teriam no âmbito de descontinuidade dos mandatos políticos.

Poderia prever-se, por exemplo, a necessidade de disciplina contratual detalhada acerca das medidas compensatórias que serão necessárias para desocupação de bens e outras políticas sociais a serem devidamente implementadas e precificadas pelos concessionários e permissionários, sem prejuízo de envolvimento do Poder Concedente para mediar ou arbitrar conflitos entre eles e as comunidades afetadas.

Feitos esses ajustes, a promoção de atos executórios do procedimento de desapropriação pela iniciativa privada seria mais benéfica para os afetados pela desapropriação do que quando promovidas diretamente pelo Poder Público, seja porque o recebimento de indenizações não se subordina ao regime de precatórios seja porque a previsão em contrato de medidas que devem ser implantadas pelos que executam obras e serviços de utilidade pública acaba por ganhar maior efetividade e estabilidade do que quando sujeitas à descontinuidade dos mandatos políticos.

Há também ajustes a serem feitos no campo das modalidades sancionatórias de desapropriação por interesse social seja para fins de reforma agrária seja para política urbana, como, no que toca a essa última, a previsão do rito judicial a ser seguido, e, quanto à segunda reflexão acerca dos índices de produtividade com base no qual é avaliada a expropriabilidade dos imóveis rurais com indícios de descumprimento de sua função social.

 

Referencias

ANDRADE, Letícia Queiroz de. Desapropriação de bens públicos à luz do princípio federativo. São Paulo: Malheiros Editores, 2006.

__________________. Teoria das relações jurídicas da prestação de serviço público sob regime de concessão. São Paulo: Malheiros Editores, 2015.

BETTI, Emilio. Teoria generale delle obbligazioni. Milano: A. Giuffré, 1953. Volume 1: Prolegomeni: funzione economico-sociale dei rapporti d’obbligazione.

[1] Tratamos dessa espécie singular de desapropriação e dos problemas federativos que suscita em nosso Desapropriação de bens públicos à luz do princípio federativo.

[2] A afirmação traz à lembrança o confisco da poupança popular perpetrado pelo Governo Collor em março de 1990, tolerado, ainda que temporariamente, pelo Poder Judiciário. De lá para cá, além do avanço da democracia e de suas instituições, que já contam com jurisprudência no sentido da inconstitucionalidade de medidas similares, a nova redação do art. 62 da Constituição da República, dada pela Emenda Constitucional nº 32/2001, veda expressamente a edição de medida provisória que vise a detenção ou seqüestro de bens, de poupança popular ou qualquer outro ativo financeiro (cf. inc. II do §1º do referido artigo). De modo que – acredita-se -, medida confiscatória similar, caso proposta pelo Poder Executivo, não seria aprovada após as discussões bicamerais no âmbito do Poder Legislativo, e, se o fosse, não seria mantida pelo Poder Judiciário; além de o due process of law obstar o “efeito surpresa”, necessário para “eficácia” da medida. Conquanto não se possa afastar a possibilidade de outras hipóteses de confisco que venham a ser previstas em lei – a ser editada nesse contexto de proteção ao direito de propriedade -, o confisco atualmente restringe-se à hipótese prevista no art. 243 da Constituição da República, que recai sobre as propriedades rurais e urbanas onde forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas ou a exploração de trabalho escravo, assim como, sobre todo e qualquer bem de valor econômico apreendido em decorrência do tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e da exploração de trabalho escravo; e, ainda, a hipótese confiscatória mais geral prevista no Código Penal, que, dentre os efeitos civis das condenações penais, estabelece o confisco dos instrumentos ou produtos de crime ou de bem que constitua proveito auferido pelo agente com a prática do fato criminoso, cf. se tem do inc. II de seu art. 91.

[3] Preferimos a expressão preponderância à supremacia por deixar ainda mais claro que o interesse não preponderante cede espaço sem ser aniquilado.

[4] A possibilidade de desapropriação de bens públicos demonstra que o fundamento da desapropriação é, em verdade, a desigualdade jurídica dos interesses contrapostos, considerando o melhor aproveitamento público do bem em questão, razão pela qual propusemos o refinamento do princípio acima exposto, cf. pp. 122-126 da obra citada (Desapropriação de bens públicos à luz do princípio federativo).

[5] Essa é, para nós, a natureza jurídica do poder expropriatório em qualquer uma das modalidades de desapropriação, sem que sofra qualquer tipo de descaracterização jurídica quando exercido no âmbito de desapropriação para fins de política urbana, tema que será objeto de comentário mais aprofundado mais adiante, à luz da redação do art. 8º da Lei 10.257/2001.

