DA POSSIBILIDADE DE PRISÃO DO DEVEDOR DE ALIMENTOS FIXADOS EM ESCRITURA PÚBLICA DE DIVÓRCIO E DE EXTINÇÃO DA UNIÃO ESTÁVEL
Christiano Cassettari
Em 04.01.07 foi promulgada a Lei nº 11.441/07, que entrou em vigor no dia 05.01.07, e que estabeleceu normas acerca da separação e do divórcio consensuais e do inventário, todos realizados extrajudicialmente em tabelionato de notas.
A referida Lei incluiu quatro artigos no Código de Processo Civil de 1973, então vigente à época.
O art. 1º da referida Lei modificou os arts. 982 e 983 do Código de Processo Civil de 1973, para nele incluir a possibilidade de o inventário ser realizado extrajudicialmente, por escritura pública em tabelionato de notas, mediante o preenchimento de certos requisitos:
“Art. 982. Havendo testamento ou interessado incapaz, proceder-se-á ao inventário judicial; se todos forem capazes e concordes, poderá fazer-se o inventário e a partilha por escritura pública, a qual constituirá título hábil para o registro imobiliário.
Parágrafo único. O tabelião somente lavrará a escritura pública se todas as partes interessadas estiverem assistidas por advogado comum ou advogados de cada uma delas, cuja qualificação e assinatura constarão do ato notarial.”
“Art. 983. O processo de inventário e partilha deve ser aberto dentro de 60 (sessenta) dias a contar da abertura da sucessão, ultimando-se nos 12 (doze) meses subseqüentes, podendo o juiz prorrogar tais prazos, de ofício ou a requerimento de parte.
Parágrafo único. (Revogado).“
A Lei nº 11.965/09 alterou a redação do art. 982 do Código de Processo Civil de 1973 descrita acima, nos seguintes termos:
“Art. 982. (…)
- 1º O tabelião somente lavrará a escritura pública se todas as partes interessadas estiverem assistidas por advogado comum ou advogados de cada uma delas ou por defensor público, cuja qualificação e assinatura constarão do ato notarial.
- 2º A escritura e demais atos notariais serão gratuitos àqueles que se declararem pobres sob as penas da lei.“
As modificações introduzidas pelo novo texto descrito acima foram a inclusão da possibilidade de as partes serem assistidas por defensor público e a previsão de gratuidade aos que se declararem pobres, que não existia na redação anterior.
O art. 2º da Lei nº 11.441/07 alterou o caput do art. 1.031 do Código de Processo Civil de 1973, para indicar o artigo do Código Civil de 2002 que trata do assunto, pois a redação antiga fazia menção ao Código Civil de 1916:
“Art. 1.031. A partilha amigável, celebrada entre partes capazes, nos termos do art. 2.015 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil, será homologada de plano pelo juiz, mediante a prova da quitação dos tributos relativos aos bens do espólio e às suas rendas, com observância dos arts. 1.032 a 1.035 desta Lei.”
Já o art. 3º da Lei nº 11.441/07 incluiu no Código de Processo Civil de 1973 o art. 1.124-A, para permitir que a separação e o divórcio fossem feitos por escritura pública, observados certos requisitos:
“Art. 1.124-A. A separação consensual e o divórcio consensual, não havendo filhos menores ou incapazes do casal e observados os requisitos legais quanto aos prazos, poderão ser realizados por escritura pública, da qual constarão as disposições relativas à descrição e à partilha dos bens comuns e à pensão alimentícia e, ainda, ao acordo quanto à retomada pelo cônjuge de seu nome de solteiro ou à manutenção do nome adotado quando se deu o casamento.
- 1º A escritura não depende de homologação judicial e constitui título hábil para o registro civil e o registro de imóveis.
- 2º O tabelião somente lavrará a escritura se os contratantes estiverem assistidos por advogado comum ou advogados de cada um deles ou por defensor público, cuja qualificação e assinatura constarão do ato notarial. (Redação dada pela Lei nº 11.965, de 2009)
- 3º A escritura e demais atos notariais serão gratuitos àqueles que se declararem pobres sob as penas da lei.”
