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DA GARANTIA DA AUTONOMIA E INDEPENDÊNCIA DO PODER JUDICIÁRIO – LIVRE DESEMPENHO DO MAGISTRADO QUE NÃO SE VINCULA A CARGA HORÁRIA RÍGIDA

DA GARANTIA DA AUTONOMIA E INDEPENDÊNCIA DO PODER JUDICIÁRIO – LIVRE DESEMPENHO DO MAGISTRADO QUE NÃO SE VINCULA A CARGA HORÁRIA RÍGIDA

Mauro Roberto Gomes de Mattos

 

É dever de qualquer Magistrado comparecer pontualmente ao juízo ao qual se encontra vinculado para a prática dos atos que são de sua responsabilidade, na forma do disposto no art. 35, VI, da Loman, verbis:

Art. 35. São deveres do magistrado:

[…]

VI – Comparecer pontualmente à hora de iniciar-se o expediente ou a sessão; e não se ausentar injustificadamente antes de seu término;

[…]

É preciso deixar bem cristalino que a efetividade e a qualidade da prestação jurisdicional não exigem a presença física do juiz nos horários designados para a prática de atos.

Isso porque, embora o juiz tenha o dever de cumprir suas obrigações por determinação legal (art. 35 da Loman), incluindo-se, em tal observância, estar vinculado a uma jornada de trabalho, não resta dúvida de que é assegurado o exercício de sua função com liberdade e como forma de garantir a autonomia e a independência do próprio Poder Judiciário, em conformidade com o art. 95 da CF.

Em respeito a essa garantia de autonomia e independência do Poder Judiciário, é prática comum entre os juízes levar autos de processos para casa, visando despachar e proferir sentenças, diante do acúmulo de serviço existente, em face do número exagerado de demandas vinculadas à progressão geométrica da população.

Para se conceber uma prestação jurisdicional mais célere e eficiente, o Magistrado é quase obrigado a trabalhar em sua residência, visando atender o seu dever social de distribuição de justiça.

O trabalho remoto, realizado na residência do Magistrado, fora da presença física dos horários designados para a prática de atos funcionais, caracteriza pseudoinfração funcional, em tese?

Ora, em face da independência para o exercício da jurisdição e garantido ao Magistrado o livre desempenho da jurisdição, não como privilégio, mas como consequência lógica de autonomia que lhe é concedida para melhor prestar seus serviços, não é defesa trabalhar em sua residência quando por necessário. Sendo certo que, não sendo atribuída ao Magistrado qualquer ausência de prestação jurisdicional, mas sim a sua ausência física nos horários designados para a prática dos atos, sequer há de se falar em responsabilidade funcional.

O livre exercício da jurisdição garante a independência do Magistrado, sendo-lhe deferido seu livre desempenho de acordo com o grau de conveniência e oportunidade que lhe aprouver.

Sobre o tema, destaca-se o comentário do eminente Ministro Alexandre de Moraes em sede doutrinária:

As garantias conferidas aos membros do Poder Judiciário têm assim como condão conferir à instituição a necessária independência para o exercício da Jurisdição, resguardando-a das pressões do Legislativo e do Executivo, não se caracterizando, pois os predicamentos da magistratura como privilégio dos magistrados, mas como meio de assegurar seu livre desempenho, de molde a revelar a independência e autonomia do Judiciário. […]

Todas essas garantias, portanto, são imprescindíveis ao exercício da democracia, à perpetuidade da Separação de Poderes e ao respeito aos direitos fundamentais, configurando suas ausências, supressões ou mesmo reduções, obstáculos inconstitucionais ao Poder Judiciário, no exercício de seu mister constitucional […]. (Constituição do Brasil interpretada. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2005. p. 1362)

E o pleno e livre exercício da magistratura é um dos pilares fundamentais da independência jurisdicional, como averba a doutrina:

