A DEMANDA CONSIGNATÓRIA E A MORA DO CREDOR: COMPREENSÃO TRADICIONAL E AVANÇOS JURISPRUDENCIAIS
Andrea Zanetti
Fernanda Tartuce
SUMÁRIO: 1 Introdução. 2 Vínculo Jurídico da Obrigação e Pagamento; 2.1 Obrigação, Momento do Pagamento e Impossibilidade do Pagamento Direto: Elementos que Precedem a Via Consignatória; 2.2 Descumprimento da Obrigação e Consignação. 3 Aspectos Clássicos da Ação de Consignação; 3.1 Mora Accipiendi; 3.2 Do que e Onde Pode Ser Consignado; 3.3 Dos Efeitos. 4 Atualidades no Uso da Ação de Consignação em Pagamento no Brasil: o Depósito sem Mora do Credor; 4.1 Possibilidade de Cumular Pedidos; 4.2 A Questão de Depósito Integral. 5 Conclusão. 6 Referências Bibliográficas.
1 Introdução
A ação de consignação é a forma pela qual o devedor pode obter o adimplemento indireto da prestação que assumiu perante o credor. As hipóteses que tradicionalmente autorizam a propositura dessa medida são: (a) a mora accipiendi – a mora do credor [1]; (b) fatos relacionados à pessoa do credor que afetem a titularidade da dívida [2], o lugar e o modo de pagamento [3]; e (c) fatores que afetem o objeto da prestação em si [4]. Como essas situações são capazes de impedir o cumprimento efetivo e seguro do pagamento direto da obrigação prometida, constituem hipóteses clássicas de cabimento da ação de consignação.
Nessas condições a lei autoriza o uso deste meio de pagamento por um procedimento especial (com base nos arts. 334 a 345 do CC e 539 a 549 do CPC). Tanto o depósito extrajudicial em instituições bancárias oficiais (previsto no art. 539, § 1º, do CPC e na Resolução Bacen nº 2.814/01) quanto o depósito judicial são medidas válidas, faculdades conferidas ao solvens diante das situações acima indicadas.
Das hipóteses referidas, a mais comum em nossos dias refere-se à consignação por força da mora do credor. Sobre ela nos deteremos para enfatizar uma mudança ocasionada pela jurisprudência brasileira: a possibilidade de consignar em juízo, em condições particulares, mesmo quando não há propriamente mora do credor.
Atualmente, a medida costuma ser adotada em associação com outras espécies de demandas, como “ações revisionais” intentadas por consumidores. Outros exemplos podem ser encontrados em contratos de financiamento, alienação fiduciária, arrendamento mercantil, empréstimos em geral e serviços educacionais [5], dentre outros.
Há, assim, evolução e ampliação do uso da demanda consignatória a ponto de a mora do credor já não ser mais um requisito essencial – especialmente se a ação é proposta cumulativamente com outras demandas.
2 Vínculo Jurídico da Obrigação e Pagamento
2.1 Obrigação, Momento do Pagamento e Impossibilidade do Pagamento Direto: Elementos que Precedem a Via Consignatória
Como é intuitivo perceber, uma relação obrigacional precede a ação de consignação em pagamento. Ela pressupõe a existência de um vínculo jurídico em que a pessoa (sujeito passivo) está obrigada até que satisfaça a prestação prometida à outra pessoa (sujeito ativo). É o devido cumprimento da obligatio, o pagamento, que resultará no término da condição transitória em que se encontra sujeito, restaurando sua plena liberdade [6].
A força do pagamento realizado de forma direta e voluntária pelo devedor é, no entendimento de Orosimbo Nonato, verdadeiro ato jurídico que tem o poder de extinguir a obrigação, e que, em alguns casos, apresenta os traços de contrato [7]. O pagamento desfaz, portanto, o liame obrigacional; satisfeito o crédito, tem-se ao mesmo tempo a satisfação do credor e a desoneração do devedor [8].
Mas nem sempre haverá adimplemento direto. Em algumas circunstâncias, o pagamento será indireto, na forma dos arts. 334 a 345 do Código Civil e 539 a 549 do Código de Processo Civil.
Vale lembrar que o sujeito passivo possui não apenas um dever, mas um direito: o de ver-se desobrigado. Na situação estudada, o solvens (devedor) manifesta sua vontade de adimplir a prestação, realiza os atos necessários, procura o credor, age de boa fé [9] (atuando, portanto, para realizar o cumprimento direto da prestação no modo, tempo e lugar ajustados). Contudo, dificuldades relativas principalmente ao objeto da prestação e à pessoa do credor impedem ou tornam inseguro o pagamento.
Assim, em diversos casos, o pagamento poderá ser feito pela via consignatória: (a) se o credor se recusa ao recebimento sem razão de direito; (b) se a legitimidade do crédito ou do credor está em discussão; (c) se o credor se encontra em lugar desconhecido, de difícil acesso ou que implique risco iminente de vida para o devedor (no caso das obrigações portáveis); ou ainda, (d) se o objeto da prestação está sub judice.
Vejamos a situação a partir da complexidade do empreendimento imobiliário. Para a construção de um conjunto de prédios residenciais, uma incorporadora se vale de um contrato de financiamento bancário para obter caixa e viabilizar o empreendimento. Em tal contrato, há o gravame da hipoteca em favor do agente financiador. De um lado, a incorporadora também realizará contratos de compra e venda das unidades com os consumidores (compradores ou promitentes compradores), solicitando o pagamento direto das parcelas da compra para si. De outro lado, o banco também reclamará o pagamento direto notificando os compradores ou promitentes compradores para que lhe paguem as parcelas, ressaltando que, se assim não for feito, o levantamento da hipoteca – que recai sobre o imóvel objeto da compra – não ocorrerá. O que deve fazer o comprador da unidade habitacional?
Outra situação pode envolver contratos de empréstimo ou financiamento em que, além do pagamento da parcela principal e dos juros remuneratórios, há previsão de pagamento de tarifas dos mais variados tipos (como cobrança de serviços de terceiro, gravame eletrônico e registro de contrato) que nem sequer são previstas por autoridade monetária. Ainda que referidas tarifas sejam de caráter duvidoso e abusivo, o credor só aceita o pagamento acrescido das mencionadas tarifas, todas somadas com o valor da parcela principal no boleto. Deve o consumidor simplesmente pagá-las para que não seja considerado moroso? [10].
Tais são algumas das hipóteses que ilustram problemas concretos para o devedor que pretende adimplir, deve adimplir, pois chegado é o momento em que o pagamento se torna exigível pelo decurso do prazo ou pela ocorrência de condição, mas não pode fazê-lo diretamente ao credor por razões alheias à sua vontade.
Em síntese, há quatro requisitos essenciais para a utilização da via consignatória: (a) existência de uma obrigação jurídica prévia, válida e eficaz que implique o dever de pagar; (b) vontade do devedor de realizar o ato do pagamento no modo, tempo e lugar ajustados; (c) advento da exigibilidade da prestação; e (d) impossibilidade de fazê-lo diretamente ao credor (pela falta de cooperação deste ou por circunstâncias ligadas a sua pessoa ou ao objeto do pagamento).
Adimplir a obrigação constitui não só um dever, mas também um direito do devedor: o credor tem o direito de receber a prestação do devedor e o dever de cooperar para que este possa fazê-lo tal como acordado.
Não obstante, prevalece a ideia de que a consignação é, em regra, uma faculdade concedida ao devedor que deseja pôr termo a sua obrigação – faculdade a que se referem os incisos I, II e III do art. 335 do Código Civil. Por seu turno, as hipóteses previstas nos incisos IV e V do mesmo dispositivo versam sobre ônus jurídicos, uma vez que não tratam da vontade do credor, mas de circunstâncias objetivas atreladas à própria prestação devida [11].
Outras formas consignatórias podem ser encontradas também em leis especiais, como a Lei de Locações Urbanas [12] e o Código Tributário Nacional [13]. Nosso foco, porém, é a ação consignatória regulada pelo Código Civil e pelo Código de Processo Civil.
Até o momento, tratamos do devedor adimplente, ou seja, que observa o prazo do pagamento. Contudo, o que se pode dizer daquele que descumpre o contrato previamente? O devedor, nesse cenário, ainda pode se socorrer da via consignatória?
