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DEMANDAS REPETITIVAS. DIREITO JURISPRUDENCIAL. TUTELA PLURINDIVIDUAL, SEGUNDO O NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL: INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS E INCIDENTE DE ASSUNÇÃO DE COMPETÊNCIA

DEMANDAS REPETITIVAS. DIREITO JURISPRUDENCIAL. TUTELA PLURINDIVIDUAL, SEGUNDO O NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL: INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS E INCIDENTE DE ASSUNÇÃO DE COMPETÊNCIA

DEMANDAS REPETITIVAS. DIREITO JURISPRUDENCIAL. TUTELA PLURINDIVIDUAL, SEGUNDO O NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL: INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS E INCIDENTE DE ASSUNÇÃO DE COMPETÊNCIA

Humberto Theodoro Júnior

SUMÁRIO: Introdução – 1. A posição do NCPC – 2. Tutela individual, tutela coletiva e tutela plurindividual – 3. Eficácia da tutela plurindividual sistematizada pelo NCPC – 4. Inocorrência de inconstitucionalidade no sistema de precedentes instituídos pelo NCPC – 5. Peculiaridade do sistema de precedentes implantado pelo novo CPC – Conclusões.

 

INTRODUÇÃO

 Nos primeiros trabalhos de preparação do Anteprojeto de um novo Código de Processo Civil para o Brasil, dentre os problemas a equacionar, a Comissão credenciada pelo Senado Federal detectou dois que se aparentavam como representativos das maiores preocupações sociais com a chamada “crise da justiça”:

  1. a) A duração excessiva e quase sempre intolerável dos processos;
  1. b) a insegurança dos resultados da prestação jurisdicional, em face da recorrente diversidade de posições dos tribunais na aplicação da mesma norma legal.

Diante desse quadro, surgiu a ideia de analisar as razões práticas pelas quais o sistema do common law apresenta resultados mais rápidos e maior estabilidade na aplicação do direito pelo Poder Judiciário. Constatou-se, então, a existência de duas grandes correntes do direito contemporâneo, no campo da formação do ordenamento jurídico: (I) a do common law, que valoriza bastante o direito consuetudinário e nessa linha atribui força normativa aos precedentes judiciais, e (II) a do civil law, que atribui basicamente à lei a força de constituir o ordenamento jurídico (direito escrito).

Qualquer que seja o sistema jurídico normativo, porém, o papel relevante dos tribunais no plano das fontes do direito sempre foi evidente, muito embora insistissem os juristas europeus continentais em recusar à jurisprudência o reconhecimento científico de fonte de direito. O direito anglo-americano, muito mais próximo das raízes históricas do direito romano, sempre reconheceu a força dos precedentes jurisdicionais de efetiva fonte do direito, e com isso tem logrado proporcionar aos jurisdicionados muito mais igualdade e segurança jurídica.

É nessa perspectiva que o NCPC brasileiro procura, de certa forma, aproximar-se da técnica anglo-americana de reconhecer força normativa maior aos precedentes dos tribunais. Nosso critério, todavia, não é o de voltar ao passado para investigar a existência de algum caso decidido que seja igual ao novo. O que o novo Código programou foi, principalmente, a ampliação da possibilidade de julgamentos por amostragem, destinados não apenas a repetir decisões do passado, mas a formular no julgamento de caso atual tese de direito que sirva de base para julgamentos futuros. Ao contrário do que se passa sob o regime do common law em que o passado molda o presente, a tônica de nosso regime é a de estatuir no presente norma capaz de pré-ordenar o futuro.

Com isso, vinha sendo introduzido em nosso sistema processual, mesmo antes do novo Código, o mecanismo recursal denominado de julgamento por amostragem, a partir principalmente da experiência dos recursos endereçados ao STF e ao STJ.

Três são os remédios processuais em que essa técnica veio a ser expressamente adotada pelo NCPC:

  1. a) os recursos extraordinário e especial repetitivos (arts. 1.036 a 1.041);
  1. b) o incidente de resolução de demandas repetitivas (arts. 976 a 987); e
  1. c) o incidente de assunção de competência (art. 947)

1. A POSIÇÃO DO NCPC

Prevê o art. 1.036 do NCPC um regime processual específico para o julgamento por amostragem, aplicável ao STF e ao STJ, toda vez que “houver multiplicidade de recursos extraordinários ou especiais com fundamento em idêntica questão de direito”.

Eleito um ou alguns recursos paradigma, o relator, no tribunal superior, “determinará a suspensão de todos os processos pendentes, individuais ou coletivos, que versem sobre a questão e tramitem no território nacional” (art. 1.037, II).

Julgado o recurso paradigma e publicado o respectivo acórdão, “os processos suspensos em primeiro e segundo graus de jurisdição retomarão o curso para julgamento e aplicação da tese firmada pelo tribunal superior” (NCPC, art. 1.040, III). E daí em diante, em todo e qualquer processo que surgir, tendo por objeto a mesma questão de direito, os juízes e tribunais observarão a tese definida no julgamento dos recursos extraordinário e especial repetitivos (NCPC, art. 927, III).

O mesmo regime de julgamento por amostragem é observado também no incidente de resolução de demandas repetitivas, com repercussão aos processos em curso na esfera de jurisdição dos tribunais de segundo grau (NCPC, arts. 927, III e 985, I e II). Poderá tal eficácia expandir-se para todo o território nacional, se via recurso extraordinário ou especial, a solução do incidente vier a ser objeto de acórdão de mérito do STF ou do STJ (NCPC, art. 987, § 2º).

Quanto ao incidente de assunção de competência (NCPC, art. 947), não se exige a atualidade da multiplicidade de demandas iguais. Mas, pela relevância da questão e pela repercussão que sua resolução terá além dos limites do processo atual, justifica-se a preocupação de estabelecer um critério mais rigoroso para definição da tese de direito, a vigorar também nos casos similares que futuramente se repetirão, com certeza.

2. TUTELA INDIVIDUAL, TUTELA COLETIVA E TUTELA PLURINDIVIDUAL

O regime dos julgamentos por amostragem, disciplinado pelo CPC/2015, com o fito de estabelecer teses de direito aplicáveis, necessariamente, às causas que versem sobre a mesma questão jurídica, permite a visualização de uma nova modalidade de tutela jurisdicional – a tutela plurindividual -, colocada a meio caminho entre a tutela individual e a tutela coletiva:

  1. a) Tutela individual: é a historicamente prestada na esfera do objeto do processo e com eficácia restrita aos sujeitos individualizados da relação processual (NCPC, arts. 503 e 506).
  1. b) Tutela coletiva: compreende as ações coletivas por meio das quais são tutelados direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos.
  1. c) Tutela plurindividual: realizada por meio de mecanismos processuais que coletivizam efeitos de ações originariamente individuais (incidente de resolução de demandas repetitivas, recursos extraordinário e especial repetitivos e incidente de assunção de competência).

Imaginou-se, de início, que numa sociedade massificada os conflitos singulares em grande parte se resolveriam por intermédio da TUTELA COLETIVA, mas a litigiosidade individual, diante das ações coletivas, não se arrefeceu. Pelo contrário, a espiral das novas demandas individuais sobre questões massificadas continuou crescendo em projeção geométrica, abarrotando os tribunais com um gigantesco volume de demandas iguais, capaz de inviabilizar o cumprimento da garantia da duração razoável do processo e do emprego de meios que aceleram a resolução do litígio (CF, art. 5º, LXXVIII).

