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DERRIDA E O PERDÃO JUDICIAL NA ESFERA PENAL

DERRIDA E O PERDÃO JUDICIAL NA ESFERA PENAL

Antonio Baptista Gonçalves

SUMÁRIO: Introdução; 1 Jacques Derrida – Breves considerações; 2 Conceito de perdão; 3 O perdão judicial na esfera penal; 4 Jacques Derrida e a questão do perdão judicial na esfera penal; Conclusão; Referências.

 

INTRODUÇÃO

O presente texto pretende fazer uma reflexão da função e da importância do perdão judicial na esfera penal. Aparentemente uma figura de menor expressão no conjunto normativo do direito penal, o perdão judicial tem uma função muito específica: não impor uma pena a uma pessoa que cometeu um delito do qual seu sofrimento decorrente é maior do que a própria imposição de uma sanção em virtude do descumprimento do ordenamento.

Será que o perdão pode ser um prêmio para o infrator? Se houve o cometimento de um delito, então, por conseguinte, não seria correto que esta pessoa cumprisse a pena prevista pelo crime? O perdão depende de outra pessoa para ser concedido? O juiz poderá fazê-lo em uma análise subjetiva? O juiz poderá se negar a fazê-lo? O perdão se confunde com a figura religiosa do perdão no sentido de cometimento de pecados? Essas foram algumas das várias perguntas que afloraram quando do período cogitacional deste trabalho, e, de uma forma ou de outra, em maior ou menor grau, todas estão conectadas de alguma forma.

De tal sorte que iremos respondê-las ao longo do próprio trabalho, mas poderíamos trabalhar apenas e tão somente com uma análise hermenêutica do dispositivo e apontar nossas considerações acerca do tema, ou, além disso, ofertar a valorosa contribuição de importante figura que analisou o tema, mas que não pertence, exatamente, ao Direito.

Optamos pelo segundo caminho, portanto, não iremos fazer uma análise meramente subjetiva acerca da relevância desta modalidade de excludente de tipicidade. Sendo assim, traremos como objeto de estudo a visão de Jacques Derrida, importante filósofo francês que se notabilizou por um método filosófico chamado desconstrução. Todavia, não será nosso escopo analisar pormenorizadamente a obra de Derrida muito menos verificar minuciosamente seus aspectos em relação ao perdão, mas sim nos atermos aos pontos principais de sua visão do perdão a fim de que possamos ter um outro olhar acerca da importância do tema.

Então, o que primeiro iremos fazer é apresentar Jacques Derrida em uma brevíssima biografia, na qual já traremos alguns elementos localizadores do que vem a ser a desconstrução. Posteriormente, apresentaremos o que vem a ser perdão e o perdão judicial na esfera penal.

Por fim, faremos uma análise da visão de Derrida acerca do perdão e verificaremos se sua aplicabilidade está adequada dentro dos parâmetros estabelecidos pelo filósofo e se a figura presente no direito penal corresponde ao objetivo do legislador ao elaborar tal excepcionalidade no ordenamento jurídico penal.

1 JACQUES DERRIDA – BREVES CONSIDERAÇÕES

Filósofo francês (nascido na Argélia), Jacques Derrida teve um enorme impacto sobre a vida intelectual em todo o mundo. Tanto é que o seu trabalho tem sido objeto, no todo ou em parte, de mais de 400 livros. Nas áreas de filosofia e crítica literária, Derrida foi citado mais de 14 mil vezes em artigos de revistas ao longo dos últimos 17 anos, sendo recentemente apresentado em uma história do The New York Times. Ele entrou em destaque na América com a sua abordagem/metodologia/filosofia de desconstrução crítica, e é esta linha de pensamento que continua a identificá-lo [1].

Jacques Derrida, Ph.D., nasceu em uma família judia argelina em El-Biar, na Argélia, em 1930, e morreu em 9 de outubro de 2004. Com 22 anos, ele se mudou para a França e começou seus estudos na École Normale Supérieur em Paris, com foco sobre a fenomenologia de Edmund Husserl. De particular interesse para Derrida foi a análise da écriture, a escrita da própria filosofia. Ele publicou vários artigos em 1960 para Tel Quel, fórum da França da teoria de vanguarda de esquerda. Durante a primeira metade da década, ele lecionou na Sorbonne, em Paris, e também escreveu comentários sobre publicações dedicadas à história e à natureza da escrita, que apareceram na segunda metade da década de 1960 no jornal parisiense Crítica. Essas obras seriam fundamentais para um trabalho altamente influente de Derrida, Gramatologia. Derrida foi introduzido na América em 1967 pela Universidade Johns Hopkins, onde ele fez sua palestra “Estrutura, Sinal, and Play no Discurso das Ciências Humanas“.

Jacques Derrida lecionou na École Normale Supérieur entre 1965-1984, dividindo parte de seu tempo entre Paris e universidades norte-americanas, tal como Johns Hopkins e Yale. Dirigiu a École des Hautes Études en Ciências Sociales, em Paris. Desde 1986, ele também foi professor de Filosofia, Francês e Literatura Comparada na Universidade da Califórnia, em Irvine, e continuou a lecionar em instituições acadêmicas de ambos os lados do Atlântico.

Derrida publicou três livros em 1967, a saber: Discurso e Fenômenos, Gramatologia e Escrita e Diferença, que delineia a abordagem desconstrutiva à leitura de textos. Em Gramatologia, em parte influenciado por seu amigo e colega Emmanuel Levinas, Derrida analisa e critica a Filosofia Ocidental, começando com os pré-socráticos a Heidegger.

Ele desafia o privilégio fundamental do “logos” na filosofia ocidental com suas reivindicações de autenticidade na proposição de uma relação direta entre discurso e ato em sua forma, em que revela como ter a presença de um centro de identidade e/ou subjetividade. Este privilégio de logotipos denigre a prática da escrita, embora, paradoxalmente, muitos filósofos tentaram revelar a natureza do discurso do texto escrito para conciliar o desafio. Derrida, no entanto, viria a desenvolver um método de identificação de tais padrões no ato de escrever, o que ele chamou de “desconstrução“.

A desconstrução procura identificar paradigmas logocêntricas, como dicotomias, e mostram que a possibilidade de presença em qualquer linguagem contextual está em play constante e “diferente” continuamente em relação a outra coisa, deixando apenas um trace do sujeito/objeto. Derrida introduziu palavras como “traço“, “presença“, “diferença“, “desconstrução“, “logos” e “brincar” ao léxico do discurso contemporâneo no estruturalismo, pós-estruturalismo, pós-modernismo e pós-colonialismo. A estratégia não é uma tentativa de remover paradoxos ou contradições ou escapar deles, criando um sistema próprio. Em vez disso, a desconstrução abraça a necessidade de usar e sustentar os próprios conceitos que, alega, são insustentáveis. Derrida estava olhando para abrir o potencial criativo e generativo da filosofia. A desconstrução também tem sido aplicada como uma estratégia de análise à literatura, linguística, filosofia, direito e arquitetura [2].

Jacques Derrida se dedicou a analisar e a desconstruir vários temas e fez ilações e relações de sua técnica com a filosofia e com a linguagem, o que somente este aspecto já ensejaria um trabalho próprio. Então, veremos uma fagulha do amplo campo de trabalho deste autor, a questão do perdão.