2.2 Descumprimento da Obrigação e Consignação
Em um primeiro momento, pode haver tendência a se negar, ao devedor em mora, a possibilidade de consignação, mas é necessário examinar a situação com maior acuidade. Ainda que o devedor esteja em atraso, desde que o descumprimento não resulte em inadimplemento absoluto [14], é possível procurar o credor para cumprir a obrigação e realizar o pagamento (com as penalidades e os encargos inerentes ao atraso), assim “purgando” a mora.
Se a prestação ainda é útil ao credor, este não pode se negar a recebê-la ou criar obstáculos ao devedor. É dever do credor também atuar com boa-fé (objetiva) no recebimento da prestação, cooperando para o fiel e efetivo cumprimento da obrigação [15].
O animus solvendi, entendido como desejo de pagar, é que dá o direito legítimo ao solvens de exigir do accipiens que receba a prestação devida, acompanhada da quitação adequada [16].
Se o credor se nega a receber a prestação (acrescida de multa, juros e outros encargos inerentes ao atraso) ou a dar a devida quitação do pagamento, não é, contudo, possível o adimplemento direto. O comportamento do credor torna impossível ou incerto o adimplemento para o devedor, e o ato deste pode não ser suficiente para pôr fim manifesto à obrigação nessas condições. Nesse cenário, deve o devedor buscar a tutela (judicial ou extrajudicial) que a lei permite pleitear.
A forma segura de pagamento se dá com a consignação a partir do depósito da prestação devida em instituição financeira autorizada (depósito extrajudicial) [17] ou em juízo (depósito judicial) [18].
Com o levantamento do depósito pelo credor ou com a sentença transitada em julgado no processo de consignação em pagamento, haverá a extinção da obrigação por adimplemento indireto, sendo restabelecida a plena liberdade do devedor.
Como assinala Alexandre Guerra, “é essa reconquista da liberdade por comportamento do próprio devedor que imprime a feição democrática e autorresponsável impregnada ao direito das obrigações: o indivíduo libertar-se-á por sua própria força e por seu pessoal comportamento voltado a essa finalidade” [19].
3 Aspectos Clássicos da Ação de Consignação
O uso da expressão aspectos clássicos visa indicar que, nesta seção, preocupar-nos-emos com elementos tradicionalmente associados à ação de consignação, com raízes na pandectística. Alguns desses elementos, no entanto – em especial a mora do credor (mora accipiendi), objeto deste estudo -, sofreram modificação por via jurisprudencial. Detalharemos a situação quando, no item 4 deste texto, tratarmos das atualidades no uso da ação de consignação em pagamento no Brasil.
3.1 Mora Accipiendi
A consignação é modalidade de pagamento indireto exatamente por não haver coincidência de vontades [20]. Na hipótese clássica [21] – e mais comum – da consignação, o devedor deseja pagar, realiza a oferta, mas o credor se recusa, sem motivo justo, a recebê-la ou então permanece inerte.
A solução é dada pelo ato de depósito com a posterior aceitação do credor ou a partir da sentença judicial em que o órgão judicante reconhece a procedência do pedido ao declarar extinta a obrigação.
A mora do credor é situação de há muito identificada e que, desde os tempos da antiga Roma, dava azo ao pagamento por consignação. Na Roma clássica, após realizar a oferta real da coisa móvel devida ao credor, em local designado e na presença de testemunhas, diante da recusa injustificada deste, o devedor consignava-a em templo ou local indicado pela autoridade da época, devidamente fechado e lacrado [22]. Hoje, são os bancos e o Poder Judiciário os locais aptos ao depósito.
Para consignar extrajudicialmente, o devedor depositará em instituição bancária (oficial, onde houver [23]) o valor da prestação [24].
Vale destacar que o § 1º do art. 539 do CPC/2015 (diferentemente do art. 890 do CPC/73) deixou de prever a expressão “em conta, com correção monetária“, o que tem levado alguns doutrinadores à conclusão de que se trata de revogação tácita da necessidade de atualização monetária [25].
É certo que, se o credor houvesse recebido na data acordada, não haveria a necessidade da consignação. Evidentemente, essa não é a única hipótese consignatória e, mesmo na hipótese ora tratada, pode haver contestação e fatos que justifiquem a recusa do credor.
Além disso, a inflação (mesmo que não comparável à inflação e à ciranda financeira verificadas da década de 1980) ainda é um fenômeno presente na realidade brasileira, razão pela qual a correção monetária se presta a garantir apenas a manutenção do valor real da quantia depositada. A correção não se confunde com juros remuneratórios ou moratórios (que, no caso, não serão devidos, por se tratar de hipótese do pagamento integral que só não foi feito de forma direta devido à recusa do credor).
Assim, considerando a hipótese de recusa do credor ao depósito extrajudicial ou não levantamento da quantia disponibilizada, deve-se considerar a correção monetária da conta, que não se configura em prêmio ou rendimento em prol do credor, mas mera manutenção do valor da moeda [26].
Ademais, caso feito o depósito em instituição não oficial (mesmo existindo uma na localidade), não se deve conceber qualquer consequência se ausentes alegação e prova de prejuízo pelo credor [27].
Na mora accipiendi, temos, portanto, os seguintes elementos: oferta da prestação pelo devedor em tempo, modo e lugar ajustados e recusa injustificada do credor. A recusa injustificada, como anota Agostinho Alvim, é o momento em que se inicia a mora do credor e seus efeitos [28].
A recusa poderá ser expressa ou tácita – por exemplo, quando o credor não praticar atos necessários ao cumprimento da obrigação ou pela simples ausência de mandatário apto a receber em seu nome. Como se percebe, o conceito de recusa pode ser tido em sentido amplo [29].
Já a qualificação de “injustificada” ou “desmotivada” que incide sobre a recusa considera: a) a ausência de amparo na lei; b) a ausência de fundamento no contrato; c) a falta de relação direta com a obrigação; e d) a reação desproporcional e desarrazoada, considerando a extensão e os efeitos do descumprimento do devedor (esta última hipótese foi construída em sede jurisprudencial) [30].
Para exemplificar a última situação, consideremos a consignação de chaves nos casos dos contratos de locação de imóvel. É habitual encontrar nestes contratos cláusulas que estabelecem que, ao final da vigência contratual, o imóvel deva ser restituído nas mesmas condições em que foi recebido do locador.
É exatamente neste momento da entrega do imóvel que surgem pontos de divergência entre os contratantes. É comum que o imóvel se encontre sujo, com paredes não pintadas e louças sanitárias danificadas, enfim, em desconformidade com o ajustado. Nesta situação, o locador normalmente se recusa a receber as chaves e, consequentemente, a pôr termo ao contrato.
Esta conduta do credor tem sido considerada inidônea por nossos Tribunais, a ponto de autorizar o locatário a promover ação consignatória para depositar as chaves em juízo e livrar-se do aluguel e encargos daí decorrentes, ficando resguardada a alternativa da ação de reparação de danos para o locador [31].
O momento da caracterização da mora do credor é importante pelos efeitos que acarreta na relação obrigacional – sobretudo nos contratos. Assim temos: (a) a exclusão da mora do devedor, já que não há mora concomitante em nosso sistema [32]; (b) a atenuação da responsabilidade do devedor, sendo os riscos da guarda e da conservação da coisa atribuídos ao credor – salvo dolo do devedor; (c) a possibilidade de o devedor cobrar o ressarcimento pelas despesas que teve com a obrigação que não foi recebida no modo, no tempo e nas condições ajustadas; (d) se o valor do objeto da prestação oscilar entre o dia do pagamento e o dia da sua efetivação, o credor será obrigado a receber pela estimação favorável ao devedor [33] (caso dos commodities de café, soja, algodão e milho); e, por fim, (e) a legitimação do devedor para consignar o objeto da prestação, liberando-o definitivamente da obrigação, na forma do art. 539 do CPC.
Mas como caracterizar a mora?
A prova da mora do credor quando a obrigação possui um prazo é simples: normalmente basta o transcurso da data aprazada (dies interpellat pro homine). Se não houver prazo, é aconselhável que o devedor se acautele e faça a oferta da obrigação de forma expressa a fim de produzir provas de seu ato de boa-fé (notificação judicial ou extrajudicial, testemunhas, mensagens de texto, etc.).
3.2 Do que e Onde Pode Ser Consignado
A consignação, por si só, implica um ato comissivo. Por tal razão, obrigações omissivas (não fazer) e obrigações que se restringem a um simples fazer (facere) não podem ser objeto de consignação; trata-se de impossibilidade decorrente da própria natureza dessas obrigações [34]. No caso da obrigação de fazer, só é possível consigná-la se esta for seguida de um dar (como no caso da feitura de um piano à mão).