Antes do advento do Código de Processo Civil de 2015, a doutrina já havia reconhecido que “as ações coletivas são insuficientes para resolver, com eficiência e de maneira definitiva, as questões de massa, contribuindo para a existência de inúmeras demandas repetitivas, a provocar um acúmulo injustificável de causas perante o judiciário”.([1]) A propósito, lembra Aluísio Gonçalves de Castro Mendes, entre muitos outros, os casos dos expurgos inflacionários em cadernetas de poupança e do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço; do reajuste da tarifa da tabela do imposto de renda; dos conflitos sobre equivalência para aposentados, de benefícios com o salário mínimo; das contribuições sociais sobre determinadas categorias etc. “Em praticamente todos os casos mencionados, foram centenas e milhares de processos individuais instaurados, sem que as ações coletivas tenham de fato cumprido o seu papel”.([2])

Daí o desenvolvimento de novas técnicas de enfrentamento judicial de conflitos massificados, além das ações coletivas típicas, já que estas se revelaram insuficientes para evitar a explosão das demandas singulares repetitivas.

Na verdade, os novos incidentes que o CPC/2015 instituiu ou aprimorou vieram, de certa forma, a ampliar o sistema normativo inicialmente previsto para a tutela coletiva, nele inserindo os diversos procedimentos relacionados com a tutela plurindividual, a qual, a par das ações coletivas típicas, forma o microcosmo compreendido pelas causas repetitivas.

Mancuso registra, a propósito das causas repetitivas, progressivamente incorporadas pelo processo civil, “a tendencial e crescente tutela judicial plurindividual” que pode ser apreendida como “uma terceira via, postada num ponto equidistante entre a jurisdição singular […] e a jurisdição coletiva […]”.([3])

O papel desta via denominada tutela plurindividual não é o de criar novas ações coletivas, mas o de perseguir, diante da pluralidade de demandas em torno de questão igual, dois objetivos: (I) “por um lado, racionalizar e atribuir eficiência ao funcionamento do Poder Judiciário e (II) por outro, assegurar a igualdade e a razoável duração do processo”([4]) (g.n.).

Nessa ordem de ideias, o incidente de resolução de demandas repetitivas e a assunção de competência, assim como o julgamento dos recursos extraordinário e especial repetitivos, não configura propriamente ação coletiva, mas “procedimento incidental, voltado a fixar entendimento paradigmático (tese jurídica) sobre a questão de direito replicada em muitos processos”([5]) (g.n.).

Com tais expedientes de tutela plurindividual, busca o moderno direito processual brasileiro ajustar-se aos desígnios do justo processo assegurado pela Constituição, “com vistas à racionalização da atividade dos tribunais e tratamento isonômico dos recursos afins”,([6]) ou das demandas acerca de questões jurídicas iguais([7]) (g.n.). Prestigia-se, além disso, o princípio da segurança jurídica.

3 . EFICÁCIA DA TUTELA PLURINDIVIDUAL SISTEMATIZADA PELO NCPC

A resolução dos incidentes em torno das causas repetitivas fixa tese jurídica que se expande em três dimensões:([8])

  1. a) em dimensão panprocessual: a tese aplica-se a todos os processos individuais ou coletivos que versam sobre idêntica controvérsia (art. 985, I; art. 947, § 3º; art. 1.040, III e art. 927, III);
  1. b) em modo atemporal: estende-se “aos casos futuros que versem idêntica questão de direito” (art. 985, II; art. 947, § 3º e 927, III);
  1. c) em larga amplitude territorial: alcança a “área de jurisdição do respectivo tribunal”, podendo expandir-se para todo o território nacional, se, por meio de recurso, o STJ ou o STF pronunciar-se sobre o objeto do incidente (art. 987, § 2º; art. 927, III).

Diante dessas amplas dimensões do precedente jurisdicional vinculante formado na resolução das causas repetitivas, há, na doutrina, quem o considere ofensivo aos princípios constitucionais da legalidade e da separação dos Poderes. Para os que assim pensam, o NCPC teria conferido à jurisprudência as mesmas características e a mesma força da lei editada pelo Poder Legislativo, ou seja, teria transformado acórdãos de tribunais em “enunciados de caráter normativo” com eficácia similar à da lei, em seus atributos de obrigatoriedade, generalidade, abstração e impessoalidade.([9]) ([10])

4 . INOCORRÊNCIA DE INCONSTITUCIONALIDADE NO SISTEMA DE PRECEDENTES INSTITUÍDOS PELO NCPC

A novidade, que tem gerado alguma perplexidade e diversos questionamentos, prende-se à força vinculante atribuída à jurisprudência formada nesses mecanismos de julgamento por amostragem, cuja aplicação poderia atingir litigantes que não participaram do processo de formulação do precedente. O mesmo questionamento tem suscitado o incidente de assunção de competência, que, mesmo sem o pressuposto de demandas seriadas, é dotado, segundo o NCPC, de força suficiente para produzir precedente apto a influir em outras demandas que, acaso, envolvam questão similar (NCPC, art. 927, III). É sobre essa matéria que discorreremos a seguir.

Desde logo, porém, cumpre-nos registrar que o novo CPC deu um grande passo na técnica dos precedentes judiciais. O tema não é estranho nem é novidade em nosso direito positivo, que ao tempo do CPC/1973 já o contemplava, embora de forma tímida. A partir das súmulas do STF e do STJ, o sistema de precedentes teve início entre nós sob a forma meramente persuasiva, passando a constituir instrumento auxiliar de grande utilidade na hermenêutica aplicada aos casos concretos. Faltava-lhes, no entanto, a força vinculante.

Foi nas ações de controle de constitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal que primeiro se reconheceu a força vinculante erga omnes dos acórdãos daquela Alta Corte. Seguiu-se, pela EC nº 45/2004, a instituição da Súmula Vinculante, passível de observância obrigatória por todos os tribunais e órgãos da Administração Pública, e que seria editada pelo STF, com adequada deliberação colegiada e ampla publicidade, podendo referir-se a questões solucionadas nas diversas causas julgadas por aquele Tribunal, e não apenas nas ações de controle direto da constitucionalidade. Por último, por meio de reformas do CPC/1973, a força vinculante alcançou, em determinadas circunstâncias, as súmulas originariamente criadas apenas com caráter persuasivo, como por exemplo, no caso de indeferimento liminar de recurso pelo relator, nos termos do art. 557, do referido Código. Ainda sob a égide do CPC anterior, foi também conferida igual eficácia aos acórdãos dos incidentes de uniformização de jurisprudência (art. 479) e de arguição de inconstitucionalidade (art. 481, parágrafo único), nos limites da jurisdição de cada tribunal.

Coube ao CPC/2015 a introdução dos precedentes vinculativos em sua maior e ampla dimensão nos termos do seu art. 927, para impor, nos casos enumerados, a observância vertical das decisões dos Tribunais Superiores por todos os juízes e tribunais do país, e a das decisões dos Tribunais locais, pelos órgãos a eles vinculados. É dentro desse sistema de valorização da jurisprudência como fonte normativa que se inserem os incidentes, previstos no NCPC, de assunção de competência e de resolução de demandas repetitivas, bem como a técnica de julgamento dos recursos extraordinário e especial repetitivos.