Com a certeza de que a análise não possui a profundidade que o próprio autor demanda, traremos pontos importantes a fim e refletir sobre a temática do perdão. O caminho e as nuances do pensamento de Derrida são complexas e sutis ao mesmo tempo, o que dificulta, na questão do perdão, compreender de forma célere qual sua posição. De tal sorte que, a fim de relacionar o perdão na esfera penal com a visão de Derrida, devemos fazer um percurso que passa pela compreensão gradual do tema. A fim de evoluir, ainda que de forma mais lenta, iniciaremos pelo princípio, isto é, apresentaremos o que vem a ser o perdão.

 

2 CONCEITO DE PERDÃO

Primeiramente, traremos o conceito do que vem a ser perdão, para, posteriormente, apresentar a figura do perdão judicial na esfera penal. Acerca da parte mais geral, invocamos as palavras de De Plácido e Silva:

Derivado de perdoar, do baixo latim perdonare, quer significar, em sentido genérico, o ato pelo qual a pessoa é desobrigada de cumprir o que era de ser dever ou obrigação, por quem a competia exigir.

É, assim, a desobrigação desfazer ou cumprir aquilo a que estava obrigada ou lhe era imposto. Assim, o perdão tanto se refere à desobrigação da dívida, por ato espontâneo e gracioso do credor, ou à desobrigação do cumprimento da pena, a que estava sujeito o condenado, por concessão ou graça do poder competente.

 Tem o mesmo sentido de absolvição, porque esta pode resultar de um perdão. Mas nem toda absolvição vem do perdão. Absolvição, também, vem de não dever. E o perdão é sempre desobrigação do que se deve.

[…]

Perdão. Em sentido vulgar, é ainda usado o vocábulo, na linguagem jurídica, na acepção de desculpa ou exculpação, em virtude do que o ato se mostra culpa é tido como não existindo, para que não produza efeitos jurídicos, se mantido. [3]

De início, podemos fazer uma diferenciação importante, pois não se pode confundir perdão com arrependimento [4]. O ato de se arrepender diz respeito à pessoa ter mudado sua opinião ou vontade em relação a alguma ação praticada anteriormente e, por algum motivo consciente ou alheio à sua vontade, fez com que se arrependesse do que havia avençado anteriormente, razão pela qual desistiria do que fora combinado entre as partes. No Direito, tal atitude, salvo quando já estipulado entre ambos, enseja a possibilidade de indenização por perdas e danos.

O arrependimento pode ocorrer em algumas áreas do Direito, entre elas a penal, na qual o agente pode se arrepender da prática de um delito, ou, ainda, pode interromper a ação lesiva em decorrência do arrependimento, o que ensejará sua responsabilização pelo atos produzidos até o momento do arrependimento. Tal dispositivo em nada se parece com o perdão, visto que o ato depende de um terceiro e não da própria pessoa.

Ademais, o perdão decorre de uma ação já consumada por um terceiro, no qual o objetivo é elidir o crime e, por conseguinte, evitar o cumprimento da pena (seara jurídico-penal). Porém, em outras esferas, como em uma obrigação contratual, por exemplo, a presença do instituto do perdão implica uma conduta de descumprimento de uma conduta à qual um terceiro estava obrigado.

Na esfera cotidiana, o perdão é sinônimo do ato de desculpar alguém em virtude de alguma conduta ofensiva, lesiva ou que tenha causado desconforto ou maculado outra pessoa em decorrência de alguma ação.

Alguns pensadores, como Derrida, não aceitam a ideia de que o perdão possa pertencer à esfera política ou jurídica e defendem uma postura bastante exigente em relação ao tema, ao condenarem a “mundialização do perdão“, ou a banalização dos arrependimentos no plano político, criando-se um verdadeiro “teatro do perdão“. Derrida afirma ainda que o perdão deve ser incondicional e que somente o imperdoável pode ser objeto do verdadeiro perdão. Um perdão com finalidade de “reconciliação nacional“, ou outra, não é um perdão puro ou verdadeiro. No campo jurídico, o perdão não pode ser confundido com a figura da anistia ou com a da prescrição [5].

No conceito anteriormente citado, que iremos desenvolver em tópico próprio, é possível sua aplicabilidade nos moldes de Derrida, por exemplo, no tocante ao homicídio acidental de uma criança por seu próprio progenitor. Recentemente, em nosso ordenamento jurídico pátrio, tivemos um caso de um pai que deixou seu filho, um bebê, no carro e se esqueceu de abrir uma fresta em sua janela. O resultado foi que, ao voltar, seu filho já estava nas mãos do Criador. Como responsabilizar um pai por ter matado seu filho nessas circunstâncias? Houve negligência, por certo, mas, seguramente, o fim objetivado estava longe de passar pelo evento morte.

Condenar este pai a um regime de reclusão é impor uma pena maior do que o próprio flagelo psicológico que sua conduta pode produzir. Portanto, em casos como este, o juiz está autorizado a conceder o benefício do perdão.

3 O PERDÃO JUDICIAL NA ESFERA PENAL

Aqui nos ateremos à questão do perdão judicial apenas e tão somente na seara criminal, porém, insta salientar que o instituto não é de operacionalidade exclusiva do direito penal, pois sua aplicação pode ocorrer igualmente em outros ramos do Direito, como nos delitos de trânsito, no direito tributário, no direito previdenciário, entre outros. Assim, como nos deteremos com maior profundidade na questão penal, antes de trazer a visão doutrinária sobre o tema, consideramos ser interessante fazer um breve histórico, inclusive com as potencialidades do instituto. Para tanto, José Cirilo de Vargas nos possibilita um breve histórico penal acerca do perdão judicial naquela seara:

A partir da Lei nº 7.209/1984, o perdão judicial passou a ser considerado causa de extinção de punibilidade (art. 107, IX). Muito se discutiu antes da lei. Hoje não há mais espaço para discussões. Disserta Cernicchiaro: “A individualização da pena ganha importância cada vez maior. Ademais, a atual Política Criminal restringe a pena de prisão aos casos extremos, incentiva o perdão judicial, há muito reclamado pelos penalistas brasileiros; com isso, e não havendo recriminação maior, denotando as particularidades do fato ser ocasional na vida do agente, que sempre pauta sua conduta conforme as exigências mínimas de comportamento, recomenda-se tratamento especial, sequer deixando a marca da condenação. Pelo menos, a melhor interpretação, e que se ajusta à teologia do instituto, entende que a respectiva sentença é meramente declaratória. Efetivamente, não há condenação. O juiz reconhece a existência do ilícito, entretanto afasta a sanção, considerando-a desnecessária, se não inconveniente no caso concreto. A sentença não é condenatória [6]” […] É bem verdade que existem entendimentos doutrinários e decisões de nossos Tribunais no sentido de que a sentença concessiva do perdão judicial é condenatória [7]. Contudo, hoje não mais se discute o assunto: não há reincidência; não há lançamento do nome do acusado no rol dos culpados; não há registro de condenação no setor próprio da polícia. [8]

Assim, temos o que vem a ser o histórico do perdão judicial. O que devemos destacar inicialmente é que, para o perdão judicial ser viável, necessária será a ocorrência do delito, isto é, que o agente tenha praticado uma conduta lesiva contrária ao ordenamento jurídico nacional, O que propicia ao Estado a aplicação do jus puniendi, isto é, o direito do Estado em punir aquele que descumpre o conjunto de regras que compõe a vida em sociedade, cuja consequência enseja a aplicação de pena. No direito penal é o que se considera como fato típico, antijurídico; o que se discute é a punibilidade, que deixa de existir em virtude do perdão. Sobre o conceito de perdão, Fernando da Costa Tourinho Filho:

Perdoar é ser clemente, é indulgenciar. Perdão é bondade, é indulgência, é clemência. Nas ações penais privadas, o ofendido, em consequência do seu poder dispositivo, pode perdoar o querelado, vale dizer, seu ofensor, revelando, assim, a vontade de não querer prosseguir na ação, e, não querendo fazê-lo, julgar-se-á extinta a punibilidade. [9]

O detalhe importante no perdão judicial é que, para este ocorrer, o mesmo deverá ser suscitado antes do trânsito em julgado da sentença condenatória, isto é, antes da condenação do réu, como prevê o art. 107, IX, do Código Penal: “Art. 107. Extingui-se a punibilidade: […] IX – pelo perdão judicial, nos casos previstos em lei“.