[…] o conjunto de garantias de magistratura feita, em primeira linha, a assegurar a independência e imparcialidade dos órgãos judiciais. Nesse ponto, resulta-se que, no Estado Democrático de Direito, a independência judicial é mais importante para a eficácia dos direitos fundamentais do que o próprio catálogo de direitos contido nas constituições. Assim é que, no intuito de garantir, os direitos ordenamentos constitucionais contêm normas que asseguram e disciplinam o pleno exercício da magistratura. (CANOTILHO, J. J. Gomes; MENDES, Gilmar Ferreira; SARLET, Ingo Wolfgang; STRECK, Lenio Luiz. Comentários à Constituição do Brasil. 2. ed. Coimbra: Almedina, 2018. p. 1265) Sendo certo que a liberdade concedida ao Magistrado, no que diz respeito à frequência e ao horário de trabalho, já foi reconhecida pelo Conselho Nacional de Justiça – CNJ no julgamento do Pedido de Providências nº 2007.10.00.001006-7, como se infere no voto condutor do eminente Relator Conselheiro José Adonis Callou de Araújo Sá:

[…] A cada tribunal, no exercício de sua autonomia administrativa, compete à organização dos seus serviços judiciários, no que se inclui a fixação do horário de expediente. Essa competência se extrai das normas do art. 96 da CF e art. 21 da Loman. Dessas premissas não se pode inferir, todavia, que o juiz esteja submetido a jornada fixa de trabalho. O compromisso do juiz é com a tarefa de dar solução aos inúmeros casos que lhe são submetidos. O cumprimento dessa tarefa exige mais que mera presença na sede do juízo no horário de atendimento ao público. A preparação de atos decisórios exige estudo de autos de processos e dos temas jurídicos subjacentes aos casos submetidos a solução judicial. Em síntese, as atividades realizadas pelo juiz no cumprimento de seus deveres funcionais não se restringem e não se exaurem na observância do horário do expediente do órgão judiciário. […] (CNJ, Plenário, 50ª Sessão Ordinária, Rel. Cons. José Adonis Callou de Araújo Sá, 23.10.2007, DJU 09.11.2007).

Em sendo assim, dentro da prerrogativa que é conferida ao Magistrado, o juiz não extrapola os limites do trabalho remoto em sua residência, quando especialmente não compete na sede do juízo no horário de atendimento ao público.

Ou seja, não sendo apontado um mínimo de prejuízo à prestação jurisdicional e aos jurisdicionados, o não comparecimento a juízo não se constitui, por si só, em prática de ato infracional.

Assim, não há razão fática, lógica ou jurídica para a instauração de investigação disciplinar, devendo, pois, serem asseguradas a autonomia e a independência dos Juízes de Direito no que prescinde à frequência de trabalho e aos horários de trabalho com liberdade e independência nos juízos em quem atuam.

O tema não é novo e, como visto, já mereceu atenção do Conselho nacional de Justiça – CNJ, como já citado, e renovado em outros precedentes.

Nessa vertente, é de ser abrir parênteses para citar que o tema também foi discorrido no Pedido de Providências nº 2008.10.00.000292-0, de que foi relator o Conselheiro Rui Stoco, verbis:

Pedido de providências. Pedido para implantação de sistema de ponto eletrônico para controle da frequência e assiduidade dos Magistrados do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Ausência de comprovação de qualquer irregularidade ou da necessidade de se implantar tal sistema. Apesar do dever do juiz de cumprir os deveres do cargo, exercício da função jurisdicional deve realizar-se com liberdade e independência. O controle do cumprimento desses deveres é imposição legal, nos termos do art. 35 da Loman, que prevê os deveres do Magistrado relativos à pontualidade. Não há, todavia, critério rígido e previamente estabelecido para esse controle, ou carga horária estabelecida, considerando que ao julgador se concede margem de liberdade para melhor atender à atividade jurisdicional. (CNJ, Plenário, 59ª Sessão Ordinária, Rel. Cons. Rui Stoco, J. 25.03.2008, DJU 15.04.2008).

No mesmo sentido, extrai-se a seguinte lição no PCA 2008.10.00.001014-0-CNJ:

Magistrado. Controle de frequência e horário de trabalho por telefone. Provimento de Corregedoria. Ausência de comprovação de descumprimento de dever funcional. Ilegalidade.