Fala-se, diante do prestígio conferido legalmente à força normativa da jurisprudência, que o novo Código teria introduzido em nossa ordem jurídica o chamado direito jurisprudencial([11])e isso talvez representasse, dentre todas as modificações trazidas por aquele diploma legal, “a mais significativa e com maior impacto no cotidiano forense”, como reconhece Arruda Alvim.([12])

A novidade, que tem gerado alguma perplexidade e diversos questionamentos, prende-se à força vinculante explícita atribuída à jurisprudência formada nesses mecanismos de julgamento por amostragem, cuja aplicação poderia atingir litigantes que não participaram do processo de formulação do precedente. O mesmo questionamento tem suscitado o incidente de assunção de competência, que, mesmo sem o pressuposto de demandas seriadas, é dotado, segundo o NCPC, de força suficiente para produzir precedente apto a influir em outras demandas que, acaso, envolvam questão similar (NCPC, art. 927, III).

Desde logo, porém, cumpre-nos registrar que o novo CPC deu um grande passo na adoção da técnica dos precedentes judiciais. O tema, como já lembrado, não é estranho nem é novidade em nosso direito positivo, que ao tempo do CPC/1973 já o contemplava, embora de forma tímida. A partir das súmulas do STF e do STJ, o sistema de precedentes teve início entre nós sob a forma meramente persuasiva, passando a constituir instrumento auxiliar de grande utilidade na hermenêutica aplicada aos casos concretos. Faltava-lhes, no entanto, a força vinculante ampla e positiva, já que, fora das ações constitucionais de competência do STF, só se entrevia a possibilidade de tal acontecer, sem muita eloquência, nos já referidos incidentes de uniformização de jurisprudência e de arguição de inconstitucionalidade (após a reforma introduzida no CPC/1973 pela Lei 9.756/1998).

Várias, entretanto, são as objeções opostas doutrinariamente ao sistema de precedentes adotado pelo CPC/2015, para qualificá-lo como incompatível com o processo idealizado pela Constituição. Duas, porém, se apresentam com aparente maior relevância: (I) a que acusa atribuição de força normativa ao precedente de ofensiva ao princípio da legalidade, porque só a lei, e não a decisão judicial, poderia obrigar erga omnes (CF, art. 5º, II); e (II) a que vê no sistema codificado uma incompatibilidade com a garantia do contraditório, uma vez que a coisa julgada formada no julgamento do caso paradigma estenderia sua eficácia erga omnes, atingindo, portanto, quem não fora parte do processo.

Nenhuma das duas arguições, a nosso sentir, merece prosperar, como a seguir tentaremos justificar:

I – Ofensa ao princípio da legalidade

De fato, a Constituição garante que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei” (art. 5º, II). Contudo, há um consenso entre os intérpretes da referida garantia de liberdade, no sentido de que a palavra “lei”, no contexto sistemático da ordem constitucional, “é de ser tomada em sua máxima latitude, de modo a abranger, assim, o produto final do Parlamento (norma legislada), como ainda a sua interpretação judicial (a norma judicada), quando uma exegese constante ou estratificada num enunciado venha alcançada ao final de certos procedimentos judiciários […] e, à fortiori, quando tal se dê pela intervenção do STF, enquanto guarda da Constituição (art. 102, caput)”.([13])

Deve-se partir da constatação de que os princípios e garantias constitucionais não incidem isoladamente, nem podem ser tratados como absolutos, fora do contexto sistemático dos direitos fundamentais assegurados pela Lei Maior. Assim, para a compreensão do princípio da legalidade, concorre a necessidade de sua sistematização com outros princípios também de magnitude constitucional, como o da igualdade de todos perante a lei e o da segurança jurídica, ambos proclamados com destaque no frontispício do rol dos direitos individuais (isto é, no caput do art. 5º da CF), além de adotados como “valores supremos” da instituição da República Federativa do Brasil (Preâmbulo da Constituição de 1988).

Dentro de tal prisma, a unificação da interpretação e aplicação da lei pelos tribunais é algo que não se origina apenas da vontade do legislador comum manifestada no Código de Processo Civil, mas que decorre, imperativamente, da própria ordem constitucional positiva. Lembra Teresa Arruda Alvim Wambier, a propósito, que:

O princípio da isonomia se constitui na ideia de que todos são iguais perante a lei (g.n.), o que significa que a lei deve tratar todos de modo uniforme e que correlatamente as decisões dos tribunais não podem aplicar a mesma lei de forma diferente a casos absolutamente idênticos, num mesmo momento histórico.([14])

Ressalta Mancuso, com toda propriedade, que a sistemática de uniformização da jurisprudência, com vista ao estabelecimento de teses de direito aplicáveis erga omnes, revela-se “condição necessária para que a almejada igualdade de todos perante a lei (CF, art. 5º, caput) seja efetiva e operante e não apenas teórica ou principiológica”.([15]) Donde a conclusão inarredável:

Impende dotar o processo civil de instrumentos capazes de oportunizar a oferta de respostas jurisdicionais iguais a situações iguais, a fim de que a norma legislada não perca seu maior atributo – a aplicação isonômica – quando vem a ter sua passagem judiciária.([16])

Além do mais, a lei, como simples enunciado genérico e abstrato, nunca – ou quase nunca -, se apresenta completa, quando tem de ser aplicada ao quadro fático conflituoso. É que “o direito objetivo não tem condições para disciplinar sempre todos os conflitos de interesses, sendo necessário o processo, muitas vezes, para a complementação dos comandos da lei”.([17]) Ou seja: “o comando contido nesta [isto é, na lei] é incompleto, é como se fosse um arco que a sentença completa, transformando-o em círculo”.([18])

Por isso mesmo, a tese de direito firmada por meio da jurisprudência não atrita com o princípio constitucional da legalidade (CF, art. 5º, II), porquanto a tendência contemporânea é, majoritariamente, no sentido de que tal princípio “seja entendido como a necessidade da vinculação do juiz ao sistema, englobando o texto da lei, doutrina e jurisprudência”,([19]) e não apenas ao enunciado editado por obra do legislador.

Não se pode, em suma, observar o princípio da legalidade e tampouco o da segurança jurídica, quando a jurisprudência, ao aplicar a mesma lei, se dispersa em múltiplas e contraditórias interpretações, tornando imprevisível e lotérico o sentido prático do enunciado da lei. É, pois, a própria ordem constitucional que exige a adoção, pelo processo, de mecanismos fortes para a uniformização da jurisprudência e o estabelecimento de precedentes capazes de estabilizá-la, vinculando todos os juízes e tribunais.

II – Ofensa à garantia do contraditório

Marinoni entende que atribuir força vinculante às teses assentadas em julgamentos de demandas repetitivas equivale a conferir autoridade de coisa julgada erga omnes sobre a questão de direito a ser aplicada a todos os processos pendentes em que se debate a mesma questão.([20]) Ou seja: nesses julgamentos, o Código teria concebido coisa julgada oponível a quem não foi parte do processo.