[6] Acerca do sentido jurídico da posição jurídica que se consubstancia em uma prerrogativa, confira-se nossa Teoria das relações jurídicas da prestação de serviço público sob regime de concessão, pp. 60 -63.

[7] Tratamos da posição jurídica correspondente ao dever jurídico-administrativo, inclusive para o fim de diferencia-la da obrigação, às pp. 63 – 69 da op. cit.

[8] Consoante Emilio Betti (Prolegomeni: funzione economico-sociale dei rapporti d’obbligazione), pensamos que não se chega a compreender integralmente um instituto jurídico sem identificar o problema prático e valor econômico-social que determinou sua concepção. Por ser este um Verbete encartado em uma Enciclopédia Jurídica universitária, vale transcrever suas palavras a fim de que possam ser objeto de conhecimento direto por todos: “L’indagine scientifica deve puntualizzarsi sul problema pratico che il diritto positivo, inteso quale disciplina dela vita di relazione, ha risolto mediante la posizione di norme che rappresentano la soluzione di un conflito di interessi considerati, raffrontati e comparativamente valutati nella loro tipica entità sociale. Questo indirizzo metodológico trova la sua giustificazione, seppur ve ne sia bisogno, col solo tener presente che il diritto oggetivo non è un complesso di norme astratte, avulse dalla vita sociale, alla quale si sovrappongano quase como ordine che la trascende e che si impone dall’alto: il Diritto trova, ainzi, il suo fondamento, la sua razione di esistenza, nella stessa umana vitta di relazione, in quel complesso di rapporti che legano gli uomini nello svolgimento di ogni loro attività, rapporti che si ricollegano ad interessi tipici spesso confliggenti, alcune volte paralleli, ma reciprocamente limitantisi, sempre interessi comunque, dai quali l’interprete non puo prescindere nello studio degli instituti giuridici e delle norme propri perchè in queste essi, como entità sociali storicamente determinate, sono rispechiati” (pp. 10-11).

[9] Segundo o art. 5º do DL 3.365/1941 são casos de utilidade pública: a) a segurança nacional; b) a defesa do Estado; c) o socorro público em caso de calamidade; d) a salubridade pública; e) a criação e melhoramento de centros de população, seu abastecimento regular de meios de subsistência; f) o aproveitamento industrial das minas e das jazidas minerais, das águas e da energia hidráulica; g) a assistência pública, as obras de higiene e decoração, casas de saúde, clínicas, estações de clima e fontes medicinais; h) a exploração ou a conservação dos serviços públicos; i) a abertura, conservação e melhoramento de vias ou logradouros públicos; a execução de planos de urbanização; o parcelamento do solo, com ou sem edificação, para sua melhor utilização econômica, higiênica ou estética; a construção ou ampliação de distritos industriais; j) o funcionamento dos meios de transporte coletivo; k) a preservação e conservação dos monumentos históricos e artísticos, isolados ou integrados em conjuntos urbanos ou rurais, bem como as medidas necessárias a manter-lhes e realçar-lhes os aspectos mais valiosos ou característicos e, ainda, a proteção de paisagens e locais particularmente dotados pela natureza; l) a preservação e a conservação adequada de arquivos, documentos e outros bens moveis de valor histórico ou artístico; m) a construção de edifícios públicos, monumentos comemorativos e cemitérios; n) a criação de estádios, aeródromos ou campos de pouso para aeronaves; o) a reedição ou divulgação de obra ou invento de natureza científica, artística ou literária; e p) os demais casos previstos por leis especiais.

[10] Com efeito, o tratamento constitucional dado às demais modalidades de desapropriação por interesse social referidas a seguir (v. arts. 182, 184 e 185 da CF), tacitamente revogou as hipóteses de desapropriação previstas nos incisos I à IV do art. 2º da Lei 4.132/1962.

[11] De acordo com o art. 9º da Lei 8.629/1993, a função social das propriedades rurais é descumprida quando nelas não se verifica: I – aproveitamento racional e adequado, de acordo com determinados graus de utilização da terra e de eficiência na exploração na terra; II – utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; III – observância das disposições que regulam as relações de trabalho; e IV – exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.

