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DAS FUNÇÕES ESSENCIAIS À JUSTIÇA: A ADVOCACIA PÚBLICA

Elpídio Donizetti

 

A Constituição Federal de 1988 trata da Advocacia Pública e explicita algumas regras para essa carreira no âmbito federal (art. 131), estadual e distrital (art. 132). Na esfera municipal a matéria fica a cargo das constituições estaduais e das leis orgânicas municipais.

A Advocacia Pública é espécie do gênero advocacia, sendo que a suas funções institucionais estão relacionadas à defesa e promoção dos interesses públicos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Lembre-se: o advogado público é, antes de tudo, advogado. O qualitativo “público” decorre apenas do fato de ter a incumbência de representar os referidos entes em juízo.

Os advogados públicos, além de se submeterem às leis orgânicas de suas respectivas carreiras (Advogado-Geral da União, Procurador da Fazenda Nacional, Procuradores Federais, Procuradores do Banco Central, Procuradores dos Estados e Procuradores dos Municípios, etc.), também são regidos pelas disposições contidas no Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil (Lei nº 8.906, de 04 de julho de 1994). Este, inclusive, invoca a essencialidade da Advocacia Pública tal como fez a Constituição de 1988. Vejamos:

Art. 2º O advogado é indispensável à administração da justiça.

[…]

Art. 3º […]

1º Exercem atividade de advocacia, sujeitando-se ao regime desta lei, além do regime próprio a que se subordinem, os integrantes da Advocacia-Geral da União, da Procuradoria da Fazenda Nacional, da Defensoria Pública e das Procuradorias e Consultorias Jurídicas dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e das respectivas entidades de administração indireta e fundacional.

O art. 6º desse mesmo diploma (EOAB) esclarece que não há qualquer relação de hierarquia ou de subordinação entre advogados (públicos ou privados e defensores públicos), magistrados e membros do Ministério Público. Assim, muito embora nem sempre haja equiparação entre essas carreiras – principalmente no que concerne aos vencimentos –, todos são igualmente indispensáveis à administração da justiça.

Vale ressaltar que apesar da atuação dos advogados públicos estar normalmente atrelada à representação judicial e extrajudicial dos entes da Federação, alguns Estados e Municípios permitem o exercício da advocacia na esfera privada, desde que fora do âmbito da Administração. No Estado de Minas Gerais, por exemplo, pode o Procurador de Estado atuar em defesa de interesses de particulares, desde que essa atuação não viole os interesses da pessoa de direito público ao qual pertence (Estado de Minas). Também os Procuradores do Município de Belo Horizonte podem exercer a advocacia privada, exceto contra os interesses do referido ente. Na esfera federal, no entanto, o exercício da advocacia pública fora das atribuições institucionais é expressamente vedado pela Lei Complementar nº. 73/93 (art. 28).

 

1.1 Funções

Art. 182, CPC/2015. Incumbe à Advocacia Pública, na forma da lei, defender e promover os interesses públicos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, por meio da representação judicial, em todos os âmbitos federativos, das pessoas jurídicas de direito público que integram a administração direta e indireta.

Além da atuação contenciosa, que contempla não só a representação judicial, mas também extrajudicial da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, os advogados públicos exercem atividades consultivas, de assessoramento e orientação aos dirigentes do Poder Executivo das respectivas unidades federadas (art. 131, parte final, da Constituição).

A representação judicial corresponde à legitimidade conferida ao advogado público para atuar como “Estado” tanto no polo ativo como no polo passivo das ações judiciais. A representação extrajudicial, por sua vez, é aquela que permite ao advogado defender os interesses públicos da Administração na via administrativa, perante órgãos e entidades públicas ou privadas.

Por fim, as funções de consultoria e de assessoramento estão relacionadas à verificação de adequação prévia dos atos que o Poder Executivo pretende praticar aos princípios e regras constantes em nosso ordenamento. O exercício dessas funções (consultoria e assessoramento) deve ter como objetivo dar segurança jurídica aos atos administrativos praticados, evitando o posterior questionamento acerca de sua eventual ilegalidade ou inconstitucionalidade.

 

1.2 Autonomia

Embora a Constituição de 1988 tenha incorporado o caráter autônomo do Ministério Público e da Defensoria Pública, ainda hoje há resistência à ideia de reconhecer essa mesma autonomia à Advocacia Pública.

Alguns doutrinadores entendem que essa diferenciação ocorre por conta da existência de relação direta entre a Advocacia Pública e o Poder Executivo, o que não se estende às demais entidades que exercem outras funções também essenciais à justiça. Nessa linha de raciocínio, nos termos do art. 131, §1º, da Constituição, que confere ao presidente da República o poder de nomear livremente o chefe da Advocacia-Geral da União, observadas as condições ali elencadas, estaria a denotar que a Advocacia Pública da União (num sentido lato) realmente integra o Poder Executivo.

Sem embargo de opiniões divergentes, não entendo razoável incluir a Advocacia-Geral da União (ou as Procuradorias de Estado, do Distrito Federal ou dos Municípios) como órgão do Poder Executivo. Isso porque, a promoção e a defesa dos interesses públicos das entidades federativas não se resumem ao Poder Executivo. A atuação contenciosa do Advogado-Geral da União, por exemplo, se dá por meio da representação judicial e extrajudicial dos três Poderes da União (Executivo, Legislativo e Judiciário), sendo a atividade de assessoramento e consultoria a única que é restrita ao Executivo.