Para evitar que a indiscutibilidade da tese de direito se apresente, nos julgamentos de causas repetitivas, como algo ofensivo à garantia constitucional do contraditório (direito a participar de qualquer processo em que lesão ou ameaça a direito próprio seja objeto de questionamento em juízo), seria necessário – segundo Marinoni -, que algum legitimado à tutela dos direitos individuais homogêneos se fizesse presente no incidente. Lembra, a propósito, que o NCPC, preocupado com a ampla repercussão sobre terceiros, determina no art. 979 que a “instauração e o julgamento do incidente serão sucedidos da mais ampla e específica divulgação e publicidade, por meio de registro eletrônico no Conselho Nacional de Justiça”. O efeito dessa ampla divulgação haveria de ser a abertura de oportunidade aos interessados de “ingressar no incidente para efetiva defesa dos direitos”.([21])

Pelas características coletivas do incidente, o natural é que os legitimados para a tutela dos direitos individuais homogêneos, nos termos da Lei da Ação Civil Pública e do Código de Defesa do Consumidor, tenham possibilidade de ingressar no incidente de resolução de demandas repetitivas, em defesa dos interesses daqueles a cuja tutela coletiva se acham credenciados. À falta de intervenção desses legitimados, ao Ministério Público caberia participar necessariamente do incidente, “na qualidade de legitimado à tutela dos direitos do grupo”.([22])

A conclusão de Marinoni sobre a força vinculante da resolução das demandas repetitivas é negativa e radical:

O incidente de resolução de demandas repetitivas nada mais é do que o processo em que se discute e decide questão prejudicial à solução de casos pendentes. Como é óbvio, a decisão do incidente está muito longe de poder ser vista como precedente que atribui sentido ao direito e, por isso, regula a vida em sociedade e obriga os juízes dos casos futuros. Por esse motivo, o incidente, nos moldes em que regulado pelo Código de Processo Civil de 2015, não detém legitimidade constitucional([23]) (g.n.).

Com a devida vênia, não é razoável, a meu sentir, a equiparação do julgamento de recurso repetitivo à resolução de questão prejudicial, hipótese sobre a qual recai a coisa julgada material nos moldes previstos pelo novo CPC (art. 503, § 1º). Questão prejudicial, segundo concepção largamente estabelecida, é aquela cuja característica é a de ser passível, por si só, de constituir objeto de outra ação, ou de outro processo autônomo. Não se consegue entrever algo semelhante na mera repercussão da tese de direito firmada em recurso repetitivo sobre outros processos em que a mesma questão de direito esteja em jogo.

Para ter-se a coisa julgada material é preciso que, entre as mesmas partes, tenha sido apreciado o fato jurídico configurador do objeto litigioso em sua integralidade, ou seja, compreendendo tanto a questão fática como a questão de direito. Nesse sentido, jamais se poderá pensar em coisa julgada formada no julgamento do recurso paradigma, em face dos outros recursos pendentes. Aqui o que se firma é tão somente a tese de direito comum a diversas causas, sem que, entretanto, se penetre nos aspectos fáticos das demandas represadas.

O exame dos diversos feitos, em suas peculiaridades fático-jurídicas, continuará a ser realizado caso a caso, de modo que o julgamento de cada um deles, mesmo aplicando a tese de direito uniformizada por meio da solução do recurso paradigma, poderá chegar a resultado concreto diverso daquele em que a tese de direito se estabeleceu.

Isto se dá justamente porque no decisório por amostragem não entra em cogitação a questão fático-jurídica própria de cada uma das diversas causas similares, mas apenas a interpretação que se deve dar à norma jurídica aplicável a todas e a cada uma delas, sem perder de vista as peculiaridades que as individualizam.

A razão está com Antônio Pereira Gaio Júnior, quando ressalta que o sistema de precedentes vinculantes (stare decisis) não pode ser confundido com coisa julgada. “Esta garante às partes a imutabilidade da decisão, enquanto aquele tem o significado de manutenção do que foi decidido, servindo de base para decisões futuras, por fornecer linhas reguladoras a serem aplicadas em outros casos submetidos a julgamento”.([24]) Longe de imputar imutabilidade ao precedente, o NCPC prevê, expressa e detalhadamente, a possibilidade de alteração da tese jurídica adotada em enunciado de súmula ou em julgamento de casos repetitivos (art. 927, §§ 2º, 3º e 4º).

Em suma, não se pode ver na definição de uma tese de direito nem a resolução de questão prejudicial de mérito, muito menos a formação de coisa julgada material erga omnes.([25])

Além disso, é bom lembrar, mais uma vez, que incidentes uniformizadores de jurisprudência, com eficácia para casos futuros, não foram criação inusitada do novo CPC. No Código de 1973, com as emendas das Leis nºs 9.756/1998 e 9.868/1999, já constava o incidente de declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público, cuja instauração acarretava a suspensão do julgamento a cargo de órgão fracionário do tribunal e remetia a questão ao exame e deliberação do plenário (CPC/73, art. 480). O decidido pelo colegiado maior funcionava como solução de questão prejudicial de direito apenas, sem o alcance de formar coisa julgada, e tão somente com o objetivo de assentar a tese de direito constitucional que haveria de ser observada pelo órgão fracionário na conclusão do julgamento suspenso:

O julgamento do pleno, sobre a questão prejudicial, vinculará a turma ou câmara, que terá de aplicá-lo obrigatoriamente na solução do recurso ou ação.([26])

Surgindo novo processo em que a mesma arguição de inconstitucionalidade fosse outra vez manifestada, o órgão fracionário ficava dispensado de submeter a questão prejudicial ao pleno (art. 481, parágrafo único acrescido pela Lei 9.756/98). Aplicaria, obviamente, a indispensável decisão do Pleno tomada no anterior incidente de declaração de inconstitucionalidade, sem embargo de ocorrido em outro processo e entre partes diversas.

A sistemática inovada pela Lei nº 9.756/98 foi acatada pela doutrina e jurisprudência como adequada medida de economia processual, como se vê, por exemplo, na lição de NELSON NERY JÚNIOR:

Quando o plenário do STF ou o plenário ou órgão especial do próprio tribunal, onde foi ou poderia ter sido suscitado o incidente, já tiverem se pronunciado sobre a constitucionalidade ou inconstitucionalidade da lei questionada, não há necessidade de o órgão fracionário (câmara, turma, câmaras reunidas, grupo de câmaras, seção etc.) remeter a questão ao julgamento do plenário ou órgão especial. Nesse caso, o órgão fracionário pode aplicar a decisão anterior do plenário do STF ou do próprio tribunal, que haja considerado constitucional ou inconstitucional a lei questionada. Trata-se de medida da economia processual ([27]) (g.n.).

Explicava-se essa subsequente aplicação da tese assentada pelo pleno a outros processos por vários motivos, dentre os quais se destacavam:

  1. a) O acórdão do plenário era irrecorrível, o eventual recurso teria cabimento contra o posterior acórdão que resolver o caso concreto([28]) (Súmula 513/STF).
  1. b) No incidente de inconstitucionalidade “nada se julga: apenas se afirma a constitucionalidade ou não da norma questionada”.([29]) Daí a irrecorribilidade do acórdão do pleno na respectiva solução.
  1. c) Além disso, as dimensões do debate no incidente são subjetivamente alargadas, permitindo a intervenção do Ministério Público, das pessoas de direito público responsáveis pela edição do ato questionado, dos legitimados à propositura da ação direta de inconstitucionalidade, bem como de outros órgãos e entidades, na qualidade de amicus curiae (CPC/73, art. 482, §§ 1º, 2º e 3º, acrescidos pela Lei nº 9.868/1999 – Lei da Ação Direta de Inconstitucionalidade e da Ação Declaratória de Constitucionalidade perante o STF).