A obrigação de dar é a comumente consignada. Neste tipo, encontram-se depósitos em dinheiro, bens móveis ou imóveis, bens fungíveis ou infungíveis, bens materiais (alugueres, títulos, documentos, mercadorias) e até imateriais (direitos autorais). O importante é que apresentem valor [35].
No caso das quantias pecuniárias, conforme a redação do § 1º do art. 539 do Código de Processo Civil, o devedor poderá optar pelo depósito extrajudicial em instituição bancária desde que concorram, além da recusa injustificada do credor, os seguintes requisitos: (a) que a obrigação devida seja dívida em dinheiro (líquida e certa); (b) que haja, no local de pagamento (arts. 337 do CC e 891 do CPC), estabelecimento bancário oficial e, na ausência deste, particular [36] (evidentemente, se nenhum deles existir na localidade, nada impede que o depósito seja feito em município vizinho); (c) que o credor seja conhecido, certo, capaz, solvente, com endereço conhecido para receber a carta com aviso de recebimento, deixando-o ciente do depósito; e (d) que o depósito seja feito no mesmo lugar do pagamento, ressalvada a observação do item b [37].
Normalmente, a estipulação do local de pagamento está prevista no contrato ou na lei. Se ausente, considera-se local de pagamento: (a) o local onde o pagamento era feito reiteradamente (se parcelado), conforme os arts. 337 do CC e 539 do CPC; (b) o local onde o bem imóvel se localiza (art. 341 do CC); ou, ainda, (c) o domicílio do devedor quando a dívida for quesível (o credor deve ir até o devedor buscar a prestação). Se a dívida for portável (o devedor deve ir até o credor para pagar), convém considerar as especificidades probatórias, como a periculosidade e a inacessibilidade do local, a incerteza da residência do credor ou outro motivo relevante, o que poderá possibilitar o depósito em outro local (art. 335, inciso III, e interpretação extensiva do art. 329 do Código Civil), segundo o entendimento do juízo [38].
O bem só precisa ser certo e individualizado na data de depósito. Isso explica por que é possível consignar obrigações ilíquidas, genéricas e alternativas [39]. Portanto, ainda que o bem seja incerto na data da celebração do contrato, desde que seja determinável, poderá ser depositado em juízo.
Há bens difíceis de consignar e que podem acarretar alto custo para o devedor, autor da ação, até que ocorra a solução da questão jurídica relacionada à obrigação. Nestas condições, recomenda-se que cautelas sejam tomadas ainda na fase contratual.
Em interessante caso apreciado pelo Superior Tribunal de Justiça [40], o consignante buscava depositar valor correspondente a sacas de soja não retiradas pelo credor. Suscitando o art. 336 do Código Civil, o acórdão do STJ assim expôs em sua ementa:
“Celebrado contrato entre as partes para a entrega de 372 sacas de soja de 60 kg, a US$ 9,00 cada uma, sem estipulação de outra forma alternativa de cumprimento dessa obrigação, não é possível o uso da ação de consignação em pagamento para depósito em dinheiro daquilo que o devedor entende devido.”
O cabimento da consignação no direito civil italiano [41] em caso de venda de bens perecíveis ou de depósito dispendioso, condicionado lá à prévia autorização judicial, parece não encontrar respaldo em nossas Cortes.
Exatamente pela existência de decisões com interpretação literal do art. 313 do Código Civil [42], recomenda-se que os contratantes prevejam a possibilidade de o devedor vender o bem de difícil guarda e conservação, podendo consignar o valor diante da mora do credor, com base em tal disposição contratual.
3.3 Dos Efeitos
O regime de riscos recai sobre o devedor até a tradição da coisa [43], como já expresso na máxima res perit domino. Contudo, sendo o depósito realizado, cessam para o devedor, autor da ação consignatória, os juros e os riscos. Os riscos de perda da coisa passam a ser do credor (res perit creditori), salvo se o pedido da demanda for julgado improcedente (art. 539 do CPC e art. 337 do CC).
Se o credor aceitar o depósito, não há por que prosseguir o processo judicial. Se o credor permanecer inerte ou se, citado, restar revel, o juiz julgará procedente o pedido da demanda, declarando extinta a obrigação e condenando o credor ao pagamento do ônus da sucumbência [44].
Assim, o depósito tem o efeito da tradição no que tange aos riscos e à cessação dos juros, tendo sua eficácia plena com a sentença de procedência. A data do depósito é o termo inicial dos efeitos da extinção da obrigação pela consignação. Contudo, se o devedor levantar o depósito, esses riscos voltarão a correr para ele, inclusive em relação aos juros. Isso poderá acontecer:
- a) enquanto o credor não impugnar ou não declarar que aceita o depósito, arcando o devedor com as despesas (art. 338 do CC), sendo restabelecido o crédito com todas as suas garantias e encargos (esta medida também se aplica aos depósitos extrajudiciais);
- b) após contestar a lide ou aceitar o depósito, sem que a sentença tenha sido proferida, se o credor aquiescer no levantamento. Nesse caso, o credor perderá a preferência e a garantia que lhe competiam com respeito à coisa consignada. Se a obrigação for solidária, ficarão desobrigados os demais codevedores, ocorrendo o mesmo com os fiadores que não tenham anuído com o ato (art. 340 do Código Civil); e
- c) após o reconhecimento da procedência do pedido de depósito e antes do trânsito em julgado, mediante a concordância do credor, dos fiadores e demais codevedores (obrigação indivisível ou solidária) [45]. Sem a concordância dos fiadores, o credor perderá a garantia; no caso dos codevedores, estes ficarão desobrigados se não concordarem com o levantamento, restando ao credor apenas cobrar do devedor que promoveu a ação consignatória (art. 340 do CC).
Vale assinalar que a petição de depósito, via de regra, acaba por reconhecer a dívida e por isso funciona como forma de interrupção da prescrição prevista no art. 202, IV, do CC [46].
Frise-se que o simples depósito judicial ou bancário da prestação devida não constitui pagamento por si só. O efeito de liberar o devedor e extinguir a obrigação só é efetivado, no direito brasileiro, quando o credor levanta a prestação ou o pedido da ação de consignação em pagamento for julgado procedente, com o trânsito em julgado da sentença. Neste momento, considera-se consolidada a transferência do domínio do objeto depositado.
A eficácia da sentença da ação consignatória possui força equivalente à quitação [47], sendo por isso capaz de extinguir a obrigação e gerar efeitos ex tunc, retroagindo até a data do depósito. A demonstração dessa quitação realizada por via judicial se dá com a certidão expedida pelo cartório.
4 Atualidades no Uso da Ação de Consignação em Pagamento no Brasil: o Depósito sem Mora do Credor
Se examinarmos as decisões dos Tribunais ao longo dos anos, poderemos notar gradativamente uma mudança de comportamento jurisprudencial, reflexo do dinamismo jurídico necessário para acompanhar as mudanças sociais. Passemos a elas.
4.1 Possibilidade de Cumular Pedidos
Observa-se que, não obstante haja alguns julgados em sentido contrário [48], nossos Tribunais já sedimentaram o entendimento sobre a possibilidade de cumulação da ação de consignação em pagamento com ações revisionais de cláusulas contratuais. Trata-se de uma evolução que acresce novo sentido à tradicional forma pela qual a ação consignatória era utilizada.
Aqui não há recusa do credor em receber: portanto, não há mora accipiendi nem qualquer das hipóteses clássicas previstas nos incisos do art. 335 do CC.
A única hipótese que poderia se aproximar desta situação seria a do inciso V do art. 335 do CC, que prevê como possibilidade de consignar a situação de pender litígio sobre o objeto do pagamento. No entanto, de acordo com Renan Lotufo, “é inadmissível pensar em litígio entre o devedor e o credor como ensejador de consignação, a menos que ocorra expressa previsão legal, como se tem na hipótese do art. 504” [49].
Portanto, estamos diante de uma construção jurisprudencial extremamente importante ante a multiplicação dos contratos de consumo, que incluem contratos de empréstimo, financiamento, alienação fiduciária e outros contratos bancários, facilitando a defesa do consumidor prevista no Código de Defesa do Consumidor (art. 4º, inciso III; art. 6º, inciso V; e art. 51, inciso IV) e o controle jurisprudencial de eventuais abusos contratuais cometidos.
