DA POSSÍVEL INCIDÊNCIA DO INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA EM EXECUÇÕES FISCAIS
Lucas De Souza Lehfeld
Danilo Henrique Nunes
Letícia de Oliveira Catani Ferreira
SUMÁRIO: Introdução – 1. Pessoa jurídica: conceito e definição: 1.1. Do “nascimento” da pessoa jurídica; 1.2. Dos direitos fundamentais da pessoa jurídica; 1.3. A pessoa jurídica como titular da posse e propriedade – 2. Do princípio da propriedade – 3. Desconsideração da personalidade jurídica: início e definição: 3.1. Teorias da desconsideração; 3.2. Teoria maior; 3.3. Teoria menor; 3.4. Desconsideração inversa; 3.5. De ação própria ao incidente processual – 4. A desconsideração da personalidade jurídica nas execuções fiscais: 4.1. Conceito de execução fiscal; 4.2. A LEF como lei especial e a aplicação subsidiária do CPC; 4.3. Da aplicação do incidente da desconsideração da personalidade jurídica no âmbito das execuções fiscais; 4.4. Da impossibilidade de aplicação do incidente da desconsideração da personalidade jurídica no âmbito das execuções fiscais – Considerações finais – Referências.
INTRODUÇÃO
As empresas, sociedades empresárias e as pessoas naturais movimentam a economia nacional realizando diversas modalidades de atividade financeira, seja pela compra e venda dos mais variados produtos, seja pela prestação de serviços. Tais empresas, estando no polo ativo ou passivo na relação contratual, são dirigidas por administradores e, na maior parte das vezes, possuidoras de autonomia patrimonial.
Todavia, a habilidade de encontrar frestas que possibilitam a realização de atos escusos é inerente à população brasileira. Assim, não é incomum encontrar pessoas naturais (sócios) que se utilizam da separação patrimonial de suas empresas para usufruir da prática de tais atitudes, muitas vezes com o intuito de burlar o sistema tributário, bem como pela tentativa de se esquivar do pagamento de seus credores, ocasionando assim diversos prejuízos a terceiros. Diante da constante ocorrência destas práticas ilícitas de proveito particular e prejuízo aos interessados é que surgiu entendimento jurisprudencial no sentido de ser possível a confusão patrimonial entre sócio e empresa visando à adimplência do contratado.
Segundo a maioria dos doutrinadores, confusão patrimonial pode ser entendida da seguinte forma:
[…] confusão entre o patrimônio dos sócios e da pessoa jurídica. Essa situação decorre da não separação do patrimônio do sócio e da pessoa jurídica por conveniência da entidade moral. Neste caso, o sócio responde com seu patrimônio para evitar prejuízos aos credores, ressalvada a impenhorabilidade do bem de família e os limites do patrimônio da família. (NERY JÚNIOR, 2008, p. 249).
Esta modalidade, conhecida por “desconsideração da personalidade jurídica”, somente foi positivada na legislação brasileira, como incidente processual, após a reforma do Código Civil, isto é, até o ano de 2002, a confusão patrimonial era instaurada de acordo com entendimento jurisprudencial, e não com embasamento legal contido na legislação, desde que, por óbvio, bem fundamentado e comprovada a ilicitude do devedor.
Assim determina o art. 50 do Código Civil:
Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.
Essa motivação de positivar tal instituto proveio da necessidade de o judiciário encontrar soluções efetivamente significativas com respostas previamente definidas e assistidas de eficiência, assim, marcando o perfil do Poder Judiciário pela morosidade processual. Nesta toada, visando à celeridade processual e enfim satisfação do direito, define a Analista Judiciária do Superior Tribunal de Justiça, Waleska Bertolini Mussalem.
Na vida econômica, os conflitos não podem ser eternizados, sob pena de absoluta inutilidade da prestação jurisdicional. Do mesmo modo, o emaranhado de leis causa facilidades para manobras de toda a ordem e cria dificuldades àqueles que cumprem com suas obrigações. Mais grave, ainda, dá ensanchas ao inadimplente de escapar ileso, deixando um vácuo na relação econômica, pela utilização de meios capazes de enredar o sistema de direito positivo. (MUSSALEM, 2004, p. 183).
Assim, tornou-se imprescindível o regulamento de tal possibilidade garantidora de princípios e direitos, além de ser de tamanha importância como espécie de “punição” ao devedor de má-fé comprovadamente. Desta feita, o Código de Processo Civil trouxe em sua atual reforma de 2015 os procedimentos que deverão seguir os incidentes de desconsideração da personalidade jurídica, que partem do artigo 133 e vão até o artigo 137. O que se percebe hoje é que há uma crescente tendência no sentido de coibir atos fraudulentos, de modo a prestigiar os interesses dos credores em detrimento dos interesses dos devedores, principalmente quando se constata a ocorrência de atos ilícitos por parte destes.
Deste modo, os tribunais vêm se utilizando cada vez mais dessa teoria da desconsideração nas mais variadas hipóteses. Todavia, o que se observa, além desta ferramenta muito útil à satisfação do crédito do credor, é que também vem sendo aplicada de forma incoerente e ferindo princípios fundamentais da parte que sofre com a desconsideração, conforme será visto posteriormente.
1 PESSOA JURÍDICA: CONCEITO E DEFINIÇÃO
O homem é um ser social, isto é, sua natureza é de conviver em sociedade, e não isoladamente. Assim, naturalmente, o homem se associa a outros visando atingir suas necessidades e, consequentemente, resulta na cooperação entre pessoas. Nesta toada, ao se verificar a existência desses grupos sociais, o direito passou a discipliná-lo com o intuito de participar da vida jurídica como pessoas de direito, assim como ocorre com as pessoas naturais, criando para estes grupos personalidade própria. A constatação de que indivíduos se unem com o objetivo de atingirem necessidades próprias ou por mera conveniência, e que são impossíveis de se fazer de forma individual, é a razão de se elaborar o instituto da pessoa jurídica com personalidade própria. Nesse contexto, surge a necessidade de serem os grupos personalizados a fim de que procedam com uma unidade, realizando atos comerciais de forma individual e autônoma. Deste modo, o ilustre doutrinador Carlos Roberto Gonçalves define:
A pessoa jurídica é, portanto, proveniente desse fenômeno histórico e social. Consiste num conjunto de pessoas ou de bens, dotado de personalidade jurídica própria e constituído na forma da lei, para a consecução de fins comuns. Pode-se afirmar, pois, que pessoas jurídicas são entidades a que a lei confere personalidade, capacitando-as a serem sujeitos de direitos e obrigações. A sua principal característica é a de que atuam na vida jurídica com personalidade diversa da dos indivíduos que as compõem (CC, art. 50, a contrario sensu, e art. 1.024). (GONÇALVES, 2012).
Existem duas teorias no tocante à pessoa jurídica. A primeira é a teoria negativista, que defende que não é possível a associação de grupos de pessoas com personalidade individual formando uma nova pessoa, a pessoa jurídica. Já a segunda é a teoria afirmativa, sendo caracterizada por defender ser possível a existência de um grupo de indivíduos que forma uma unidade autorizada e reconhecida pelo Estado. Esta segunda teoria é subdividida em duas ramificações: teorias da ficção e teorias da realidade.
As ideias defendidas pelos ficcionistas são divididas em duas espécies: teoria da ficção legal e teoria da ficção doutrinária. Segundo a teoria da ficção legal, desenvolvida por Savigny, a lei constitui artificialmente uma pessoa jurídica, um ser fictício, entende-se que somente a pessoa natural pode ser titular de direitos subjetivos e sujeitos em relações jurídicas. Assim, para esta teoria, a pessoa jurídica não passa de um mero conceito, destinado tão somente a atribuir direitos específicos a grupos de pessoas naturais, construindo-se assim uma abstração considerada pelo ordenamento jurídico. Já a teoria da ficção doutrinária dita que a pessoa jurídica não tem existência real, mas somente intelectual, isto é, na inteligência dos juristas, sendo a pessoa jurídica uma mera ficção criada pela doutrina.
Todavia, importante ressaltar que as teorias da ficção não são aceitas. Sua principal crítica é que ambas não explicam a existência do Estado como pessoa jurídica. “Dizer-se que o Estado é uma ficção legal ou doutrinária é o mesmo que dizer que o direito, que dele emana, também o é. Tudo quanto se encontre na esfera jurídica seria, portanto, uma ficção, inclusive a própria teoria da pessoa jurídica”, conforme dita Carlos Roberto Gonçalves.