Guilherme de Souza Nucci destaca os casos em que pode ser aplicado o perdão judicial:

1) Homicídio culposo – art. 121, § 5º, do CP;

2) Lesão corporal culposa – art. 129, § 8º, do CP;

3) Crime de injúria – art. 140, § 1º, I e II, do CP;

4) Outras fraudes – art. 176, parágrafo único, do CP;

5) Crime de receptação culposa – art. 180 § 5º, do CP;

6) Parto suposto, supressão ou alteração de direito inerente ao estado civil de recém-nascido – art. 242, parágrafo único;

7) Crime de subtração de incapazes – art. 249, § 2º, do CP;

8) Apropriação indébita previdenciária – art. 337-A, § 2º, do CP;

9) Na Lei de Contravenções Penais – arts. 8º e 39, § 2º, do Decreto nº 3.688/1941;

10) Art. 326, § 1º, do Código Eleitoral, Lei nº 4.737/1965;

11) Lei dos Crimes Ambientais – art. 29, § 2º, da Lei nº 9.605/1998;

12) Lei de Lavagem de Dinheiro – art. 1º, § 5º, da Lei nº 9.613/1998; e

13) Lei de Proteção à Vítima e à Testemunha – art. 13 da Lei nº 9.807/1999. [10]

Este perdão pode ser concedido por duas pessoas [11], a saber: o próprio ofendido [12], que, se perdoar o infrator, extinguirá a sua punibilidade, porém somente terá esta capacidade de fazê-lo em ações penais de esfera exclusivamente privada, e o momento para fazê-lo é até o trânsito em julgado da sentença. Ademais, não é ato exclusivo do ofendido, pois se trata de ato bilateral, visto que o ofensor também precisa aceitá-lo. E a segunda, o juiz, desde que de forma fundamentada em sua sentença de mérito. A diferença é que, nesta forma, não cabe a recusa por parte do réu [13]. No entanto, é vital desfazer a impressão de que tal decisão é subjetiva do magistrado, pois é sua obrigação aplicar o perdão judicial, desde que presentes os requisitos objetivos para fazê-lo. Sobre o tema destaca Damásio Evangelista de Jesus:

Trata-se de um direito penal público subjetivo de liberdade. Não é um favor concedido pelo juiz. É um direito do réu. Se presentes as circunstâncias exigidas pelo tipo, o juiz não pode, segundo puro arbítrio, deixar de aplicá-lo. A expressão “pode” empregada pelo CP nos dispositivos que disciplinam o perdão judicial, de acordo com a moderna doutrina penal, perdeu a natureza de simples faculdade judicial, no sentido de o juiz poder sem fundamentação aplicar ou não o privilégio. Satisfeitos os pressupostos exigidos pela norma, está o juiz obrigado a deixar de aplicar a pena. [14]

Como fora demonstrado logo no começo do tópico, existe uma controvérsia acerca do perdão judicial no tocante à sentença, isto é, sobre seus efeitos. Portanto, se a mesma terá efeito condenatório ou efeito meramente declaratório. A doutrina não é unânime sobre o tema, aliás, existe bastante controvérsia sobre o assunto. Todavia, a nosso ver, a questão polêmica teve considerável apoio para sua solução quando da edição de uma súmula sobre o assunto pelo Superior Tribunal de Justiça, visto que a Súmula nº 18 do Superior Tribunal de Justiça edifica o pensamento de que a sentença judicial tem efeito meramente declaratório: “Súmula nº 18: A sentença concessiva do perdão judicial e declaratória da extinção da punibilidade, não subsistindo qualquer efeito condenatório“.

O efeito prático da súmula é que o beneficiado pelo perdão judicial tem o tratamento judicial como se nunca houvera sido condenado pelo delito em questão. Portanto, não consta seu nome no rol de culpados e, a nosso ver, não há sentença condenatória, mas sim declaratória [15]. Sobre o tema José Frederico Marques:

A sentença que concede o perdão judicial é apenas declaratória, por isso que não impõe sanção alguma. Limita-se o juiz a reconhecer a prática do delito, em decisão que valerá como preceito ou regra normativa da espécie, de que decorrem os efeitos secundários do reconhecimento da ilicitude do fato, tais como a situação jurídica do condenado, dever de reparar o dano, etc. [16]

Apesar da súmula, os doutrinadores, especialmente os que consideram os efeitos da sentença como condenatórios, ainda não reformaram seu posicionamento, e o argumento paira no tocante à possibilidade de tal sentença com efeito condenatório ensejar a possibilidade de uma reparação por perdas e danos, o que, em tese, estaria impedido se os efeitos fossem declaratórios.

Ultrapassada a etapa conceitual sobre o instituto e sua visão jurídica, agora, nos cabe analisar como aplicar o perdão sob a ótica e os ensinamentos de Jacques Derrida.

4 JACQUES DERRIDA E A QUESTÃO DO PERDÃO JUDICIAL NA ESFERA PENAL

Derrida se notabilizou, entre outras qualidades, por desenvolver uma teoria da desconstrução, ou seja, é necessário desconstruir algo a fim de que se possa pensar sobre aquilo. Como apresentamos anteriormente, o desenvolvimento do que Derrida chamou de desconstrução se iniciou em 1967 com a publicação das obras Discurso e Fenômenos, Gramatologia e A escrita e a diferença. Em 1968, dá a primeira versão de A farmácia de Platão e, em 1969, apresenta aos membros do grupo Tel Quel e a outros ouvintes o texto sobre Mallarmé, que se chamará mais tarde “La double séance[17].

E o que vem a ser esta desconstrução? Uma forma especial de ler ou interpretar um texto? Sobre o tema explica Rachel Nigro:

A desconstrução não é uma técnica de leitura de textos, nem um método de pesquisa filosófica ou de crítica literária com regras preestabelecidas e objetivos determinados de antemão. A desconstrução desconfia da sistematicidade e de qualquer modelo de cientificidade que se apresente. Mas ela também não é um vale-tudo ou uma destruição niilista da metafísica. A desconstrução é simplesmente uma postura diante da leitura de textos. Uma postura cuidadosa, atenciosa, amorosa, mas também desconfiada. A desconstrução acontece dentro da linguagem; ela busca flagrar o logos (o sentido, a presença, a razão) em atuação, ou seja, fazendo metafísica estabelecendo a lei, trazendo à presença. Esse olhar atento e desconfiado quer criticar o argumento filosófico por dentro dele mesmo, já que nada há além da linguagem. [18]

Então, podemos considerar que a desconstrução proposta por Derrida envolve não a leitura pura e simples de algo, mas sim a busca pelo que está por detrás, pelo que não é dito [19]. Transportando para o Direito, é a intenção do legislador ao construir e edificar uma norma. Como salienta Evando Nascimento, “o que chamamos desconstrução ou desconstruções (é sempre mais de uma) procura desenvolver ou antes ir ao encontro de um pensamento que, lendo as teses filosóficas a contrapelo, exponha um certo não dito da história como história metafísica[20].