A hipótese a seguir mencionada reflete essa evolução jurisprudencial em termos de consignação em pagamento: situações de reajustes de planos de saúde em desconformidade com as regulamentações da ANS (Agência Nacional de Saúde). Uma dessas situações é a fixação de valores superiores a mais de seis vezes da faixa etária inicial (0-17 anos) para os consumidores que se encontram na última faixa etária do plano (59 anos ou mais), obrigando o consumidor com mais de 60 anos ao pagamento de quantia excessivamente onerosa para que possa se manter no plano de saúde [50].
Aqui não há mora do credor, muito menos a configuração de quaisquer das situações clássicas de consignação; contudo, os Tribunais permitem o depósito dos valores mensais do plano de saúde em juízo para discussão sobre o reajuste abusivo [51].
Interessante acórdão proferido pela Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça deixa clara a possibilidade de revisão de cláusulas contratuais no bojo da ação consignatória [52].
Em termos procedimentais, cabe perquirir: se a ação de consignação tem previsão de procedimento especial e a ação revisional usualmente segue o rito ordinário, como solucionar tal aparente incompatibilidade?
A solução encontrada pelos julgadores foi dar aplicação ao CPC [53], reconhecendo a adoção do rito ordinário no caso de cumulação. Tal decisão é interessante porque a produção de provas constitui ônus essencial para a revisão ou a manutenção das cláusulas do contrato, ressalvado o fato de que, nas ações de consumo, o ônus da prova tende a ser invertido e incumbir, portanto, ao réu (fornecedor). A síntese do aqui explicitado vem exposta na seguinte ementa [54]:
“Ação de consignação em pagamento. Cumulação de pedidos. Precedentes da Corte. 1. Já decidiu a Corte ser possível em ação de consignação em pagamento ‘examinar o critério de reajustamento em contratos de mútuo para a aquisição da casa própria’ (REsp 257.365/SE, de minha relatoria, DJ 18.06.01). Há, também, precedente no sentido de que se admite ‘a cumulação dos pedidos de revisão de cláusulas do contrato e de consignação em pagamento das parcelas tidas como devidas por força do mesmo negócio jurídico’ e de que quando o autor cumula pedidos ‘que possuem procedimentos judiciais diversos implicitamente requer o emprego do procedimento ordinário’ (REsp 464.439/GO, Relª Minª Nancy Andrighi, DJ 23.06.03). 2. Não viola o art. 292, § 1º, I e II, do Código de Processo Civil a decisão que defere ao autor a possibilidade de opção pelo procedimento ordinário antes do indeferimento da inicial. (…)“
4.2 A Questão de Depósito Integral
A extensão do uso da ação consignatória considerava o seguinte: como ela era vista como meio de pagamento indireto, depositava-se judicial ou extrajudicialmente o que havia sido ajustado contratualmente e que, devido à falta de cooperação do credor ou a outra circunstância alheia à vontade deste e à do devedor, impedia o último de realizar o pagamento direto.
Atualmente, o depósito em consignação pode ocorrer mesmo que o credor seja conhecido, capaz, solvente, com endereço certo ou lugar de pagamento acessível e, ainda, manifeste interesse no recebimento. Isso se dá por sua cumulação com outras demandas (como a já citada “ação de revisão contratual”).
Não se trata apenas da possibilidade de consignar fora das hipóteses clássicas previstas no art. 335 do CC, mas da possibilidade de realizar depósito a menor, correspondente à quantia incontroversa apenas.
Isso fica claro pela dicção do caput do art. 545 do CPC, que permite ao devedor integralizar o depósito em até 10 dias após a contestação do credor (réu).
Conforme o § 1º do art. 545 do CPC, alegada a insuficiência do depósito, conforme o art. 544, inciso IV, do CPC, poderá o réu levantar, desde logo, a quantia ou a coisa depositada, com a consequente liberação parcial do autor, prosseguindo o processo quanto à parcela controversa [55].
Portanto, a ação não pode ser extinta sem julgamento de mérito por este motivo nem ter seu pedido julgado improcedente pela mesma razão. Se, ao final da demanda, ficar demonstrado que o credor (réu) tinha razão quanto à insuficiência do depósito, o pedido será julgado parcialmente procedente, com extinção parcial do débito. O juiz, dentro do possível, deve expressar o montante do que sopesar da dívida; a sentença valerá como título executivo, procedendo-se à execução nos mesmos autos (art. 545, § 2º, do CPC) [56].
Tal entendimento foi reforçado pela Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça no seguinte acórdão:
“Esta Corte de Uniformização Infraconstitucional firmou entendimento no sentido de que o depósito efetuado a menor em ação de consignação em pagamento não acarreta a total improcedência do pedido, na medida em que a obrigação é parcialmente adimplida pelo montante consignado, acarretando a liberação parcial do devedor. O restante do débito, reconhecido pelo julgador, pode ser objeto de execução nos próprios autos da ação consignatória (cf. REsp 99.489/SC, Rel. Min. Barros Monteiro, DJ 28.10.02; REsp 599.520/TO, Relª Minª Nancy Andrighi, DJ 01.02.05; REsp 448.602/SC, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJ 17.02.03; AgRg no REsp 41.953/SP, Rel. Min. Aldir Passarinho Júnior, DJ 06.10.03; REsp 126.326/RJ, Rel. Min. Barros Monteiro, DJ 22.09.03).” (STJ, REsp 613.552/RS, 4ª T., Rel. Min. Jorge Scartezzini, 20.10.05, DJ 14.11.05) [57]
O devedor, portanto, pede a consignação daquilo que entende devido e demonstra suas razões a partir de cálculo plausível, feito com base no contrato ou título, não sendo obrigado a depositar aquilo que o credor alega ser devido.
Com isso, índices e critérios de reajuste nos mais diversos tipos de contrato que se estendem por um período razoável de tempo – como, por exemplo, contratos de fornecimento, arrendamento rural, locação, planos de saúde, serviços educacionais, entre outros – podem ser objeto de discussão. É o que temos acompanhado nas discussões judiciais tanto em esfera estadual [58] como federal [59].
São exceções a essa regra (quanto à consignação do valor do débito que o devedor entende devido), desde a entrada em vigor do Código de Processo Civil de 2015, as obrigações decorrentes de contratos de empréstimo, financiamento e de alienação de bens, devido à redação do § 2º do art. 330 desse diploma.
Isso porque o referido dispositivo legal determina ao autor a indicação não só das obrigações contratuais objeto de discussão para os contratos suprarreferenciados, mas também a apresentação do valor controverso e incontroverso do débito, devendo este último ser pago diretamente ao réu (credor), no tempo e na forma contratualmente ajustados. Sem a observação dessas medidas, a petição inicial da ação revisional poderá ser declarada inepta.
Além disso, vale frisar que a simples propositura da demanda revisional do contrato não inibe a caracterização da mora do autor (devedor) [60]. O depósito a menor, se deferido judicialmente, apesar de não impedir o andamento do processo, tem se revelado não raro insuficiente para impedir os efeitos da mora sobre o devedor em razão do caráter genérico das alegações na inicial. Explica-se.
A consignação a menor do valor da parcela principal, acrescido dos encargos inerentes, deve estar pautada em determinados requisitos ligados à urgência ou à evidência para evitar as consequências da mora do solvens (devedor) e obter o deferimento da ordem de vedação da inscrição do nome do devedor em cadastros dos órgãos de proteção de crédito e a manutenção do bem junto ao autor (como no caso de financiamento envolvendo alienação fiduciária e leasing).
Em ações de revisão, em geral cumuladas com pedidos de consignação, em que se debate o reajuste de parcelas em contratos a longo prazo, a abusividade da taxa poderá ficar evidenciada por sua discrepância em relação: (a) ao valor da inflação, por exemplo; (b) à aplicação de índices provenientes de fórmulas indecifráveis que levam a uma “eterna dívida“; ou, ainda, (c) por sua afronta clara à lei.
Na primeira e na segunda hipóteses, um cálculo comparativo esclarecedor deve ser feito e anexado à petição inicial. No segundo caso, é preciso indicar a lei e demonstrar seu descumprimento, como no caso do empréstimo consignado na folha de pagamento do empregado junto com extratos bancários que comprovam o desconto das parcelas mensais superior a 30{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6} de seu rendimento pela instituição financeira (Lei nº 10.820/03, art. 2º, § 2º, inciso I).