A segunda modalidade de ramificação é a teoria da realidade e esta também se subdivide em três modalidades. A primeira modalidade é a “teoria da realidade objetiva ou orgânica”. Para esta, a pessoa jurídica é uma realidade sociológica, um ser com vida própria. A vontade é capaz de criar um organismo, que possui vida própria, autônoma em relação aos seus membros, tornando-se sujeito de direito real e verdadeiro. Nesta teoria, a crítica é que ela não esclarece como os grupos sociais, dos quais não possuem vida própria e personalidade, podem adquiri-la e se tornarem sujeitos de direitos e obrigações.
A segunda modalidade é a “teoria da realidade jurídica”. Esta se assemelha com a objetiva por sua ênfase ao aspecto sociológico. Neste caso, as pessoas jurídicas são aquelas denominadas como organizações sociais cujo destino é para efetivar um serviço ou ofício, sendo assim, personificadas. Utiliza-se como ponto de partida a análise de relações sociais e não da vontade do homem, concluindo-se que os grupos organizados são criados para a realização de uma ideia útil na sociedade, motivo pelo qual os grupos sociais são dotados de ordem e organizações próprias. Esta teoria recebe as mesmas críticas da anterior. Não é capaz de dizer sobre as sociedades que se organizam sem a finalidade de preencher um ofício ou pela prestação de um serviço.
Por fim, a terceira hipótese é a “teoria da realidade técnica”. O entendimento que se tem desta teoria é que a personificação de grupos sociais é feita por ordem técnica, sendo esta a forma que o direito concede a fim de reconhecer a existência de grupos de indivíduos unidos com objetivos determinados. Nesta hipótese, a personalidade jurídica é atributo dado pelo Estado para entidades específicas que necessitam dessa característica. Esse “benefício” não é conquistado de forma arbitrária, mas sim se verifica a situação determinada, já concretizada e observando requisitos próprios. Esta teoria é a que predomina no direito brasileiro, pois é a que melhor explica o fenômeno pelo qual certos grupos de pessoas, com finalidades comuns, podem ter personalidade própria, sendo criada de forma autônoma e independente com a personalidade de cada um de seus membros, ofertando, assim, uma garantia e segurança jurídica e patrimonial.
1.1 Do “nascimento” da pessoa jurídica
Uma coisa é certa, apesar de existirem diversas teorias que classificam as pessoas jurídicas, conforme exposto anteriormente, elas estão previstas no ordenamento jurídico e para sua constituição, devem cumprir com requisitos específicos. Sua formação consiste na pluralidade de pessoas ou bens, com objetivo em comum, elementos de ordem material, além da necessidade de um ato constitutivo registrado em órgão competente, sendo este elemento formal da formação.
De acordo com Carlos Roberto Gonçalves (2012, p. 211 e 212), para se constituir uma pessoa jurídica devem-se preencher quatro requisitos, quais sejam: a) vontade do homem, isto é, interesse de criar uma entidade com interesses específicos. Este requisito se concretiza com o ato de sua constituição, sendo obrigatória tal manifestação por escrito. Para tanto, são necessárias pelo menos duas pessoas cujos interesses se convergem; b) criação de um ato constitutivo. Este pode se dar por meio de estatuto, nos casos em que se busca instituir uma associação (não possui fins lucrativos), contrato social, nos casos de sociedades simples ou empresárias, e, por fim, escritura pública ou testamento, nos casos de fundação; c) o devido registro do contrato social ou estatuto no órgão competente e d) observância de objeto lícito. Esta etapa é necessária, pois, a partir daqui, surge a pessoa jurídica de direito privado, assim como diz o art. 45 do Código Civil, in verbis:
Art. 45. Começa a existência legal das pessoas jurídicas de direito privado com a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro, precedida, quando necessário, de autorização ou aprovação do Poder Executivo, averbando-se no registro todas as alterações por que passar o ato constitutivo.
Vale ressaltar que se considera “sociedade de fato” ou “sociedade não personificada”. Alguns doutrinadores consideram este momento anterior ao registro como nascituro, isto é, já foi concebido, porém só irá adquirir personalidade se nascer com vida (registro do ato constitutivo). É com o registro que se declaram as diversas responsabilidades da pessoa jurídica, como a denominação, os fins, o modo como será a administração, entre outros pontos dispostos no art. 46 do CC. O objetivo que se buscará deve ser lícito. Além de lícito, o objeto deve ainda ser determinado e possível, de modo que, não o sendo, dará causa à extinção da pessoa jurídica, conforme art. 69 do Código Civil.
Desta forma, é possível dizer que a pessoa jurídica realmente passa a existir legalmente após o registro do contrato social ou estatuto. O contrato social é o documento pelo qual os sócios definem as regras da pessoa jurídica, ou seja, é por meio do contrato social que se verifica a identificação dos sócios; o nome empresarial; o objeto social da pessoa jurídica; a localização da sede; a duração da sociedade (prazo determinado ou indeterminado); o capital social da pessoa jurídica; a responsabilidade de cada sócio; a administração; a distribuição dos resultados, etc. Este documento tem também caráter de declaração de vontade, ou seja, pelo contrato social que se entende expressamente que o(s) sócio(s) tem o desejo de dar início a uma pessoa jurídica de direito privado.
O artigo 44 do Código Civil traz as pessoas jurídicas de direito privado, quais sejam:
Art. 44. São pessoas jurídicas de direito privado:
I – as associações;
II – as sociedades;
III – as fundações.
IV – as organizações religiosas;
V – os partidos políticos.
VI – as empresas individuais de responsabilidade limitada.
O registro do contrato social da sociedade empresaria é realizado na Junta Comercial de cada Estado (em São Paulo, por exemplo, é na JUCESP). Das demais pessoas jurídicas, o registro dos estatutos e os atos constitutivos são realizados no Cartório de Registro Civil de Pessoas Jurídicas, conforme dispõe o art. 1.150 do CC e art. 114 da Lei dos Registros Públicos (Lei nº 6.015/73), respectivamente:
Art. 1.150. O empresário e a sociedade empresária vinculam-se ao Registro Público de Empresas Mercantis a cargo das Juntas Comerciais, e a sociedade simples ao Registro Civil das Pessoas Jurídicas, o qual deverá obedecer às normas fixadas para aquele registro, se a sociedade simples adotar um dos tipos de sociedade empresária.
Art. 114. No Registro Civil de Pessoas Jurídicas serão inscritos:
I – Os contratos, os atos constitutivos, o estatuto ou compromissos das sociedades civis, religiosas, pias, morais, científicas ou literárias, bem como o das fundações e das associações de utilidade pública;
II – As sociedades civis que revestirem as formas estabelecidas nas leis comerciais, salvo as anônimas.
III – Os atos constitutivos e os estatutos dos partidos políticos.
No momento do registro, a pessoa jurídica criada adquire personalidade. Conforme dito anteriormente, considera-se o “nascimento com vida”. Além da proteção patrimonial que se estabelece com o registro, o registro garante à pessoa jurídica a proteção de diversos direitos, como a boa reputação, o direito de ser proprietária, nome, sua existência, contratar, dentre outros. São os diretores das pessoas jurídicas que têm a responsabilidade de garantir o cumprimento dos direitos e deveres desta, uma vez que tais poderes lhes são atribuídos na descrição contida no ato constitutivo, assim como dispõe o art. 47 do CC: “Art. 47. Obrigam a pessoa jurídica os atos dos administradores, exercidos nos limites de seus poderes definidos no ato constitutivo”.
É o que se apresenta pertinente ao tema.
1.2 Dos direitos fundamentais da pessoa jurídica
De acordo com entendimento já pacificado pelo Supremo Tribunal Federal, a pessoa jurídica, assim como a pessoa natural, possui direitos e garantias fundamentais que determinam a Constituição Federal de 1988. Sobre o assunto, Gilmar Mendes, Inocêncio Martires Coelho e Paulo Gustavo Gonet Branco definem:
Não há, em princípio, impedimento insuperável a que pessoas jurídicas venham, também, a ser consideradas titulares de direitos fundamentais, não obstante estes, originalmente, terem por referência a pessoa física. Acha-se superada a doutrina de que os direitos fundamentais se dirigem apenas às pessoas humanas. Os direitos fundamentais suscetíveis, por sua natureza, de serem exercidos por pessoas jurídicas podem tê-las por titular. (MENDES; COELHO; BRANCO, 2010, p. 349-350).
