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A DECISÃO QUE INDEFERE PEDIDO DE PRODUÇÃO DE PROVA E SUA RECORRIBILIDADE

A DECISÃO QUE INDEFERE PEDIDO DE PRODUÇÃO DE PROVA E SUA RECORRIBILIDADE

Eduardo Cambi

Anderson Rafael Delattre Abe

SUMÁRIO: Introdução – 1. O agravo de instrumento no CPC/2015 e as hipóteses relacionadas ao indeferimento de pedido de produção de prova – 2. A interpretação extensiva do art. 1.015 do CPC/2015 – 3. O problema causado no sistema de preclusão pelo emprego de interpretação extensiva ou da analogia – 4. Fundamentos da impossibilidade de cabimento de agravo de instrumento contra a decisão que indefere pedido de produção de prova – 5. Alternativas processuais ao indeferimento do pedido de produção de prova no processo de conhecimento: 5.1. Mandado de segurança contra o ato do juiz que indefere pedido de produção de prova no processo de conhecimento; 5.2. Ação probatória autônoma; 5.3. Ação probatória incidental (produção antecipada de provas incidental); 5.4. Recorribilidade da decisão que indefere pedido de produção de prova deduzido em juízo mediante ação probatória; 5.5. Cumulação de pedidos com o direito autônomo à produção de prova – Conclusão – Referências.

INTRODUÇÃO

O Código de Processo Civil de 2015 modificou o sistema de recorribilidade de decisões interlocutórias, as quais agora podem ser divididas nas que podem ser impugnadas por agravo de instrumento e nas que devem ser impugnadas em preliminares de apelação. As hipóteses de cabimento do agravo de instrumento passaram a ser previstas taxativamente no art. 1.015 do CPC/2015.

A decisão que indefere pedido de produção de prova, que há muito era passível de ser impugnada por agravo de instrumento, deixou de ser assim, por ausência de previsão expressa.

A necessidade de abordar esse assunto decorre das contundentes críticas doutrinárias à questionável opção do legislador em retirar da ordem jurídica processual a previsão de agravo de instrumento na hipótese do indeferimento do pedido de produção de prova.

Com isso, abre-se a possibilidade de se cogitar se há margem para interpretação extensiva que conclua pela ampliação da possibilidade de agravar de instrumento da decisão que indefere pedido de produção de prova.

Além disso, o tema é importante, porque versa sobre um aspecto sensível para a prática processual, isto é, a preclusão. Assim, admitida a recorribilidade por interpretação extensiva, caso a parte não recorra, não poderá impugnar a decisão interlocutória em preliminar de apelação, por seu direito estar precluso.

O presente trabalho tem por finalidade apresentar como a sistemática atual do Código de Processo Civil lida com a decisão que indefere pedido de produção de prova.

Para alcançar o desiderato científico proposto, faz-se uso da revisão bibliográfica de textos científicos e jurisprudenciais em contraposição aos pressupostos ao acesso à justiça, particularmente, ao direito autônomo de produção de provas.

O objetivo geral da presente pesquisa é analisar a atual disciplina do agravo de instrumento e, assim, verificar as inconsistências e eventuais prejuízos decorrentes da escolha legislativa feita no sentido de não prever recorribilidade imediata da decisão que indefere pedido de produção de provas.

Com efeito, questiona-se a abrangência da interpretação extensiva sobre o art. 1.015 do CPC/2015, o impacto no sistema de preclusões, as alternativas dos jurisdicionados para evitar o cerceamento de defesa e apontar eventuais inconsistências na escolha legislativa em não conferir maior amplitude ao agravo de instrumento contra decisão que indefere pedido de produção de prova.

1 O AGRAVO DE INSTRUMENTO NO CPC/2015 E AS HIPÓTESES RELACIONADAS AO INDEFERIMENTO DE PEDIDO DE PRODUÇÃO DE PROVA

Houve uma substancial alteração do regime da recorribilidade de decisões interlocutórias com a vigência do Código de Processo Civil de 2015, porque se extinguiu o agravo na modalidade retida e tornaram-se típicas as hipóteses de recorribilidade no procedimento de conhecimento (art. 1.015, inc. I a XIII, CPC).

O regime de agravo de instrumento cabe, também, nas situações previstas no parágrafo único do art. 1.015 do CPC/2015, que são: liquidação de sentença, cumprimento de sentença, processo de execução e processo de inventário. Nesses casos, pode-se dizer não ter havido mudanças sensíveis.