Já consta na redação do artigo acima a alteração feita pela Lei nº 11.965/09, para nele incluir a possibilidade de as partes serem assistidas por defensor público.
Ocorre, porém, que o art. 1.124-A do Código de Processo Civil de 1973 foi revogado pelo art. 733 do Código de Processo Civil de 2015, em vigor desde 17 de março de 2016. Daquele dia em diante a previsão para o divórcio extrajudicial por escritura pública está lá regulamentado da seguinte maneira:
“Art. 733. O divórcio consensual, a separação consensual e a extinção consensual de união estável, não havendo nascituro ou filhos incapazes e observados os requisitos legais, poderão ser realizados por escritura pública, da qual constarão as disposições de que trata o art. 731.
- 1º A escritura não depende de homologação judicial e constitui título hábil para qualquer ato de registro, bem como para levantamento de importância depositada em instituições financeiras.
- 2º O tabelião somente lavrará a escritura se os interessados estiverem assistidos por advogado ou por defensor público, cuja qualificação e assinatura constarão do ato notarial.”
As principais modificações introduzidas pelo texto acima são:
1) A referida norma passa a ser aplicada, também, para a extinção da união estável;
2) O texto, agora, de forma expressa, indica que a escritura não pode ser realizada se houver nascituro, ou seja, se a mulher estiver grávida;
3) Foi incluída a regra de que a referida escritura é título hábil para qualquer ato de registro e para o levantamento de importância depositada em instituição financeira; e
4) O citado artigo suprime a previsão de gratuidade às pessoas que se declarassem pobres existente no texto original da norma.
Cumpre salientar que continua possível, com a novel legislação, fixar alimentos nas escrituras de divórcio e de dissolução de união estável para o cônjuge, o companheiro ou os filhos maiores.
Mas desde a criação da norma que instituiu a possibilidade de se fazer o divórcio por escritura pública, o art. 1.124-A do Código de Processo Civil de 1973, instituído pela Lei nº 11.441/07, iniciou uma discussão sobre qual seria o rito procedimental a ser seguido para se executar os alimentos fixados nestas escrituras, já que a execução, neste caso, possuía normas próprias nos arts. 732 e 733 do Código de Processo Civil de 1973.
Na execução pelo art. 732 do Código de Processo Civil de 1973, não sendo pago o valor executado, a providência que poderia ser tomada é a penhora de bens do devedor (alimentante). Já na hipótese de execução dos alimentos pelo art. 733 do citado diploma legal, se o montante devido não era pago, o juiz decretava a prisão do devedor.
Por existir diferença nas consequências da execução, torna-se importante saber se, havendo necessidade de iniciá-la, o procedimento adotado seria o do art. 732 ou o do art.733 do Código de Processo Civil de 1973.
A prisão do devedor só era decretada quando a execução dos alimentos estivesse baseada no art. 733 do Código de Processo Civil de 1973, que exigia terem sido os alimentos instituídos por sentença ou decisão que fixou os alimentos provisionais.
De maneira residual, entendia-se que, se o processo executivo estivesse fundamentado em qualquer outra hipótese, como um título executivo extrajudicial (art. 585 do Código de Processo Civil de 1973), por exemplo, só haveria a possibilidade de penhorar bens do devedor, não cabendo a decretação de prisão.
Assim, inicialmente, cumpre questionar se a escritura pública que fixa pensão alimentícia para cônjuges, companheiros ou filhos maiores seria um título executivo judicial ou extrajudicial.
Entendemos, como afirmamos em nosso livro [1], que na interpretação da Lei nº 11.441/07 devemos aproximar ao máximo as escrituras públicas de separação, divórcio e extinção de união estável das sentenças que também a decretam, sob pena de a citada norma cair em desuso se existirem muitas diferenças entre elas.
Diante disto, já afirmávamos desde a 1ª edição da referida obra que a escritura pública que fixa alimentos em tais casos é título executivo judicial, pois, para lhe dar credibilidade, há necessidade de as medidas extremas existentes na execução de sentença serem estendidas a elas, para que se reconheça a seriedade da pensão fixada extrajudicialmente.