[12] De acordo com os arts. 5º, caput e inciso I; 7º e 8º, da Lei 10.257/2001, poderão ser desapropriados os imóveis urbanos não edificados, não utilizados ou subutilizados, assim entendidos aqueles cujo aproveitamento seja inferior ao mínimo definido no plano diretor ou em legislação dele decorrente, que nessa condição permaneçam mesmo após a imposição, por meio de lei, de obrigação de seu parcelamento, edificação ou utilização e, ainda, da majoração da alíquota do imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana (IPTU) progressiva pelo prazo de cinco anos consecutivos.

[13] Apesar de haver previsão legal para que a modalidade de desapropriação por interesse social regida pela Lei 4.132/1962 seja efetivada para aproveitamento de todo bem produtivo ou explorado sem correspondência com as necessidades de habitação, trabalho e consumo dos centros de população a que deve ou possa suprir por seu destino econômico (cf. inc. I do art. 2º de mencionada Lei), entendemos, primeiro, que o tratamento constitucional dado pelos arts. 182, 184 e 185, às demais modalidades de desapropriação por interesse social tacitamente revogou não apenas o inc. I, mas também os incisos II à IV do art. 2º da Lei 4.132/1962, e, ainda, que tal modalidade não se equipara às demais modalidades de desapropriação por interesse social no que se refere a seu caráter sancionatório, seja porque não se restringe aos casos de bens que descumpram sua função social, e, sobretudo, porque a indenização dela decorrente deve ser paga em previamente e em dinheiro, como se infere do inciso XXIV do art. 5º da Constituição.

[14] O prazo prescricional para ajuizamento de ação de desapropriação indireta ou apossamento administrativo constava da Súmula 119 do STJ, a qual foi editada com base no entendimento de que deveria ser aplicado, por analogia, prazo correspondente ao da prescrição aquisitiva, ou seja, ao tempo de posse mansa e pacífica necessário para aquisição de imóveis por meio de usucapião extraordinário, que, na vigência do Código Civil anterior, era de 20 anos. O Código Civil atualmente vigente reduziu esse prazo para 15 anos, estabelecendo, ainda, que, no caso de uso de imóvel para moradia ou de nele terem sido realizadas obras ou serviços de caráter produtivo, como ocorre nas hipóteses de desapropriação indireta e apossamento administrativo, o prazo passaria a ser de 10 anos. Após essa alteração legislativa, o STJ afastou a Súmula 119, mas apenas no que toca ao prazo de 20 anos nela fixado, mantendo a equiparação com o instituto do usucapião, aplicando-se a redução de 10 anos, que passou, portanto, a ser o prazo prescricional das ações de desapropriação direta e apossamento administrativo.

[15] Art. 4º do DL 3.365/1941.  A desapropriação poderá abranger a área contígua necessária ao desenvolvimento da obra a que se destina, e as zonas que se valorizarem extraordinariamente, em consequência da realização do serviço. Em qualquer caso, a declaração de utilidade pública deverá compreendê-las, mencionando-se quais as indispensáveis à continuação da obra e as que se destinam à revenda.

[16] Além da necessidade de autorização legislativa, a desapropriação de bens públicos só deve ocorrer quando impossível conciliar as utilidades públicas superpostas em um determinado bem e, assim mesmo, sujeita-se a outras limitações atinentes ao conflito federativo que apontamos em obra de nossa autoria já citada na Introdução em que propomos interpretação conforme à Constituição de 1988 da necessidade de observação da escala federativa descendente prevista no § 2º do art. 2º do DL 3.365/41.

[17] Vale registrar que a MP 700/15, que não chegou a ser convertida em Lei, perdendo, portanto, sua vigência, previa a dispensa de autorização legislativa no caso de acordo entre os entes federativos, alteração ao § 2º do art. 2º do DL 3.365/1941 que consideramos positiva, a fim de que fique expressa a dispensa da autorização legislativa na hipótese de haver uma transação entre as entidades federativas envolvidas.

[18] MS 11.075.

[19] AgRg no AgRg na Suspensão de Segurança de Tutela Antecipada nº 82 – DF.

[20] ANDRADE, Letícia Queiroz. Desapropriação de bens públicos à luz do princípio federativo.

[21] RE 38.644/MG.

[22] V. AI 70.934-2.

[23] V. RE 65.646/SP, RMS 9549/SP RMS nº 9.644/SP

[24] Confira-se, dentre outras, as decisões proferidas pelo STJ no julgamento dos AgRg no AREsp 761207/RJ, rel. Min. Humberto Martins, 2ª Turma, DJ 29.04.2016 e AgRg no Ag 1.424.188/DF, rel. Min. Herman Benjamin, 2ª Turma, DJ 23.02.2012.

