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Doutrina

DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA NO PROCESSO DE CONHECIMENTO NA MODALIDADE INCIDENTAL E SUA APRECIAÇÃO PROCEDIMENTAL À LUZ DO PRINCÍPIO DA ECONOMIA PROCESSUAL

DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA NO PROCESSO DE CONHECIMENTO NA MODALIDADE INCIDENTAL E SUA APRECIAÇÃO PROCEDIMENTAL À LUZ DO PRINCÍPIO DA ECONOMIA PROCESSUAL

DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA NO PROCESSO DE CONHECIMENTO NA MODALIDADE INCIDENTAL E SUA APRECIAÇÃO PROCEDIMENTAL À LUZ DO PRINCÍPIO DA ECONOMIA PROCESSUAL

Paulo de Tarso Duarte Menezes

Neyla Sueite Maciel dos Santos

SUMÁRIO: Introdução – 1. A desconsideração da personalidade jurídica: 1.1. Conceito e origem; 1.2. Teoria da desconsideração da personalidade jurídica no Brasil; 1.3. Regramento no novo Código de Processo Civil – procedimento – 2. O modelo procedimental da oposição interventiva: 2.1. Aspectos gerais; 2.2. Aspectos procedimentais – 3. A similitude cognitiva do incidente de desconsideração da personalidade jurídica e a oposição interventiva: 3.1. Da inadequação do julgamento da demanda incidental antes da demanda principal; 3.2. Necessidade de julgamento conjunto com a demanda principal na oposição interventiva e no incidente de desconsideração da personalidade jurídica no processo de conhecimento; 3.3. Interpretação adequada do art. 134, § 3º, do Código de Processo Civil de 2015 e a desnecessidade de suspensão do processo de conhecimento – Conclusão – Referências.

INTRODUÇÃO

O ordenamento jurídico brasileiro há muito incorporou o instituto da desconsideração da personalidade jurídica, compreendido como a suspensão tópica da eficácia do ato constitutivo da pessoa jurídica, no intento de direcionar a responsabilidade por determinadas dívidas ao patrimônio dos sócios. No entanto, até a edição do Código de Processo Civil de 2015 (Lei 13.105/2015), inexistia um regramento processual para a aplicação dessa técnica. O novo diploma processual, então, supriu essa lacuna, determinando o procedimento a ser seguido para a desconsideração da personalidade jurídica, que poderá ser requerida já na petição inicial ou ainda de forma incidente, em qualquer fase do processo.

Este trabalho tem por objetivo analisar o procedimento incidental de desconsideração da personalidade jurídica instituído no processo cognitivo, à luz dos princípios da economia processual e da razoável duração do processo.

O tema possui grande relevância, pois a desconsideração da personalidade jurídica é aplicada de forma recorrente pelos tribunais, sendo inegável que as previsões procedimentais sobre a matéria, inseridas no CPC/2015, terão grande repercussão prática.

  1. A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA           

1.1. Conceito e origem           

De acordo com Coelho (2012, p. 177), “pessoa jurídica é o sujeito de direito personificado não humano”, dotado de aptidão para titularizar direitos e obrigações. Possui relevante papel na ordem jurídica, possibilitando o desenvolvimento de diversas atividades, dentre as quais a econômica.

Didier Jr. et al. (2013, p. 292) destacam sua importância: “[…] a pessoa jurídica é técnica criada para o exercício da atividade econômica e, portanto, para o exercício do direito de propriedade”.

Embora sua existência se dê em razão da vontade de um ou mais sujeitos, a pessoa jurídica não se confunde com seus integrantes. Coelho (2012, p. 177) pontua: “o instituto da pessoa jurídica é uma técnica de separação patrimonial. Os membros dela não são os titulares dos direitos e obrigações imputados à pessoa jurídica. […]”.

Disso resulta que a própria pessoa jurídica figura como parte dos negócios jurídicos, impossibilitando, a princípio, que sejam cobradas de seus integrantes as dívidas e obrigações assumidas por tal ente. Somente de modo excepcional a lei permite a responsabilização dos integrantes da pessoa jurídica por obrigações por esta titularizadas. Ainda assim, trata-se, em regra, de responsabilidade subsidiária, exigindo o esgotamento do patrimônio da pessoa jurídica.