Interessa ao presente trabalho, destarte, analisar as repercussões previstas nos incisos II, VI e XI do art. 1.015 do CPC/2015.

O inciso II trata da hipótese de agravo de instrumento contra decisões interlocutórias que versarem sobre o mérito do processo. Esse inciso permite concluir que o Código de Processo Civil reconhece expressamente a possibilidade de decisão interlocutória que trate de questão de mérito, pois lhe designa recurso próprio. Portanto, não há mais dúvida que o direito material deduzido em juízo e decidido incidentalmente se submete a recurso de agravo de instrumento.

O inciso VI versa sobre a hipótese de agravo de instrumento contra decisões que versem sobre exibição ou posse de documento ou coisa. Trata-se de ação incidental que tem por objeto tutelar direito à prova. Diante disso, coloca-se uma primeira incoerência na atual sistemática da recorribilidade: qual a razão de permitir agravo de instrumento quando o meio de prova é a exibição ou posse de documento ou coisa e vedar nos demais casos?

O inciso XI disciplina, por sua vez, o agravo e instrumento contra decisões que redistribuam o ônus da prova nos termos do art. 373, § 1º, CPC.

2 A INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA DO ART. 1.015 DO CPC/2015           

Há doutrinadores que pretendem interpretar o novo regime do agravo de instrumento e suas previsões típicas de cabimento a partir das soluções apresentadas pela Teoria Geral do Direito para casos similares em outros ramos da ciência jurídica.

Assim, Cunha e Didier Jr. (2015) consideram que algumas experiências jurídicas legitimam a interpretação extensiva do rol das hipóteses agraváveis de instrumento. Exemplificam com o exercício hermenêutico que levou a interpretar extensivamente a lista de doenças que autorizam o levantamento do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) e, mais próximo do direito processual, o que permite interpretação extensiva das hipóteses de cabimento do recurso em sentido estrito no processo penal.

Diante disso, a taxatividade das hipóteses de agravo de instrumento cabível não prejudicaria a possibilidade de emprego da técnica de interpretar extensivamente o texto de lei.

Karl Larenz (2014, p. 500-501), ao dissertar sobre interpretação estrita (limitativa ou restritiva) e extensiva (em sentido lato ou amplo), conclui que o significado estrito é encontrado a partir da identificação do âmbito nuclear que “é intencionado em primeiro lugar ao usar” o termo; e significado amplo é aquele que compreende fenômenos da franja marginal. A transcendência dessa franja marginal não seria interpretação, mas a analogia.

Enquanto os eminentes processualistas, amparados pela doutrina nacional e italiana, consideram que a interpretação extensiva é forma de interpretação corretiva que sucede à literal; o autor alemão considera que a interpretação extensiva encontra-se dentro dos limites do sentido literal do texto. Tal entendimento é o que se obtém no seu exemplo de interpretação da palavra “filho”:

Uma interpretação que tivesse incluído os enteados, os filhos adoptivos e, eventualmente mesmo, os genros e noras, seria, em contrapartida, uma interpretação ampla. Incluir também os netos transcenderia os limites do sentido literal possível; aqui seria só uma questão de analogia. (LARENZ, 2014, p. 501) (grifo nosso).

Porém, ainda na leitura de Larenz (2014), a conclusão não é pela terminante vedação à analogia (como fazem Cunha e Didier Jr., 2015). O texto (ainda que veiculador de disposição excepcional) não deve ser interpretado restritivamente, com exclusão da analogia em todos os casos. Quando as ideias que geraram a restrição pelo legislador se dirigirem a um grupo determinado, a interpretação deve incluir todas as situações pensadas – em respeito ao princípio da igualdade.

Seja pela interpretação extensiva, seja pelo emprego de analogia, o fato é que o STJ já admitiu o cabimento do agravo de instrumento contra decisão que reconhece a incompetência, apesar de não haver previsão no art. 1.015 do CPC/2015, concluindo que o rol de recorribilidade do agravo de instrumento não é taxativo.([1])

Como há uma multiplicidade de recursos com fundamento no alcance do art. 1.015 do CPC/2015, e presentes os demais requisitos do art. 1.036, caput e § 6º, do CPC/15 e 257-A, § 1º, do Regimento Interno do STJ, a Corte Especial deste Tribunal afetou o Recurso Especial 1.704.520-MT, em 20 de fevereiro de 2018, para que se possa definir se a natureza do rol do art. 1.015 do CPC/2015 comporta interpretação extensiva, isto é, se é admissível a interposição de agravo de instrumento contra decisão interlocutória que verse sobre hipóteses não expressamente versadas nos incisos do referido dispositivo do novo CPC. Entretanto, a Corte Especial do STJ decidiu por não suspender o trâmite dos processos que discutem questão idêntica em todo o país, como normalmente acontece com os recursos repetitivos, por concluírem que o agravo de instrumento contra decisão interlocutória pressupõe busca por soluções urgentes, dependendo da análise de cada caso concreto.