Outro incidente de proporções e funções semelhantes ao de inconstitucionalidade era, no regime do Código de 1973, o de “uniformização da jurisprudência” – utilizável quando se detectava divergência em torno da interpretação do direito, o qual, quando decidido pela maioria absoluta dos membros do tribunal, – e com prévia e obrigatória ouvida do Ministério Público (art. 478, parágrafo único) – gerava “súmula” e constituía “precedente na uniformização da jurisprudência” (art. 479).

Merece ser lembrada, ainda, a Lei 9.882/1999, que, ao regulamentar o processo e julgamento da arguição de preceito fundamental, conferiu à respectiva decisão a “eficácia contra todos e efeito vinculante relativamente aos demais órgãos do Poder Público” (art. 10, § 3º), sem que houvesse explícita previsão a respeito de tal eficácia no texto constitucional regulamentado (CF, art. 102, § 1º).

Dos exemplos dados, é fácil concluir que historicamente não repugna à tradição de nosso processo civil remédios de uniformização pretoriana da interpretação e aplicação da lei, com efeitos perante outros litigantes, além dos figurantes no processo em que se promoveu o incidente. É o que ressalta o Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, ao observar que “a vinculabilidade de precedentes não constitui propriamente novidade”, sendo certo que “o novo CPC dá ao tema tratamento mais coerente e sistemático, que tenderá a reforçar a função constitucional dos tribunais superiores”.([30])

Para que não se cogite de inconstitucionalidade nesses expedientes de largo significado no plano da economia processual e no resguardo dos princípios de isonomia e segurança jurídica, basta que se franqueie a participação de entidades legitimadas à tutela dos interesses e direitos coletivos e de amicus curiae, com representatividade adequada à defesa dos interesses individuais homogêneos relacionados com a questão de direito em cogitação. E isto é expressamente previsto pelo novo CPC, art. 1.038, I.

A propósito do novo Código, é bom registrar que Marinoni, embora criticando o incidente de resolução de demandas repetitivas, reconhece que a correção da inconstitucionalidade nele detectada seria obtida mediante “a convocação dos legitimados à tutela dos direitos dos individuais homogêneos para intervirem na defesa dos litigantes cuja questão é posta à discussão, sem excluir a necessária participação do Ministério Público, tenha ou não algum legitimado já ingressado ao processo”.([31]) É, porém, o que já se previa na sistemática do Código anterior quanto aos antigos incidentes de inconstitucionalidade e de uniformização de jurisprudência, e o que se mantém no Código de 2015.

Tudo se resolve, portanto, numa correta e pertinente inteligência das normas do art. 982, III, e do art. 983, caput e § 1º, acerca da audiência do Ministério Público, das partes, dos demais interessados e das pessoas com experiência e conhecimento na matéria (amici curiae). É, aliás, o que reconhece o próprio crítico do incidente.([32])

É importante ressaltar, mais uma vez, que em incidentes da espécie o acórdão uniformizador não prejulga casos futuros, apenas fixa teses de direito que se tornam firmes, para o caso pendente e para outras eventuais demandas de objeto igual. Estas, todavia, em seu quadro fático-jurídico, serão avaliadas e julgadas, fazendo-se sempre o juízo de adequação, ou não, à tese de direito oriunda do caso paradigma. A aplicação pura e simples do precedente, de forma automática, corresponde, até mesmo, à violação manifesta da ordem jurídica, de forma a justificar ação rescisória (NCPC, art. 966, V, e §§ 5º e 6º acrescidos pela Lei nº 13.256/2016). De tal sorte, o juízo de adequação entre o precedente (tese de direito) e o caso superveniente não é só conveniente, é necessário e indispensável.

III – Outra objeção manifestada, ainda, no plano constitucional: ofensa à separação e autonomia das funções atribuídas aos Poderes estatais.

Há outra objeção que, ainda, tem sido levantada à força vinculante atribuída pelo NCPC ao julgamento das causas repetitivas. A exemplo do que se passou com as súmulas vinculantes, a força dos precedentes jurisprudenciais – no entendimento de alguns críticos – não poderia ser instituída senão por emenda constitucional.([33]) Segundo estes, reconhecer efeito normativo ao julgado do tribunal, sem previsão da Constituição, equivaleria a conferir, ao Judiciário, função legislativa. Assim, pondo em jogo a divisão constitucional de funções dos Poderes, o reconhecimento da eficácia erga omnes, na espécie, não haveria de ser concebido em simples lei ordinária.

No entanto, forças vinculantes dos acórdãos proferidos nos antigos incidentes de declaração de inconstitucionalidade (CPC/73, art. 480) e de uniformização de jurisprudência (CPC/73, art. 476) foram instituídas por legislação ordinária, sem questionamento algum, a seu tempo. E o próprio STF enfrentou problema idêntico, quando a Constituição só previa, expressamente, o efeito vinculante para o julgado da ação declaratória de constitucionalidade.([34]) Apenas a Lei nº 9.868/1999, mais tarde, veio atribuir força vinculante também ao julgado pronunciado na ação direta de inconstitucionalidade.

Questionada a eficácia do tratamento da matéria em lei ordinária, foi decidido pelo STF que “o fato de a Constituição prever expressamente tal efeito somente no que toca à ação declaratória não traduz, por si só, empecilho constitucional a que se reconheça também, por lei, tal resultado à ação direta”.([35])

A justificativa, no caso dos recursos repetitivos, é a mesma: o fato de a Constituição só prever eficácia normativa para súmula vinculante editada pelo STF, não deve ser visto como vedação a que a lei ordinária institua outros casos de jurisprudência vinculante, se o fizer em defesa de garantias fundamentais constantes da própria Carta Magna. Não se trata de atribuir poder legislativo ao Judiciário. O precedente não se impõe como regra nova concebida originariamente pelos tribunais. A tese firmada nos acórdãos paradigma nasce da necessidade de aplicar a lei, cujos limites jamais poderão ser ultrapassados ou ignorados. O precedente, ao enunciar uma tese de direito, não pode, é claro, ir além do plano da interpretação e aplicação da lei aos casos concretos deduzidos em juízo.

Não há nisso invasão alguma da esfera de atribuições do Poder Legislativo. Ao contrário, tudo se comporta bem dentro da função jurisdicional, qual seja, a de interpretar e aplicar o direito positivo, na solução dos conflitos intersubjetivos.([36])

Observe-se, por último, que a instituição da súmula vinculante por Emenda Constitucional se deveu à circunstância especial de se estabelecer uma força obrigatória para as decisões do STF de incidência que vai muito além da esfera de atuação jurisdicional do Poder Judiciário: a súmula vinculante foi concebida não apenas como precedente a ser respeitado pelos julgamentos dos juízes e tribunais. Tal como se fosse uma lei propriamente dita, a súmula instituída pelo art. 103-A da CF (na redação de EC nº 45/2004) foi dotada de “efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e [também] à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal”.