O Magistrado tem o dever legal de estar presente no Juízo em que atua, sendo-lhe assegurado, todavia, o exercício da sua função com liberdade, como forma de garantir a autonomia e independência do Poder Judiciário (CF, art. 95).

Ainda que precedido de boas intenções, carece de legalidade. Provimento de Corregedoria do Tribunal de Justiça que instituiu controle da frequência e dos horários de trabalho dos Juízes de Direito vinculados ao respectivo Tribunal por meio de telefone, porque limita a liberdade do Magistrado de escolher a melhor forma de efetivar a prestação jurisdicional, principalmente quando não há comprovação de denúncias de que magistrados, além de não residirem nas comarcas em que atuam, ali comparecem somente dois ou três dias na semana para assinar despachos e mandados, tampouco de que tal situação ocorra de forma generalizada.

Magistrado. Ausência da comarca. Provimento de Corregedoria impondo exigência de autorização. Matéria própria do Estatuto da Magistratura.

Na esteira do entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal, a permanência e o afastamento de Magistrado da sua jurisdição devem ser definidos no Estatuto da Magistratura e pela via de lei complementar, nos termos do caput e inciso VII do art. 93 da Constituição Federal.

Procedimento de Controle Administrativo de que se conhece e a que se dá provimento para excluir a aplicação dos dispositivos questionados. (CNJ, PCA 2008.10.00.001014-0, Rel. Cons. Altino Pedrozo dos Santos, J. 21.10.2008).

Mantendo-se hígido tal entendimento, de que as atividades realizadas pelo Magistrado no cumprimento de seus deveres funcionais não se restringem e não se exaurem na observância do expediente do órgão judiciário, segue a visão autorizada do eminente Ministro Humberto Martins, relator para acórdão na Reclamação Disciplinar nº 0004358-08.2018.2.00.0000 – CNJ:

Recurso administrativo. Reclamação disciplinar remetida à Corregedoria local.

Irresignação recursal perante o CNJ. Descabimento. Magistratura e magistério.

Cumulação. Compatibilidade. Ausência de prejuízo da prestação jurisdicional.

Precedentes.

Uma vez determinada a apuração pela Corregedoria local, eventual inconformismo com o resultado da apuração deve ser suscitado perante referido órgão, sendo inservível o manejo de recurso administrativo diretamente ao CNJ, pois este Conselho não é instância recursal de órgão correcional. Precedentes.

Conquanto o juiz tenha o dever de cumprir suas obrigações, por imposição legal (Loman, art. 35), no que se inclui a observância à presença no Juízo em que atua, bem como a uma jornada de trabalho, é assegurado a ele o exercício da sua função com liberdade e como forma de garantir a autonomia e independência do próprio Poder Judiciário, conclusão essa que resulta da exegese do art. 95 da Constituição Federal.

A liberdade conferida ao magistrado, no que diz respeito à frequência e ao horário de trabalho, já foi reconhecida por este Conselho Nacional de Justiça no julgamento do Pedido de Providências nº 0001006-28.2007.2.00.0000, Conselheiro José Adonis Callou de Araújo Sá, onde assentado que “o juiz, todavia, não está submetido a jornada fixa de trabalho; as atividades realizadas pelo juiz no cumprimento de seus deveres funcionais não se restringem e não se exaurem na observância do horário do expediente do órgão judiciário”.

O exercício da magistratura não se sujeita à jornada de trabalho pré-definida, a qual pode ser estipulada pelo próprio Magistrado conforme sua disponibilidade, cabendo entender a compatibilidade constitucionalmente exigida como aquela que não prejudica a devida prestação jurisdicional.