3 O PROBLEMA CAUSADO NO SISTEMA DE PRECLUSÃO PELO EMPREGO DE INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA OU DA ANALOGIA

A preclusão é conceituada (DIDIER JR., 2016) como a perda de situação jurídica ativa processual pelos sujeitos que atuam no processo (partes ou magistrado).

Relaciona-se com o tema a interpretação extensiva do rol do agravo de instrumento, pois a hipótese agravável de instrumento interpretada além do sentido literal pelo tribunal torna preclusa a situação jurídica ensejadora da faculdade de recorrer.

Diante da nova sistemática da recorribilidade das decisões interlocutórias adotada no art. 1.015 do CPC/2015, caso seja proferida decisão sujeita a agravo de instrumento e a parte não recorra, a questão decidida se submete à preclusão. A situação jurídica ativa processual que permitia à parte recorrer deixa de ser passível de exercício pelo decurso do prazo do agravo de instrumento.

Os recursos lógicos utilizados na elaboração das interpretações extensivas e da analogia não são tão rígidos e não há parâmetro legal, doutrinário ou jurisprudencial seguro para se observar em sua utilização. Diante disso, caso um tribunal considere que determinada hipótese foge à interpretação literal (ou foge ao âmbito nuclear) do art. 1.015, CPC, e o advogado considere ser matéria para recorrer em preliminares de apelação, poderão ocorrer danos injustos à parte decorrentes de insegurança jurídica.

Essa situação foi notada por Mello et al. (2016):

Quando são ampliadas as hipóteses de recorribilidade para situações não antecipadas pelo legislador, há um importante efeito colateral para o qual ainda não se deu a devida atenção: também podem ser criadas novas hipóteses de preclusão imediata, não imaginadas pelos advogados e demais profissionais do direito. (grifo do original).

Diante disso, considerando que a segurança jurídica é valor fundamental, tanto quanto a duração razoável do processo, é de se questionar a constitucionalidade de uma interpretação que possa ser tão danosa aos jurisdicionados.

4 FUNDAMENTOS DA IMPOSSIBILIDADE DE CABIMENTO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO CONTRA A DECISÃO QUE INDEFERE PEDIDO DE PRODUÇÃO DE PROVA

Se há dúvidas quanto à possibilidade de emprego da interpretação extensiva na nova sistemática do agravo de instrumento, especificamente no que tange à hipótese de decisão que indefere pedido de produção de provas, forma-se uma jurisprudência contrária ao cabimento desse recurso para tal hipótese.([2])

Em primeiro lugar, a aplicação de interpretação extensiva ou analogia partem do pressuposto de que a hermenêutica completará o sentido do texto para fazer abranger todos os casos que originalmente deveriam ser afetados pela lei.

Apesar do conteúdo da norma não decorrer inteiramente da busca do sentido atribuído pelo elaborador do texto legal,([3]) é possível verificar que o processo legislativo que culminou no CPC/2015 passou pelo debate da possibilidade ou não de cabimento de agravado de instrumento contra a decisão que indefere o pedido de produção de prova.

Além do que se evidencia no texto final, que elege o indeferimento de um meio de prova como agravável de instrumento (a exibição de documento ou coisa), o Substitutivo da Câmara dos Deputados ao Projeto de Lei nº 8.046-A de 2010 do Senado Federal (BRASIL, 2017) mostra que o indeferimento da prova pericial passou pelo crivo do legislador.

Em segundo lugar, inexiste inciso no art. 1.015 do CPC/2015 capaz de ensejar legítima interpretação da possibilidade de agravar de instrumento qualquer decisão que venha a indeferir pedido de produção de prova. As duas hipóteses que poderiam gerar algumas elucubrações seriam a exibição de documento ou coisa e a redistribuição do ônus da prova.