[25] Confira-se decisão do STJ no julgamento do REsp 538/PR, Min. Milton Luiz Pereira, 1ª Turma, em 03.05.1993, na qual é citado precedente do STF no mesmo sentido, proferido no julgamento do RE 85.599, rel. Min. Rodrigues Alckmin.

[26] O primeiro Decreto declarando de interesse social para fins de reforma agrária imóvel cujo descumprimento da função social consubstanciou-se em motivo diverso de sua improdutividade foi editado em 18.10.2004 e recaiu sobre a “Fazenda Castanhal e Cabaceiras”, situada no Estado do Pará, em que teria sido identificada exploração de trabalho em condições análogas à de escravo.

[27] A MP 2.183-56/2001 alterou a redação do art. 11 da Lei 8.629/1993 para o fim de acrescentar o Ministério da Agricultura e do Abastecimento, naturalmente mais alinhado com os interesses da bancada ruralista, entre os órgãos competentes para edição de Portaria por meio da qual se atualizam os referidos índices, em conjunto com o extinto Ministério do Desenvolvimento Agrário, a quem cabia anteriormente a competência exclusiva para a expedição de referida portaria e órgão ao qual se vinculava o Instituto de Colonização e Reforma Agrária, que agora, por força do Decreto nº 8.780/2016, passou a se vincular à Casa Civil, mantendo-se a oitiva do Conselho Nacional de Política Agrícola.

[28] Há um projeto de Lei, sob 6820, de 2006, nesse sentido.

[29] Art. 4º do DL 3.365/1941. A desapropriação poderá abranger a área contígua necessária ao desenvolvimento da obra a que se destina, e as zonas que se valorizarem extraordinariamente, em consequência da realização do serviço. Em qualquer caso, a declaração de utilidade pública deverá compreendê-las, mencionando-se quais as indispensáveis à continuação da obra e as que se destinam à revenda

[30] Conforme mencionado no subtópico atinente aos sujeitos competentes para declaração de interesse social, interpretamos a omissão legislativa quanto à expedição de tal declaração nas desapropriações para fins de política urbana como opção legislativa deliberada, por entendermos que a lei municipal de efeitos concretos editada especificamente para prever que sobre ele incidam as medidas previstas no § 4º do art. 182 já é suficiente para expressar a vontade expropriatória.

[31] “Art. 16. A criação, expansão ou aperfeiçoamento de ação governamental que acarrete aumento da despesa será acompanhado de:

I – estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva entrar em vigor e nos dois subsequentes;

II – declaração do ordenador da despesa de que o aumento tem adequação orçamentária e financeira com a lei orçamentária anual e compatibilidade com o plano plurianual e com a lei de diretrizes orçamentárias.

1º (omissis)

4º As normas do caput constituem condição prévia para:

I – empenho e licitação de serviços, fornecimento de bens ou execução de obras;

II – desapropriação de imóveis urbanos a que se refere o § 3º do art. 182 da Constituição.”

[32]  “§ 7º Será excluído do Programa de Reforma Agrária do Governo Federal quem, já estando beneficiado com lote em Projeto de Assentamento, ou sendo pretendente desse benefício na condição de inscrito em processo de cadastramento e seleção de candidatos ao acesso à terra, for efetivamente identificado como participante direto ou indireto em conflito fundiário que se caracterize por invasão ou esbulho de imóvel rural de domínio público ou privado em fase de processo administrativo de vistoria ou avaliação para fins de reforma agrária, ou que esteja sendo objeto de processo judicial de desapropriação em vias de imissão de posse ao ente expropriante; e bem assim quem for efetivamente identificado como participante de invasão de prédio público, de atos de ameaça, sequestro ou manutenção de servidores públicos e outros cidadãos em cárcere privado, ou de quaisquer outros atos de violência real ou pessoal praticados em tais situações.”

[33]  “§ 6º O imóvel rural de domínio público ou particular objeto de esbulho possessório ou invasão motivada por conflito agrário ou fundiário de caráter coletivo não será vistoriado, avaliado ou desapropriado nos dois anos seguintes à sua desocupação, ou no dobro desse prazo, em caso de reincidência; e deverá ser apurada a responsabilidade civil e administrativa de quem concorra com qualquer ato omissivo ou comissivo que propicie o descumprimento dessas vedações.”