Essa autonomia patrimonial, todavia, pode ser utilizada como meio de burlar o cumprimento da lei ou de obrigações, causando prejuízos a terceiros. Com o objetivo de combater essa prática ilícita, desenvolveu-se a teoria da desconsideração da personalidade jurídica ou disregard doctrine, instituto que possibilita ao juiz, nos casos de fraude, afastar a separação patrimonial da pessoa jurídica e imputar a obrigação diretamente aos seus membros.

A maior parte da doutrina entende como marco inicial para a aplicação dessa teoria o caso Salomon vs. Salomon & Co., ocorrido em 1897, na Inglaterra. O juiz de primeiro grau reconheceu a ocorrência de fraude contra credores e, com base nisso, responsabilizou Aron Salomon, sócio majoritário da empresa, pelos prejuízos causados a terceiros. Porém, a instância superior (a Câmara dos Lordes), reformou aquela decisão, defendendo a legalidade da constituição da sociedade. (DIDIER JR., 2015, p. 515-516).

A desconsideração da personalidade jurídica consiste na suspensão dos atos constitutivos da pessoa jurídica, de forma episódica, ou seja, diante do caso concreto, no intento de direcionar a responsabilidade por determinadas obrigações ao patrimônio dos sócios.

Ressalta Coelho (2012, p. 177) que “[…] a pessoa jurídica desconsiderada não é extinta, liquidada ou dissolvida pela desconsideração; não é, igualmente, invalidada ou desfeita. […]”. Assim, a constituição da pessoa jurídica não gera efeitos apenas na situação concreta levada ao judiciário, ostentando validade e eficácia para todas as demais finalidades. Importante assinalar que essa técnica não se confunde com a despersonalização, que é sanção por meio da qual a pessoa jurídica é dissolvida ou tem cassada a autorização para seu funcionamento.

Didier Jr. et al. (2013, p. 293) salientam que “não se deve falar em desconsideração da personalidade jurídica quando o sócio já for responsável pela dívida societária, de acordo com o regime de responsabilidade patrimonial do tipo de sociedade de que faz parte […]”. Isso porque em alguns tipos de sociedade, por força da lei, os bens particulares dos sócios respondem pelas obrigações da pessoa jurídica, independentemente de aplicação da desconsideração. É o caso, por exemplo, da sociedade em nome coletivo e da sociedade em comandita simples quanto aos sócios comanditados.

1.2. Teoria da desconsideração da personalidade jurídica no Brasil

No Brasil, a técnica da desconsideração da personalidade jurídica começou a ser aplicada antes mesmo da existência de previsão legal expressa que a autorizasse. Para tanto, fundavam-se os tribunais, na interpretação analógica do artigo 135 do Código Tributário Nacional, que atribui responsabilidade pessoal aos diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado por créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos.

O primeiro diploma que tratou desse método foi a Lei nº 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor) em seu artigo 28 e no parágrafo 5º, estabelecendo como requisito para a aplicação da disregard doctrine a ocorrência de prejuízo ao credor. Por outras palavras, determina que a responsabilidade recairá sobre o sócio caso a pessoa jurídica não possua patrimônio suficiente para quitar a dívida, independentemente de qualquer ato abusivo ou fraudulento praticado por ele. Os aludidos dispositivos consagram, desse modo, a teoria menor da desconsideração.

Ressalte-se que sua aplicação restringe-se às hipóteses taxativamente previstas em lei.

O Código Civil também contempla a matéria em seu artigo 50, elencando como pressupostos para a desconsideração, o desvio de finalidade da pessoa jurídica ou a confusão patrimonial. O primeiro requisito configura-se quando a pessoa jurídica é utilizada de modo contrário à sua função social. A confusão patrimonial, por sua vez, caracteriza-se quando não há uma distinção clara entre o patrimônio da sociedade e o do sócio, o que se evidencia, por exemplo, quando a sociedade paga dívidas do sócio ou o inverso, ou quando existem bens do sócio registrados no nome da pessoa jurídica.

O Código Civil adota, assim, a teoria maior da desconsideração, por meio da qual se busca combater fraudes e abusos praticados por intermédio da pessoa jurídica. É a regra geral adotada no ordenamento jurídico pátrio.