Nas ações revisionais cumuladas com pedido de consignação em pagamento, envolvendo empréstimos nos contratos bancários, os Tribunais têm exigido do autor o preenchimento de requisitos definidos pelo Superior Tribunal de Justiça, bem expostos no seguinte precedente:
“A abstenção da inscrição/manutenção em cadastro de inadimplentes, requerida em antecipação de tutela e/ou medida cautelar, somente será deferida se, cumulativamente: i) a ação for fundada em questionamento integral ou parcial do débito; ii) houver demonstração de que a cobrança indevida se funda na aparência do bom direito e em jurisprudência consolidada do STF ou STJ; iii) houver depósito da parcela incontroversa ou for prestada a caução fixada conforme o prudente arbítrio do juiz.” [61]
Logo, alegações genéricas, como a cobrança de juros remuneratórios pelas instituições financeiras acima de 12{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6} ao ano e capitalização dos juros fixada em periodicidade inferior a um ano nos contratos bancários firmados a partir da Medida Provisória nº 1.963-17/00, não são argumentos aptos a ensejar o deferimento de medidas antecipatórias: tal assertiva constitui ponto pacífico em nossa jurisprudência[62].
Evidentemente, nas ações revisionais, a consignação da parcela integral é a forma mais segura de se conseguir o prosseguimento do feito com a suspensão dos efeitos da mora (vale lembrar que, no caso dos contratos de empréstimo, financiamento e alienação de bens, será facultado apenas o depósito da parcela controversa, pois o valor incontroverso deve ser pago diretamente ao réu, na forma do § 3º do art. 330 do CPC) [63].
O depósito da parcela a menor, devidamente fundamentada, não obsta a propositura da ação, mas, para que a tutela antecipada seja deferida, elidindo os efeitos da mora, o devedor (ainda que consumidor) necessita apresentar na inicial um primeiro cálculo comparativo e eventuais precedentes que apresentem os indícios da abusividade ou da ilegalidade cometida no caso [64].
5 Conclusão
A hipótese clássica de consignação em pagamento por mora do credor foi desenvolvida ainda no direito romano, com reflexo em nossa legislação, como forma de garantir o direito do devedor a adimplir sua obrigação. Seus elementos clássicos (a oferta da prestação pelo devedor em tempo, modo e lugar ajustados e a recusa injustificada do credor) não abarcam, contudo, a multiplicidade de divergências entre credores e devedores na atualidade.
Com as reformas introduzidas pela Lei nº 8.951, de 13.12.94, e a entrada em vigor do novo Código de Processo Civil, a ação de consignação em pagamento ampliou seu alcance, atenta às necessidades hodiernas.
É uma realidade que o depósito extrajudicial simplifica a solução da consignação. Aproveita imediatamente ao réu o pagamento da quantia incontroversa feita diretamente a ele e a possibilidade de levantamento da quantia depositada, ainda que insuficiente.
Aliás, se insuficiente, a sentença também servirá como um título executivo para a cobrança do saldo remanescente, caso o pedido da ação seja julgado parcialmente procedente.
A jurisprudência pátria, especialmente a desenvolvida pelo Superior Tribunal de Justiça, trouxe importantes avanços, permitindo que a ação consignatória seja usada mesmo quando tecnicamente não há mora do credor, mas, sim, divergências sobre a extensão da obrigação.
Especialmente no caso de contratos de consumo, nos quais é comum ocorrerem abusos, a possibilidade de depósito da porção incontroversa da obrigação enquanto se discute o restante tornou-se uma importante ferramenta de defesa dos devedores.
Vale mencionar que essa medida encontra-se atualmente relativizada para os contratos de financiamento, empréstimo e alienação de bens, conforme a dicção do atual art. 330, §§ 2º e 3º, do CPC, que determina a continuidade do pagamento da parcela incontroversa (devidamente discriminada pelo devedor na inicial, sob pena de inépcia) diretamente ao réu nas ações de revisão.
Tal possibilidade pode ser aliada à técnica da tutela antecipada: caso haja verossimilhança nas alegações do devedor e risco de dano, o depósito judicial de parte da obrigação, ainda que o credor cobre mais, permite evitar os efeitos danosos da mora do devedor, como o vencimento antecipado da dívida, a excussão extrajudicial de garantias imobiliárias, a negativação do nome do devedor, etc.
Cumulada com outros pleitos, a consignação feita de forma integral, no total da dívida ou no valor das parcelas ajustadas (observada as especificidades dos §§ 2º e 3º do art. 330 do NCPC), tem também a força de inibir o ajuizamento da execução.
Nota-se, assim, que o avanço jurisprudencial na matéria, aliado à renovação das previsões legais, propicia que a ação consignatória seja um importante instrumento de garantia recíproca de direitos: do devedor em pagar o justo e do credor em receber o montante devido.
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[1] Código Civil (CC), art. 335: “A consignação tem lugar: I – se o credor não puder, ou, sem justa causa, recusar receber o pagamento, ou dar quitação na devida forma”.
[2] CC, art. 335: “A consignação tem lugar: (…) III – se o credor for incapaz de receber, for desconhecido, declarado ausente, ou residir em lugar incerto ou de acesso perigoso ou difícil; IV – se ocorrer dúvida sobre quem deva legitimamente receber o objeto do pagamento”.
[3] CC, art. 335: “A consignação tem lugar: (…) II – se o credor não for, nem mandar receber a coisa no lugar, tempo e condição devidos”.
[4] CC, art. 335: “A consignação tem lugar: (…) V – se pender litígio sobre o objeto do pagamento”.
[5] Neste sentido, merece destaque interessante acórdão proferido pela 17ª Câmara de Direito Civil do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, que autorizou a consignação para discutir a redução da mensalidade escolar proporcionalmente ao número de disciplinas cursadas: “CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO. AÇÃO ORDINÁRIA DE CONSIGNAÇÃO. PRELIMINAR. SENTENÇA CITRA PETITA. REJEIÇÃO. MENSALIDADE ESCOLAR. PROPORCIONALIDADE AO NÚMERO DE DISCIPLINAS. EXIGÊNCIA. COBRANÇA DE SEMESTRALIDADE INTEGRAL. IMPOSSIBILIDADE. VANTAGEM EXAGERADA. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. (…) Estando a aluna cursando apenas algumas das matérias do semestre letivo, a mensalidade cobrada deverá ser proporcional ao serviço efetivamente prestado. O pagamento em contraprestação pelas disciplinas cursadas deve ser proporcional à prestação dos serviços fornecidos pela instituição de ensino, sob pena de desequilíbrio contratual e enriquecimento sem causa” (Apelação Cível 1.0702.04.156997-2/001[1], Relª Desª Márcia de Paoli Balbino, j. 27.03.08, DJ 15.04.08).
[6] NONATO, O. Curso de obrigações. Rio de Janeiro/São Paulo: Jurídica e Universitária, 1971. v. 1. p. 9-10.
[7] Idem, ibidem, p. 13.
[8] MARCATO, A.C. Ação de consignação em pagamento. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 12.
[9] A boa-fé objetiva, tida como princípio norteador das relações obrigacionais e, dentro destas o contrato, determina que ambas as partes (credor e devedor) atuem para auxiliar e facilitar o cumprimento da obrigação, realizando atos necessários ao adimplemento, ao pagamento do que foi ajustado como devido. Cf. COUTO E SILVA, C. do. A obrigação como um processo. Rio de Janeiro: FGV, 2006. p. 90-98.
[10] O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo assim se posicionou quanto às tarifas referenciadas: “Ação revisional. Financiamento bancário. Aquisição de veículo automotor. Não exigência de sujeição da instituição financeira aos limites do art. 1º do Decreto nº 22.626/1933. Aplicação da Súmula nº 596 do STF. Encargos de mercado. Capitalização. Admissibilidade. Expressa previsão contratual. Contrato firmado na vigência da Medida Provisória nº 1.963-17, de 30.03.00, e suas reedições. Comissão de permanência não pactuada, de modo que prevalece a exigência da multa contratual para o período de inadimplência, juros de mora, inerentes à inadimplência, além dos juros remuneratórios, previstos em contrato para o período de normalidade. Recurso parcialmente provido. Ação revisional. Cobrança de tarifa de cadastro. Possibilidade. Entendimento pacificado pelo e. STJ. Aplicação do art. 543-C do CPC, incluído pela Lei nº 11.672, de 08.05.08. Cobrança de serviços de terceiros, gravame eletrônico e registro de contrato. Ilegalidade. Precedentes desta Corte. Repetição de indébito. Devolução simples. Inaplicabilidade do art. 42 do CDC. Ausência de má-fé. Liquidação de sentença para recálculo do valor financiado. Procedência parcial da ação. Sucumbência recíproca. Recurso do banco parcialmente provido” (Apelação 0001161-61.2012.8.26.0572, 19ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Sebastião Junqueira, j. 15.12.2014, DJe 20.02.2015).