É razoável que, uma força normativa tão ampla, capaz de atuar extrajudicialmente sobre todos os níveis da Administração Pública, só pudesse ser concebida no seio da ordem jurídica constitucional. Já o efeito vinculante criado pelo NCPC, para os casos repetitivos, está longe daquele disciplinado pela Constituição. Fica restrito aos limites da atividade jurisdicional, e, assim, só vincula os órgãos judicantes hierarquicamente subordinados ao tribunal que houver pronunciado a tese de direito, destinada a funcionar como precedente obrigatório (NCPC, art. 927).([37])

Enfim, a lei processual deixa evidente que os efeitos da resolução do caso paradigma operam apenas e tão somente sobre os órgãos judiciais que tenham de julgar processos em que a mesma questão de direito se repita. Nunca serão impostos no mundo extraprocessual.

Em lição doutrinária consistente, Hermes Zaneti Jr. e Carlos Frederico Bastos Pereira([38]) apontam dois motivos básicos para que não se considere inconstitucional o sistema de precedentes vinculantes previsto pelo Código de 2015:

  1. a) Em primeiro lugar, porque “não há violação ao princípio democrático e a separação de poderes”: a criação da norma – geral e abstrata – é e continuará sendo uma prática privativa do Poder Legislativo. “Por sua vez, a reconstrução da norma – geral e concreta – é tarefa ínsita à atividade jurisdicional em razão da impossibilidade de ser criada uma norma a partir do nada, do vácuo normativo, do vazio textual, devendo o Poder Judiciário reconstruir os significados normativos de acordo com a Constituição Federal, a legislação infraconstitucional e a tradição jurídica (art. 1º do CPC/2015)”. De modo algum cogita o Código da proliferação do número de normas no ordenamento jurídico, “pois não se quer introduzir no sistema normas gerais e abstratas equivalentes à lei, mas o que se busca é, por uma questão de racionalidade, vincular a solução jurídica de determinados juízes e tribunais às circunstâncias fáticas do caso concreto: é a vinculação aos material facts do caso que torna a norma precedente geral e concreta e não geral e abstrata” (g.n.).
  1. b) Em segundo lugar, “porque não há violação ao princípio da legalidade. A legalidade neste particular deve ser compreendida não como lei em sentido estrito, mas como a conformidade com o ordenamento jurídico, como já consta do art. 140 do CPC/2015, afinal, a ‘lei, no Estado Constitucional, é somente a lei válida perante a Constituição’. Esta é a razão pela qual a atividade do julgador sempre será tendencialmente cognitiva, na medida em que partirá da lei e demais textos normativos para que um precedente seja construído. A lei, portanto, é o primeiro limite à discricionariedade judicial em um modelo de precedentes normativos formalmente vinculantes” (g.n.).

Cabe registrar que o Supremo Tribunal Federal, em julgamento ocorrido já na vigência do novo CPC, prestigiou o sistema de precedentes adotado pela atual legislação processual brasileira, considerando-a instrumento de efetivação de vários princípios constitucionais. In verbis:

[…] 3. O papel de Corte de Vértice do Supremo Tribunal Federal impõe-lhe dar unidade ao direito e estabilidade aos seus precedentes. 4. Conclusão corroborada pelo Novo Código de Processo Civil, especialmente em seu artigo 926, que ratifica a adoção – por nosso sistema – da regra do stare decisis, que “densifica a segurança jurídica e promove a liberdade e a igualdade em uma ordem jurídica que se serve de uma perspectiva lógico-argumentativa da interpretação”. (MITIDIERO, Daniel. Precedentes: da persuasão à vinculação. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016). 5. A vinculação vertical e horizontal decorrente do stare decisis relaciona-se umbilicalmente à segurança jurídica, que “impõe imediatamente a imprescindibilidade de o direito ser cognoscível, estável, confiável e efetivo, mediante a formação e o respeito aos precedentes como meio geral para obtenção da tutela dos direitos”. (MITIDIERO, Daniel. Cortes superiores e cortes supremas: do controle à interpretação, da jurisprudência ao precedente. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013). 6. Igualmente, a regra do stare decisis ou da vinculação aos precedentes judiciais “é uma decorrência do próprio princípio da igualdade: onde existirem as mesmas razões, devem ser proferidas as mesmas decisões, salvo se houver uma justificativa para a mudança de orientação, a ser devidamente objeto de mais severa fundamentação. Daí se dizer que os precedentes possuem uma força presumida ou subsidiária”. (ÁVILA, Humberto. Segurança jurídica: entre permanência, mudança e realização no Direito Tributário. São Paulo: Malheiro, 2011). 7. Nessa perspectiva, a superação total de precedente da Suprema Corte depende de demonstração de circunstâncias (fáticas e jurídicas) que indiquem que a continuidade de sua aplicação implica ou implicará inconstitucionalidade. 8. A inocorrência desses fatores conduz, inexoravelmente, à manutenção do precedente já firmado([39]) (g.n.).

5 . PECULIARIDADE DO SISTEMA DE PRECEDENTES IMPLANTADO PELO NOVO CPC

A aproximação do sistema do civil law ao do common law, no sentido de valorizar a jurisprudência no plano das fontes do direito, é um fenômeno de amplas dimensões no mundo ocidental de tradições romanísticas, desde que, há cerca de cinquenta anos, Cappelletti e Garth se puseram a campo para encetar uma grande campanha de modernização do processo civil europeu em busca de tornar mais justa, mais humana e mais efetiva a tutela jurisdicional.

O método de precedentes é algo que se construiu lentamente na cultura anglo-americana, em função do sistema de equidade, cuja observância prescinde de autorização legislativa. Seus fundamentos mais significativos encontram-se nas garantias fundamentais de igualdade e segurança jurídica.

Essas mesmas garantias constitucionais têm inspirado o direito brasileiro a adotar e aperfeiçoar, ao longo de mais de meio século, o sistema de valorizar a jurisprudência por meio de súmula dos julgados que se tornam repetitivos e que são capazes de sintetizar teses consolidadas, principalmente nos tribunais superiores do país. Trata-se, sem dúvida, de orientação diferente daquela que prevalece na formação dos precedentes nos países normatizados pelo common law, mas que se mostra mais adaptada à sistemática do civil law. É natural que seja diferente o tratamento da jurisprudência num sistema de direito consuetudinário – formado à base de precedentes estabelecidos a partir de casos -, daquele que se dá num sistema de direito escrito, no qual as posições dos tribunais se manifestam a partir de interpretação e aplicação das leis que constituem o ordenamento jurídico positivo.

Claro é que a cultura dos precedentes é mais antiga e mais elaborada no common law, o que nos permite importar do seu sistema alguns institutos básicos como, v.g., a ratio decidendi, o obter dictum e a distinção, para introduzir em nosso ordenamento jurídico, com roupagem adequada, a função normativa da jurisprudência.

Entretanto, deve-se levar em conta a lição de Taruffo,([40]) que ressalta a inadequação de uma teoria geral do precedente que se restrinja a uma simples “versão adaptada do common law”. Lembra, em primeiro lugar, que nem no próprio common law se depara com uma teoria geral única dos precedentes, já que é possível identificar diferenças importantes entre o sistema jurídico inglês e o americano. Além disso, persistem discordâncias, nas análises teóricas formuladas em torno de conceitos nucleares dessa teoria, como é o caso da ratio decidendi, o que tem ocasionado várias dificuldades práticas entre ingleses e norte-americanos. Por fim, aponta Sabrina Nasser de Carvalho([41]) para o destaque feito por Taruffo sobre as diferenças entre os regimes do civil law e do common law relacionadas à organização judiciária, à teoria das fontes do direito, à concepção do papel do juiz, à cultura dos juristas e a prática, “pois todas elas também concorrem para a impertinência da simples importação de uma teoria dos precedentes”.