Oportuno assinalar, por fim, que embora inexista disposição legal específica, os tribunais também se utilizam da desconsideração inversa, pela qual se afasta “o princípio da autonomia patrimonial da pessoa jurídica para responsabilizar a sociedade por obrigação do sócio” (GONÇALVES, 2012, p. 285). Esse método possui grande valia nas demandas de família, nas quais é comum que, na tentativa de ocultar seu patrimônio, a pessoa registre seus bens particulares em nome da empresa da qual participa, em detrimento dos direitos do cônjuge ou dos filhos, por exemplo.

1.3. Regramento no novo Código de Processo Civil – procedimento

O Código de Processo Civil de 2015, em seus artigos 133 a 137, estabeleceu o procedimento a ser seguido para a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica. Corrigiu, então, uma lacuna há muito tempo existente no sistema jurídico brasileiro.

O artigo 134 determina que a desconsideração da pessoa jurídica poderá ser requerida já na petição inicial ou ainda de forma incidente, em todas as fases do processo de conhecimento, no cumprimento de sentença e na execução de título extrajudicial. Pode ser requerida até mesmo junto ao tribunal, seja nos processos competência originária, seja em grau de recurso, cabendo ao relator sua apreciação, consoante dicção dos artigos 136, parágrafo único, e 932, inciso VI, do CPC/2015.

Ressalte-se que é possível a instauração do aludido incidente até mesmo nos processos de competência dos Juizados Especiais, conforme determina o artigo 1.062 do Código de Processo Civil.

O diploma processual, todavia, não permite que a desconsideração da personalidade jurídica seja decretada ex officio, exigindo, para tanto, a existência de pedido da parte ou do Ministério Público, nas hipóteses que autorizam sua intervenção (artigo 178, Novo CPC).

A aplicação da desconsideração inversa também se regula pelo procedimento ora tratado (art. 133, § 2º, CPC).

Caso o pedido de desconsideração seja formulado na petição inicial, não há necessidade de instauração do incidente (art. 134, § 2º, CPC). Nessa hipótese, o Código admite a formação do litisconsórcio eventual, tendo no polo passivo os sócios e a pessoa jurídica. “Formula-se um pedido contra a pessoa jurídica e, eventualmente, o pedido de desconsideração contra o sócio – no caso da desconsideração inversa, inverte-se também a ordem” (DIDIER JR., 2015, p. 520).

Será necessária, no entanto, a instauração do incidente caso o requerimento de desconsideração seja formulado em momento posterior ao do ajuizamento da demanda principal.

O incidente consiste em intervenção de terceiro, em que ingressa em juízo um sujeito que não é parte no processo principal com o escopo de imputar-lhe a responsabilidade por determinadas obrigações. Tem por finalidade, assim, promover uma ampliação subjetiva no processo.

Diz o art. 134, § 4º, do diploma processual, que, ao solicitar a desconsideração, a parte deve demonstrar o preenchimento dos requisitos legais ensejadores de tal sanção. Câmara (2015, p. 101) sustenta que o requerimento de desconsideração da personalidade jurídica deve vir acompanhado de elementos mínimos de prova, que possibilitem ao juiz a formação de um juízo de probabilidade acerca do preenchimento dos pressupostos autorizadores da desconsideração. Nesse sentido também é a lição de Amaral apud Araújo (2016, p. 38): “[…] o juízo de admissibilidade do incidente não será um juízo de certeza nem mesmo de preponderância de provas, mas, sim, de verossimilhança das alegações do requerente […]”.

Instaurado o incidente, impõe o art. 134, § 1º, que sejam feitas as anotações pertinentes, no cartório do distribuidor, “dos dados relativos não só ao fato de que o incidente foi instaurado, mas, também, o registro de quem são o requerente e o requerido (art. 134, § 1º)”. (CÂMARA, 2015, p. 98). Essas anotações objetivam dar conhecimento a terceiros, estranhos ao processo, acerca do incidente pendente. Câmara (2015, p. 99) pondera: “[…] deve-se considerar instaurado o incidente apenas a partir do momento em que se profira decisão admitindo-o”.

Ressalte-se que é perfeitamente cabível no incidente a concessão de tutela de urgência, sendo possível a antecipação dos efeitos da desconsideração, desde que atendidos os requisitos gerais do artigo 300 e seguintes do CPC/2015, no intuito de assegurar a efetividade da prestação jurisdicional.