[11] Em situações específicas, a consignação poderá assumir caráter obrigatório, com expressa previsão legal, como é o caso de depósito da indenização securitária de bem hipotecado que foi destruído (art. 1.425, § 1º, do CC) e também de indenização securitária de coisa gravada com usufruto, sendo o segurado, no caso, o usufrutuário (art. 1.407, § 2º, do CC) (Cf. GUERRA, A. D. de Mello. Pagamento em consignação. In: LOTUFO, R.; NANI, G. E. [Org.]. Obrigações. São Paulo: Atlas, 2011. p. 356).
[12] Lei nº 8.245/91, art. 67: “Na ação que objetivar o pagamento dos aluguéis e acessórios da locação mediante consignação, será observado o seguinte: I – a petição inicial, além dos requisitos exigidos pelo art. 282 do Código de Processo Civil, deverá especificar os aluguéis e acessórios da locação com indicação dos respectivos valores; II – determinada a citação do réu, o autor será intimado a, no prazo de vinte e quatro horas, efetuar o depósito judicial da importância indicada na petição inicial, sob pena de ser extinto o processo; III – o pedido envolverá a quitação das obrigações que vencerem durante a tramitação do feito e até ser prolatada a sentença de primeira instância, devendo o autor promover os depósitos nos respectivos vencimentos; IV – não sendo oferecida a contestação, ou se o locador receber os valores depositados, o juiz acolherá o pedido, declarando quitadas as obrigações, condenando o réu ao pagamento das custas e honorários de vinte por cento do valor dos depósitos; V – a contestação do locador, além da defesa de direito que possa caber, ficará adstrita, quanto à matéria de fato, a: a) não ter havido recusa ou mora em receber a quantia devida; b) ter sido justa a recusa; c) não ter sido efetuado o depósito no prazo ou no lugar do pagamento; d) não ter sido o depósito integral; VI – além de contestar, o réu poderá, em reconvenção, pedir o despejo e a cobrança dos valores objeto da consignatória ou da diferença do depósito inicial, na hipótese de ter sido alegado não ser o mesmo integral;VII – o autor poderá complementar o depósito inicial, no prazo de cinco dias contados da ciência do oferecimento da resposta, com acréscimo de dez por cento sobre o valor da diferença. Se tal ocorrer, o juiz declarará quitadas as obrigações, elidindo a rescisão da locação, mas imporá ao autor-reconvindo a responsabilidade pelas custas e honorários advocatícios de vinte por cento sobre o valor dos depósitos; VIII – havendo, na reconvenção, cumulação dos pedidos de rescisão da locação e cobrança dos valores objeto da consignatória, a execução desta somente poderá ter início após obtida a desocupação do imóvel, caso ambos tenham sido acolhidos”.
[13] Código Tributário Nacional, art. 164: “A importância de crédito tributário pode ser consignada judicialmente pelo sujeito passivo, nos casos: I – de recusa de recebimento, ou subordinação deste ao pagamento de outro tributo ou de penalidade, ou ao cumprimento de obrigação acessória; II – de subordinação do recebimento ao cumprimento de exigências administrativas sem fundamento legal; III – de exigência, por mais de uma pessoa jurídica de direito público, de tributo idêntico sobre um mesmo fato gerador”.
[14] Como bem expõe Agostinho Alvim, “há inadimplemento absoluto quando o devedor não mais pode cumprir a obrigação; há mora quando a possibilidade ainda persiste” (Da inexecução das obrigações e suas conseqüências. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1980. p. 37). Para ilustrar como no adimplemento absoluto a prestação devida já não é útil ao credor, considere uma festa de formatura com data e horário certos para ocorrer: se os geradores de energia forem entregues no dia posterior ao evento, não haverá mais utilidade para os formandos (contratantes). Por outro lado, o atraso de cinco dias no pagamento do gerador de energia, que também possui prazo certo, ainda tem utilidade para o credor (desde que recebido com os encargos inerentes à mora).
[15] Eis precedente nesse sentido: “Consignação em pagamento. Pretensão à liquidação antecipada com redução dos juros. Procedência. Apelo da instituição financeira. Interesse de agir caracterizado. Instituição financeira que procurada pelo consumidor através do Procon se queda inerte quanto ao pedido de liquidação antecipada. Possibilidade de consignação em pagamento. Art. 335, inciso I, do Código Civil. Redução de juros devida. § 2º do art. 52 do Código de Defesa do Consumidor. Injustificada recusa do banco em aceitar a liquidação da dívida que descaracteriza a mora do consumidor. Redução de juros devida. Honorários arbitrados com equidade” (TJSP, Apelação Cível 0016535-23.2008.8.26.0196, 21ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Virgilio de Oliveira Junior, j. 01.10.2012, DJ 07.11. 2012).
[16] LOPES, M. M. de S. Curso de direito civil. Obrigações em geral. 3. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1960. v. 2. p. 246.
[17] Nos termos do art. 539, § 1º, do CPC, “tratando-se de obrigação em dinheiro, poderá o valor ser depositado em estabelecimento bancário, oficial onde houver, situado no lugar do pagamento, em conta com correção monetária, cientificando-se o credor por carta com aviso de recebimento, assinado o prazo de 10 (dez) dias para a manifestação de recusa”.
[18] Segundo o art. 540 do CPC, “requerer-se-á a consignação no lugar do pagamento, cessando para o devedor, tanto que se efetue o depósito, os juros e os riscos, salvo se for julgada improcedente”.
[19] GUERRA, A. D. de M. Pagamento em consignação, op. cit., p. 349.
[20] MARCATO, A. C. Ação de consignação em pagamento, op. cit., p. 13.
[21] Usamos a expressão “clássica” porque, por ora, tratamos de expor as hipóteses identificadas no art. 335 do Código Civil. Ressaltamos, desde já, que as situações identificadas nos incisos do art. 335 do Código Civil, não obstante a existência de discussão doutrinária, podem ser tomadas como um rol exemplificativo, considerando o sentido amplo e flexível das expressões utilizadas no artigo, tais quais “credor que não possa receber”, “justa causa”, “lugar incerto”, bem como a incidência do principio da boa-fé, que incide manifestamente nos dispositivos normativos indicados. Neste sentido recomenda-se a leitura de MARTINS-COSTA, J. Comentários ao novo Código Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2006. v. V. t. I. p. 434.
[22] MOREIRA ALVES, J. C. Direito romano. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001. v. 2. p. 84.
[23] Embora a lei processual refira-se a estabelecimentos bancários oficiais, deve prevalecer o entendimento de que eles serão os destinatários da consignação se existentes no local do pagamento; não havendo ali tais instituições, quaisquer outros bancos serão aptos a receber o pagamento. Vale mencionar que a Resolução do Bacen nº 2.814/01 deixa assente a obrigatoriedade das instituições bancárias oficiais quanto ao recebimento de valores objeto de consignação em pagamento. Essa medida é estendida, de forma facultativa, para as instituições bancárias privadas.
[24] TARTUCE, Fernanda. Processo civil: estudo didático. São Paulo: Método, 2011. p. 249.
[25] A Resolução do Bacen nº 2.814/01 prevê a necessidade de correção monetária em seu art. 7º: “Os depósitos de consignação em pagamento devem ser atualizados, no mínimo, nas mesmas condições da remuneração básica dos depósitos de poupança, observando-se, após a eventual instauração da ação referida no art. 6º, a legislação em vigor referente aos depósitos judiciais”.
[26] Os custos de depósito, incluindo aqueles necessários à notificação com aviso de recebimento do credor, serão arcados pelo depositante (ver nesse sentido o art. 8º da Resolução do Bacen nº 2.814: “É facultado à instituição financeira ressarcir-se, perante o depositante, de despesas de postagem, elaboração de documentos e outras incorridas na realização dos procedimentos determinados nos termos desta Resolução”).
[27] GONÇALVES, T. F. Consignação em pagamento: aspectos de direito processual e material – com notas e remissões ao projeto de novo Código de Processo Civil. Curitiba: Juruá, 2013. p. 60.