De tal sorte, para compreender o sentido do perdão no direito penal brasileiro, primeiro devemos ter como objetivo compreender a figura do agressor e do agredido e, mais do que isso, a relação dos agentes com os delitos em si. Mas antes de adentrarmos propriamente no tema, analisemos o paralelo traçado por um dos mais importantes tradutores de Derrida,

Geoffrey Bennington, entre a relação da desconstrução com a ética:

A desconstrução desconstrói a ética, ou revela a ética desconstruindo-se (a si mesma) na desconstrução, mas algum sentido de ética ou do ético, algo de arquiético, talvez sobreviva à desconstrução ou venha à tona como sua origem ou recurso. A desconstrução não pode ser ética, não pode propor uma ética, mas a ética poderia, ainda assim, fornecer uma pista privilegiada para a desconstrução, e a desconstrução poderia proporcionar uma nova forma de se pensar alguns dos problemas tradicionalmente propostos pela ética. [21]

A ética é apenas um tema que pode ser aplicado da mesma forma para o perdão, para a justiça, etc. O que devemos extrair é o método proposto, a forma de investigação filosófica à qual se propõe Jacques Derrida. Ao aplicá-la, teremos uma nova visão sobre um tema determinado. Sobre esta técnica explica Roland Barthes:

A investigação filosófica de Jacques Derrida retomou, de modo revolucionário, o problema do significado último, postulando que, no mundo, nunca há fundo, mas apenas a escrita, e o prospecto dos signos é, de certa maneira, infinito. Por conseguinte, descrever sistemas significantes postulando um significado último é tomar partido contra a própria natureza do sentido. [22]

Barthes tem razão quando diz que “desconstruir é lutar contra as alienações políticas da linguagem, a dominação dos estereótipos, a tirania das normas“. E se engana quando diz que “o deslizamento se opõe (à) desconstrução[23].

Da desconstrução [24] se poderá certamente dizer o mesmo que Derrida diz a respeito da justiça, que, de forma indesconstrutível, o filósofo distingue do Direito, ele essencialmente desconstrutível, como podemos notar através deste fragmento: […] o direito é essencialmente desconstrutível, seja por ser fundado, quer dizer, construído sobre camadas textuais interpretáveis e transformáveis (e é a história do direito […], seja porque o seu último fundamento, por definição, não é fundado. [25]

Assim, o que se pretende para com o perdão, em Derrida, é buscar qual o real sentido de se perdoar alguém na esfera jurídico-penal, e mais, qual a função do próprio perdão no ordenamento jurídico, mas não a função primeira, excluir o crime, mas sim qual o objetivo por detrás da não punibilidade, e, com isso, verificar se o caso não condenável condiz com a proposta do próprio perdão na esfera penal.

Afinal, como vimos, o perdão no direito penal é uma exceção, uma excludente de ilicitude, isto é, o fato é típico, ou melhor, contrário ao ordenamento jurídico nacional, com sujeito ativo próprio, nexo de causalidade, o que denota que ocorreu uma conduta praticada por um agente contra outra pessoa e que esta conduta não é considerada lícita ou autorizada no direito penal, portanto, seu cometimento ensejará uma sanção. Com isso, se for reconhecida a culpa do agente, no momento da aplicação da pena, aplica-se o perdão, e o crime deixa de existir.

Porém, o perdão do qual tratamos na esfera penal é o mesmo perdão analisado por Derrida? Para tanto, precisamos adentrar um pouco mais na visão de Derrida. Sobre o perdão de Derrida nos fala Evando Nascimento:

O perdão de que fala Derrida excede a ordem do jurídico e do político: pode-se perdoar o culpado, ao mesmo tempo que se o condena. Perdoar não é indultar ou agraciar, nem reconciliar, embora se assemelhe a esses atos. A condenação e o indulto correlato advêm do Direito, da norma e da lei. O perdão está acima da lei, como um excesso, um suplemento de humanidade. Sem necessariamente oferecer a outra face, como quer o cristianismo, o perdão excede o Direito, a normalidade, afigurando-se hiperbólico. [26]

Nascimento explica que o perdão em Derrida se encontra acima da própria lei, visto que se trata de algo que transcende o Direito. Assim, não se limita ao ato de perdoar, mas envolve mais do que isso, faz uma conexão com o próprio ser humano, o que nos parece necessitar de mais elementos para poder ser compreendido.

Nesse diapasão, podemos considerar que o perdão de Derrida envolve, além do Direito, algo divino, ou uma relação com o Cristianismo e sua famosa passagem de quando lhe for feita uma ofensa, ofereça a outra face? Para tanto, analisemos o que nos propõe Luci Buff em sua tese de doutoramento sobre o tema:

Derrida explica que toda falta, todo crime, tudo o que se teria a perdoar ou a pedir perdão supõe um perjúrio – uma quebra de promessa, implícita ou explícita, a falta a um compromisso, a uma responsabilidade diante de uma lei que se jurou respeitar. O perdão, lembra Derrida, refere-se sempre a um perjúrio, uma falta à fé jurada, ao juramento ou palavra empenhada. [27]

Pelo que propõe a autora, Derrida considera o perdão como um ato excepcional derivado de um ato de quebra de confiança por parte daquele que o cometeu. Aprofundemos um pouco este tema sob a ótica da cidadania. Quando vivemos em sociedade, o que se espera é uma convivência harmônica de seus membros, em que o objetado é a felicidade coletiva e o respeito mútuo. A fim de garantir que todos tenham sua liberdade respeitada, sem invasão a direito de terceiro, há a edificação de um conjunto de regras e normas sociais que deverão ser respeitadas por todos.

Quando há o desrespeito a este conjunto normativo, há uma quebra de confiança do agente para com os demais membros da comunidade, por isso, se faz justa a aplicação de uma sanção. Ao se admitir o perdão, o que se cria, em verdade, é uma excepcionalidade a uma situação que ensejaria uma punição. Portanto, o que se vê é que o perdão é uma figura que se trata de uma exceção, portanto, não pode ser usada a todo momento e para todo e qualquer caso, como concorda Luci Buff:

Derrida insurge-se contra a finalidade normalizante do perdão e sustenta, reiteradamente, o seu caráter excepcional, de categoria-limite do pensamento que segue uma lógica de exceção. O perdão, na sua concepção, não é, nem deveria ser normal, nem normativo, nem normalizante. Para ele, deve permanecer excepcional e extraordinário. [28]

O que podemos notar, também, é que o perdão, por se tratar de uma exceção no ordenamento, enseja que o delito ou o ato em si seja tão excepcional que sua condenação não faça sentido, ou melhor, que sua reprovabilidade social seja maior pela aplicação da sanção do que pela concessão do próprio perdão. Ora, mas em uma sociedade, é claro, ao menos para a maioria, ao se cometer uma infração, haverá uma pena, então, como se aceitar que não haverá a aludida pena? E mais, se aceitar a não aplicação em decorrência de a pena ser mais prejudicial do que o perdão? De tal sorte que o delito praticado deve ser de natureza muito mais gravosa em searas que não a penal em si, como a psicológica e emocional, a ponto de se adotar tal excepcionalidade.