Instaurado o incidente, o sócio ou a pessoa jurídica cujo patrimônio se pretende ver alcançado será citado para que se manifeste e requeira as provas cabíveis, no prazo de quinze dias (art. 135).

Nessa hipótese, caso acolhido o pedido de desconsideração da personalidade jurídica, o sócio (ou a pessoa jurídica), passará a ser parte no processo, na condição de litisconsorte, inclusive no processo de execução. Nesse sentido é o enunciado 125 do Fórum Permanente de Processualistas Civis: “há litisconsórcio passivo facultativo quando requerida a desconsideração da personalidade jurídica, juntamente com outro pedido formulado na petição inicial ou incidentemente no processo em curso”.

Reúnem-se, assim, no mesmo processo, duas pretensões: a principal, contra a pessoa jurídica e a de desconsideração da personalidade jurídica, contra o sócio. Tem-se, com isso, uma cumulação subjetiva e objetiva de demandas, cabendo ao julgador decidir sobre cada uma delas.

Sendo necessária a produção de provas, Neves (2015, p. 1.023) defende o cabimento de todos os meios, que poderão ser requeridos por quaisquer das partes envolvidas no incidente processual. Assinala Câmara (2015, p. 103): “a decisão acerca da desconsideração deve basear-se em cognição exauriente”.

A instauração do incidente – que se dá com a decisão contendo juízo positivo de admissibilidade do requerimento – enseja a suspensão do processo principal até que aquele seja julgado. Não há que se falar, entretanto, em suspensão do processo caso a desconsideração tenha sido requerida na petição inicial.

Câmara (2015, p. 101) sustenta que se trata de suspensão imprópria, pois enseja a vedação temporária à realização de alguns atos do processo, sendo permitida apenas a prática dos atos processuais relativos ao processamento do incidente de desconsideração da personalidade jurídica.

Determina o artigo 136 que concluída a instrução, se necessária, o incidente será resolvido por decisão interlocutória. Acolhida a pretensão de desconsideração da personalidade jurídica, opera-se a extensão da responsabilidade patrimonial, de modo a atingir os bens do sócio pelas dívidas da sociedade (ou, no caso de desconsideração inversa, atingindo os bens da sociedade pelas dívidas do sócio). Nesse caso, a responsabilidade não se limita às cotas sociais, respondendo os sócios com todos os bens presentes e futuros, na forma do artigo 789 do CPC.

A decisão que desconsidera a personalidade jurídica produz ainda outro efeito: reputar-se-á ineficaz a alienação ou a oneração de bens realizada pelo sócio (ou pela sociedade, no caso de desconsideração inversa) em relação ao requerente, conforme redação do art. 137. Câmara (2015, p. 105) entende que o momento a partir do qual se considerar em fraude de execução a alienação ou oneração de bens é após a citação do suposto responsável e não com a mera instauração do incidente.

  1. O MODELO PROCEDIMENTAL DA OPOSIÇÃO INTERVENTIVA           

2.1. Aspectos gerais

A oposição interventiva consiste em modalidade de intervenção de terceiro tratada no Código de Processo Civil de 1973, a partir do artigo 56. Não foi incorporada no diploma de 2015, como intervenção de terceiro, encontrando-se nele prevista somente a oposição como ação autônoma. O instituto, todavia, mostra-se relevante para o presente trabalho.

Eis a dicção do art. 56 do diploma revogado: “Quem pretender, no todo ou em parte, a coisa ou o direito sobre que controvertem autor e réu, poderá, até ser proferida a sentença, oferecer oposição contra ambos”.

De acordo com Dinamarco (2000, p. 37), oposição “é a demanda através da qual terceiro deduz em juízo pretensão incompatível com os interesses conflitantes de autor e réu de um processo cognitivo pendente”. Por meio dela, o terceiro/opoente visa excluir tanto a pretensão do autor como a do réu da demanda inicial. Pela sistemática do Código de Processo Civil de 1973, a oposição classificava-se em interventiva ou autônoma, conforme o momento em que era deduzida.