Assim, tendo capacidade para postular em juízo em nome da entidade pública, seja ela pertencente ao Executivo, Legislativo ou Judiciário, não se mostra viável sujeitar a Advocacia Pública a interferência ou subordinação a nenhum dos poderes. Sobre o tema, mostra-se esclarecedora a ponderação do advogado público Rommel Macedo, em artigo no qual defende a autonomia da Advocacia Pública:

A colocação de qualquer das funções essenciais à Justiça nas estruturas do Poder Executivo, isto é, como um órgão auxiliar de seu chefe, seja o presidente da República, seja o governador de Estado, seja o prefeito municipal, esvai completamente a noção constitucional de essencialidade. Afinal, o que é auxiliar, acessório, expletivo, superabundante não pode ser, logicamente, essencial”.

De qualquer forma, considero que os membros da Advocacia Pública, pelo menos no que diz respeito ao conteúdo de suas manifestações, não estão obrigados a atuar, seja no processo contencioso ou na emissão de pareceres, segundo a orientação do administrador. Este poderá acatar ou não o parecer.

Não se pode negar, no entanto, que à Advocacia Pública, diferentemente do que ocorre com a Defensoria Pública e com o Ministério Público, não se confere capacidade de ser parte. A Defensoria, no processo coletivo, atua em nome próprio. O Ministério Público, a seu turno, de regra, atua como parte ou como fiscal da lei, mas nunca como representante. A Advocacia Pública, ao revés, mesmo quando atua na Ação Civil Pública, age como representante do ente ou órgão público. Essa diferenciação se de um lado não lhe retira a importância, deixa-a em posição de inferioridade na defesa dos interesses sociais mais sensíveis.

 

1.3 Formas de atuação

Dentre as formas de atuação dos advogados públicos podemos destacar as seguintes:

Assessoramento e consultoria através de pareceres jurídicos;

Exame prévio de legalidade de contratos, acordos e convênios firmados por autoridades públicas;

Apuração de certeza de liquidez de créditos de natureza tributária (ou não), bem como a inscrição em dívida ativa para fins de cobrança judicial;

Representação da entidade federativa nas ações de execução de dívida ativa de caráter tributário;

Representação de entidade federativa nas ações individuais, nas ações civis públicas (Lei nº. 7.347/85), nas ações de improbidade administrativa (Lei nº. 8.429/92) e nas ações provenientes da lei de licitações e contratos administrativos (Lei nº. 8.666/93);

Representação e manifestação nas ações de controle concentrado de constitucionalidade.

Essas funções são distribuídas de acordo com a legislação específica de cada carreira (Advogado-Geral da União, Procurador da Fazenda Nacional, Procuradores Federais, Procuradores do Banco Central, Procuradores dos Estados, Procuradores do Distrito Federal e Procuradores dos Municípios), podendo ser exercidas por um ou mais órgãos, a depender da organização estrutural conferida pela lei.

Por exemplo, à Procuradoria da Fazenda Nacional compete representar a União nas execuções de dívida ativa de caráter tributário (art. 12, II, da Lei Complementar nº. 73/93), enquanto ao Advogado-Geral da União compete o assessoramento do Presidente da República em assuntos de natureza jurídica (art. 4º, VII, da Lei Complementar nº. 73/93).

Ressalte-se que todas as carreiras mencionadas integram a Advocacia Pública e, portanto, são também essenciais à manutenção da ordem jurídica justa.

 

1.4 Prazos e responsabilidades

O CPC de 1973 concede à Fazenda Pública a prerrogativa de prazo em dobro para contestar e em quádruplo para recorrer (art. 188, CPC/73). O CPC/2015 fixa o prazo em dobro para todas as manifestações (art. 183).

Atuando em defesa da União, do Estado, do Distrito Federal ou do Município, o advogado público terá, por conta desta representação, prazo em dobro para toda e qualquer manifestação processual. Somente na hipótese de lei especial disciplinar prazo próprio para o ente público é que essa regra será afastada. A prerrogativa de prazo em dobro, ressalte-se, é da Fazenda Pública e não do advogado que a representa.

Quanto às responsabilidades, assim como o membro do Ministério Público, o advogado público responderá civil e regressivamente quando agir com dolo ou fraude no exercício de suas funções (art. 184, CPC/2015). Mais uma vez, afasta-se a responsabilização em razão de culpa, a qual pode ser imputada ao Estado, por força da responsabilidade objetiva estabelecida no texto constitucional (art. 37, §6º). Ressalte-se, no entanto, que o Estado, após responder pelo eventual prejuízo, tem a faculdade de propor ação regressiva contra o advogado público, conforme permissivo constitucional contido no dispositivo já citado.

 

1.5 Honorários

Antes do novo CPC, grande parte da doutrina e jurisprudência entendia que os honorários de sucumbência nas ações em que o ente público fosse vencedor não constituíam direito autônomo do advogado público, uma vez que integravam o patrimônio da entidade ao qual este estava vinculado (por exemplo, STJ, AREsp 174703/RS, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, julgado em 21/06/2012).

Diante da redação do atual art. 85, §19, o advogado público terá direito autônomo à execução dos honorários advocatícios de sucumbência nas hipóteses em que a vencedora da demanda for a entidade que ele represente.  Importa salientar que a limitação à remuneração de ocupantes de cargo, emprego ou funções públicas, estabelecida no art. 37, VI, da Constituição de 1988, não deve incidir na questão do recebimento dos honorários sucumbenciais. Como estes constituem verba de natureza privada, a ser paga diretamente pela parte vencida à parte vencedora, descabe submeter o seu pagamento ao teto constitucional.

 

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