Assim, quando da aplicação do perdão na esfera penal, devemos considerar, como já propusemos no começo deste tópico, as circunstâncias do agressor e do agredido em relação ao delito em si, a fim de obter maiores elementos que possam elucidar os motivos do delito e/ou a possibilidade da aplicação do perdão judicial.

Derrida considera o Direito como um instrumento para garantir e efetivar a harmonia das relações sociais:

O Direito visa à harmonia social por meio da realização da justiça. “É a justiça o conceito base, o valor fundamental que dá ao Direito seu sentido e dignidade. O Direito não é a justiça. O Direito é um elemento do cálculo, e é justo que exista Direito, mas a justiça é incalculável“. [29]

Assim, a questão do perdão surge em uma necessidade de sopesamento do que é mais gravoso na situação concreta: condenar o infrator ou perdoá-lo, ante a gravidade da conduta cometida, de forma aparentemente imperdoável, que acarretaria uma dor maior do que a própria imposição da pena. Afinal, a letra da lei não supõe conjecturas ou suposições, mas sim requer seu cumprimento. Contudo, para um pai que matou acidentalmente seu filho, a dor sofrida e decorrente da conduta deve ser somada à destruição de sua vida com o ingresso no universo prisional? Ou será possível aplicar uma exceção para que o sistema permita a não punibilidade ante a gravidade inequívoca da conduta, que gera mais dano do que a aplicação da pena, do que remédio no caso concreto? Sendo assim, seria possível perdoar o imperdoável?

O agente que comete um crime desta natureza, como o exemplo do pai que mata o filho, ou o marido que mata a esposa por acidente, um amigo que, ao se divertir com os demais, mata um deles acidentalmente, entre várias outras possibilidades, carrega uma culpa, um sentimento que causa danos em um conflito do “eu” consigo mesmo, que tem consequências danosas para o próprio indivíduo que, por si só, são muito maiores do que a imposição de uma pena.

A pena destrói os laços sociais. A sentença está longe de recompor integralmente o estado criado pelos crimes graves. Há um excesso (ruptura, dor, sofrimento) que ela não consegue atingir. Portanto, impor a pena além dos problemas já decorrentes do próprio crime é um acréscimo de sofrimento e dor que não terá o objetivo de reparar o real problema [30].

Por isso, em casos excepcionais, de forma taxativa, o legislador se preocupou em não proporcionar um sofrimento ainda maior ao agente que terá de conviver e carregar a culpa e o remorso. Assim, deverá ser aplicado o perdão na justiça penal a fim de se perdoar o que é considerado como imperdoável.

De tal sorte que, em casos específicos, portanto, podemos considerar aplicar uma excepcionalidade no tocante à dosimetria da pena, isto é, aplicar uma medida que, efetivamente, transcenda o próprio Para Derrida, o perdão não pertence à esfera política ou jurídica. Ele se opõe à simetria entre punir e perdoar, não admite que sejam colocados lado a lado. Também se opõe à confusão entre perdão e conceitos jurídicos, como o da anistia e o da prescrição. Para ele, só é possível perdoar o imperdoável. O perdão não pode ser banalizado, deve sempre ser excepcional. Para avaliar essas proposições, é necessário rever em que contexto Derrida passou a se interessar pelo tema. O seu interesse pelo assunto se acentuou devido ao que ele chamou de “mundialização do perdão[31]. Tal figura se refere à retratação de alguns Estados por atos de violência perpetrados no período colonial contra povos prejudicados pelas atividades exploratórias da colonização, como os povos indígenas [32]. Derrida define o perdão:

Perdoar tem a ver com dar um dom (isto vale também para outras línguas: pardon, forgive, Vergebung). Trata-se de uma restituição, de uma volta a termos de igualdade: diante da enormidade de certos crimes, isto é impossível. A cena do perdão exige uma “solidão a dois”, um “face a face”: nada disto pode ser desejado ou seria possível diante dos crimes em questão aqui. A noção de crime contra a humanidade, derivada do Tribunal de Nuremberg e mesmo a “Comissão de Verdade e Reconciliação” sul-africana não tem também nada em comum com o conceito de perdão. [33]

Hannah Arendt defende que o objetivo da aplicação do perdão é algo aparentemente impossível, isto é, desfazer ou reparar uma conduta irreparável:

A grandiosa ousadia e a inigualável dignidade do conceito de perdão como relação básica entre humanos não residem na aparente conversão da calamidade da culpa e do erro nas possíveis virtudes da magnanimidade e da solidariedade. Trata-se, antes, de que o perdão busca o aparentemente impossível, desfazer o que foi feito, e ele consegue forjar um novo começo onde começos já não parecem possíveis. [34]

Perdoar não é possível senão ali onde se perdoa o que é impossível perdoar. Se se perdoa o que é perdoável, devido a um lamento ou a uma demanda de perdão, não se perdoa. Não existe perdão possível senão para o imperdoável. De modo que o possível é condicionado pelo impossível [35]. Assim, o perdão, como regra excepcional, tem por escopo ser aplicado a situações em que não seja possível buscar o perdão e/ou uma reparação, melhor dizendo, em casos em que o dano é tamanho que nem o perdão em si ou a isenção da pena sanearia o ato. Portanto, nesses casos, o perdão pode ser aplicado. O objetivo é propiciar uma possibilidade de recomeço para aquele ofensor que muito irá sofrer com a própria conduta, então, a própria justiça decide que impor outro sofrimento é demasiado e desnecessário. Mesmo sua conduta sendo imperdoável, o mais indicado a se fazer é justamente perdoar.

O perdão não pode, de forma alguma, ser entendido como um prêmio ao agressor, mas sim uma forma de propiciar a este um caminho para que possa tentar recomeçar sua vida após o dano que sua conduta produziu para o outro e, acima de tudo, para si próprio. Sobre o tema Hannah Arendt:

O perdão é a única ação estritamente humana que liberta a nós e aos outros da cadeia e padrão de consequências que toda ação humana engendra; como tal, perdão é uma ação que garante a continuidade da capacidade de agir, de começar de novo, a todo ser humano; sem perdoar e ser perdoado, nos pareceríamos com os personagens de contos de fada que são eternamente castigados com a realização dos desejos que lhes são concedidos. [36]

O objetivo é uma tentativa que busca não impingir um dano maior ao ofensor do que o dano em si, isto é, a conduta que cometeu é tão grave para si que aplicar uma pena não teria por objetivo buscar a ressocialização, a reparação do dano/ou ressarcimento e, muito menos, a reinserção do ofensor na sociedade, os três pilares fundamentais da sanção penal. Ademais, o ingresso na prisão iria acrescer um sofrimento desnecessário a alguém que já sofreria o suficiente por seu próprio ato. Ainda sobre o tema, uma vez mais, Hannah Arendt:

Tem tão pouco a ver com compreender, que não é sua condição nem sua consequência. Perdoar (sem dúvida uma das grandes capacidades humanas e, talvez, a mais ousada das ações do homem, já que tenta alcançar o aparentemente impossível – desfazer o que foi feito – e tem êxito em instaurar um novo começo onde tudo parecia ter chegado ao fim) é uma ação única que culmina num ato único. A compreensão é interminável e, portanto, não pode produzir resultados finais; é a maneira especificamente humana de estar vivo, porque toda pessoa necessita se reconciliar com um mundo em que nasceu como um estranho e no qual permanecerá sempre um estranho, em sua inconfundível singularidade. [37]