De acordo com os juristas, a possibilidade de a pessoa jurídica ser detentora de direitos fundamentais é garantida constitucionalmente, sem distinção das pessoas naturais. Evidentemente, é de extrema importância ressaltar que as pessoas jurídicas são detentoras de direitos e garantias somente com relação a sua real atividade. Sobre o tema, o jurista Fernando Castelo Branco sustenta:
Alexandre de Moraes, ao tratar dos destinatários da proteção dos direitos fundamentais, assevera que as pessoas jurídicas são beneficiárias dos direitos e garantias individuais, pois se reconhece as associações o direito à existência, o que de nada adiantaria se fosse possível excluí-las de todos os seus demais direitos. Dessa forma, os direitos enumerados e garantidos pela Constituição são de pessoas físicas e jurídicas, pois têm direito à existência, à segurança, à propriedade, à proteção tributária e aos remédios constitucionais. (BRANCO, 2001, p. 186).
Todavia, ainda que seja inquestionável o fato de a pessoa jurídica ser detentora de direitos e garantias, surge um ponto bastante controverso no mundo jurídico ao se falar sobre indenização por danos morais a estes entes. Em regra, para demonstrar o dano moral, devem estar presentes o ato; o dano; o nexo de causalidade entre o ato e o dano; e o dolo ou culpa do agente causador. Ao se falar de dano moral, o bem jurídico corrompido é ocasionado com a lesão a direitos da personalidade.
O Superior Tribunal de Justiça entende que é necessária a comprovação dos fatos para a condenação por danos morais, mesmo que sejam utilizadas regras e presunções em caso de configuração do dano. A Ministra do STJ, Nancy Andrighi, em certo caso em que era relatora (Recurso Especial nº 1.637.629), explicou que nos casos em que envolvem pessoas jurídicas, não é possível a constatação implícita do dano, diferentemente do que ocorre com as pessoas naturais. No caso em análise, uma empresa foi condenada em primeiro grau ao pagamento de danos morais por alegar ter sofrido prejuízo quando houve alteração contratual de forma unilateral pela outra parte. Em apelação interposta, o Tribunal de Justiça de Pernambuco negou provimento ao recurso e manteve a sentença no tocante aos danos morais. Porém, a Relatora Nancy explicou em seu voto:
Por outro lado, no que se refere aos danos morais, uma consideração importante deve ser feita: diante da impossibilidade de sua configuração in re ipsa, percebe-se nos autos a completa ausência de comprovação ou sequer de indicação de dano extrapatrimonial à recorrida, conforme as diretrizes que foram apontadas acima. Revolvendo os autos, não é possível verificar qualquer indicativo de que a recorrida haveria sofrido outros tipos de danos além daqueles de natureza patrimonial. É inegável que, ao exigir pagamento antecipado para a disponibilização de seus produtos, a recorrente impôs pesado ônus comercial sobre a recorrida, mas isso constitui um ato que – para além da esfera patrimonial – é incapaz de gerar dano moral, isto é, de natureza exclusivamente extrapatrimonial. (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Processual Civil. Recurso Especial. Relação Comercial. Recurso Especial nº 1.637.629 da 3ª Turma. Relatora: Ministra Nancy Andrighi. Brasília, DF, 2016).
Desta forma, é possível a caracterização de danos morais em pessoas jurídicas, desde que os fatos sejam comprovados. Segue abaixo a ementa do referido Recurso:
Civil e processual civil. Recurso especial. Relação comercial. Alteração unilateral de contrato. Danos materiais. Necessidade de reexame de fatos e provas. Inadmissibilidade. Danos morais. Pessoa jurídica. Ausentes. – Ação ajuizada em 19.02.2010. Recurso especial interposto em 18.04.2013 e distribuído a este gabinete em 26.08.2016. – O reexame de fatos e provas em recurso especial é inadmissível. – Para a pessoa jurídica, o dano moral não se configura in re ipsa, por se tratar de fenômeno distinto daquele relacionado à pessoa natural. – É, contudo, possível a utilização de presunções e regras de experiência no julgamento. – Na hipótese dos autos, a alteração unilateral de contrato de fornecimento de baterias de automóveis pela recorrente impôs pesado ônus sobre as atividades comerciais da recorrida. Contudo, tal ato é incapaz de gerar danos morais (exclusivamente extrapatrimoniais) para além daqueles de natureza material. – Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, provido. (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Processual Civil. Recurso Especial. Relação Comercial. Recurso Especial nº 1.637.629 da 3ª Turma. Relatora: Ministra Nancy Andrighi. Brasília, DF, 2016).
Esse é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça.
1.3 A pessoa jurídica como titular da posse e propriedade
Conforme explanado anteriormente, a pessoa jurídica se equipara, em quase todos os direitos e garantias, às pessoas naturais, motivo pelo qual é inquestionável que essas pessoas têm o direito à posse e propriedade de bens. A propriedade é o primeiro e mais importante direito real, o qual atribui ao titular a plena capacidade de uso e disposição do que lhe pertence. A propriedade compreende quatro poderes essenciais, quais sejam, o poder de uso, gozo ou fruição, disposição e reinvindicação. Ela se define como direito matriz, pois dela se originam todos os demais direitos reais por meio do desmembramento. Nesta toada, a posse aparece inteiramente vinculada à figura da propriedade, enquanto expressão do exercício desse direito real. Nesse sentido, o proprietário era possuidor e o possuidor era proprietário, estabelecendo-se uma relação necessária entre as duas figuras.
Com o surgimento dos direitos reais sobre coisa alheia, a posse se separa da propriedade para acompanhar esses novos direitos, porém ainda é mero conteúdo e reflexo de uma figura mais importante. Essa evolução conduz a uma absoluta autonomia da posse enquanto categoria jurídica, agora protegida não mais em função de um direito real, mas enquanto mera situação de fato, a chamada “posse cura” em que se considera a posse pela posse. Assim, o direito de posse é garantido e exercido pela pessoa jurídica diariamente decorrente do exercício do direito de propriedade. O artigo 1.205 do Código Civil define que é possível a aquisição da posse por meio de representante da pessoa (seja jurídica ou natural) ou mesmo por ela própria.
Importante salientar que o direito à posse é exercido pela pessoa jurídica por intermédio de seus representantes, os quais executam as decisões proferidas, na maior parte das vezes, por intermédio da coletividade de pessoas, ou seja, por meio de reuniões. De acordo com Paulo Lôbo, tais decisões se definem como sendo a vontade da pessoa jurídica:
O titular de órgão da pessoa jurídica (gerente, administrador, dirigente e gestor) não é detentor. No exercício de suas atribuições, seus atos não seus, mas da própria pessoa jurídica, que é a possuidora. Os órgãos não representam, mas sim apresentam a pessoa jurídica. (LÔBO, 2015, p. 56).
Portanto, a pessoa jurídica realiza suas ações por meio de seus representantes.
2 DO PRINCÍPIO DA PROPRIEDADE
Conforme explanado anteriormente, as pessoas jurídicas são criadas por grupos de indivíduos que se reúnem com objetivos em comum, com a finalidade de realizar negócios jurídicos e, assim, movimentam a economia. Nessa esfera, o ordenamento jurídico garante às pessoas jurídicas o princípio da autonomia patrimonial, isto é, permite que as sociedades empresárias realizem negócios jurídicos autônomos em relação a seus membros. Vale ressaltar que o ordenamento não especifica artigos que versem sobre este princípio. Os principais artigos que tratam a respeito deste tema são os art. 46, V e art. 1.052 do Código Civil de 2002, que assim dispõem, respectivamente:
Art. 46. O registro declarará:
[…]
V – se os membros respondem, ou não, subsidiariamente, pelas obrigações sociais;
Art. 1.052. Na sociedade limitada, a responsabilidade de cada sócio é restrita ao valor de suas quotas, mas todos respondem solidariamente pela integralização do capital social.
Conforme dita o texto legal presente no art. 46 do Código Civil, com o registro do ato constitutivo da sociedade empresária é que se cria a autonomia patrimonial, uma vez que está, assim, inscrita de forma regular, o que implica deter bens patrimoniais distintos daqueles que pertencem aos seus sócios. Desta forma, a confusão patrimonial faz parte de uma concepção objetiva da teoria do disregard doctrine, apresentada pelo doutrinador Comparato e que é objeto de reflexão da pesquisa. Nesse sentido, e de acordo com Couto Silva, pode-se entender que:
Baseia-se na separação patrimonial, destacando os fundamentos da desconsideração conforme negócios interna corporis (desvio de poder e fraude à lei) ou externa corporis da pessoa jurídica (confusão patrimonial entre titular do controle e sociedade comparada). O desvio de finalidade, por sua vez, “ocorre quando os sócios ou administradores utilizam a sociedade para fins diversos daqueles almejados pelo legislador, isto é, fora do objeto societário” (SILVA, 2000. p. 47-48).