[28] ALVIM, A. Da inexecução das obrigações e suas conseqüências. São Paulo: Saraiva, 1980. p. 65.
[29] Idem, ibidem, p. 71.
[30] Eis exemplo de decisão que acena para esta expansão: “APELAÇÃO. Ação de consignação em pagamento. Rescisão do contrato de Plano de Previdência Complementar que o pai das autoras mantinha com Prever S.A. Seguros e Previdência ante o não pagamento das duas últimas parcelas. Pretensão à consignação do valor referente às referidas parcelas, eis que não foi dada oportunidade às autoras de quitá-las, tendo em vista a rescisão do contrato sem comunicação prévia. Aplicação da teoria do adimplemento substancial pela qual não se justifica a resolução de pleno direito se o descumprimento do contrato foi de apenas uma pequena parte do contrato, mantendo-se a utilidade do recebimento das prestações pelo credor. Sentença mantida. Recurso não provido” (TJSP, Apelação Cível 9130071-98.2004.8.26.0000, 9ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Oswaldo Luiz Palu, j. 07.04.2010, DJ 10.04.2010).
[31] Nesta linha de entendimento: “Civil e processual civil. Ação de rescisão de contrato de locação não residencial cumulada com pedido de consignação do imóvel locado, simbolicamente representado pelas chaves. Sentença de procedência. Pretensão à anulação ou à reforma integral. Não cabimento. Rejeição da preliminar de nulidade da sentença, porque inexistente propalado cerceamento de defesa. Como destinatário da prova, pode o juiz indeferir a que julgar desnecessária ao deslinde da controvérsia, a teor do art. 130 do Código de Processo Civil. Recusa da locadora em receber as chaves sem a realização de vistoria, a pretexto da necessidade de reparos no imóvel para repô-lo no estado em que se encontrava ao tempo da celebração do contrato. Impossibilidade. Prorrogado o contrato de locação por prazo indeterminado, o locatário tem o poder (direito potestativo) de resili-lo a qualquer tempo, mediante declaração de vontade enviada por escrito ao locador, com aviso prévio de 30 dias (art. 6º, caput, da Lei nº 8.245/91), não sendo lícito ao senhorio, com base na alegação de inadimplemento contratual, opor-se à entrega do imóvel e a consequente extinção do contrato. Recusa injusta da locadora que impõe a procedência da demanda consignatória. Precedentes do c. STJ e deste e. Tribunal de Justiça. Recurso não provido” (TJSP, Apelação 0155118-14.2010.8.26.0100, 33ª Câmara de Direito Privado, Des. Rel. Mourão Neto, j. 10.02.2014, DJe 14.02.2014).
[32] ALVIM, A. Da inexecução das obrigações e suas consequências, op. cit., p. 73.
[33] Prescreve o art. 400 do CC que a mora do credor (i) subtrai o devedor isento de dolo à responsabilidade pela conservação da coisa, (ii) obriga o credor a ressarcir as despesas empregadas em conservá-la e (iii) sujeita-o a recebê-la pela estimação mais favorável ao devedor, se o seu valor oscilar entre o dia estabelecido para o pagamento e o da sua efetivação.
[34] MARTINS-COSTA, J. Comentários ao novo Código Civil, op. cit., p. 420.
[35] LÔBO, P. L. N. Direito civil: obrigações. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 228.
[36] Eis o teor do art. 1º do Decreto-Lei nº 3.077/1941: “Quaisquer importâncias em dinheiro, cujo levantamento ou utilização depender de autorização judicial, serão obrigatoriamente recolhidas ao Banco do Brasil S.A., às Caixas Econômicas Federais, ou Estaduais, ao Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico, ou a Banco de que os Estados-membros da União possuam mais da metade do capital social integralizado”. Diante dessa redação e pela possibilidade de o credor não levantar a quantia depositada extrajudicialmente, há julgados que entendem que apenas bancos oficiais poderiam receber os valores em questão para depósito extrajudicial. Essa não é nossa compreensão, pois nada impede que bancos particulares também possam receber.
[37] Geralmente se considera a comarca do local do pagamento: se no município não há banco, mas no vizinho há, desde que pertençam a mesma comarca, o depósito pode ser realizado aí.
[38] MARTINS-COSTA, J. Comentários ao novo Código Civil, op. cit., p. 451.
[39] Consoante redação do art. 342 do CC, se a escolha da coisa indeterminada competir ao credor, será ele citado para esse fim, sob pena de perder o direito e de ser depositada a coisa que o devedor escolher; feita a escolha pelo devedor, proceder-se-á como no artigo antecedente.
[40] STJ, REsp 1.194.264/PR, 4ª T., Rel. Min. Luís Felipe Salomão, j. 0.03.2011, DJe 04.03.2011.
[41] Art. 1.211: “Cose deperibili o di dispendiosa custodia – Se le cose non possono essere conservate o sono deteriorabili, oppure se le spese della loro custodia sono eccessive, il debitore, dopo l’offerta reale o l’intimazione di ritirarle, può farsi autorizzare dal pretore a venderle nei modi stabiliti per le cose pignorate e a depositarne il prezzo. (2797; Cod. Proc. Civ. 529 e seguenti)”.
[42] “O credor não está obrigado a receber coisa diversa do que convencionou, ainda que mais valiosa.”
[43] CC, art. 234: “Se, no caso do artigo antecedente, a coisa se perder, sem culpa do devedor, antes da tradição, ou pendente a condição suspensiva, fica resolvida a obrigação para ambas as partes; se a perda resultar de culpa do devedor, responderá este pelo equivalente e mais perdas e danos”.
[44] CPC, art. 546: “Julgado procedente o pedido, declarará extinta a obrigação e condenará o réu nas custas e honorários advocatícios”.
[45] Segundo o art. 399 do Código Civil, o devedor em mora responde pela impossibilidade da prestação, embora essa impossibilidade resulte de caso fortuito ou de força maior, se estes ocorrerem durante o atraso; salvo se provar isenção de culpa, ou que o dano sobreviria ainda quando a obrigação fosse oportunamente desempenhada.
[46] TEPEDINO, G.; BARBOZA, H.; BODIN, M. C. Código Civil interpretado segundo a Constituição Federal. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 631.
[47] Nos termos do parágrafo único do art. 897 do CPC, “não oferecida a contestação, e ocorrentes os efeitos da revelia, o juiz julgará procedente o pedido, declarará extinta a obrigação e condenará o réu nas custas e honorários advocatícios”.
[48] Nessa linha: “AÇÃO DE CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO. DISCUSSÃO DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS. IMPOSSIBILIDADE. VIA ELEITA INADEQUADA. RECURSO DESPROVIDO. A ação de consignação em pagamento, como procedimento especial, somente se presta ao pagamento de uma dívida líquida e certa. Se o devedor pleiteia o depósito do montante que entende devido, deve ser o pedido indeferido, uma vez que não se pode apurar a correção deste valor, constituindo requisito da consignação em pagamento a entrega do importe exigido pelo credor” (TJMG, Apelação Cível 1.0210.11.000993-8/001, Des. Antônio de Pádua, j. 06.09.2012). Em sentido contrário: “APELAÇÃO CÍVEL. REVISÃO CONTRATUAL. RITO ORDINÁRIO. CUMULAÇÃO COM AÇÃO DE CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO. RITO ESPECIAL. POSSIBILIDADE. SENTENÇA CASSADA. É perfeitamente possível o ajuizamento de ação revisional de contrato cumulada com pedido de consignação em pagamento, no caso, o depósito das parcelas tidas como incontroversas, com base no art. 292 do CPC, que prevê a possibilidade de cumulação de pedidos processados em rito obrigatoriamente ordinário” (TJMG, Apelação Cível 1.0024.11.218123-5/001, Desª Mariângela Meyer, j. 04.09.2012); e “Ação revisional c/c consignação em pagamento. Contrato de financiamento. Cumulação de pedidos. Possibilidade. Sentença anulada. Remessa dos autos à Vara de origem para regular prosseguimento. Recurso provido” (TJSP, Apelação 0021964-16.2012.8.26.0071, 6ª Câmara Extraordinária de Direito Privado, Rel. Thiago de Siqueira, j. 24.07.2014, DJe 31.07.2014).
[49] LOTUFO, R. Código Civil comentado. São Paulo: Saraiva, 2003. v. 2. p. 276.