Tal pensamento vem embasado na interpretação feita no art. 19 da Lei de Alimentos (Lei nº 5.478/68), que estabelece:
“Art. 19. O juiz, para instrução da causa ou na execução da sentença ou do acordo, poderá tomar todas as providências necessárias para seu esclarecimento ou para o cumprimento do julgado ou do acordo, inclusive a decretação de prisão do devedor até 60 (sessenta) dias.” (grifos nossos)
O citado artigo não foi revogado pelo Código de Processo Civil de 1973, visto que, mesmo com a normatização do diploma procedimental acerca da execução de alimentos, a Lei de Alimentos é norma especial que coexistia com o citado Código, aplicando-se a tese do diálogo das fontes, na qual plúrimas fontes legislativas devem ser interpretadas conjunta e harmonicamente.
Com isto, no nosso sentir, o art. 19 da Lei de Alimentos garante que a prisão do devedor possa ser decretada, se não forem pagos os alimentos fixados em sentença ou acordo, como os que são estabelecidos em escrituras públicas de separação, divórcio, e agora de extinção da união estável. Isso para que a Lei nº 11.441/07 tivesse uma maior efetividade prática, objetivando a segurança necessária para que o procedimento notarial possa cada vez mais ser adotado pela sociedade.
Essa posição foi adotada pelo Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, que numa excepcional decisão julgou da seguinte forma:
“ALIMENTOS FIXADOS EM ESCRITURA PÚBLICA DE DIVÓRCIO (LEI Nº 11.441/07). RITO DO ART. 733 DO CPC. POSSIBILIDADE. ANULABILIDADE DA ESCRITURA (ART. 177 DO CC). VALIDADE DO ATO ENQUANTO NÃO PROLATADA SENTENÇA ANULATÓRIA. 1. Não basta ao agravante alegar a existência de vício de consentimento ou vontade para que seja anulado o negócio jurídico, mostrando-se necessário o ajuizamento de ação anulatória no prazo legal, e proferida sentença reconhecendo o vício (art. 177 do CC). 2. A Lei nº 11.441/07 permite o divórcio consensual sem filhos menores através de escritura pública, na qual os alimentos são convencionados para um dos ex-cônjuges ou para os filhos maiores, de modo que a definição do valor e da periodicidade dos alimentos não é mais privativa de decisão judicial. 3. Reconhecida pelo Superior Tribunal de Justiça a possibilidade da prisão civil por dívida alimentícia na execução aparelhada com acordos (títulos extrajudiciais) referendados pela defensoria pública e pelo Ministério Público. 4. De notória sabença que o pagamento de pensão alimentícia decorre, na maioria das vezes, da prisão civil do devedor, de modo que, esvaziada a possibilidade do decreto de prisão por ser o título extrajudicial escritura pública de divórcio o temor desaparecerá, desestimulando o pagamento da pensão devida. 5. A regra procedimental do art. 733 do CPC deve ser harmonizada com a inovação trazida na Lei nº 11.441/07 e com o art. 19 da Lei nº 5.478/68 (Lei de Alimentos), viabilizando, assim, a prisão civil do devedor, em consonância ao disposto na Constituição Federal (art. 5º, LXVII). De mais a mais, a execução por coerção pessoal, disciplinada no art. 733 do CPC, decorre da natureza da obrigação, mostrando-se irrelevante a espécie do título executivo que representa o crédito alimentar. 6. Agravo conhecido e improvido.” (TJGO, AI 0112039-26.2014.8.09.0000, Goiânia, Terceira Câmara Cível, Relª Desª Beatriz Figueiredo Franco, DJGO 08.07.2014, p. 118)
Mas, em 18.12.2013, o Tribunal de Justiça de São Paulo divulgou notícia em seu site afirmando que a Terceira Câmara de Direito Privado deu provimento a agravo de instrumento para suspender decisão que determinava o pagamento de débito de pensão alimentícia, sob pena de prisão do agravante. O devedor alegava que o divórcio foi realizado por escritura pública e, portanto, seria incompatível com o procedimento de execução do art. 733 do Código de Processo Civil de 1973 (que previa a decretação da prisão civil).