O ordenamento jurídico brasileiro buscou garantir segurança aos sócios. Essa espécie de “proteção” se verifica justamente pelo princípio em tela, isso porque se não for caso de atitude contrária à lei como ocorrência de fraudes, desvio de finalidades, entre outras atitudes ilícitas, não será possível atingir o patrimônio dos sócios pelo simples fato de inadimplemento da sociedade empresária proveniente de uma relação negocial, o que viabiliza a atividade empresarial.
Como visto, a pessoa jurídica é capaz de direitos e deveres na ordem civil, independentemente dos membros que a compõem, com os quais não tem vínculo, ou seja, sem qualquer ligação com a vontade individual das pessoas naturais que a integram. Em regra, os seus componentes somente responderão por débitos dentro dos limites do capital social, ficando a salvo o patrimônio individual dependendo do tipo societário adotado.
A regra é de que a responsabilidade dos sócios em relação às dividas sociais seja sempre subsidiária, ou seja, primeiro exaure-se o patrimônio da pessoa jurídica para depois, e desde que o tipo societário adotado permita, os bens particulares dos sócios ou componentes da pessoa jurídica serem executados. (TARTUCE, 2011, p. 134).
De acordo com o doutrinador Flávio Tartuce, o princípio da autonomia patrimonial visa a proteger a pessoa física que irá dar início às atividades empresariais, porque, caso haja qualquer risco de não prosperar, ela não correrá o risco de perder ainda seu patrimônio pessoal não investido na pessoa jurídica.
Dessa forma, o ordenamento jurídico em vigor estabelece a total separação patrimonial entre sócio e pessoa jurídica, como forma de segurança ao próprio sócio, pessoa natural que visa dar início a uma associação, sociedade, fundação, organização religiosa, partido político ou empresa de responsabilidade limitada, conforme artigo 46 do CC. Somente com o instituto da desconsideração da personalidade jurídica que poderá, excepcionalmente, relativizar esse princípio e atingir o patrimônio do sócio.
3 DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA: INÍCIO E DEFINIÇÃO
Como já mencionado anteriormente, a modalidade da desconsideração da personalidade jurídica é uma possibilidade que foi recentemente aceita e positivada em lei. Segundo Maria Helena Diniz, fazendo parte da doutrina predominante, a primeira “aparição” desta teoria está descrita no artigo 2º, parágrafo 2º, da Consolidação das Leis Trabalhistas. Todavia, evidentemente, não traz um texto direto e dificulta a vinculação deste artigo à teoria da desconsideração da personalidade jurídica. Desta forma dispunha o referido artigo, antes de sua revogação pela atualização da CLT:
Art. 2º Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço.
- 2º Sempre que uma ou mais empresas, tendo, embora, cada uma delas, personalidade jurídica própria, estiverem sob a direção, controle ou administração de outra, constituindo grupo industrial, comercial ou de qualquer outra atividade econômica, serão, para os efeitos da relação de emprego, solidariamente responsáveis a empresa principal e cada uma das subordinadas. (REVOGADO).
Como dito anteriormente, trata-se de um breve comentário a respeito da teoria, não adentrando com clareza no tema, mas ainda assim é a primeira manifestação legal sobre.
Por se tratar de um tema que cresce constantemente, pois o número de pessoas jurídicas aumenta a todo momento, professores e juristas se aprofundaram no assunto e o grande marco doutrinário surgiu com o texto do Professor Rubens Requião, apresentando seu trabalho na Revista dos Tribunais, intitulado: “Abuso de direito e fraude através da personalidade jurídica”. Assim, surgiu o primeiro debate acerca da expressão denominada por “desconsideração da personalidade jurídica”, que surgiu com o doutrinador Rubens Requião, tendo como base a “disregard of legal entity”, teoria desenvolvida nos Estados Unidos. Assim descreve seu trabalho:
A doutrina desenvolvida pelos tribunais norte-americanos, da qual parte o Prof. Rolf Serick para compará-la com a moderna jurisprudência dos tribunais alemães, visa impedir a fraude ou abuso através o uso da personalidade jurídica, e é conhecida pela designação “disregard of legal entity” ou também pela “lifting the corporate veil”. Com permissão dos mais versados no idioma inglês, acreditamos que não pecaríamos se traduzíssemos as expressões referidas como “desconsideração da personalidade jurídica”, ou ainda, como “desestimação da personalidade jurídica”, correspondente à versão espanhola que lhe deu o Prof. Polo Diez, ou seja “desestimación de la personalidad jurídica”. (REQUIÃO, 1969, p. 13).
O tema tornou-se alvo de diversas discussões e aprofundamentos teóricos, visto que se trata de importante meio de solução judicial, uma vez que esta modalidade permite de fato que credores de uma relação processual finalmente vejam seu direito alcançado. Todavia, a teoria da desconsideração detém uma ameaça às pessoas jurídicas, isto é, deve ser feita uma análise justa e imparcial sobre o caso concreto, ou seja, deve existir cautela na execução da teoria, de modo que nem todo prejuízo causado pela pessoa jurídica é caso de aplicação da desconsideração da personalidade, buscando atingir patrimônio dos sócios.
Nesta mesma linha dispõe o ilustre jurista Marçal Justen Filho:
Não por um “defeito” na estrutura da sociedade e, sim, por um defeito quanto à sua utilização. Só pode ser assim, porque a justificativa para a desconsideração reside justamente em ocorrer um descompasso entre a função abstratamente prevista para a pessoa jurídica e a função que ela concretamente realiza. (FILHO, 1987, p. 135).
Portanto, se utiliza da desconsideração em casos de ações não condizentes com a função da pessoa jurídica.
3.1 Teorias da desconsideração
Conforme explanado anteriormente, o fenômeno da desconsideração da personalidade jurídica se caracteriza por ser o mecanismo processual em que se beneficia o credor de uma relação, aplicado quando estão presentes entraves à reparação de seu crédito, motivando o “rompimento da linha” que separa os bens da pessoa jurídica e a do sócio, pessoa natural, entraves ocasionados pelo desvio de finalidade.
Nas palavras de Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, o desvio de finalidade se define pelos seguintes termos:
Constatação da efetiva desenvoltura com que a pessoa jurídica produz a circulação de serviços ou de mercadorias por atividade lícita, cumprindo ou não o seu papel social, nos termos dos traços de sua personalidade jurídica. Se a pessoa jurídica se põe a praticar atos ilícitos ou incompatíveis com sua atividade autorizada, bem como se com sua atividade favorece o enriquecimento de seus sócios e sua derrocada administrativa e econômica, dá-se ocasião de o sistema de direito desconsiderar sua personalidade e alcançar o patrimônio das pessoas que se ocultam por detrás de sua existência jurídica. (NERY JÚNIOR, NERY, 2008, p. 249).
Pelo fato de uma sociedade possuir personalidade e pela hipótese desta personalidade poder ser desconsiderada, quer seja pelo desvio de finalidade, quer seja pela confusão patrimonial, a doutrina brasileira dividiu tal modalidade em duas subteorias, quais sejam, teoria maior e teoria menor.
3.2 Teoria maior
A teoria maior é aquela adotada pelo artigo 50 do Código Civil de 2002, sendo a teoria considerada como regra geral da desconsideração da personalidade jurídica no direito brasileiro. Ela consiste em possuir alguns requisitos específicos estabelecidos legalmente e, por esse motivo, é considerada como uma teoria de maior consistência e que dispõe de maior segurança aos sócios. Nesta teoria fica autorizada a ignorância ao atendimento da autonomia patrimonial das pessoas jurídicas, uma vez que busca reprimir fraudes e abusos praticados por meio delas. Para ser aplicada, não basta apenas demonstrar a insolvência para com o cumprimento da obrigação pela pessoa jurídica, isto é, o credor deve, além disso, demonstrar a ocorrência de desvio de finalidade ou a confusão patrimonial entre seus bens e de seus sócios. Desta forma, a desconsideração é uma exceção e que é aplicada com muito cuidado pelos Tribunais. Isso se dá pelo fato de que proferir o pedido de que se desconsidere a personalidade jurídica pela mera insolvência de um devedor lesiona conceitos e princípios-base que norteiam o direito empresarial, que visa a garantir a separação total dos bens das pessoas jurídicas e de seus respectivos sócios.
Foram estas as palavras utilizadas pela e. Ministra do Superior Tribunal de Justiça, Nancy Andrighi, a respeito da utilização da teoria maior, proferidas em seu voto no Recurso Especial nº 279273/SP, no qual era Relatora.