No direito penal, há exceções para os casos de perdão, e uma parte delas envolve condutas culposas, isto é, sem a intenção do cometimento do delito. Este é o escopo do perdão, a ausência de intenção de prejudicar um terceiro, ainda que o faça. Mas o ato de perdoar, como vimos e ainda aprofundaremos um pouco mais, pode envolver um terceiro em uma ação penal privada, ou o agressor e o juiz, em um caso de ação penal pública incondicionada. Sobre os atores que envolvem o perdão apresenta e comenta Luci Buff:

Há mais discussões, perguntas a respeito dos sentidos do perdão do que propriamente uma preocupação de sistematização do tema (e é de se perguntar se ele comporta essa sistematização e se o estilo de investigação de Derrida não é, justamente, o avesso dessa pretensão). Um laboratório de hipóteses e dialética. O olhar sobre a sua problemática desloca-se continuamente e as questões são vistas sob várias perspectivas que desfilam indagações, buscam fundamentos numa zona movediça, como o próprio autor adverte, uma zona de hipérbole, de aporia, de paradoxia. As perguntas dos textos ora enfocados, na peculiaridade e riqueza da leitura de Derrida, abertas às cargas de sentidos possíveis do perdão, apresentam-se numa série que dirige a exposição; aquelas indagações que cercam sempre o tema e a linguagem do perdão de maneira muitas vezes insolúvel (um certo não saber), pois, para o pensador, é preciso, antes de mais nada, reconhecer quando um problema é insolúvel. Assim, quem perdoa ou quem pede perdão, a quem, em que momento? Quem tem o direito ou o poder de perdoar? Quem perdoa a quem [38]? O que significa o quem [39]? O perdão pode ser recusado? [40]

Assim, a afim de analisarmos a relação do ofensor com o perdão, devemos, primeiramente, distinguir os atores, isto é, a figura do ofensor e a do ofendido na esfera pública e na esfera privada. Em uma ação penal privada, o que temos é a presença de um ofensor e de um ofendido em uma ação que atingiu diretamente ao segundo, como o caso da injúria, prevista no Código Penal no art. art. 140, § 1º, I e II. Nos dois casos, pode o juiz deixar de aplicar a pena, caso se comprove que a injúria foi decorrente da prática de outra injúria ou, ainda, se foi provocada pelo terceiro.

Já na ação pública, cabe ao juiz, apenas e tão somente, aplicar a figura do perdão nos casos em que a conduta do agente resulte em um dano tão grande para si próprio que a aplicação de pena se mostra desnecessária, como os casos de homicídio culposo – art. 121, § 5º – e de lesão corporal culposa – art. 129, § 8º. Sobre o tema Luci Buff:

O perdão judicial vem definido na doutrina como a faculdade concedida ao juiz de, comprovada a prática de uma infração penal, deixar de aplicar a pena imposta pela lei, em face de justificadas circunstâncias excepcionais. Ele é elisivo do poder-dever punitivo do Estado e não depende de aceitação dos ofensores. O fundamento, no caso, está na realidade de que as próprias consequências do fato já impuseram ao agente a devida punição. Assim, tenha o réu sofrido dor ou padecimento físico, fará ele jus ao perdão judicial. [41]

Como dissemos, o instituto do perdão foi edificado a fim de ser uma exceção, e, na visão desconstrutiva de Derrida, sua existência tem por condão perdoar algo que deve ser considerado como imperdoável, isto é, condenar um agressor por um crime que sua própria conduta, por si só, já acarreta demasiado sofrimento a si mesmo. Portanto, caberá à justiça, na figura do juiz, aplicar o perdão como uma forma não de premiar o infrator, mas sim como um caminho a fim de que este possa buscar se recompor ou aprender a conviver com a dor e o sofrimento que sua conduta lhe produziu para a continuidade de sua existência.

 

CONCLUSÃO

A figura do perdão judicial na esfera penal não se aplica sem critério ou de forma indiscriminada, isto é, a qualquer caso. O legislador teve o zelo de criar um rol taxativo para sua aplicabilidade, no qual não se admitem outras hipóteses além das previstas. O objetivo é evitar a banalização da conduta.

Com o auxílio da visão de desconstrução de Jacques Derrida, podemos notar que o interesse do legislador foi buscar aplicar a justiça da forma mais correta possível, o que, ao se tratar do construtor do ordenamento jurídico brasileiro, por si só, já é espantoso, ante a quantidade de atrocidades normativas, de leis abstratas e com ausência de procedimento, o que merece elogios.

Mas de volta a Derrida e à questão do perdão, esta figura foi desenvolvida a fim de ser uma situação muito específica na realidade jurídica brasileira, portanto, não pode ser aplicada em qualquer situação; tem, por si só, um caráter excepcional.

Com a ajuda de Derrida, concluímos que é devida sua aplicação em casos em que se deve perdoar o que é considerado imperdoável, como uma morte familiar totalmente acidental, como um filho que descobre a arma do pai e começa a brincar com ela e a mesma não estava travada e mata esta criança. É claro que o progenitor é culpado pela existência da arma, pelo seu acondicionamento de forma equivocada, por não ter travado a arma, e outras considerações que ainda poderiam ser feitas. Contudo, como condenar à prisão por homicídio um pai nestas circunstâncias?

Não há sequer como mensurar a dor, a culpa e o remorso desse pai, que terá de conviver com tal sentimento para sempre. Sendo assim, não faz sentido algum responsabilizar o pai pela morte do filho e fazê-lo pagar com a prisão e a ausência de sua liberdade. O motivo é que a função social da pena é inexistente, pois o cumprimento da pena em nada conseguirá restaurar ou sequer minimizar o dano causado. Portanto, em casos assim, o mais correto a se fazer é conceder o perdão ao que seria, em tese, absolutamente imperdoável.

Como apresentamos, há um rol com situações específicas e excepcionais nas quais o fim pretendido é o mesmo: não aplicar uma pena que teria pouco ou nenhum efeito prático. De acordo com Derrida, concordamos que o perdão judicial, de fato, é a solução menos pior ao caso concreto, pois o agente, o infrator, terá a sua consciência para lhe perseguir e atormentar, o que pode ocasionar resultados potencialmente mais gravosos e que podem impedir o agente de continuar a sua vida. A aplicação do perdão é um incentivo, ainda que limitado, para que o próprio infrator possa seguir sua vida da melhor maneira possível e tente se reerguer para, quem sabe, voltar a poder conviver normalmente com os demais membros da sociedade. Resta saber se o próprio agente terá condições para perdoar o imperdoável em si mesmo…

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[1] Disponível em: <http://www.afilosofia.com.br/post/jacques-derrida/413>. Acesso em: 21 out. 2015.

[2]  Disponível em: <http://www.egs.edu/faculty/jacques-derrida/biography/>. Acesso em: 24 out. 2015.

Tradução livre do original: “Jacques Derrida, Ph.D., was born to an Algerian Jewish family in El-Biar, Algeria, in 1930 and died on October 9, 2004. At the age of 22, he moved to France and began studies at the École Normale Supérieur in Paris, focusing on the phenomenology of Edmund Husserl. Of particular interest for Derrida is the analysis of écriture, the writing of philosophy itself. He published several articles in the 1960’s for Tel Quel, France’s forum of leftist avant-garde theory. During the first half of the decade, he taught at the Sorbonne in Paris. He wrote reviews on publications devoted to history and the nature of writing, which appeared in the latter half of the 1960’s in the Parisian journal, Critique. These works would be foundational to Derrida’s highly influential work, Of Grammatology. Derrida was introduced to America in 1967 by the Johns Hopkins University, where he delivered his lecture ‘Structure, Sign, and Play in the Discourse of the Human Sciences’.