No entendimento da Turma julgadora, a escritura pública de divórcio é título executivo extrajudicial, cujo grau de certeza é menor do que o do título produzido em juízo após contraditório. “Daí por que não se pode admitir a prisão civil do devedor, medida excepcional e extremamente gravosa, em decorrência de ajuste que constou de escritura pública“, afirmou o relator do caso, Desembargador Carlos Alberto de Salles.
Seu voto ainda destacou que, para a execução desse débito alimentar, a agravada poderia se valer do rito da execução por quantia certa contra devedor solvente (que era previsto no art. 732 do Código de Processo Civil de 1973).
Participaram da Turma julgadora os Desembargadores Donegá Morandini e Beretta da Silveira. O número do processo não foi divulgado em razão do sigilo.
O Tribunal de Justiça do Mato Grosso, logo depois da divulgação dessa notícia, seguiu esse entendimento do TJSP:
“AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE EXECUÇÃO DE ALIMENTOS BASEADA EM TÍTULO EXTRAJUDICIAL. ACORDO FIRMADO EM ESCRITURA PÚBLICA DE DIVÓRCIO DIRETO CONSENSUAL. PRISÃO CIVIL. DESCABIMENTO. RECURSO NÃO PROVIDO. O descumprimento de escritura pública celebrada entre os interessados, sem a intervenção do Poder Judiciário, fixando alimentos, não pode ensejar a prisão civil do devedor com base no art. 733 do Código de Processo Civil, restrito à execução de sentença ou de decisão, que fixa os alimentos provisionais.” (TJMT, AI 48.302/2014, Capital, Rel. Des. Rubens de Oliveira Santos Filho, j. 23.07.2014, DJMT 28.07.2014, p. 75)
Antes da divulgação do citado julgamento pelo TJSP, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul já tinha decidido, também, dessa maneira:
“EXECUÇÃO DE ALIMENTOS. INSTRUMENTO PARTICULAR DE DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL. TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL. PRISÃO CIVIL. DESCABIMENTO. 1. O art. 585, inciso III, do CPC estabelece que a escritura pública ou outro documento público assinado pelo devedor constitui título executivo extrajudicial. 2. Tal título pode agasalhar execução sob constrição patrimonial, mas não o pedido de prisão que, por exigência do art. 733 do CPC, deve estar embasado em título executivo judicial. 3. Como a execução acena para a existência do título executivo extrajudicial e diz que os alimentos não foram satisfeitos, cabível o curso do processo na forma preconizada pelo art. 732 do CPC, devendo ser emendada a inicial. Recurso desprovido.” (TJRS, AI 380206-64.2013.8.21.7000, Tramandaí, Sétima Câmara Cível, Rel. Des. Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, j. 19.09.2013, DJERS 26.09.2013)
No julgado citado acima, o Tribunal de Justiça do Mato Grosso fundamentou sua decisão num precedente do STJ, vejamos:
“HABEAS CORPUS. TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL. ESCRITURA PÚBLICA. ALIMENTOS. ART. 733 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. PRISÃO CIVIL. 1. O descumprimento de escritura pública celebrada entre os interessados, sem a intervenção do Poder Judiciário, fixando alimentos, não pode ensejar a prisão civil do devedor com base no art. 733 do Código de Processo Civil, restrito à ‘execução de sentença ou de decisão, que fixa os alimentos provisionais’. 2. Habeas corpus concedido.” (STJ, HC 22.401/SP, 2002-0058211-9, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, j. 20.08.02, publ. 30.09.02)
Entendemos que esse precedente não pode ser comprado ao caso em discussão, haja vista que o mesmo é anterior ao Código Civil vigente (2002), ou seja, anterior à Lei nº 11.441/07, época em que não havia previsão legal expressa para se fixar a pensão alimentícia numa escritura pública, com força comparada a uma sentença.
Com o passar do tempo, o próprio STJ modificou essa posição para permitir a decretação de prisão civil do devedor de alimentos, que foram fixados em título executivo extrajudicial.