A teoria maior não pode ser aplicada com a mera demonstração de estar a pessoa jurídica insolvente para o cumprimento de suas obrigações. Exige-se, aqui, para além da prova de insolvência, ou a demonstração de desvio de finalidade, ou a demonstração de confusão patrimonial […].
É de suma importância destacar que ocorrida a desconsideração, este incidente não extingue a pessoa jurídica, mas estendem-se os efeitos de certas obrigações para seus sócios, motivo pelo qual gera uma suspensão da autonomia da pessoa jurídica com finalidade específica.
3.3 Teoria menor
A outra subteoria dentro da desconsideração da personalidade jurídica é a teoria menor. Esta vem exposta no Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 28, parágrafo 5º. Nesta teoria, entende-se que para desconsiderar a personalidade jurídica de uma sociedade devedora, diferentemente da teoria anterior, basta a comprovação da insolvência da pessoa jurídica, isto é, deve-se provar tão somente a impossibilidade de realização do pagamento das obrigações contraídas, sem que haja a necessidade da comprovação do desvio de finalidade ou confusão patrimonial. Portanto, a falta de bens ou direitos na sociedade que sirvam aos credores é o suficiente para atribuir ao sócio a obrigação da sociedade. Esta teoria é considerada pela doutrina como menos elaborada, justamente pelo fato de que a desconsideração pode ocorrer em quaisquer hipóteses em que necessitar a execução do patrimônio do sócio.
A este respeito, a Ministra do Superior Tribunal de justiça, Nancy Andrighi, disse em seu voto no Recurso Especial nº 279273/SP, em que era Relatora:
O risco empresarial normal às atividades econômicas não pode ser suportado pelo terceiro que contratou com a pessoa jurídica, mas pelos sócios e/ou administradores desta, ainda que estes demonstrem conduta administrativa proba, isto é, mesmo que não exista qualquer prova capaz de identificar conduta culposa ou dolosa por parte dos sócios e/ou administradores da pessoa jurídica.
O ilustre doutrinador Fábio Ulhôa Coelho trata a respeito desta teoria:
Ela reflete, na verdade, a crise do princípio da autonomia patrimonial, quando referente às sociedades empresárias. O seu pressuposto é simplesmente o desatendimento de crédito titularizado perante a sociedade, em razão da insolvabilidade ou falência desta. De acordo com a teoria menor da desconsideração, se a sociedade não possui patrimônio, mas o sócio é solvente, isso basta para responsabilizá-lo por obrigações daquela. A formulação menor não se preocupa em distinguir a utilização fraudulenta da regular do instituto, nem indaga se houve ou não abuso na forma. Por outro lado, é-lhe todo irrelevante a natureza negocial do direito creditício oponível a sociedade. Equivale, em outros termos, a simples eliminação do princípio da separação entre a pessoa jurídica e seus integrantes. Se a formulação maior pode ser considerada um aprimoramento da pessoa jurídica, a menor deve ser vista como o questionamento de sua pertinência, enquanto instituto jurídico. (COELHO, 2003, p. 46).
Assim defende a ilustre ministra do STJ, pois neste momento busca-se o protecionismo ao consumidor cujo objetivo será sempre reparar qualquer dano que seja causado à parte mais vulnerável de uma relação consumerista. Um excelente e emblemático exemplo de aplicação deste entendimento foi com o caso da explosão do Osasco Plaza Shopping, ocasionado pelo vazamento de gás, ocorrido em 11 de junho de 1996. Neste caso, evidentemente não houve intenção dos sócios em causar danos às pessoas que estavam ali, todavia, o escoamento do gás deu causa a 40 mortes e por volta de 400 feridos e, assim, as vítimas e famílias detinham o direito de indenização pelos danos morais e materiais. Por se tratar de um acidente que trouxe elevado valor de prejuízo, somente o patrimônio da sociedade não seria capaz de cobrir as indenizações, motivo pelo qual se utilizou da teoria menor para a aplicação da desconsideração da personalidade com o intuito de atingir o patrimônio dos sócios.
Em suma, a teoria menor será aplicada nos casos que necessitam de uma atenção mais focada pelo Estado, como nos casos de direitos de consumidores, empregados, meio ambiente, entre outros.
3.4 Desconsideração inversa
Como visto anteriormente, a prática da desconsideração da personalidade jurídica de uma sociedade é muito comum. Todavia, é de suma importância destacar que o inverso também pode ocorrer, ou seja, é possível que ocorra uma “invasão” ao patrimônio da sociedade em razão da existência de dívidas provenientes do sócio, sendo aceita a desconsideração da autonomia patrimonial da pessoa jurídica para responsabilizá-la pelas obrigações assumidas por seus sócios. É o que definiu a Ministra Nancy Andrighi, em seu voto no Recurso Especial 948.117/MS, pelas seguintes palavras:
A desconsideração inversa da personalidade jurídica caracteriza-se pelo afastamento da autonomia patrimonial da sociedade, para, contrariamente do que ocorre na desconsideração da personalidade propriamente dita, atingir, então, o ente coletivo e seu patrimônio social, de modo a responsabilizar a pessoa jurídica por obrigações de seus sócios ou administradores.
Ainda, no mesmo processo, a Ministra tratou sobre o tema à luz do artigo 50 do Código Civil, pelos seguintes dizeres:
Sob a ótica de uma interpretação teleológica, legítima a inferência de ser possível a teoria da desconsideração da personalidade jurídica em sua modalidade inversa, que encontra justificativa nos princípios éticos e jurídicos intrínsecos à própria “disregard doctrine”, que vedam o abuso de direito e a fraude contra credores. Dessa forma, a finalidade maior da “disregard doctrine” contida no preceito legal em comento é combater a utilização indevida do ente societário por seus sócios.
Desta forma, o Enunciado nº 283 do CJF/STJ prevê o cabimento da desconsideração da personalidade jurídica nomeada como “inversa” com o objetivo de alcançar patrimônios da sociedade, uma vez que os sócios se valeram da pessoa jurídica para omitir ou desviar bens pessoais, prejudicando terceiros. Se for constatado que houve transferência do patrimônio pessoal do sócio para a pessoa jurídica, com o intuito de esvaziar seu patrimônio pessoal e omiti-los para com terceiros, será possível a declaração desta modalidade de desconsideração, sendo este um instrumento muito eficaz no combate a atitudes fraudulentas. Esta espécie é mais utilizada em assuntos de direitos de família, nos qual o alienante, com a intenção de fraudar sua obrigação de prestar alimentos, realiza a transferência de seus bens para a pessoa jurídica em que é sócio. Outra prática muito comum nesse ramo do direito é no momento em que será feita divisão de bens de um casal que irá se divorciar. Sobre isso, o doutrinador Fábio Ulhoa diz:
Se um dos cônjuges ou companheiros, ao adquirir bens de maior valor, registra-os em nome de pessoa jurídica sob seu controle, eles não integram, sob o ponto de vista formal, a massa a partilhar. Ao se desconsiderar a autonomia patrimonial, será possível responsabilizar a pessoa jurídica pelo devido ao ex-cônjuge ou ex-companheiro do sócio, associado ou instituidor. (COELHO, 2005, p. 45).
Cumpre esclarecer que a desconsideração inversa foi positivada recentemente no ordenamento jurídico brasileiro com a reforma do Código de Processo Civil em 2015, ou seja, antes desse marco, esta modalidade era concebida pelos tribunais apenas por entendimento doutrinário e jurisprudencial. Assim dispõe o Código de Processo Civil de 2015, em seu artigo que trata sobre o tema:
Art. 133. O incidente de desconsideração da personalidade jurídica será instaurado a pedido da parte ou do Ministério Público, quando lhe couber intervir no processo.
[…]
- 2º Aplica-se o disposto neste Capítulo à hipótese de desconsideração inversa da personalidade jurídica.
3.5 De ação própria ao incidente processual
Antes da Lei 13.105 de 2015 (Novo Código de Processo Civil), a doutrina entendia como necessária a utilização de ação autônoma para que os sócios respondessem pela responsabilidade contraída pela pessoa jurídica da qual faziam parte.