A previsão da exibição de documento ou coisa não se apresenta idônea para ensejar generalização por metonímia, já que não são identificados outros meios de prova. Não seria lícito tomar o gênero pela espécie sem demonstrar como o princípio da igualdade é preservado.

Já o caso da decisão que redistribui o ônus da prova é regra de decisão que importa às partes na medida em que “indica qual das partes deverá suportar as consequências negativas eventualmente advindas da ausência, ao cabo, da atividade instrutória, de um determinado elemento de prova” (DIDIER JR.; BRAGA; OLIVEIRA, 2016, p. 111). Assim, a hipótese do art. 1.015, inc. XI, do CPC não importa decisão que versa sobre o conteúdo das provas a serem produzidas, mas apenas a quem deve recair o ônus da prova.

5 ALTERNATIVAS PROCESSUAIS AO INDEFERIMENTO DO PEDIDO DE PRODUÇÃO DE PROVA NO PROCESSO DE CONHECIMENTO           

As restrições à recorribilidade imediata ao indeferimento do pedido de produção da maioria das provas abrem alternativas processuais para combater tal decisão. Isso se dá, em especial, quando o meio de prova está sob risco de perecimento:

Podemos imaginar hipótese em que a prova pericial deve ser produzida imediatamente, sob pena de perecimento, como no caso de um edifício incendiado prestes a ruir. Podemos, ainda, imaginar hipótese em que a oitiva da testemunha faz-se urgente, como no caso de vítima de doença terminal, ou até mesmo hipótese em que se faça necessária a acareação das testemunhas. (MELLO et al., 2016, n. p.).

Nessas situações, pode-se admitir o ajuizamento de mandado de segurança ou de ação de produção antecipada de provas.

5.1. Mandado de segurança contra o ato do juiz que indefere pedido de produção de prova no processo de conhecimento

O mandado de segurança, que é ação constitucionalmente prevista para combater violação ou ameaça de lesão a direito líquido e certo, pode ser apontado como meio idôneo para combater ato judicial em situações excepcionais. Por isso, cogita-se da possibilidade de seu manejo para atacar a decisão interlocutória não agravável de instrumento.

O cabimento do mandado de segurança, no caso, deve superar a vedação sua concessão contra decisões judiciais recorríveis. Assim, poder-se-ia cogitar se a recorribilidade em preliminares de apelação seria bastante para afastar o cabimento da ação constitucional:

O mandado de segurança impetrável em face de decisões interlocutórias não agraváveis exige, como condição de admissibilidade, a inexistência de recurso em face da decisão que se pretende impugnar, vale dizer, cabe mandado de segurança de decisão judicial desde que não exista qualquer recurso cabível em face desta decisão.

E aqui bate o ponto: as decisões interlocutórias não arroladas no art. 1.015 não são, tecnicamente, irrecorríveis, pois delas cabe, a rigor, a impugnação recursal veiculável em futura apelação ou contrarrazões respectivas! Em tempos de reconhecido defensivismo jurisprudencial, não nos afigura impossível que mesmo o mandado de segurança em face de interlocutórias não agraváveis seja tornado inviável em virtude de serem tais decisões recorríveis por meio de apelação ou contrarrazões. (MELLO et al., 2016, n. p.).

Ocorre que a restrição não incide diante da mera recorribilidade, mas de recorribilidade qualificada, conforme se verifica no art. 5º, II, da Lei 12.016/2009:

Art. 5º Não se concederá mandado de segurança quando se tratar:          

[…]      

II – de decisão judicial da qual caiba recurso com efeito suspensivo.

Percebe-se que a vedação não diz respeito apenas à decisão irrecorrível. Trata-se de vedação à concessão da segurança contra decisão judicial para a qual não caiba recurso com efeito suspensivo. A apelação, embora tenha efeito suspensivo automático em regra (art. 1.012, § 1º, CPC/2015), é diferida em relação à decisão interlocutória, o que faz com que a eficiência da apelação em relação à decisão seja prejudicada.

Por isso, pode-se afirmar o cabimento do mandado de segurança contra decisão interlocutória não agravável de instrumento, conforme se verifica no seguinte excerto:

O disposto no art. 5º, II, da Lei 12.016/2009 deve ser lido da seguinte forma: não cabe mandado de segurança contra ato judicial passível de recurso que possa conferir, adequadamente e com eficiência, solução à pretensão recursal. Se, concretamente, o recurso é insuficiente para atender ao pedido do recorrente, abre-se a via do mandado de segurança. (CUNHA, 2016, p. 557) (grifo do original).