Jacques Derrida taught at the Ecole Normale Supérieur from 1965 to 1984, dividing much of his time between Paris and American universities such as Johns Hopkins and Yale. He is currently the director at the École des Hautes Études en Science Sociales in Paris. Since 1986 he has also been Professor of Philosophy, French and Comparative Literature at the University of California, Irvine and continues to lecture in academic institutions on both sides of the Atlantic.

Derrida published three books in 1967, Speech and Phenomena; Of Grammatology; and Writing and Difference, which outline the deconstructive approach to reading texts. In Of Grammatology, in part influenced by his friend and peer, Emmanual Levinas, Derrida analyzes and criticizes Western Philosophy beginning with the pre-Socratics to Heidegger. He challenges the fundamental privileging of ‘logos’ in Western Philosophy with its claims to authenticity in the proposition of a direct link between speech and act in its form, which Derrida reveals as having the presence of a centre of identity and/or subjectivity. This privileging of logos denigrates the practice of writing, though paradoxically many philosophers attempted to reveal the nature of speech of the written text to reconcile the challenge. Derrida, however, would go on to develop a method of identifying such patterns within the act of writing, which he termed ‘deconstruction’. Deconstruction seeks to identify logocentric paradigms, such as dichotomies, and show that the possibility of presence within any contextual language is in constant ‘play’ and ‘differs’ continuously in relation to something else, leaving only a ‘trace’ of the subject/object. Derrida introduced words such as ‘trace’, ‘presence’, ‘difference’, ‘deconstruction’, ‘logos’, and ‘play’ to the lexicon of contemporary discourse in structuralism, post-structuralism, post-modernism and post-colonialism. The strategy is not an attempt to remove paradoxes or contradictions or escape them by creating a system of its own. Rather, deconstruction embraces the need to use and sustain the very concepts that it claims are unsustainable. Derrida was looking to open up the generative and creative potential of philosophy. Deconstruction has also been applied as a strategy of analysis to literature, linguistics, philosophy, law and architecture”.

[3] DE PLÁCIDO E SILVA. Vocabulário jurídico. Atualizadores Nagib Slaibi Filho e Priscila Pereira Vasques Gomes. 29. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2012. p. 1027.

[4]  Assim se diz da ação do contratante que retira seu consentimento ao contrato ajustado ou negócio combinado, antes de efetivamente executado ou de realizá-lo, ou de assinar o competente instrumento de contrato, que o materializará. O arrependimento mostra-se uma faculdade da pessoa que contrata ou ajusta um negócio. Mas se a mudança de sua vontade, que motiva a retirada de seu consentimento, antes de concluído o contrato, traz prejuízos à outra parte, corresponde a direito dele de exigir do arrependido perdas e danos resultantes de seu ato.

No entanto, se as próprias partes ajustaram a admissibilidade do arrependimento, antes que o contrato ou negócio se tivesse cumprido, nenhuma indenização pode exigir a parte não arrependida da outra que se arrependeu.

Do mesmo modo, se o arrependimento ou retirada do consentimento se funda em justa causa, ou razão ponderável, que mostre fundamento para a desistência do negócio ou inexecução do ato, tal como erro ou outro qualquer vício do consentimento, o arrependimento se mostra procedente e não pode dar motivo de perdas e danos pela parte contrária (Idem, p. 139 e 140).

[5] BUFF, Luci. Horizonte do perdão. Reflexões a partir de Paul Ricoeur e Jacques Derrida. São Paulo: EDUC, 2009. p. 11.

[6] Se a sentença fosse meramente declaratória, não poderia ser executada, no Juízo Civil, para efeito de reparação do dano. Suponha-se que o sujeito, agindo culposamente, venha a matar o próprio pai e um estranho. Condenatória a sentença concessiva do perdão judicial, os herdeiros do terceiro poderiam valer-se do art. 63 do CPP, executando-a (CPC, art. 64). Se, entretanto, entendermos que não é condenatória, eles seriam obrigados a propor a ação civil de reparação do dano (CPP, art. 64). Ora, se já existe no Juízo Criminal a demonstração cabal da responsabilidade civil, por que exigir a renovação de toda a instrução no cível? (JESUS, Damásio E. Direito penal. 35. ed. São Paulo: Saraiva, v. 1, 2014. p. 735).

[7]  Nesse sentido Damásio de Jesus: “É condenatória a sentença que concede o perdão judicial, que apenas extingue os seus efeitos principais (aplicação das penas privativas da liberdade, restritivas de direitos e pecuniárias), subsistindo os efeitos reflexos ou secundários, entre os quais se incluem a responsabilidade pelas custas e o lançamento do nome do réu no rol dos culpados. Exclui-se o efeito da reincidência, nos termos do art. 120 do CP, subsistindo a condenação para efeito de antecedentes (CP, art. 59). Falando a disposição que ‘a sentença que conceder perdão judicial não será considerada para efeitos de reincidência’, deixa claro a lei a pretensão de lhe conceder a natureza condenatória, uma vez que a recidiva pressupõe condenação anterior. Além disso, excluindo somente o efeito de a sentença condenatória gerar a reincidência, permite o entendimento de que subsistem as outras consequências reflexas” (Idem, p. 735).

Paulo José da Costa Jr: “Diz a exposição de motivos: ‘Incluiu-se o perdão judicial entre as causas em exame (art. 107, IX) e explicitou-se que a sentença que o concede não será considerada para configuração futura de reincidência (art. 120). Afastam-se, com isso, as dúvidas que ora têm suscitado decisões contraditórias em nossos Tribunais. A opção se justifica a fim de que o perdão, cabível quando expressamente previsto na parte especial ou em lei, não continue, como por vezes se tem entendido, a produzir os efeitos de sentença condenatória. […] A sentença que concede o perdão judicial, na sistemática normativa vigente, tem carga declaratória. Não é ela nem condenatória, nem absolutória” (COSTA JÚNIOR, Paulo José. Comentários ao Código Penal. 9. ed. São Paulo: DPJ, 2007. p. 331).

[8] VARGAS, José Cirilo de. Instituições de direito penal: parte geral. Rio de Janeiro: Forense,

  1. II, 1998. p. 243.

[9] TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. 35. ed. São Paulo: Saraiva, v. 1, 2013. p. 679.

[10] NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de direito penal. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 558.

[11] O instituto se distingue do perdão do ofendido, também causa extintiva da punibilidade (CP, arts. 105, 106 e 107, V, parte final). Este é concedido pelo sujeito passivo do crime de ação penal privada, dependendo de aceitação. O perdão judicial é concedido pelo juiz e não depende de aceitação (JESUS, Damásio E. Direito penal. São Paulo: Saraiva, v. 1, 1997. p. 677 e 678).

[12]  O perdão do ofendido é a revogação do ato praticado pelo querelante, que desiste do prosseguimento da ação penal. Não havendo queixa devidamente recebida, não há que se falar em perdão. O fato poderá constituir-se, porém, em renúncia ao direito de queixa.

O perdão somente é possível na ação exclusivamente privada, como deixa claro o

art. 105, não produzindo qualquer efeito na ação privada subsidiária ou na ação pública incondicionada ou condicionada.