“RECURSO ESPECIAL. OBRIGAÇÃO ALIMENTAR EM SENTIDO ESTRITO. DEVER DE SUSTENTO DOS PAIS A BEM DOS FILHOS. EXECUÇÃO DE ACORDO EXTRAJUDICIAL FIRMADO PERANTE O MINISTÉRIO PÚBLICO. DESCUMPRIMENTO. COMINAÇÃO DA PENA DE PRISÃO CIVIL. POSSIBILIDADE. 1. Execução de alimentos lastrada em título executivo extrajudicial, consubstanciado em acordo firmado perante órgão do Ministério Público (art. 585, II, do CPC), derivado de obrigação alimentar em sentido estrito – dever de sustento dos pais a bem dos filhos. 2. Documento hábil a permitir a cominação de prisão civil ao devedor inadimplente, mediante interpretação sistêmica dos arts. 19 da Lei nº 5.478/68 e 733 do Estatuto Processual Civil. A expressão ‘acordo’ contida no art. 19 da Lei nº 5.478/68 compreende não só os acordos firmados perante a autoridade judicial, alcançando também aqueles estabelecidos nos moldes do art. 585, II, do Estatuto Processual Civil, conforme dispõe o art. 733 do Código de Processo Civil. Nesse sentido: REsp 1.117.639/MG, Rel. Min. Massami Uyeda, Terceira Turma, j. 20.05.2010, DJe 21.02.2011. 3. Recurso especial provido, a fim de afastar a impossibilidade apresentada pelo Tribunal de origem e garantir que a execução alimentar seja processada com cominação de prisão civil, devendo ser observada a previsão constante da Súmula nº 309 desta Corte de Justiça.” (STJ, REsp 1.285.254/DF, Rel. Min. Marco Buzzi, 4ª Turma, j. 04.12.2012)
“RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO DE ALIMENTOS. ACORDO REFERENDADO PELA DEFENSORIA PÚBLICA ESTADUAL. AUSÊNCIA DE HOMOLOGAÇÃO JUDICIAL. OBSERVÂNCIA DO RITO DOS ARTS. 733 E SEGUINTES DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. POSSIBILIDADE, NA ESPÉCIE. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1. Diante da essencialidade do crédito alimentar, a lei processual civil acresce ao procedimento comum algumas peculiaridades tendentes a facilitar o pagamento do débito, dentre as quais destaca-se a possibilidade de a autoridade judicial determinar a prisão do devedor. 2. O acordo referendado pela Defensoria Pública estadual, além de se configurar como título executivo, pode ser executado sob pena de prisão civil. 3. A tensão que se estabelece entre a tutela do credor alimentar versus o direito de liberdade do devedor dos alimentos resolve-se, em um juízo de ponderação de valores, em favor do suprimento de alimentos a quem deles necessita. 4. Recurso especial provido.” (STJ, REsp 1.117.639/MG, Rel. Min. Massami Uyeda, 3ª Turma, j. 20.05.2010)
Assim sendo, afirmamos em nosso livro [2] que acreditamos que os alimentos fixados em escritura pública, mesmo sendo ela título executivo extrajudicial, devem ensejar a prisão civil do seu devedor, pois não pode fazer diferença entre os alimentos fixados no divórcio, apenas por ter sido realizado judicialmente ou por escritura pública, sob pena de se punir, de forma rigorosa, equivocada e desnecessária, quem optou pela forma mais célere, autorizada pela Lei nº 11.441/07, pois corremos o risco, também, de a pensão fixada em escritura de divórcio cair em descrédito e não ser respeitada pelo devedor, ao arrepio do princípio da dignidade da pessoa humana, descrito no art. 1º, inciso III, da Constituição Federal.
Contudo, acreditamos que tal polêmica não mais persiste, por ter sido resolvida pelo Código de Processo Civil de 2015.
A novel legislação processual regulamentou a execução de alimentos fundada em título executivo extrajudicial, no caso as escrituras públicas, no art. 911, que ganhou a seguinte redação:
“Art. 911. Na execução fundada em título executivo extrajudicial que contenha obrigação alimentar, o juiz mandará citar o executado para, em 3 (três) dias, efetuar o pagamento das parcelas anteriores ao início da execução e das que se vencerem no seu curso, provar que o fez ou justificar a impossibilidade de fazê-lo.
Parágrafo único. Aplicam-se, no que couber, os §§ 2º a 7º do art. 528.”