Caso o terceiro ingressasse com essa demanda antes de iniciada a audiência de instrução e julgamento, ter-se-ia a modalidade interventiva, autêntica intervenção de terceiro, ampliando a relação processual já existente. Se, entretanto, o terceiro deduzisse sua pretensão após o início dessa audiência, seria o caso de oposição autônoma, dando origem a processo novo.

2.2. Aspectos procedimentais

O procedimento da oposição interventiva tinha como ato inicial a apresentação da petição do terceiro, que deveria preencher os mesmos requisitos legais exigidos para a petição inicial. Como toda demanda, era feita sobre ela um juízo de admissibilidade.

Na hipótese de rejeição, extinguia-se o incidente, voltando o processo a ter apenas o objeto que tinha antes. Caso recebida, seriam citados os opostos, bem como intimados para apresentar contestação, no prazo comum de quinze dias.

Oportuno colacionar aqui o artigo 59 do CPC/1973: “a oposição, oferecida antes da audiência, será apensada aos autos principais e correrá simultaneamente com a ação, sendo ambas julgadas pela mesma sentença.” Assim, determinava o código revogado que o incidente deveria se processar em outros autos, apensos aos principais, sendo ali documentadas as atividades postulatórias e ordinatórias relativas à intervenção do terceiro.

Dinamarco (2000, p. 98) defende que a instrução do incidente deveria ocorrer de modo conjunto com a da causa principal por dois motivos: a) a conexidade existente entre as demandas; e b) os fatos seriam os mesmos, ou, pelo menos relacionados. Isso possibilitaria o trâmite simultâneo das causas, bem como o julgamento de ambas pela mesma sentença. Posteriormente, para o julgamento conjunto das demandas, sustenta o autor que os procedimentos se unificariam.

No que tange à necessidade de julgamento conjunto da causa inicial e da oposição, Dinamarco (2000, p. 113) preconiza:

O julgamento único da causa principal e da oposição é o desfecho natural desta, sem o qual deixaria de cumprir a importantíssima função de assegurar a harmonia de julgados. O julgamento é necessariamente único na oposição interventiva e resulta de determinação do juiz, na autônoma.

Nesse contexto, a sentença que apreciava essas demandas deveria ser uma só, estruturada em capítulos. Existiria um capítulo relativo ao julgamento da causa inicial e o de julgamento da oposição. Esses capítulos deveriam guardar coerência entre si e obedecer à ordem de julgamento imposta no artigo 61 do CPC/1973: “cabendo ao juiz decidir simultaneamente a ação e a oposição, desta conhecerá em primeiro lugar”.

Cumulavam-se, no mesmo processo, pretensões incompatíveis, de modo que, a procedência da oposição ensejaria a automática improcedência da demanda inicial. A oposição, portanto, era prejudicial em relação à causa principal, e por isso, deveria ser julgada em primeiro lugar.

Pois bem.

Algumas das lições procedimentais da oposição deverão ser aproveitadas no novel rito da desconsideração da personalidade jurídica, como se verá alhures.

  1. A SIMILITUDE COGNITIVA DO INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA E A OPOSIÇÃO INTERVENTIVA           

3.1. Da inadequação do julgamento da demanda incidental antes da demanda principal

Como já mencionado, o CPC/2015 permite que o pedido de desconsideração da personalidade jurídica seja formulado na petição inicial ou incidentalmente, em qualquer tipo de processo, seja ele cognitivo ou executivo. No segundo caso, instaura-se um incidente processual, o que, por determinação expressa do Código, enseja a suspensão do processo até a resolução dessa demanda incidental.

Assim, uma vez instaurado o incidente, os atos que não lhe digam respeito não poderão ser praticados. O processo prosseguirá apenas quanto ao incidente, realizando-se sua instrução, caso necessária, e em seguida o juiz o resolverá, por meio de decisão interlocutória, conforme prevê o artigo 136 do diploma atual.

A dicção do supracitado artigo leva à conclusão de que o incidente de desconsideração da personalidade jurídica sempre terá o seu mérito apreciado antes do mérito da demanda principal. Essa, no entanto, não é a interpretação adequada para o caso do incidente instaurado no curso do processo de conhecimento (ou na fase cognitiva), pois a demanda principal representa questão preliminar em relação à demanda incidental e, nessa condição, deve ser julgada em primeiro lugar.