“Apesar do dever do juiz de cumprir os deveres do cargo, o exercício da função jurisdicional deve realizar-se com liberdade e independência. O controle do cumprimento desses deveres é imposição legal, nos termos do art. 35 da Loman, que prevê os deveres do Magistrado relativos à pontualidade. Não há, todavia, critério rígido e previamente estabelecido para esse controle, ou carga horária estabelecida, considerando que ao julgador se concede margem de liberdade para melhor atender à atividade jurisdicional” (CNJ, Recurso Administrativo em Pedido de Providências nº 0000292-34.2008.2.00.0000, 59ª Sessão Ordinária, Rel. Cons. Rui Stoco, J. 25.03.2008).

Apuração conclusiva no sentido de que não há prejudicialidade à atividade jurisdicional do Magistrado em razão do exercício do magistério.

Recurso administrativo improvido. (CNJ, RD 0004358-08.2018.8.00.0000, 51ª Sessão Virtual, Rel. Min. Humberto Martins, J. 30.08.2019).

A não submissão a jornada fixa de trabalho do Magistrado é matéria consagrada pelo Conselho Nacional de Justiça, que já afastou a possibilidade de os tribunais adotarem controle de frequência de Magistrados, em razão de não ser possível limitar à liberdade de escolher sobre a melhor e mais adequada forma de efetivar a prestação jurisdicional.

A única exceção à regra seria em caso de ausência frequente e injustificada.

Em abono ao que foi dito, destaca-se outro expressivo precedente do Conselho Nacional de Justiça, litteris:

[…] 2. A implantação do processo judicial eletrônico teve por objetivo a promoção da celeridade e da qualidade da prestação jurisdicional, revestindo-se, portanto, de vocação universalizante, ao permitir o “acionamento do Poder Judiciário de qualquer ponto geográfico do planeta” e “a qualquer momento do dia ou da noite, limitando-se apenas o horário de peticionamento eletrônico”.

Nota-se, assim, que o sistema foi criado como ferramenta para a otimização da tramitação dos processos judiciais, e não como instrumento para compelir juízes a cumprir os deveres impostos pela Loman. Inteligência do art. 1º da Lei nº 11.419/2006 e da Resolução nº 185/2013-CNJ.

São ínsitas à carreira da Magistratura certas liberdades na condução da atividade profissional – como a não submissão a jornada fixa de trabalho – dada a sua própria natureza. Tais liberdades, contudo, se contrapõem às responsabilidades que devem suportar especialmente os deveres previstos na Loman, de residir na sede da comarca (art. 35, V), comparecer pontualmente à hora de iniciar-se o expediente ou sessão (art. 35, VI) e o de exercer assídua fiscalização sobre os subordinados (art. 35, VII) (CNJ, precedentes).

Este Conselho já afastou a possibilidade de os Tribunais adotarem controle de frequência de magistrados, em razão da limitação à sua liberdade de escolher sobre a melhor forma de efetivar a prestação jurisdicional. Todavia, a fiscalização do órgão correcional faz-se possível e necessária em caso de ausência injustificada e frequente de juízes, de modo a coibir abusos e garantir o cumprimento dos deveres funcionais. (PCA 0001014-88.2008.2.00.0000).

(CNJ, Procedimento de Controle Administrativo nº 0003277-29.2015.2.00.0000, 19ª Sessão Virtual, Rel. Cons. Lelio Bentes, J. 06.09.2016).

Por fim, ressaltem-se as ponderadas razões utilizadas pelo Ministro Humberto Martins, quando do julgamento da Reclamação Disciplinar nº 0004358-05.2018.2.00.0000 – CNJ:

Portanto, o exercício da magistratura não se sujeita à jornada de trabalho pré-definida, a qual pode ser estipulada pelo Magistrado conforme sua disponibilidade, cabendo entender a compatibilidade constitucional exigida como aquela que não prejudica a devida prestação jurisdicional.

Em sendo assim, não há de se falar em prática de infração disciplinar por parte do juiz que se utiliza da margem de liberdade para pautar sua prestação jurisdicional.

Nessas situações, não há justa causa para a instauração de persecução disciplinar, em face da total ausência de infração disciplinar.

Haverá, portanto, falta de objeto para a uma apuração disciplinar.