Existe regra expressa no parágrafo único do citado artigo que autoriza a aplicação dos §§ 2º a 7º do art. 528 do Código de Processo Civil de 2015 também para a execução de alimentos fundada em título executivo extrajudicial, como as escrituras públicas.
O art. 528 do Código de Processo Civil de 2015 inaugura o capítulo que trata do cumprimento de sentença, ou de decisão interlocutória, que fixa alimentos, e nele vem regulamentada a previsão da prisão civil do devedor inadimplente:
“Art. 528. No cumprimento de sentença que condene ao pagamento de prestação alimentícia ou de decisão interlocutória que fixe alimentos, o juiz, a requerimento do exequente, mandará intimar o executado pessoalmente para, em 3 (três) dias, pagar o débito, provar que o fez ou justificar a impossibilidade de efetuá-lo.
- 1º Caso o executado, no prazo referido no caput, não efetue o pagamento, não prove que o efetuou ou não apresente justificativa da impossibilidade de efetuá-lo, o juiz mandará protestar o pronunciamento judicial, aplicando-se, no que couber, o disposto no art. 517.
- 2º Somente a comprovação de fato que gere a impossibilidade absoluta de pagar justificará o inadimplemento.
- 3º Se o executado não pagar ou se a justificativa apresentada não for aceita, o juiz, além de mandar protestar o pronunciamento judicial na forma do § 1º, decretar-lhe-á a prisão pelo prazo de 1 (um) a 3 (três) meses.
- 4º A prisão será cumprida em regime fechado, devendo o preso ficar separado dos presos comuns.
- 5º O cumprimento da pena não exime o executado do pagamento das prestações vencidas e vincendas.
- 6º Paga a prestação alimentícia, o juiz suspenderá o cumprimento da ordem de prisão.
- 7º O débito alimentar que autoriza a prisão civil do alimentante é o que compreende até as 3 (três) prestações anteriores ao ajuizamento da execução e as que se vencerem no curso do processo.
- 8º O exequente pode optar por promover o cumprimento da sentença ou decisão desde logo, nos termos do disposto neste Livro, Título II, Capítulo III, caso em que não será admissível a prisão do executado, e, recaindo a penhora em dinheiro, a concessão de efeito suspensivo à impugnação não obsta a que o exequente levante mensalmente a importância da prestação.
- 9º Além das opções previstas no art. 516, parágrafo único, o exequente pode promover o cumprimento da sentença ou decisão que condena ao pagamento de prestação alimentícia no juízo de seu domicílio.”
Diante do exposto, é de se concluir que com o início da vigência do Código de Processo Civil de 2015, em 17.03.2016, não deve haver mais discussão sobre a possibilidade, ou não, de se prender o devedor de alimentos fixados em escritura pública de separação, divórcio e de extinção da união estável, pois o art. 19 da Lei de Alimentos (Lei nº 5.478/68) ainda continua em vigor, não tendo sido revogado pelo art. 1.072 da novel legislação processual. Agora, junta-se a esse argumento que, na referida norma procedimental, o art. 911 autoriza a aplicação subsidiária do art. 528 da mesma Lei, para permitir a prisão do devedor inadimplente de alimentos fixados por escritura pública, equiparando-o ao estabelecido em decisão judicial, para que tal cláusula firmada espontânea e consensualmente pela pessoa, perante um tabelião de notas, não caia em descrédito na sociedade pela diferença de tratamento, o que permitiria que a obrigação assumida ganhasse a ideia de que poderia ser descumprida, pois não geraria a consequência mais severa existente na lei para esse tipo de inadimplemento.
Referência Bibliográfica
CASSETTARI, Christiano. Separação, divórcio e inventário por escritura pública: teoria e prática. 7. ed. São Paulo: Método, 2014.
[1] CASSETTARI, Christiano. Separação, divórcio e inventário por escritura pública: teoria e prática. 7. ed. São Paulo: Método, 2014. p. 107.
[2] CASSETTARI, Christiano. Separação, divórcio e inventário por escritura pública: teoria e prática. 7. ed. São Paulo: Método, 2014. p. 111.