Wambier et al. (2015) também corroboram a possibilidade de impetrar mandado de segurança no caso:

Esta opção do legislador de 2015 vai, certamente, abrir novamente espaço para o uso do mandado de segurança contra atos do juiz. A utilização desta ação para impugnar atos do juiz, no ordenamento jurídico ainda em vigor, tornou-se muito rara. Mas, à luz do novo sistema recursal, haverá hipóteses não sujeitas a agravo de instrumento, que não podem aguardar até a solução da apelação. Um bom exemplo é o da decisão que suspende o andamento do feito em 1º grau por prejudicialidade externa. Evidentemente, a parte prejudicada não poderia esperar. (WAMBIER et al., 2015, p. 1453).

Portanto, nas situações de urgência, que envolvem a possibilidade de perecimento de prova, como a sistemática recursal prevista não se apresenta idônea a tutelar o direito da parte, deve-se admitir o mandado de segurança.

5.2. Ação probatória autônoma

As ações probatórias caracterizam-se por não terem nenhum outro pedido a não ser o de produção de prova. Não se quer, contudo, a valoração probatória, mas apenas viabilizar a sua produção.

O Código de Processo Civil de 1973 continha três ações probatórias: a produção antecipada de prova, a de exibição e a de justificação.

A produção antecipada de prova exigia a demonstração da urgência. Por isso, na organização do CPC/1973, a produção antecipada de provas pertencia ao rol das medidas cautelares. A ação de exibição está voltada à determinação, imposta a parte contrária ou a terceiro, de trazer ao processo um documento ou uma coisa. A justificação, por fim, era uma ação para se demonstrar, por meio de prova testemunhal sem urgência, um fato ou uma relação jurídica.

Nota-se que a produção antecipada de prova era restrita ao caso de urgência, e as demais restritas a determinados meios de prova (CAMBI et al., 2017, p. 713). Não havia previsão de ação probatória desvinculada da urgência quando a produção não era para exibição de documento ou coisa ou oitiva de testemunha. Isso ocorria porque o direito à prova era visto como instrumental ao direito de fazer valer o direito provado em juízo.

No entanto, o novo Código de Processo Civil consagrou o entendimento de que o direito à prova é um direito que tem autonomia para poder ser objeto de tutela jurisdicional. Isto é, o direito à prova não está vinculado a outro direito.

O reconhecimento dessa autonomia dependeu da superação da noção de que o juiz é o único destinatário das provas. Afinal, as provas servem também para o convencimento das partes.

É inegável que os litigantes traçam suas estratégias processuais a partir das provas de que dispõem e das que possuem as outras partes. A prova serve, claramente, para que as partes se convençam da melhor estratégia a ser tomada – ainda que isso implique em não agir, não recorrer ou pagar.

A partir do momento em que se verifica que as partes também são destinatárias das provas, o sistema das ações probatórias autônomas é melhor compreendido.

Inspirado pela autonomia do direito à prova, o CPC/2015 revisou toda a sistemática da produção antecipada de provas. Logo, a produção antecipada de provas deixa de ser uma mera ação cautelar e passa a ser ação probatória de jurisdição voluntária que tem por objeto a produção de uma prova (qualquer meio de prova).

As hipóteses de produção antecipada de prova estão previstas no art. 381, incisos I a III e § 1º, CPC/2015. Enquanto o inciso primeiro desse artigo ratifica a hipótese de urgência, os outros dois incisos tratam de casos que evidenciam a autonomia do direito à prova.

Didier Jr., Braga e Oliveira (2016, p. 141, grifo no original) conceituam a ação de produção antecipada de prova da seguinte maneira: “A ação de produção antecipada de prova é a demanda pela qual se afirma o direito à produção de uma determinada prova e se pede que essa prova seja produzida antes da fase instrutória do processo para o qual ela serviria”.

Assim, caso as partes tenham dúvida sobre a existência de um fato ou a existência da prova possa fundamentar ajuizamento de demanda ou evitá-lo, caberá produção antecipada de prova, com a finalidade de produzir prova.

Portanto, na atual disciplina da produção antecipada de prova não há necessidade de alegar urgência em todos os casos e, destarte, não pode ser considerado processo de natureza cautelar.