[34] “Sobretudo no que toca à previsão de exclusão de pessoa inscrita ou beneficiária de programas de reforma agrária por ser participante direto ou indireto em conflito fundiário que se caracterize por invasão ou esbulho de imóvel rural, a redação do § 7º do art. 2º da Lei 8.629/1993, na redação que lhe foi dada pela MP, propicia que se efetive ainda que o conflito não tenha sido motivado pelo excluído, que poderia estar ocupando, de modo manso e pacífico, imóvel ainda em fase de vistoria de um procedimento que, a despeito de a Constituição prever ser sumário, pode ser prolongado por anos.”

[35] Art. 7º: “§ 1º. O valor da alíquota a ser aplicado a cada ano será fixado na lei específica a que se refere o caput do art. 5º desta Lei e não excederá a duas vezes o valor referente ao ano anterior, respeitada a alíquota máxima de quinze por cento”.

[36] V. p. 63 de nosso Teoria das relações jurídicas da prestação de serviço público sob regime de concessão.

[37] Art. 318 do CPC. “Aplica-se a todas as causas o procedimento comum, salvo disposição em contrário deste Código ou de lei.”

[38] Confira-se o teor dos “considerando” que constam do preâmbulo do DL: “CONSIDERANDO que, na cidade de São Paulo, o grande número de desapropriações em zona residencial ameaça desalojar milhares de famílias; CONSIDERANDO que os proprietários de prédios residenciais encontram dificuldade, no sistema jurídico vigente, de obter, initio litis, uma indenização suficiente para a aquisição de nova casa própria; CONSIDERANDO que a oferta do poder expropriante, baseada em valor cadastral do imóvel, é inferior ao valor real apurado em avaliação no processo de desapropriação; CONSIDERANDO, finalmente, que o desabrido dos expropriados causa grave risco à segurança nacional, por ser fermento de agitação social…”

[39] De acordo com o que consta do Dicionário Caldas Aulete, o nome é derivado do latim indeminis.

[40] “Art. 5º, XXIV – a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta Constituição”.

[41] § 3º do art. 182. “As desapropriações de imóveis urbanos serão feitas com prévia e justa indenização em dinheiro”.

[42] “Art. 184. Compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social, mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária, com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até vinte anos, a partir do segundo ano de sua emissão, e cuja utilização será definida em lei”.

[43] Art. 182, § 4º, “III – desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais”.

[44] “Na desapropriação, cabe atualização monetária, ainda que mais de uma vez, independente do decurso de prazo superior a um ano entre o cálculo e o efetivo pagamento da indenização”.

[45] “Em desapropriação, é devida a correção monetária até a data do efetivo pagamento da indenização, devendo proceder-se à atualização do cálculo, ainda que por mais de uma vez”.

[46] Nesse sentido, confira-se a Súmula 12 do STJ, a qual estabelece que “em desapropriação são cumuláveis os juros moratórios e compensatórios”, e, a Súmula 102 do mesmo tribunal em que se consolidou o entendimento de que “a incidência dos juros moratórios sobre os compensatórios, nas ações expropriatórias, não constitui anatocismo vedado em lei”.

[47] REsp 1.118.103/SP, julgado em 08.03.10; o REsp 873.449/RJ, julgado em 12.11.07; e EREsp 586.212/RS, julgado em 26.11.2007.

[48] V. RE 91397-1/RJ, julgado em 24.06.1980, RE 48.540/SP, julgado em 04.09.1969; RE 89893/SP, julgado em 12.12.1978; RE 90418/SP, julgado em 18.09.1979.

[49] “Art. 4º-A. Quando o imóvel a ser desapropriado estiver ocupado coletivamente por assentamentos sujeitos a regularização fundiária de interesse social, nos termos do inciso VII do caput do art. 47 da Lei 11.977, de 7 de julho de 2009, o ente expropriante deverá prever, no planejamento da ação de desapropriação, medidas compensatórias.

1° Para fins do disposto no caput, não serão caracterizados como assentamentos sujeitos a regularização fundiária de interesse social aqueles localizados em Zona Especial de Interesse Social de área vazia destinada à produção habitacional, nos termos do Plano Diretor ou de lei municipal específica.

2° As medidas compensatórias a que se refere o caput incluem a realocação de famílias em outra unidade habitacional, a indenização de benfeitorias ou a compensação financeira suficiente para assegurar o restabelecimento da família em outro local, exigindo-se, para este fim, o prévio cadastramento dos ocupantes.

3º Poderá ser equiparada à família ou à pessoa de baixa renda aquela não proprietária que, por sua situação fática específica, apresente condição de vulnerabilidade, conforme definido pelo expropriante.”