É evidente, para o jurista italiano “a inadequação de uma teoria geral do precedente que seja apenas uma versão adaptada da teoria (ou de uma teoria) do precedente de common law”([42]) (g.n.).

Corretamente, preleciona Carvalho, em face da sistemática inovadora do Código de Processo Civil brasileiro de 2015, voltada para a valorização da jurisprudência como fonte de direito, que:

A integração dos precedentes judiciais nos países de cultura civil law deve ocorrer sem que os operadores do direito se descurem das diferenças que marcam a sua polarização com o common law. Por esta razão, a aproximação entre eles deve ocorrer de forma gradual, respeitando-se a tradição histórica e cultural do sistema jurídico de cada país (g.n.). Isso, no entanto, não impede que eles se influenciem mutuamente, tornando-os permeáveis aos benefícios e às vantagens que cada um pode oferecer.([43])

O NCPC, ao inserir o sistema de precedentes em nosso direito processual civil, o fez a partir do mecanismo da identificação da tese e não do caso, mas traçou regras importantíssimas destinadas ao aprimoramento da técnica de formação dos julgados e de sua fundamentação, bem como de formulação dos enunciados da súmula jurisprudencial. Assim é que:

  1. a) Aos tribunais se impôs o dever de uniformizar sua jurisprudência, mantendo-a estável, íntegra e coerente (art. 936). Se os julgados se destinam a formular, na medida do possível, precedentes, a prevalecer para casos futuros iguais, é preciso que as exigências em questão sejam bem acatadas e fielmente cumpridas. É necessário, por exemplo, que os acórdãos sejam estruturados com clareza e precisão de linguagem e com rigor lógico na formulação da tese assentada com a potencialidade de precedente para outros processos em que também haverá de prevalecer.
  1. b) Quanto à fundamentação das decisões judiciais, regras a seu respeito foram meticulosamente enunciadas no § 1º do art. 489, de modo a assegurar sua completude e coerência, bem como sua pertinência com as questões postas em debate no processo.
  1. c) Ao sumular a jurisprudência, os tribunais deverão elaborar enunciados que evitem assertivas excessivamente genéricas e ater-se às circunstâncias fáticas dos precedentes que motivaram a criação de cada enunciado (art. 926, § 2º).
  1. d) Nos recursos repetitivos, o relator, antes de conduzir a causa à apreciação do colegiado do STF ou STJ, cuidará de “identificar com precisão a questão a ser submetida a julgamento” (art. 1.037, I). Trata-se de medida destinada a evidenciar que a função desempenhada nos recursos extraordinários e especiais repetitivos é, acima de tudo, voltada à definição de uma tese de direito, cuja delimitação deve ser dada com rigorosa fundamentação. Para assentar a tese, configuradora de precedente, é indispensável a coerência e uniformidade da motivação, não se aceitando que o acórdão seja construído por votos de igual conclusão, mas de fundamentação dispersa entre argumentos díspares e irredutíveis a uma visão unitária do problema resolvido no processo. A tese, para ser vista como tal, haverá de ser única na conclusão e na fundamentação.
  1. e) Por outro lado, na aplicação do precedente a que o novo CPC confere força vinculante, o julgador tem de adotar especial atenção à técnica de fundamentar o decisório. É que o § 1º do art. 489, em seu inciso I, considera não fundamentada a decisão que “se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos”. A par disso, o inciso VII do mesmo dispositivo também considera não fundamentada a decisão que “deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento”.
  1. f) Em outros termos, “o órgão julgador, ao aplicar precedente ou súmula, deverá indicar claramente sua ratio decidendi e sua relação com o caso em julgamento”([44]) (g.n.). E para “deixar de aplicar o precedente ou súmula, deve-se demonstrar que o entendimento ali cristalizado foi superado ou que há, no caso sob exame, fundamento determinante diverso daquele empregado no precedente ou no enunciado da súmula”([45])(g.n.).

As mesmas exigências e critérios se impõem aos demais casos aptos à formação de jurisprudência vinculante, como o incidente de assunção de competência (art. 947, § 3º) e o incidente de resolução de demandas repetitivas (art. 976).

CONCLUSÕES

O novo Código de Processo Civil, na linha evolutiva do direito ocidental, encaminhou-se para a aproximação entre o civil law e o common law, em matéria de reconhecer força de fonte de direito ao precedente jurisprudencial.

Nesse plano figuram os regimes de julgamento dos recursos extraordinário e especial repetitivos e os incidentes de assunção de competência e de resolução de demandas repetitivas.

Essa política legislativa processual respalda-se nos direitos fundamentais que garantem a igualdade e a segurança jurídica, como cláusulas pétreas no Estado Democrático de Direito. Nunca é pouco ressaltar que o princípio da legalidade não vigora isoladamente, nem pode se superpor às demais garantias fundamentais, de modo que:

  1. a) O princípio da legalidade da administração constitui apenas um dos elementos do postulado do Estado de Direito “[…]. Legalidade e segurança jurídica constituem dupla manifestação do Estado de Direito, tendo por isto, o mesmo valor e a mesma hierarquia”.([46])
  1. b) É sempre lembrada a lição de Canotilho, segundo a qual “o princípio da segurança jurídica está sempre ao lado do princípio da legalidade, da proibição de excesso e da proteção jurídica, como postulados fundamentais do próprio Estado Democrático de Direito”.([47])

O sistema inspira-se nas tradições do common law, mas não se limita a uma simples versão do instituto anglo-saxônico. Respeita as peculiaridades da construção histórica de nosso ordenamento jurídico, dos movimentos doutrinários, bem como da experiência que, em torno da matéria, a lei e os tribunais têm vivido entre nós.

Para que o avanço programado possa se dar com segurança e adequação, o novo Código reformula, com rigor, a técnica e as exigências de formulação dos acórdãos dos tribunais, compatibilizando-as com a prática da função de atuar como fonte de direito. É da boa compreensão desse papel institucional, assim como da fiel observância dos preceitos que a regem, que depende o êxito dessa inovadora e relevantíssima programação normativa processual.

[1] CUNHA, Leonardo Carneiro da. Anotações sobre o incidente de resolução de demandas repetitivas previsto no projeto do novo Código de Processo Civil. Revista de Processo, v. 193, p. 258, mar. 2011.

[2] MENDES, Aluísio Gonçalves de Castro. Ações coletivas no direito comparado e nacional. São Paulo: Ed. RT, v. IV, 2002. p. 262. (Coleção “Temas atuais de Direito Processual Civil”).

[3] MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Incidente de resolução de demandas repetitivas. São Paulo: Ed. RT, 2016. p. 42.

[4] NASCIMENTO, Bruno Dantas do. Tese de doutorado. São Paulo: PUC, 2013. p. 150, apud MANCUSO, op. cit., p. 43.

[5] MANCUSO, op. cit., loc. cit.

[6] Ibidem. É o caso dos recursos extraordinário e especial repetitivos (NCPC, arts. 1.036 a 1.041).

[7] São os casos submetidos aos incidentes de resolução de demandas repetitivas e incidente de assunção de competência (NCPC, arts. 947 e 976).

[8] MANCUSO, op. cit., p. 27.

[9] V. referência a essa doutrina em MANCUSO, op. cit., p. 25-26.