Falta de objeto é sinônimo de ausência de justa causa. Assim, somente a infração disciplinar demonstrada por intermédio de elementos concretos, que não é o presente caso, comprobatórios e convincentes (provas diretas) é que poderia, em tese, ser investigada, sem que haja constrangimento ilegal da honra, da boa imagem e da intimidade do Magistrado.

A propósito, aplica-se ao caso sub oculis o que dispõe o § 2º do art. 9º da Resolução CNJ nº 135/2011:

2º Quando o fato narrado não configurar infração disciplinar ou ilícito penal, o procedimento será arquivado de plano pelo Corregedor, no caso de magistrados de primeiro grau, ou pelo Presidente do Tribunal, nos demais casos ou, ainda, pelo Corregedor Nacional de Justiça, nos casos levados ao seu exame.

Não há como se instaurar a persecução disciplinar sem a justa causa (art. 9º, § 2º, da Resolução CNJ nº 135/2011), tendo em vista que o fato não se sustenta por sua insignificância, não passando de faculdade do Magistrado, de prestação de serviços da forma como entender ser a melhor e mais eficiente.

Derradeiramente, é forçoso reconhecer que não se justifica a investigação disciplinar, devendo ser arquivada, sendo injustificável imputar ao Magistrado afastamento irregular, visto que o fato se insere dentro do escopo que é assegurado ao exercício da função da Magistratura com liberdade e como forma de garantir a autonomia e a independência do Poder Judiciário, na forma do art. 95 da CF.

A ausência de prova que o Magistrado deixou de promover à Justiça, não existindo restrição legal ao trabalho de forma remota, torna coerente e desproporcional imputar ao juiz desídia ou qualquer outro adjetivo que possa configurar exercício irregular da função.

Sem fato a ser imputado que possa caracterizar descumprimento do dever funcional, não há de se falar em possível infração disciplinar. Ou seja, sem nexo causal da ausência com os deveres funcionais inerentes aos Magistrados, não há violação do dever funcional.

Sabe-se que, para a aplicação do Direito Administrativo Sancionatório, deve-se apurar eventual prejuízo ao ente público ou à sociedade partindo de um comportamento típico.

Nessa moldura, não é suficiente para justificar o controle disciplinar. Param tanto, é preciso que se comprove a adoção de conduta dolosa pelo Magistrado ou inércia grave, enquadrando-se nos tipos administrativos previstos na Lei Orgânica da Magistratura.

Por outro lado, é de se ressaltar que os agentes públicos cumprirão jornada de trabalho fixada em razão das atribuições pertinentes aos respectivos cargos, respeitada a duração máxima do trabalho normal de quarenta horas e observados os limites de seis horas e oito horas diárias, consoante estabelecido no art. 19 da Lei nº 8.112/1990.

Sucede que o § 2º do art. 19 da Lei nº 8.112/1990 faz a devida ressalva para atividades especiais estabelecidas em lei, que ficam fora do contexto do caput do citado artigo, como se verifica:

Art. 19. Os servidores cumprirão jornada de trabalho fixada em razão das atribuições pertinentes aos respectivos cargos, respeitada a duração máxima do trabalho semanal de quarenta horas e observados os limites mínimo e máximo de seis horas e oito horas diárias, respectivamente.

[…]

2º O disposto neste artigo não se aplica a duração de trabalho estabelecida em leis especiais.

In casu, os Magistrados são juízes 24 horas por dia, todos os dias da semana, todos os meses do ano, o ano inteiro.

Válido lembrar Hely Lopes Meirelles:

Agentes públicos são os componentes do Governo nos seus primeiros escalões, investidos em cargos, funções, mandatos ou comissões, por nomeação, eleição, designação ou delegação para exercício de atribuições constitucionais.