Embora faça confusão entre a antiga cautelar e a atual ação probatória autônoma, Mello et al. (2016) reconhece na produção antecipada de provas alternativa à irrecorribilidade da decisão que indefere pedido de produção de prova em processo de conhecimento:

O cabimento de ação cautelar de produção antecipada de provas poderia ser uma saída, porém uma saída mais trabalhosa, mais onerosa, notadamente porque consubstanciada em uma ação autônoma, evidentemente mais complexa que um mero recurso como o agravo de instrumento. (MELLO et al., 2016, n. p.).

Ainda que não se possa afirmar que a produção antecipada de provas teve seu poder probatório ampliado por causa da restrição na possibilidade de agravar de instrumento decisão que indefere pedido de produção de prova, no caso de a parte poder se enquadrar em alguma das hipóteses previstas no art. 381, CPC/2015, é possível o ajuizamento de produção antecipada de provas.

5.3. Ação probatória incidental (produção antecipada de provas incidental)         

A ação prevista nos arts. 381 a 383 do CPC/2015 presta-se à produção de provas anterior à fase instrutória do processo de conhecimento. Contudo, reconhece-se que as disposições da produção antecipada podem ser aplicadas analogicamente em requerimento incidental de produção de provas:

A produção antecipada de prova pode ser requerida como um incidente processual, no bojo de um processo já em curso (ou com base no art. 139, VI, CPC, ou com base nas regras sobre tutela provisória de urgência). Os arts. 381-384 do CPC regulam a ação autônoma de produção antecipada de prova, proposta antes da chamada ação principal. (DIDIER JR.; BRAGA; OLIVEIRA, 2016, p. 142).

Tal contestação é apenas um consectário do reconhecimento da autonomia do direito à prova, pois se há esse direito, deve haver ação idônea a tutelá-lo. Esse raciocínio decorre do reconhecimento da existência do direito de ação ou do direito a tutela jurisdicional, fundado no princípio da inafastabilidade da jurisdição (MARINONI, 2010).

5.4. Recorribilidade da decisão que indefere pedido de produção de prova deduzido em juízo mediante ação probatória

O pedido de produção de prova pode ser deduzido em juízo de forma autônoma anterior à instauração de um segundo processo de conhecimento. Nesse caso, o sistema de recorribilidade não tem especificidades relevantes para o presente trabalho: a decisão da ação probatória autônoma antecipada se submete ao sistema de agravo de instrumento (em caso de tutela provisória) ou ao sistema da apelação (em caso de tutela definitiva).

Contudo, um caso peculiar surge nos casos em que a ação probatória é manejada de forma incidental para tutelar a prova indeferida no processo principal.

Logo, quando o magistrado indefere o pedido de produção de prova no processo principal, é admissível o manejo de ação probatória incidental para a produção daquela mesma prova – caso presentes os pressupostos do art. 381, CPC.

Nota-se que, nessa hipótese, o magistrado deverá enfrentar novamente a questão da produção de prova, desta vez na qualidade de direito autônomo.

Caso a decisão novamente seja pela improcedência da produção de prova, como se trata de um direito autônomo à prova, esse direito à prova integra a causa de pedir e constitui o mérito da causa. Assim, a decisão interlocutória que resolve pela não produção de prova nessa ação incidental decide o mérito da causa.

Portanto, se a decisão da ação probatória incidental for interlocutória, encontra guarida no art. 1.015, II, CPC/2015 – que prevê justamente que cabe agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias que versarem sobre o mérito do processo. E, se a decisão da ação probatória incidental for definitiva, desafia recurso de apelação.

5.5. Cumulação de pedidos com o direito autônomo à produção de prova

A partir do momento em que se reconhece a autonomia do direito à prova e se admite que a ação probatória pode ser antecedente ou incidente, abre-se a possibilidade de cogitar a possibilidade de cumulação do pedido de produção de prova com o pedido principal.

Em princípio, pode não parecer haver nada digno de nota na cumulação de pedido de produção de provas e pedido principal. Até porque, há tempos, indicar “as provas com que o autor pretende demonstrar a verdade dos fatos alegados” (CPC, art. 319) é obrigação da parte.

Ocorre que a previsão atual da produção antecipada de provas, por retirar o direito à prova do âmbito da mera instrumentalidade, torna-o mérito. Então, pela sistemática do atual Código de Processo Civil, quando a parte requer a produção de provas com fundamento no art. 381, CPC/2015, ele busca tutelar o direito de produzir prova. Esse direito passa a integrar o mérito da causa.