[10] Nelson Nery Júnior qualifica como inconstitucional o sistema de precedentes do NCPC, por entender que somente por meio de alteração da Constituição seria possível criar-se decisão judicial vinculante (NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria Andrade. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Ed. RT, 2015. p. 1.837).

[11] “Seja para aplicar uma tese firmada [nas Cortes Superiores], seja para negar sua aplicação, os juízes deverão, no CPC/2015, cumprir o dever de observar o direito jurisprudencial, não podendo dele se distanciar injustificadamente” (ARRUDA ALVIM, José Manoel. Novo contencioso cível no CPC/2015. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2016. p. 521).

[12] Ibidem.

[13] MANCUSO, op. cit., p. 27.

[14] WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Súmula vinculante: desastre ou solução? Revista de Processo, v. 98, p. 299, abr./jun. 2000.

[15] MANCUSO, op. cit., p. 27.

[16] Ibidem.

[17] CINTRA, Antônio Carlos Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo. 19. ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 39.

[18] Ibidem.

[19] WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Divergência jurisprudencial e súmula vinculante. 5. ed. São Paulo: Ed. RT, 2012. p. 449-450. Para a autora, “a jurisprudência e a doutrina funcionam, por assim dizer, como um filtro através do qual a lei é entendida, e é a este fenômeno que se vinculam os juízes ao decidir” (op. cit., loc. cit.).

[20] “No caso de resolução de demandas repetitivas, a questão é pinçada dos casos pendentes e submetida a expressa decisão do órgão julgador incumbido do incidente. É óbvio que a resolução única da questão incidente nos casos repetitivos nada mais é do que uma decisão que produz coisa julgada sobre a questão que interessa a todos os litigantes dos processos pendentes. Significa que se está diante de coisa julgada que se estende a terceiros” (MARINONI, Luiz Guilherme. O “problema” do incidente de resolução de demandas repetitivas e dos recursos extraordinário e especial repetitivos. Revista de Processo, n. 249, p. 403, nov. 2015).

[21] MARINONI, op. cit., p. 410-411.

[22] MARINONI, op. cit.,loc. cit.

[23] MARINONI, op. cit., p. 417-418.

[24] GAIO JÚNIOR, Antônio Pereira. Considerações acerca da compreensão do modelo de vinculação às decisões judiciais: os precedentes no novo Código de Processo Civil brasileiro. Revista de Processo, v. 257, p. 361, jul. 2016.

[25] “Respeitar precedentes não significa torná-los imutáveis. Ao contrário, a ideia de respeito aos precedentes traz em si a possibilidade de sua revogação. O precedente deve ser modificado diante da alteração de valores e de circunstâncias, derivadas da evolução da sociedade e do avanço da tecnologia, assim como quando se constata a partir de robusta fundamentação, que ele se fundamentou em equívoco” (GAIO JÚNIOR, Antônio Pereira, op. cit., loc. cit.).

[26] NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil comentado e legislação extravagante. 11. ed. São Paulo: Ed. RT, 2010. p. 799.

[27] NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade, op. cit., p. 799.

[28] “[…] a decisão que enseja a interposição do extraordinário não é a do Órgão Especial que julgou o incidente de inconstitucionalidade, mas aquela proferida, posteriormente, pelo órgão competente, que completa o julgamento do feito. Incidência da Súmula 513 do STF. Precedentes” (STF, 1ª T., AgRg no RE 535.523/MT, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, AC. 09.11.2010, DJe 29.03.2011).

[29] NERY JÚNIOR, op. cit., loc. cit.

[30] CUEVA, Ricardo Villas Bôas. Técnica de julgamento dos recursos repetitivos e a constitucionalidade das decisões vinculativas e outras novidades do NCPC. Revista de Processo, v. 257, p. 316, jul. 2016.

[31] MARINONI, op. cit., p. 417-418.

[32] MARINONI, op. cit., p. 410-411.

[33] “Saber se o CPC de 2015 pode querer que os efeitos das decisões paradigmáticas devam ser acatados pelos órgãos jurisdicionais em geral, criando-se, com isto, verdadeira hierarquia no Judiciário Federal e Estadual, é questão que não pode mais ser evitada. Sim, porque sou daqueles que entendem que decisão jurisdicional com caráter vinculante no sistema brasileiro depende de prévia autorização constitucional – tal qual a feita pela EC nº 45/2004 – e, portanto, está fora da esfera de disponibilidade do legislador infraconstitucional” (BUENO, Cássio Scarpinella. Manual de direito processual civil. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 538).

[34] Antes da EC nº 45/2004, o § 2º do art. 102 da CF dispunha sobre efeito vinculante para decisões de mérito proferidas pelo STF, reportando-se apenas às “ações declaratórias de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal”. Não fazia menção alguma à “ação direita de inconstitucionalidade”.

[35] STF, Pleno, Rcl 1.880 AgR/SP, Rel. Min. Maurício Corrêa, ac. 07.11.2002, DJU 19.03.2004. p. 17. Cf. também CAMARGO, Luiz Henrique Volpe. O incidente de resolução de demandas repetitivas no projeto de novo CPC: a comparação entre a versão do Senado Federal e a da Câmara dos Deputados. In: FREIRE, Alexandre, et al (Org.). Novas tendências do processo civil. Salvador: JusPodivm, v. 3, 2014. p. 307.

[36] “A teoria dos precedentes aplica-se à atividade de interpretação/aplicação do direito, que é a atividade principal dos juízes e tribunais, não implicando ofensa aos princípios de legalidade, separação de Poderes e submissão do juiz somente à lei” (ZANETTI JÚNIOR, Hermes. Precedentes (treat like cases alike) e o novo Código de Processo Civil. Revista de Processo, v. 235, p. 294, set. 2014. No mesmo sentido: MANCUSO, op. cit., p. 33).

[37] “Art. 927. Os juízes e os tribunais observarão: I – as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade; II – os enunciados de súmula vinculante; III – os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos; IV – os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional; V – a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados.”

[38] ZANETI JR., Hermes; PEREIRA, Carlos Frederico Bastos. Por que o Poder Judiciário não legisla no modelo de precedentes do Código de Processo Civil de 2015? Revista de Processo, v. 257, p. 381-382, jul. 2016.

[39] STF, Pleno, RE 655.265/DF, Rel. p/ ac. Min. Edson Fachin, AC. 13.04.2016, DJe 05.08.2016.

[40] TARUFFO, Michele. Páginas sobre justicia civil. Barcelona: Marcial Pons, 2009. p. 542-543.

[41] CARVALHO, Sabrina Nasser de. Decisões paradigmáticas e dever de fundamentação: técnica para a formação e aplicação dos precedentes judiciais. Revista de Processo, São Paulo, v. 249, p. 445, nov. 2015.

[42] TARUFFO, Michele, op. cit., p. 543.

[43] CARVALHO, Sabrina Nasser de, op. cit., p. 446.

[44] CUEVA, Ricardo Villas Bôas, op. cit., p. 315.

[45] Ibidem.

[46] STJ, 1ª T., REsp 300.116/SP, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, ac. 06.11.2001, DJU 25.02.2002. p. 222.

[47] Lição de CANOTILHO, apud WALD, Arnoldo; KAUFMANN, Rodrigo de Oliveira. A Súmula 405 do STF e a segurança jurídica. Revista do TRF da 1ª Região, v. 28, p. 73, maio/jun. 2016.