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DEFESA DO RESPONSÁVEL SEM APURAÇÃO ADMINISTRATIVA E O REPETITIVO DO STJ

DEFESA DO RESPONSÁVEL SEM APURAÇÃO ADMINISTRATIVA E O REPETITIVO DO STJ

Débora Maria Teixeira Augusto Lima

Camila Campos Vergueiro

 

Após o difundido julgamento do Recurso Especial Repetitivo nº 1.110.925/SP, que tratou da defesa de sócio presente no polo passivo da execução fiscal movida contra a empresa, vem sendo repetido o discurso no sentido da impossibilidade de apresentação de exceção de pré-executividade pelo sócio incluído inicialmente no polo passivo da execução fiscal na específica hipótese em que ele figura na certidão de dívida ativa. Como se a reiteração de um discurso pudesse transformar a realidade ou legitimar decisões judiciais.

Manifestação desse quilate, todavia, em nosso sentir, parece pretender reduzir a um exclusivo cenário as diversas impropriedades que podem ser materializadas no ajuizamento das execuções fiscais, manejadas seja pela União, pelos 27 estados da federação ou pelos 5.570 municípios da federação.

Cada ente, ante as peculiaridades de sua legislação, pode vir a cometer diversificadas irregularidades. Ante o objeto temático do presente artigo, destacamos a prática indevida de incluir o sócio na execução fiscal exclusivamente por figurar no contrato social da empresa.

Difundindo-se referido discurso, ignora-se o escorreito procedimento a ser adotado na “aplicação” dos precedentes vinculantes.

Isto porque, a submissão de um caso a um entendimento julgado sobre essa sistemática, não pode se pautar unicamente pela análise das ementas ou dos resumos formatados sobre a denominação de temas. Pelo contrário, deve-se aplicá-las ao caso concreto mediante um cotejo analítico entre os casos e os fundamentos invocados para identificar se coincidem, ou seja, deve-se realizar o apllying.

Não temos dúvida de que essa sistemática de julgamento erigida no que ficou conhecido como microssistema de precedentes vinculantes busca efetivar valores como o da segurança jurídica, conferindo substancialmente tratamento igualitário entre os jurisdicionados que se encontrem em situações semelhantes, como aduz Diego Diniz Ribeiro.

No âmbito dos executivos fiscais, a exceção de pré-executividade é meio de defesa com respaldo legal no artigo 3º, parágrafo único, da lei federal 6.830/1980, utilizado pelo sujeito passivo que pretende o reexame da imposição tributária sobre si supondo a existência de prova de plano do direito alegado.

No precedente trazido como problemática, o ministro Teori Albino Zavascki entendeu que, se houver necessidade de dilação de provas — chamado por ele de “segundo requisito” — não caberia o questionamento da responsabilidade tributária do sócio pela via da exceção de pré-executividade.

A questão que se põe é: nas hipóteses em que o sócio consta na certidão de dívida ativa e sua ilegitimidade são identificados por meio de prova pré-constituída, sem necessidade de etapa para instrução probatória?

Entende Rodrigo Dalla Pria que o julgamento enunciado no Recurso Especial 1.110.925/SP julgado sob a sistemática do repetitivo trouxe uma “infeliz generalização” para se justificar a negativa de cabimento da exceção de pré-executividade, justamente porque, embora em muitos casos haja realmente necessidade de produção de provas, em outro isso não se confirma.

Tome-se como exemplo o caso de sócio que, muito embora conste na certidão de dívida ativa, não participou do processo administrativo para aferição de sua responsabilidade. Hipótese em que, não se tem dúvida em afirmar, a simples juntada de sua cópia é suficiente para produção da prova de sua irresponsabilidade, afastando-se da zona de aplicabilidade do referido julgado do Superior Tribunal de Justiça.

Pragmaticamente o que se vem constatando é a prolação de decisões de primeiro grau que, sumariamente, rejeitam a exceção de pré-executividade ao verificar que o sócio excipiente consta na certidão de dívida ativa, sem minimamente confrontar o caso em julgamento com aquele julgado pelo Superior Tribunal de Justiça, isto é, sem justificar o porquê da convocação do precedente vinculante. Fundamentação essa necessária, tanto para adotá-lo, quanto para afastá-lo, conforme estabelece o inciso V do § 1º do artigo 489 do Código de Processo Civil/2015.

Essa prática forense (indesejável, diga-se de passagem) de pura aplicação das ementas compreende o mesmo que utilização de frases descontextualizadas, como bem equipara Mantovanni Colares, como se fosse uma “frase sem texto”, advertindo ainda que é preciso “evitar que as ementas circulem fora do texto do qual fazem parte em sua origem, qual seja, o voto condutor do julgamento“.

A análise do preenchimento ou não do requisito definido na ratio decidendi do julgado do Superior Tribunal de Justiça é medida que se impõe ao judiciário ao julgar casos em que o sócio esteja como responsável na certidão de dívida ativa, pois com essa omissão, aquele que injustamente está sofrendo os ônus da exigência fica desassistido pelo poder judiciário.

A limitação ao conhecimento da exceção de pré-executividade imposta de maneira indiscriminada por força da restrita leitura da ementa do julgado perpetua dupla ilegalidade ao sócio que se vê inserido numa certidão de dívida ativa (1) por não ter lhe sido oportunizado contraditório administrativo prévio somado (2) à restrição do exercício do direito de defesa sem ônus, já que está sendo direcionado a apresentar os embargos à execução fiscal depois de garantir a execução.

A inclusão do sócio como responsável na certidão de dívida ativa deve supor regular processo administrativo tributário, no qual seja assegurada a ampla defesa, como bem já reconhecia o Supremo Tribunal Federal na voz do ministro Joaquim Barbosa:

Os princípios do contraditório e da ampla defesa aplicam-se plenamente à constituição do crédito tributário em detrimento de qualquer categoria de sujeito passivo, irrelevante sua nomenclatura legal (contribuintes, responsáveis, substitutos, devedores solidários etc.)

Ora, o que leva à responsabilização do sócio por débito tributário da sociedade são circunstâncias que devem ser relatadas e enunciadas em linguagem competente para oportunizar o exercício do seu direito de defesa, sem a qual a inscrição em dívida ativa consagrar-se-á nula por malferimento do devido processo legal.

Por isso, como afirmado, em situação desse quilate a cópia do processo administrativo materializa-se sim como prova pré-constituída eficiente para demonstrar não ter havido o contraditório e a ampla defesa e, assim, afastar a presunção de validade da certidão de dívida ativa no que toca especificamente ao sócio responsabilizado, pois lhe falta requisito essencial à constituição da responsabilidade ensejadora do crédito do fisco.

E qual o instrumento cabível nessa hipótese? Não temos dúvida em responder que é a exceção de pré-executividade. Afinal, nas palavras do ministro relator:

Realmente, a exceção de pré-executividade é cabível quando atendidos simultaneamente dois requisitos, um de ordem material e outro de ordem formal, ou seja: (a) é indispensável que a matéria invocada seja suscetível de conhecimento de ofício pelo juiz; e (b) é indispensável que a decisão possa ser tomada sem necessidade de dilação probatória.”

O que nos faz crer, portanto, que, em não havendo atividade probatória, legitimado está o seu cabimento e a necessidade de análise de seu mérito.