Como na lógica apresentada nos títulos anteriores, a decisão que porventura indefira o direito de produzir prova passa a ser agravável de instrumento pela hipótese prevista no art. 1.015, II, CPC/2015.

Dessa forma, a parte que puder antever a importância de determinada prova, pode, desde a primeira manifestação nos autos, junto com o pedido de tutela principal, requerer o provimento de tutela do direito à produção de provas, o que permitiria que o indeferimento desse pedido fosse passível de agravo de instrumento.

CONCLUSÃO 

O presente trabalho apresentou como a sistemática atual do Código de Processo Civil lida com a decisão que indefere pedido de produção de prova. Essa espécie de decisão é recorrível na fase de liquidação de sentença ou de cumprimento de sentença, no processo de execução e no processo de inventário; recorrível por agravo de instrumento nas hipóteses previstas nos incisos do art. 1.015 do CPC/2015 (dentre os quais apenas consta a exibição ou posse de documento ou coisa); recorrível em preliminares de apelação nos demais casos.

Por isso, para evitar o cerceamento de defesa, é possível o ajuizamento das ações de mandado de segurança e produção antecipada de prova (como ação autônoma ou incidental).

A partir da análise das ações probatórias, foi possível constatar que a organização da recorribilidade das decisões que indeferem prova ficou bastante atécnica no CPC/2015. Isso porque, por um lado, se reconhece o direito material autônomo à produção de prova e garante-se sua tutela mediante uma ação probatória típica, prevendo o cabimento do agravo de instrumento (art. 1.015, II, CPC/2015). Por outro lado, quando o pedido de produção de provas é requerido dentro do processo de conhecimento comum, o indeferimento de produção de provas não é agravável.

A interpretação extensiva e o emprego da analogia são possíveis, ainda que se esteja diante de regras excepcionais (desde que para preservar a isonomia), mas a interpretação extensiva pode prejudicar a segurança jurídica, nas situações em que o prazo para a interposição do recurso de agravo de instrumento já tenha sido ultrapassado, causando a preclusão. Assim, eventual declaração de inconstitucionalidade do art. 1.015 do CPC/2015 deve ser acrescentada da modulação de efeitos, para não prejudicar a parte que não tenha agravado.

O presente trabalho não encontrou julgados de aplicação da produção antecipada de prova tal qual exposto supra. Portanto, ainda não é possível prever se a autonomia do direito à prova se tornará um caminho seguro para admitir o cabimento do agravo de instrumento contra as decisões que indeferem o pedido de produção de provas.

REFERÊNCIAS

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[1] Agravo de Instrumento nº 0003223-07.2016.4.02.0000, do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, e mais recentemente o entendimento foi ratificado por decisão de Relatoria do Ministro Luís Felipe Salomão do STJ (REsp nº 1.679.909).

[2] “AGRAVO INTERNO – DECISÃO QUE NEGOU SEGUIMENTO A AGRAVO DE INSTRUMENTO POR INADMISSIBILIDADE – INDEFERIMENTO DE PEDIDO DE PRODUÇÃO DE PROVA DOCUMENTAL E PERICIAL E ANÚNCIO DE JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE – DECISÃO NÃO SUJEITA A AGRAVO DE INSTRUMENTO – AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL – MATÉRIA OBJETO DO AGRAVO DE INSTRUMENTO QUE NÃO ESTÁ INCLUÍDA NO ROL TAXATIVO DO ARTIGO 1.015 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL QUE PREVÊ, EXPRESSAMENTE, AS HIPÓTESES DE CABIMENTO DO REFERIDO RECURSO. DECISÃO MANTIDA. RECURSO NÃO PROVIDO. Por tais razões, incabível o recurso de Agravo de Instrumento” (TJPR – 14ª C. Cível – 0005574-56.2018.8.16.0000 – Mandaguaçu – Rel. José Hipólito Xavier da Silva – J. 22.02.2018).

[3] Conforme leciona Cambi (2016, p. 110, grifo do original): De qualquer modo, o direito nunca está concluído nos textos legislativos. Não é obra exclusiva ou monopólio do autor da regra jurídica, porque o processo de produção jurídica não está todo contido na sua elaboração. Somente se inicia com os legisladores, mais vai terminar apenas quando devidamente efetivado, o que pode ocorrer por força de decisão administrativa ou judicial.