Segundo Fábio Ulhoa Coelho, em seu trabalho Curso de direito comercial, volume II, seria necessária a instauração de ação judicial autônoma iniciada pelo credor da pessoa jurídica em oposição aos sócios da empresa, uma vez que o magistrado não poderia deferir a desconsideração da personalidade jurídica senão por este caminho. Todavia, existiam juristas que sustentavam ideia contrária à anterior, como por exemplo, Cristiano Chaves de Faria. Este dizia ser possível a desconsideração da personalidade jurídica por meio de incidente processual no meio da ação de execução, possibilitando a confusão patrimonial e estendendo a responsabilidade aos sócios. Neste caminho, apesar do entendimento majoritário de que havia necessidade de ação própria para o feito, ainda antes da atualização do Código de Processo Civil em 2015, já existia jurisprudência que autorizava o pedido de desconsideração sem a utilização de nova demanda processual autônoma, conforme o seguinte trecho enunciado em 2013:
O juiz pode determinar, de forma incidental, na execução singular ou coletiva, a desconsideração da personalidade jurídica de sociedade. De fato, segundo a jurisprudência do STJ, preenchidos os requisitos legais, não se exige, para a adoção da medida, a propositura de ação autônoma. Precedentes citados: REsp 1.096.604-DF, Quarta Turma, DJe 16.10.2012; e REsp 920.602-DF, Terceira Turma, DJe 23.06.2008 (STJ, REsp 1.326.201/RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 07.05.2013).
Assim, o NCPC buscou acabar com quaisquer dúvidas a este respeito, trazendo consigo capítulo específico sobre desconsideração, presente no “Capítulo IV: Incidente de desconsideração da personalidade jurídica” do “Título III: Da intervenção de terceiros”. Desse modo, pacificou-se o tema e determinou-se como desnecessária a elaboração de ação cognitiva autônoma para buscar a desconsideração da personalidade jurídica.
Tais são os artigos presentes neste capítulo:
Art. 133. O incidente de desconsideração da personalidade jurídica será instaurado a pedido da parte ou do Ministério Público, quando lhe couber intervir no processo.
- 1º O pedido de desconsideração da personalidade jurídica observará os pressupostos previstos em lei.
- 2º Aplica-se o disposto neste Capítulo à hipótese de desconsideração inversa da personalidade jurídica.
Art. 134. O incidente de desconsideração é cabível em todas as fases do processo de conhecimento, no cumprimento de sentença e na execução fundada em título executivo extrajudicial.
- 1º A instauração do incidente será imediatamente comunicada ao distribuidor para as anotações devidas.
- 2º Dispensa-se a instauração do incidente se a desconsideração da personalidade jurídica for requerida na petição inicial, hipótese em que será citado o sócio ou a pessoa jurídica.
- 3º A instauração do incidente suspenderá o processo, salvo na hipótese do § 2º.
- 4º O requerimento deve demonstrar o preenchimento dos pressupostos legais específicos para desconsideração da personalidade jurídica.
Art. 135. Instaurado o incidente, o sócio ou a pessoa jurídica será citado para manifestar-se e requerer as provas cabíveis no prazo de 15 (quinze) dias.
Art. 136. Concluída a instrução, se necessária, o incidente será resolvido por decisão interlocutória.
Parágrafo único. Se a decisão for proferida pelo relator, cabe agravo interno.
Art. 137. Acolhido o pedido de desconsideração, a alienação ou a oneração de bens, havida em fraude de execução, será ineficaz em relação ao requerente.
Analisando os artigos acima, é evidente e inquestionável a desnecessidade que o Código garante sobre tratar a desconsideração da personalidade em processo distinto ao principal. Conforme consta no art. 134, caput e seus parágrafos, será deferido o pedido de desconsideração em incidente processual dentro da ação principal. Vale ressaltar que, antes do advento da atualização do Código de Processo Civil ocorrida em 2015, conforme dito anteriormente, a doutrina era predominante no sentido de entender por necessária a ação autônoma para a desconsideração. Todavia, mesmo doutrinariamente sendo este o entendimento, o Superior Tribunal de Justiça já havia se expressado no sentido de ser possível tal feito desde que preenchido os pressupostos.
Assim se expressou a Ministra Nancy Andrighi, relatora do Recurso Especial 1.326.201-RJ, em seu voto:
De acordo com o entendimento consolidado neste Superior Tribunal de Justiça, a desconsideração da personalidade jurídica, embora constitua medida de caráter excepcional, é admitida quando ficar caracterizado desvio de finalidade, confusão patrimonial – hipótese dos autos – ou dissolução irregular da sociedade. É o que evidenciam os seguintes precedentes: AgRg no Ag 668.190/SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, DJe 16.09.2011, e REsp 907.915/SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, DJe 27.06.2011.
É igualmente certo que, verificados os pressupostos necessários à desconsideração da personalidade jurídica (uso abusivo da personificação societária para fraudar a lei ou prejudicar terceiros), poderá o juiz, incidentalmente no próprio processo de execução (singular ou coletiva), levantar o véu da personalidade jurídica para que os atos expropriatórios alcancem bens de terceiros (pessoas físicas ou jurídicas).
Vale dizer, a adoção de tal medida prescinde da propositura de ação autônoma com essa finalidade: “a superação da pessoa jurídica afirma-se como um incidente processual e não como um processo incidente, razão pela qual pode ser deferida nos próprios autos, dispensando-se também a citação dos sócios, em desfavor de quem foi superada a pessoa jurídica, bastando a defesa apresentada a posteriori” (REsp 1.096.604/DF, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, DJe 16.10.2012). Em sentido idêntico: REsp 920.602/DF, minha relatoria, Terceira Turma, DJe 23.06.2008.
Portanto, o assunto já era pacificado perante o Superior Tribunal de Justiça, ainda que houvesse divergência doutrinária sobre o tema.
4 A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA NAS EXECUÇÕES FISCAIS
4.1 Conceito de execução fiscal
A execução fiscal é um procedimento especial utilizado para que a Fazenda Pública cobre um crédito inadimplido pelo contribuinte. Esta modalidade de ação possui legislação própria – Lei de Execuções Fiscais (Lei nº 6.830/80). Por se tratar de um procedimento de execução, é possível denominar como uma subespécie de execução de quantia certa, motivo pelo qual se utilizam as mesmas bases estruturais definidas pelo Código de Processo Civil. Esta possibilidade de cobrança de uma dívida pela Fazenda Pública é devidamente legítima e possui previsão legal na Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, inciso XXXV; bem como no Código de Processo Civil, em seu artigo 3º, caput e ainda na própria Lei de Execuções Fiscais, em seu artigo 1º. O direito de cobrar por meio de tutela jurisdicional executiva surge a partir do momento em que um crédito tributário não é voluntariamente quitado pelo contribuinte ou obrigado, motivando a iniciativa da Fazenda Pública.
A execução iniciada pela Fazenda se baseia na existência de crédito tributário não pago, o que provoca sua inscrição em dívida ativa. De acordo com Humberto Theodoro Júnior, se busca neste procedimento especial tão somente o pagamento forçado do crédito já inscrito em dívida ativa. A dívida ativa se dá por meio da inscrição, sendo este um ato realizado pela Administração pública. Cumpre ressaltar que somente ocorrerá a inscrição quando houver um crédito vencido e não quitado, sendo feita uma análise pelo órgão competente ao individualizá-lo, sendo que esta etapa é conhecida por “lançamento”. É no lançamento em que a obrigação de pagar um débito tributário após a ocorrência de um fato gerador se torna líquida. Importante frisar que até aqui ainda não envolveu questão processual, mas somente administrativa.
É a partir da inscrição em dívida ativa que a Fazenda pode ajuizar a execução fiscal e buscar o adimplemento por parte do contribuinte ou obrigado. Postulada a demanda judicial, o então “executado” poderá manifestar-se por meio de embargos à execução ou embargos de terceiros.
4.2 A LEF como lei especial e a aplicação subsidiária do CPC
A Lei de Execução Fiscal, como mencionado, é a responsável por ditar as regras que devem ser seguidas nas execuções judiciais de dívida ativa dos entes federados (União, Estados, DF e Municípios), e ainda as autarquias que regem pela lei. Trata-se, portanto, de lei especial que leciona sobre as execuções fiscais. Importante destacar que pelo princípio da especialidade, a norma especial afasta a norma geral dependendo da matéria em conflito, isto é, quando se tratar de aspecto processual mais genérico, trata-se da norma geral. Por outro lado, ao se delimitar em assuntos mais específicos e detalhados, aplicar-se-á lei especial.
Sobre o tema, Maria Helena Diniz define que:
Uma norma é especial se possuir em sua definição legal todos os elementos típicos da norma geral e mais alguns de natureza objetiva ou subjetiva, denominados especializantes. A norma especial acresce um elemento próprio à descrição legal do tipo previsto na norma geral, tendo prevalência sobre esta, afastando-se assim o bis in idem, pois o comportamento só se enquadrará na norma especial, embora também seja previsto na geral. (DINIZ, 2009. p. 40).