Segundo Câmara (2015, p. 105), “[…] com a decisão que desconsidera a personalidade jurídica, haverá uma extensão da responsabilidade patrimonial aos demais responsáveis pelo cumprimento da obrigação, cujos patrimônios poderão ser alvo da execução”. Ou seja, estende-se ao sócio a responsabilidade pelas dívidas da pessoa jurídica (ou, no caso de desconsideração inversa, estende-se à pessoa jurídica a responsabilidade pelas dívidas do sócio), viabilizando-se a penhora de seus bens na fase executiva.

A desconsideração da personalidade jurídica, portanto, é uma ferramenta da qual se vale o Judiciário, quando requerida pela parte, objetivando garantir ao credor que receba o que lhe é devido. Logo, a aplicação do instituto busca assegurar a efetividade da execução.

Afirma Monteiro (2014, p. 67):

 […] a desconsideração é filha da efetividade do processo. Trata-se de instrumento posto à disposição do Poder Judiciário para, nos casos em que assim o reclamam, remover a personalidade quando esta constitua óbice à efetivação do direito do credor.

Seguindo esse raciocínio, só tem sentido apreciar o pleito de desconsideração caso a demanda principal seja julgada procedente, com o reconhecimento do direito de crédito do autor, possibilitando, assim, a existência de uma futura execução. Por outro lado, não sendo acolhida a demanda principal, não há qualquer necessidade de apreciar o pedido de desconsideração, por manter aquela relação de preliminariedade com esta.([1])

Mazzei (2012, p. 32) reconhece essa relação de dependência entre a demanda principal e a de desconsideração:

Torna-se, portanto, condição sine qua non para a condenação do(s) litisconsorte(s) sucessivo(s) o capítulo decisório inerente à responsabilização da sociedade empresária, pois, como é obvio, rejeitado tal pedido, o segundo ficará prejudicado, perdendo seu objeto.

Monteiro (2012, p. 73), por sua vez, apesar de limitar o cabimento do pleito de desconsideração à fase executiva, também estabelece uma relação de subordinação entre essa demanda e a principal:

 […] a base jurídica deve ser, sempre, um título dotado in abstracto de certeza, liquidez e exigibilidade, ou seja, precedendo-se a desconsideração, deve existir um título executivo, seja de natureza judicial ou extrajudicial. Sem isso, a desconsideração ganha ares de açodamento, pois o direito de crédito do autor ainda se situa no campo do processo de conhecimento e, portanto, da dúvida […].

De outra parte, caso o julgamento do incidente se dê em primeiro lugar, como manda a literalidade do CPC atual, é possível que nesse momento o magistrado não tenha como avaliar sequer se a demanda principal será procedente ou improcedente. Desse modo, corre-se o risco de decretar a desconsideração da personalidade jurídica sem que se saiba se efetivamente existirá um título a embasar uma possível execução. Caso a demanda principal seja rejeitada, a decisão de desconsideração não terá qualquer serventia e a cognição exercida pelo julgador terá sido em vão.

Do ponto de vista prático, portanto, mostra-se inadequada a solução do incidente instaurado no processo de conhecimento antes do julgamento da causa principal. O momento processual mais apropriado para apreciá-lo é na sentença que julga a demanda principal.

A resolução do incidente de desconsideração da personalidade jurídica por meio de decisão interlocutória, como prevê o art. 136 do CPC/2015, amolda-se melhor à fase de execução/cumprimento de sentença, quando já se reconheceu a dívida da pessoa jurídica.

Ademais, a própria sistemática processual é no sentido de que a questão prévia, seja ela preliminar ou prejudicial, deve ser resolvida antes da questão subordinada.

A denunciação da lide, por exemplo, só será examinada caso o denunciante seja vencido na ação principal. Se, ao contrário, o denunciante for vencedor nessa demanda, a ação de denunciação não terá o seu pedido examinado. É a previsão do art. 129([2]) do CPC/2015. A demanda principal, portanto, “é preliminar em relação à denunciação” (DIDIER JR., 2015, p. 492) e, como tal, deve ser decidida primeiro.

Assim também ocorria com a oposição interventiva, que, por conter questão prejudicial à demanda principal, deveria ser apreciada em primeiro lugar. O CPC/1973 determinava expressamente essa ordem de julgamento.([3])

Nessa linha, mostra-se mais apropriado decidir primeiro se há responsabilidade da pessoa jurídica para depois apreciar o pleito de desconsideração da personalidade jurídica deduzido na fase cognitiva.