O perdão pode ser concedido pelo ofendido, quando maior de 18 anos, ou por seu representante legal ou por seu representante legal, quando não contar aquela idade. Nos termos do art. 52 do CPP, se o querelante é menor de 21 anos e maior de 18 ano, o direito de perdão podia ser exercido independentemente por ele ou por seu representante legal, não produzindo efeito o perdão oferecido por um diante da oposição do outro (MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal. 30. ed. São Paulo: Atlas, v. I, 2014. p. 389).

O perdão do ofendido poderá ser processual – quando concedido em juízo – ou extraprocessual – se concedido fora dos autos no processo, em declaração assinada pelo ofendido, por seu representante legal ou procurador com poderes especiais (arts. 50 e 56 do CPP); expresso ou tácito – resultante da prática de ato incompatível com a vontade de prosseguir na ação (arts. 106, § 1º, do CP; 57 do CPP). Concedido o perdão, mediante declaração expressa nos autos, o querelado será intimado a dizer, dentro de três dias, se o aceita, devendo, ao mesmo tempo, ser cientificado de que o seu silêncio imporá aceitação assinada pelo querelado, por seu representante legal ou procurador com poderes especiais (art. 59 do CPP) (PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 1, 2007. p. 739).

[13] É a clemência do Estado para determinadas situações expressamente previstas em lei, quando não se aplica a pena prevista para determinados crimes, ao serem preenchidos certos requisitos objetivos e subjetivos que envolvem a infração penal. Trata-se de uma autêntica escusa absolutória, que não pode ser recusada pelo réu (NUCCI, Guilherme de Souza.Op. cit., p. 557).

[14] JESUS, Damásio E. Direito penal…, cit., 1997, p. 677.

[15] Analisando a questão, Aníbal Bruno: “O perdão judicial não exclui somente a punição, como fará a suspensão condicional da execução da pena; detém a condenação. Por ele o Estado renuncia ao direito de condenar o agente pelo crime cometido. Mas não extingue o crime porque é este precisamente o seu pressuposto. O Estado, pelo órgão da justiça, reconhece a existência do fato punível e a culpabilidade do agente, mas, pelas razões particulares que ocorrem, resolveu desistir da condenação que cabia ser imposta. E a declarar isso é que se limita a sentença que não é, assim, nem condenatória nem absolutória” (BRUNO, Anibal. Direito penal. Rio de Janeiro, t. 3, 1964. p. 162 a 165).

[16] MARQUES, José Frederico. Tratado de direito penal. Campinas: Millennium, v. III, 2000.

  1. 336.

[17] PERRONE-MOISÉS, Leyla. Aquele que desprendeu a ponta da cadeia. In: NASCIMENTO, Evando (Org.). Jacques Derrida: pensar a desconstrução. São Paulo: Estação Liberdade, 2005. p. 97.

[18] NIGRO, Rachel. O direito da desconstrução. In: ESTRADA-DUQUE, Paulo Cesar. Desconstrução e ética – Ecos de Jacques Derrida. São Paulo: Loyola, 2004. p. 93 e 94.

[19] Lembrando que o objetivo não é apresentar a teoria da desconstrução de Derrida, que, por si só, é deveras complexa. Nosso objetivo é construir uma visão primária a fim de relacionar alguns pontos de seu pensamento e método com o tema da qual nos ocupamos.

[20] NASCIMENTO, Evando. O perdão, o adeus e a herança em Derrida. Atos de memória. In: NASCIMENTO, Evando (Org.). Op. cit., p. 9-41.

[21] BENNINGTON, Geoffrey. Desconstrução e ética. In: ESTRADA-DUQUE, Paulo Cesar. Op. cit., p. 10.

[22]  BARTHES, Roland. L’analyse structurale du récit. Recherches de Sciences Religieuses,

1º trimestre 1970, Ceuvres complètes, t. 3, p. 472-473.

[23] PERRONE-MOISÉS, Leyla. Aquele que desprendeu a ponta da cadeia. In: NASCIMENTO, Evando (Org.). Op. cit., p. 100.

[24] A “desconstrução” como estratégia de interpretação textual parte de uma compreensão do fazer/escrever filosofia. É um filosofar à margem do texto filosófico, que faz uma crítica da metafísica, de suas hierarquias e recalcamentos, denominada por Derrida de pensamento logoteo-cêntrico. É pela busca “desconstrutiva” pela história da filosofia que são postos em evidência, “vestígios”, “rastros”, “brechas”, “arranjos”, que colocam sob suspeita a filosofia, seus métodos, seus objetos e sua “verdade”. Isto ressalta no texto filosófico um procedimento que esconde e revela um sentido sempre dividido, os estratagemas que permitem a duplicidade, os sentidos múltiplos da filosofia, onde não é possível encontrar um sentido inicial, primitivo ou originário (RODRIGUES, Victor Hugo Guimarães. As armadilhas da desconstrução: as estratégias do texto nas aproximações entre Derrida e o Zaratustra de Nietzsche. Cadernos Nietzsche 1, p. 69-82, 1996).

[25] DERRIDA, Jacques. Forças de lei: o fundamento místico da autoridade. Trad. Leyla Perrone Moisés. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2007. p. 25.

[26] NASCIMENTO, Evando. O perdão, o adeus e a herança em Derrida. Atos de memória. In: NASCIMENTO, Evando (Org.). Op. cit., p. 24 e 25.

[27] BUFF, Luci. Op. cit., p. 188.

[28] Idem, p. 199.

[29] DERRIDA, Jacques. Op. cit., p. 30.

[30] No próprio direito penal, temos uma figura, ou melhor, uma modalidade que cuida de casos em que a pena é entendida como inócua em decorrência de rompimento das estruturas emocionais e sentimentais, falamos da justiça restaurativa, na qual o que se pretende é restaurar o ambiente e reatar os laços rompidos, aplicável em casos como a violência doméstica. Não é aplicável à questão do perdão, porém, o escopo de se criar uma questão alternativa à pena a fim de contribuir para que o agente possa seguir em frente é similar. Como se fosse dada à pessoa que foi vítima do acaso ou de um grave dano fortuito uma segunda chance.

[31] Disponível em: <http://revistacult.uol.com.br/home/2010/03/a-justica-e-o-perdao-em-jacques-derrida/>.

[32] Para maiores informações sobre o tema, recomendamos a leitura do artigo “As políticas do perdão e a reconciliação na Austrália e no Canadá”, de Ana Catarina Zema de Resende. Disponível em: <http://www.repositorio.uniceub.br/bitstream/123456789/4713/3/p3.pdf>. Acesso em: 27 out. 2015.

[33] DERRIDA, Jacques. Pardoner: l’impardonable et l’imprescriptible. Paris: L’Herne, 2005.

[34] ARENDT, Hannah. A promessa da política. Tradução Pedro Jorgensen Jr. Rio de Janeiro: Difel, 2008. p. 106.

[35] Disponível em: <https://interfacepsijusbr.wordpress.com/tag/derrida/>.

[36] ARENDT, Hannah. Op. cit., p. 106.

[37] Idem, p. 125 e 126.

[38] O perdão, em princípio, deve ser pedido e concedido de pessoa a pessoa, sem mediação entre aquele que cometeu o mal irreparável ou irreversível e aquele que sofreu esse mal e que é apenas aquele a poder entender o pedido de perdão, decidir pela sua concessão ou sua recusa. BUFF, Luci. Op. cit., p. 208.

[39] No aspecto moral, ser perdoado tem um impacto positivo a fim de minorar a carga de culpa que envolve o dano em si.

[40] BUFF, Luci. Op. cit., p. 190 e 191.

[41] Idem, p. 39.