É de extrema importância destacar que na ocorrência de conflitos entre as normas em questão, sua solução será baseada em princípios norteadores do direito, cuja intenção não é retirar a eficiência de uma das normas, mas sim a aplicação de uma em detrimento da outra, tão somente. Neste sentido defende a doutrinadora Aurora Tomazini de Carvalho:
Os princípios utilizados na solução de conflitos entre normas (i.e. lex superior derogat legi inferior, lex posterior derogat legi propri, lex specialis derogat legi generali), nada mais são do que regras que regulam a aplicação de outras regras (normas de estrutura). Não têm eles o condão de retirar a eficácia, vigência e validade de umas das normas conflitantes, apenas estabelecem critérios para que o agente competente estruture suas significações em relações de coordenação e subordinação (no plano S4) e, assim, aplique uma norma em detrimento da outra. (CARVALHO, 2009).
O conceito acima se mostra evidenciado quando, apesar de se tratar de lei especial, ela (LEF) apresenta lacunas que devem ser preenchidas utilizando-se outra lei, que, no presente caso, é o CPC, assim como dispõe o artigo 1º da LEF, in verbis:
Art. 1º A execução judicial para cobrança da Dívida Ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e respectivas autarquias será regida por esta Lei e, subsidiariamente, pelo Código de Processo Civil.
Um excelente exemplo desta aplicação subsidiária do CPC (norma geral) sobre as execuções fiscais é demonstrado no aspecto da competência, isto é, ainda que a LEF seja mais específica, o assunto de competência fica a cargo do CPC, em seu artigo 46, § 5º, o qual determina que “a execução fiscal será proposta no foro de domicílio do réu, no de sua residência ou no do lugar onde for encontrado”. Ou seja, o CPC tem forte presença nas execuções fiscais, visto que é aplicado em pontos específicos que a própria LEF não trouxe em seu texto.
Vale ressaltar que a intenção do legislador, ao determinar que o CPC fosse aplicado subsidiariamente, foi de garantir que o processo siga o rito processual correto, cumprindo com as formalidades exigidas e, principalmente, que estejam presentes princípios fundamentais, como o devido processo legal, ampla defesa e contraditório, previstos também no novo CPC. Portanto, em casos de falta de previsão legal na LEF, utilizar-se-á o Código de Processo Civil.
4.3 Da aplicação do incidente da desconsideração da personalidade jurídica no âmbito das execuções fiscais
Como dito anteriormente, o novo Código de Processo Civil trouxe diversas alterações, dentre elas a inserção em capítulo específico sobre a desconsideração da personalidade jurídica como incidente processual. Deste modo, o incidente em questão é o que mais gerou controvérsias, tanto doutrinária quanto jurisprudencial no âmbito das execuções fiscais.
A desconsideração da personalidade jurídica será possível diante de situações que ferem textos legais, ocasionados por desvio de finalidade ou abusos, de acordo com a definição trazida pelo CPC de 2015.
Muitos doutrinadores entendem como possível a aplicação de referido incidente no âmbito das execuções fiscais, por diversos argumentos. Nesse sentido, a advogada Betina Grupenmacher dispõe em seu texto:
Embora haja expressa referência no texto normativo à “ausência de norma” regulatória, o legislador não se referiu apenas à aplicação supletiva do NCPC aos processos administrativos, no preciso sentido de colmatação de lacunas, mas autorizou também a sua aplicação subsidiária, o que, conquanto antinômico com a alusão à “ausência de norma” – já que nessa hipótese a aplicação seria apenas supletiva -, guarda coerência com a intenção do legislador de atribuir ao NCPC a condição de veículo introdutor de uma nova Teoria Geral do Processo.
[…]
Aplicam-se à execução fiscal subsidiariamente as disposições do Código de Processo Civil. Assim como o disposto no artigo 795 do novo CPC, também o artigo 4º, § 3º, da citada Lei de Execuções Fiscais, prevê que bens do sócio responsável só responderão pelo débito se os da empresa não forem suficientes para tanto. (GRUPENMACHER, 2016, p. 18).
Assim, a advogada discorre no sentido de ser a favor da possibilidade de ocorrência do incidente, seguindo as normas do CPC/15, entendendo ser possível buscar a desconsideração da personalidade jurídica, de modo facultativo ao devedor em demonstrar após a dilação probatória, a indevida pretensão do credor. Desta forma relata em sua outra obra:
[…] tal fundamento não afasta a aplicação do IDPJ às execuções fiscais, pois, na prática, exequentes adotam o referido art. 135 do CTN como fundamento dos pedidos de redirecionamento. Porém, o embasamento utilizado seja equivocado, pois quase sempre o redirecionamento opera-se quando inexistem bens da empresa para satisfazer o débito, é o que se passa pragmaticamente, razão pela qual, em tudo e por tudo, o IDPJ aplicar-se-á às execuções fiscais. É indiscutível. (GRUPENMACHER, 2015).
Ato contínuo, cumpre salientar o posicionamento de Moreira e McNaughton:
É importante frisar que em âmbito federal existe regramento específico para o processo tributário por meio da Lei de Execuções Fiscais (Lei 6.830/80), aplicável também aos Estados, Distrito Federal e Municípios. Nesse caso, a execução judicial para a cobrança da dívida ativa desses entes será regida por essa Lei e, de forma auxiliar, pelo Código de Processo Civil. (MOREIRA; MCNAUGHTON, 2017).
Como mencionado, trata-se de um tema ainda controverso. Deste modo, diversos são os entendimentos dos tribunais, sendo a favor e contra a aplicação do incidente. Segue abaixo acórdão do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, o qual entende pela aplicação do incidente:
Processual civil. Agravo de instrumento. Incidente de desconsideração da personalidade jurídica. Execução fiscal. Aplicabilidade. Recurso desprovido. 1. Pretende a reforma da decisão monocrática que indeferiu o pedido de redirecionamento da execução, nos termos do art. 135 do CTN, ao fundamento de que se aplica, na hipótese, o incidente de desconsideração da personalidade jurídica trazido pelo Novo CPC nos artigos 133 a 137. 2. Resta claro que a mera dissolução irregular da empresa não seria suficiente a ensejar o redirecionamento pretendido, pois não restou demonstrado que a agravante tenha empreendido os devidos esforços para localizar os bens do executado. 3. Por outro lado, há que ser adotada em sede de execução fiscal o incidente de desconsideração da personalidade jurídica, previsto no Novo CPC, pois se trata de um significativo avanço na garantia do contraditório e da ampla defesa do contribuinte, sendo descabido o argumento de que a regência da execução fiscal por lei específica inviabilizaria a adoção do referido instituto. Ademais, caso fosse esse o entendimento, o próprio redirecionamento não poderia ser adotado, tendo em vista a ausência de previsibilidade na Lei 6.830/80. 4. Agravo de instrumento desprovido. (BRASIL. Tribunal Regional Federal da 2ª Região. Processual Civil. Agravo de Instrumento. Execução Fiscal. AG 0011217-86.2016.4.02.0000 da 6ª Turma Especializada. Relator: JFC Alcides Martins Ribeiro Filho. 10 de março de 2017).
O acórdão supra evidentemente inclina-se à aplicação do incidente como forma de garantir, principalmente, os princípios da segurança jurídica e ampla defesa ao sócio da pessoa jurídica. O Relator do caso, Dr. Alcides Martins Ribeiro Filho, indeferiu o redirecionamento da execução para o sócio da empresa agravada, visto que não foram exauridos os esforços por parte da agravante e a dissolução irregular não é causa para tanto. Assim, agiu de forma imparcial e garantiu os direitos de defesa para a agravada.
Em resumo, os argumentos trazidos com o fim de se aplicar o incidente nas execuções fiscais de acordo com Philip Gunther (2018), principalmente, são: a) o incidente da desconsideração é aplicado também na execução de título executivo extrajudicial, e como a Certidão de dívida ativa é o objeto da execução fiscal, sendo um título executivo extrajudicial, conclui-se que pode ser aplicado, também, às execuções fiscais; b) o incidente garante a presença e aplicação dos princípios fundamentais do contraditório e da ampla defesa, principalmente, presentes no texto constitucional do art. 5º, LV e art. 7º do NCPC; c) conforme dispõe o art. 795, § 4º, do CPC, “é obrigatória a observância do incidente previsto neste Código” em se tratando sobre desconsideração da personalidade; d) ao contrário do que se argumenta, a abertura do incidente não obsta a eficiência da execução fiscal, isto é, o sócio citado no incidente não pode se desfazer de seu patrimônio, conforme dispõe o art. 137 do CPC, uma vez que a alienação de tais bens é ineficaz.