Esses agentes atuam com plena liberdade funcional, desempenhando suas atribuições com prerrogativas e responsabilidades próprias, estabelecidas na Constituição e em leis especiais. Não são servidores, nem se sujeitam ao regime jurídico único estabelecido pela Constituição de 1988. Tem normas especificas para sua escolha, investidura, conduta e processo por crimes funcionais e de responsabilidade, que lhes são privativos. (Direito administrativo brasileiro. 16. ed. 2. tir. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991. p. 67)

Ou, pela definição de Barros Monteiro, “os juízes não são considerados funcionários públicos no sentido próprio ou restrito da expressão. São órgãos do Poder Judiciário (art. 94 da Constituição). Não são prepostos de outro poder” (O juiz e a função jurisdicional. Rio de Janeiro: Forense, 1959. p. 38/39).

E o art. 15 da Loman estabelece:

Art. 15. Os órgãos do Poder Judiciário da União (art. 1º, incisos I a VI) têm a organização e a competência definidas na Constituição, na lei e, quanto aos Tribunais, ainda, no respectivo Regimento Interno.

Já o art. 21, II e V, da aludida Loman é claro em dispor:

Art. 21. Compete aos Tribunais, privativamente:

[…]

II – organizar seus serviços auxiliares, os provendo-lhes os cargos, na forma da lei; propor ao Poder Legislativo a criação ou a extinção de cargos e a fixação dos respectivos vencimentos;

[…]

V – exercer a direção e disciplina dos órgãos e serviços que lhes forem subordinados;

[…]

Os aludidos dispositivos legais deixam explícita a diferenciação entre órgãos jurisdicionais (juízes) e serviços judiciários (servidores do Judiciário).

Partindo dessa premissa, o “horário de expediente” dos Magistrados, por dever funcional legalmente imposto, não é aquele em que está regulamentado na lei geral do servidor público (jornada de trabalho fixada em lei), eis que os juízes são agentes políticos, com prerrogativas especiais e jornada de trabalho diferenciada, que garante que haja o cumprimento da solução de inúmeros casos que são submetidos ao Magistrado de forma autônoma e independente.

O cumprimento da tarefa jurisdicional exige mais que mera presença na sede do Juízo no horário de atendimento ao público.

Isso porque a prolação de atos decisórios nos processos aos quais estão submetidos os juízes exige estudo e dedicação.

Além do mais, nos horários que não coincidem com os expedientes interno e externo, se dará o regime de plantão judiciário, e haverá a competência judicial do juiz de plantão para o atendimento a situações urgentes que reclamem decisão judicial em horário no qual os juízes, de ordinário, não mais estejam a prestar sua função ao público externo.

Sendo certo que a liberdade conferida ao Magistrado no que diz respeito à frequência e ao horário de trabalho já foi reconhecida pelo Conselho Nacional de

Justiça – CNJ nas decisões já transcritas alhures, o que foi demonstrado é que não se constitui como infração disciplinar a ser apurada em processo administrativo disciplinar.

Sobre o tema, as inúmeras decisões do Conselho Nacional de Justiça – CNJ dispensam até mesmo a presente investigação prévia, em face da regularidade dos atos praticados pelo defendente.

Há de se concluir, portanto, que o Magistrado:

a) não tem jornada de trabalho legalmente fixada;

b) não é possível aplicar analogicamente aos juízes as normas estatutárias de jornada de trabalho previstas para os servidores judiciários;

c) o exercício da função jurisdicional deve realizar-se com liberdade e independência;

d) não há critério rígido e previamente estabelecido para o controle de carga horária estabelecida;

e) discricionariedade de liberdade para atender melhor à atividade jurisdicional, a critério do juiz;

f) exercício da função com liberdade, como forma de garantir a autonomia e independência do Poder Judiciário (art. 95 da CF);

g) compete ao Magistrado escolher a melhor forma de efetivar a prestação jurisdicional;

h) a liberdade concedida ao Magistrado, no que diz respeito à frequência e ao horário de trabalho, já foi reconhecida pelo Conselho Nacional de Justiça em diversos julgados;

i) os juízes cumprem seus deveres funcionais que não se restringem e não se exaurem na observância do horário de expediente do órgão judiciário;

j) flexibilidade da carga horária estabelecida, sendo concebido ao juiz margem de liberdade para melhor atender à atividade jurisdicional.