[50] A Resolução Normativa nº 63, de 22 de dezembro de 2003, estabelece em seu art. 3º: “Art. 3º Os percentuais de variação em cada mudança de faixa etária deverão ser fixados pela operadora, observadas as seguintes condições: I – o valor fixado para a última faixa etária não poderá ser superior a seis vezes o valor da primeira faixa etária; II – a variação acumulada entre a sétima e a décima faixas não poderá ser superior à variação acumulada entre a primeira e a sétima faixas; III – as variações por mudança de faixa etária não podem apresentar percentuais negativos”.
[51] Nessa toada: “PLANO DE SAÚDE. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE REAJUSTE C/C CONSINAÇÃO EM PAGAMENTO E PEDIDO DE DEVOLUÇÃO DE VALORES. Procedência. Reajuste decorrente de alteração de faixa etária da autora, titular do plano (92,82{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6}). Abusividade. Embora exista previsão contratual para reajuste por mudança de faixa etária, o aumento praticado é abusivo e coloca a consumidora em verdadeira situação de desvantagem. Inteligência da Súmula nº 91 deste e. Tribunal de Justiça (ainda que a avença tenha sido firmada antes da sua vigência, é descabido, nos termos do disposto no art. 15, § 3º, do Estatuto do Idoso, o reajuste da mensalidade de plano de saúde por mudança de faixa etária). Correto o afastamento do reajuste praticado pela ré e a devolução de valores pagos a maior a esse título, mas não em dobro (tal qual determinado pelo juízo de primeiro grau). Precedentes. Sentença mantida. Recurso improvido” (TJSP, Apelação 1068088-79.2014.8.26.0100, 8ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Salles Rossi, j. 21.01.2015, DJe 23.01. 2015).
[52] STJ, REsp 645.756/RJ, 4ª T., Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, j. 07.12.2010, DJe 14.12.2010.
[53] Nos termos do art. 292, § 2º, do CPC, “quando, para cada pedido, corresponder tipo diverso de procedimento, admitir-se-á a cumulação, se o autor empregar o procedimento ordinário”.
[54] STJ, REsp 616.357/PE, 3ª T., Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, j. 07.06.05, DJ 22.08.05.
[55] Nessa toada, eis a seguinte ementa: “PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO. DEPÓSITOS INSUFICIENTES. QUITAÇÃO PARCIAL DA OBRIGAÇÃO. ÔNUS SUCUMBENCIAIS. Na ação de consignação em pagamento, a insuficiência do depósito não conduz à improcedência do pedido, mas, sim, à extinção parcial da obrigação, até o montante da importância consignada. Na hipótese de procedência parcial dos pedidos, os ônus desucumbência devem ser suportados por ambas as partes.- Agravo não provido” (STJ, AgRg nos EDcl no REsp 1.223.520/MS, 3ª T., Relª Minª Nancy Andrighi, j. 09.10.2012, DJ 15.10.2012).
[56] A sucumbência, por seu turno, será suportada por ambas as partes (STJ, AgRg nos EDcl no REsp 1.223.520/MS, 3ª T., Relª Minª Nancy Andrighi, j. 09.10.2012, DJ 15.10.2012).
[57] STJ, REsp 912.697/RO, 4ª T., Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, j. 07.10.2010, DJ 25.10.2010
[58] Eis exemplo: “PLANO DE SAÚDE COLETIVO. Reajuste em 400{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6}, sob o argumento de aumento da sinistralidade. Inadmissibilidade. Ausência de demonstração pela operadora da adequação de tão exorbitante percentual à realidade fática do grupo atendido. Violação do dever de informação, bem como dos princípios da boa-fé e da transparência, por parte da operadora. Autorizado somente reajuste legal determinado pela ANS. Precedentes da Corte. Honorários advocatícios, porém, arbitrados equivocadamente em quantia fixa e, cumulativamente, em percentual da condenação. Irrazoabilidade de tal cumulação. Sentença reformada nesse ponto. Apelo provido em parte” (TJSP, Apelação 1072205-50.2013.8.26.0100, 6ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Percival Nogueira, j. 21.07.2014, DJe 29.07.2014).
[59] Eis exemplo: “APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA. ENSINO SUPERIOR. MENSALIDADES EM ATRASO. REAJUSTE. CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO. MATRÍCULA. SITUAÇÃO FÁTICA CONSOLIDADA. 1. Tendo sido garantido, por sentença, o direito dos impetrantes de se matricularem, assistirem às aulas, participarem de trabalhos e provas, enfim, de praticarem todos os atos acadêmicos, sem quaisquer constrangimentos oriundos da discussão judicial acerca do valor devido a título de mensalidades escolares, operou-se na espécie situação fática consolidada pelo transcurso de tempo, que, uma vez assegurada por decisão judicial, tornou-se irreversível. 2. Estando sub judice a questão do valor das mensalidades em atraso, tendo em vista o ajuizamento de ação de consignação em pagamento pelos alunos para discussão do seu reajuste, não é lícito ao estabelecimento de ensino proibir, sob esse argumento, a renovação de matrícula e a prática das atividades escolares. 3. Apelação e remessa oficial a que se nega provimento” (TRF da 3ª Região, AMS 21789/SP, 91.03.021789-2, 6ª T., Rel. Des. Lazarano Neto, j. 20.04.05, DJ 06.05.05).
[60] Nos termos do Enunciado nº 380 da Súmula do STJ, “a simples propositura da ação de revisão de contrato não inibe a caracterização da mora do autor”.
[61] STJ, REsp 1.061.530/RS, Relª Minª Nancy Andrighi, j. 22.10.08, DJ 10.03.09.
[62] Ao menos até o momento da elaboração do presente artigo. Eis dois precedentes neste sentido: “AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO BANCÁRIO. PEDIDO LIMINAR DE CANCELAMENTO DE INSCRIÇÕES EM CADASTROS DE INADIMPLENTES, CANCELAMENTO DE DESCONTO EM CONTA-CORRENTE E CONSIGNAÇÃO DA PARCELA INCONTROVERSA. HIPÓTESE QUE NÃO AUTORIZA A ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA, POIS NÃO PREENCHIDOS OS REQUISITOS EXIGIDOS PELO C. STJ. AGRAVO DE INSTRUMENTO AO QUAL SE NEGA SEGUIMENTO, EM DECISÃO MONOCRÁTICA” (TJRS, AI 70060569589, 19ª Câmara Cível, Relª Desª Mylene Maria Michel, j. 28.07.2014, DJe 05.08.2014); “Agravo de instrumento. Contrato de financiamento de veículo. Tutela antecipada. Autorização para depósito do valor incontroverso. Ajuste de posicionamento em razão do advento da Lei nº 12.810, de 15.05.2013, que acrescentou o art. 285-B ao Código de Processo Civil. Pretensão que não elide a mora. Manutenção da parte agravante na posse do bem. Inadmissibilidade. Fundamentos jurídicos insustentáveis. Regularidade diante de inadimplência. Inscrição de seus dados em órgãos de proteção ao crédito. Possibilidade, já que a maior parte da dívida não estará salvaguardada. Valor a ser depositado é muito aquém do valor das parcelas contratadas (…)” (TJSP, AI 2115207-28.2014.8.26.0000, 21ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Silveira Paulilo, j. 04.08.2014, DJe 29.08. 2014).
[63] Ainda não se pode prever a extensão das consequências dessa medida. Em alguns casos, o credor (réu) poderá dificultar o pagamento parcial, como a demora na emissão de boletos bancários com a indicação apenas dos valores incontroversos. Neste caso, o juiz deve possibilitar ao autor (réu) o depósito do valor em juízo, mesmo sendo a parcela incontroversa. A questão deve ser analisada caso a caso.
[64] Mesmo assim, há exceções que devem ser tomadas em conta, visto que existem decisões que afirmam que só a partir do amplo contraditório é possível o deferimento, não sendo possível a apreciação a partir de cálculo ou parecer técnico unilateral: “Revisão contratual de financiamento de veículo automotor. Tutela antecipada. Agravo de instrumento. Inadmissibilidade. Ausência dos requisitos do art. 273 do Código de Processo Civil. Recurso não provido. (…) Ademais, o depósito judicial das prestações no modo pretendido não tem o condão de elidir a mora, tampouco livrar o agravante dos efeitos decorrentes de eventual inadimplência. Somente o pagamento do contrato na forma avençada, por ora, pode elidir a mora, o que não se tem, aqui, como cumprido” (TJSP, AI 0143840-54.2012.8.26.0000, 11ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Marino Neto, j. 30.08.2012, DJ 05.12.2012).