4.4 Da impossibilidade de aplicação do incidente da desconsideração da personalidade jurídica no âmbito das execuções fiscais
Em sentido oposto, diversos são os juristas que entendem pela não aplicação do incidente em pauta. É de grande importância destacar que a maior parte dos tribunais entende pela impossibilidade de aplicar tal modalidade. Neste diapasão, a escola nacional de formação e aperfeiçoamento de magistrados elaborou, dentre os diversos enunciados, um posicionamento específico sobre o Enunciado nº 53, in verbis:
53) O redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente prescinde do incidente de desconsideração da personalidade jurídica previsto no art. 133 do CPC/2015.
Desse modo, o ENFAM entende pela não utilização de tal instituto jurídico. Ainda nesse sentido, existe a reiterada aplicação da Súmula 435 do STJ, a qual entende pela possibilidade de redirecionamento da execução para os sócios com a dissolução irregular da empresa, como se mostra a seguir:
Súmula 435 – Presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar no seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente.
Porém, é de extrema importância ressaltar que a súmula supracitada foi elaborada em momento anterior à reforma do CPC de 2015, isto é, antes de existir norma de processo que vincula toda jurisdição civil, a qual define o caminho a ser seguido em certos casos (desconsideração da personalidade).
O Tribunal Regional Federal da 2ª Região do Rio de Janeiro proferiu a seguinte decisão, contrária à aplicação:
Processo civil. Agravo de instrumento. Execução fiscal. Multa administrativa. Incidente de desconsideração da personalidade jurídica. Inaplicabilidade. 1. A decisão, em execução fiscal de multa administrativa, determinou a instauração de Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica, arts. 133/137 do CPC/2015. 2. Inaplicável o Código Tributário Nacional à execução fiscal de multas administrativas, regidas pela Lei nº 6.830/1980. A desconsideração da personalidade jurídica na execução fiscal de dívidas não tributárias tem apoio no art. 50 do CC/2002, a despeito da dificuldade na sua aplicação, à ausência de normativa acerca da ritualística a ser observada. 3. O CPC/2015, arts. 133 a 137, prevê a instauração de incidente autônomo, cabível em todas as fases do processo, que assegura contraditório prévio aos sócios antes da desconsideração, mas não pode ser utilizado indiscriminadamente, e sua instauração é incompatível com o rito das execuções fiscais, à luz do art. 1º da Lei nº 6.830/80, “eis que possibilitaria a suspensão do processo de execução e a dilação probatória sem a prévia garantia do juízo” (TRF4, AG 5039923- 37.2016.4.04.0000, 3ª Turma, Rel. Fernando Quadros da Silva, julg. 08.11.2016). 4. O pedido da agravante para a inclusão do sócio no polo passivo da execução fiscal, com o consequente redirecionamento da dívida, desde já, não pode ser provido nos termos em que formulado, pena de supressão de instância. 5. Agravo de Instrumento parcialmente provido para determinar a apreciação do pedido de desconsideração da personalidade jurídica, prescindindo-se da instauração do incidente, arts. 133 e segs. CPC/2015. (BRASIL. Tribunal Regional Federal da 2ª Região. Processual Civil. Agravo de Instrumento. Execução fiscal. Agravo de Instrumento nº 0010312-81.2016.4.02.0000. 6ª Turma Especializada. Relator: Nizete Lobato Carm. 12 de dezembro de 2016).
Em resumo, os argumentos desfavoráveis à aplicação da desconsideração da personalidade, de acordo com Philip Gunther (2018), são: a) não há previsão expressa determinando sua aplicação; b) o artigo 135 do CTN define a responsabilidade dos sócios, de modo que há redirecionamento da execução a eles, sem a necessidade de instauração do incidente; c) a Súmula 435 do STJ é utilizada como forte justificativa, tendo em vista a presunção da dissolução irregular da sociedade; d) o incidente da desconsideração não pode suspender a exigibilidade do crédito tributário, assim, não ocorrerá a prescrição tributária. Hipótese em que somente lei complementar pode ditar regras sobre suspensão da prescrição tributária, de acordo com o art. 146, III, da CF/88.
Em conformidade com a não aplicação, existe um consenso também no sentido de que caso o CPC seja aplicado de forma ilimitada nos casos tributários, possivelmente irá desajustar a autonomia do CTN, uma vez que o Código de Processo Civil deve ser aplicado tão somente como subsidiário ou supletivo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente trabalho buscou tratar sobre um importante meio de resolução processual, qual seja o incidente de desconsideração da personalidade jurídica, cuja enorme importância se mostra evidente pelo fato de o novo Código de Processo Civil ter trazido em sua reforma capítulo específico sobre o tema.
Como se pôde verificar, a desconsideração da personalidade jurídica, em todas suas modalidades, é um mecanismo processual de extrema relevância, uma vez que o instituto garante ao credor de uma relação contratual que seu crédito seja buscado de diversas formas, até mesmo com a confusão patrimonial entre a sociedade e o sócio devedores. Vale ressaltar que sua aplicação não é sinônimo de atingimento do direito, isto é, não quer dizer que o crédito em questão será devidamente quitado, porém é por meio deste instituto que se irá buscar o direito. Cumpre acentuar que o incidente de desconsideração da personalidade jurídica deve ser aplicado somente em casos de real necessidade, isto é, evidentemente trata-se de medida extrema, abrupta, visto que seu cumprimento marca o afastamento de princípios da propriedade e da autonomia patrimonial, principalmente. Desse modo, com o intuito de que somente seja determinado em casos específicos, o legislador criou requisitos que devem ser preenchidos antes de se determinar a instauração do incidente, tais como desvio de finalidade, confusão patrimonial entre sócio e sociedade. Antes da ocorrência do incidente, devem estar presentes tais pressupostos.
Em relação às execuções fiscais, a doutrina não possui um entendimento pacificado sobre o instituto, porém a corrente que está crescendo é de que não é cabível a aplicação do incidente por alguns motivos, principalmente pelo argumento de que o CTN define que o redirecionamento da execução para os sócios prescinde de instauração do incidente e, ainda, pela existência da Súmula 435 do STJ, presumindo a dissolução irregular da sociedade. Porém, apesar de serem fortes argumentos, a não instauração do incidente da desconsideração se traduz como medida parcial e autoritária em relação ao Estado contra o particular. A Constituição Federal determina que são assegurados, dentre outros, os princípios da ampla defesa e do contraditório. Ainda, em conformidade com a CF, o Código de Processo Civil trouxe à baila o capítulo deste instituto, visando assim garantir o cumprimento dos princípios constitucionais mencionados acima. Outrossim, o próprio CTN define, em seu artigo 1º, que será aplicado o CPC de forma subsidiária nos assuntos pertinentes a tal aplicação. Veja-se que o atingimento do patrimônio do sócio é caso de utilização das regras do CPC, pois se encaixa perfeitamente na definição trazida em seu texto legal.
Ainda, o atingimento do patrimônio do sócio nas execuções fiscais é uma medida totalmente parcial quando não se utiliza do incidente, uma vez que seus bens são atingidos antes mesmo que ele possa exercer seu direito de resposta, evidenciando, assim, o cerceamento de defesa. Outro ponto importante a se destacar é que existem doutrinadores que defendem a não aplicação do incidente da desconsideração da personalidade jurídica pelo fato de que, caso ocorra tal incidente processual, a execução irá prorrogar por um enorme tempo, indo contra o princípio da celeridade processual. Ora, como é possível se falar em celeridade processual sendo que o particular possui prazos legais para exercer seu direito de manifestação e o órgão público, seja parte do processo (Procuradoria) ou julgador não possuem prazos para manifestação/decisão? O argumento trazido por essa corrente não condiz com a realidade, visto que são órgãos públicos que não cumprem com o princípio da celeridade processual. E, como se não bastasse, tal argumento nos mostra que o importante é solucionar um problema de forma rápida, ainda que não seja feito de forma justa para ambas as partes.
A intenção do processo é resolver a discussão que gerou a demanda judicial, porém cumprindo com o devido processo legal, garantindo o tratamento igual entre as partes, conforme dita o art. 5º da CF, que traz o princípio da isonomia processual à baila.
Por fim, diversos são os argumentos contra e a favor da aplicação de referido incidente previsto no CPC/15, todavia, como pudemos observar, a corrente que mais se aproxima de um julgamento justo e que segue os princípios constitucionais é aquela a favor da aplicação do incidente, vez que, dessa forma, o polo passivo da ação de execução (contribuinte) não sofrerá com qualquer forma de abuso de poder ou cerceamento de defesa, podendo debater todos os pontos levantados pela Fazenda Pública sem que antes seja atingido seu patrimônio pessoal.
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