3.2. Necessidade de julgamento conjunto com a demanda principal na oposição interventiva e no incidente de desconsideração da personalidade jurídica no processo de conhecimento

Como já assinalado, havia determinação expressa no CPC/1973([4]) no sentido de que o julgamento da oposição interventiva deveria ser feito de forma conjunta com a causa principal. Assim, essas demandas seriam decididas em sentença única, organizada em capítulos.

Sob a perspectiva da economia processual, essa técnica também se mostra a mais adequada para o julgamento do incidente de desconsideração da personalidade jurídica instaurado no processo de conhecimento. Ou seja, essa demanda incidental deve ter o seu mérito resolvido pela mesma sentença que decide a demanda principal.

Não há, portanto, necessidade de uma decisão interlocutória somente com essa finalidade, embora a dicção do art. 136 do Código de Processo Civil de 2015 assim determine.

De acordo com Bueno (2014, p. 158), “o princípio da economia processual deve ser entendido como aquele segundo o qual a atividade jurisdicional deve ser prestada sempre com vistas a produzir o máximo de resultados com o mínimo de esforços”. Por outras palavras, trata-se de desenvolver o máximo da prestação jurisdicional, resolvendo-se o maior número de conflitos de interesses de uma só vez, com o mínimo emprego possível de atos processuais.

Em sua versão mais recente, a economia processual tem sido denominada de princípio da eficiência, que, na qualidade de norma processual, encontra fundamento no devido processo legal e, agora, expressamente no art. 8º do Novo CPC.([5])

Segundo Didier Jr. (2015, p. 100-102), o princípio da eficiência, enquanto norma de direito processual, se relaciona com a gestão do processo. Determina que o órgão jurisdicional deve conduzir o processo, de modo a promover suas finalidades ao máximo com o mínimo de recursos.

Nessa perspectiva, Didier Jr. (2015, p. 103) distingue eficiência e efetividade:

Efetivo é o processo que realiza o direito afirmado e reconhecido judicialmente. Eficiente é o processo que atingiu seu resultado de modo satisfatório […]. Um processo pode ser efetivo sem ter sido eficiente – atingiu-se o fim “realização do direito” de modo insatisfatório (com muitos resultados negativos colaterais e/ou excessiva demora, por exemplo). Mas jamais poderá ser considerado eficiente sem ter sido efetivo: […].

Nesse contexto, ao julgar a demanda inicial e o incidente de desconsideração da personalidade jurídica por meio de sentença única, o magistrado, com um só ato, resolve todo o objeto do processo, otimizando, assim, a prestação jurisdicional. O julgamento conjunto, portanto, atende melhor aos ditames da economia processual.

Por conseguinte, torna-se desnecessária a prolação de uma decisão interlocutória apenas com o escopo de solucionar a demanda incidental, que pode perfeitamente ser resolvida na sentença.

Desse modo, o art. 136 do Código de Processo Civil deve ser interpretado de modo a admitir o julgamento da demanda incidental proposta na fase de conhecimento na mesma sentença que aprecia a demanda principal.

Didier Jr. (2015, p. 103) assevera: “O princípio da eficiência exerce uma função interpretativa. Os enunciados normativos da legislação processual devem ser interpretados de modo a observar a eficiência […]”.

No que tange ao incidente de desconsideração da personalidade jurídica instaurado no Juizado Especial, durante a fase cognitiva, Malfatti (2015, p. 382) afirma: “[…] a solução do incidente na fase de conhecimento, havendo uma citação para amplo exercício do direito de defesa, pode ser dada no momento da sentença. Ou seja, não haverá necessidade de uma decisão interlocutória […]”.

Mottin (2016) também admite o julgamento do incidente por ocasião da sentença. O enunciado 390 do Fórum Permanente de Processualistas Civis confirma essa possibilidade: “(arts. 136, caput, 1.015, IV, 1.009, § 3º) Resolvida a desconsideração da personalidade jurídica na sentença, caberá apelação”.

Além disso, o julgamento conjunto com a demanda inicial é a técnica mais apropriada para a solução da intervenção de terceiro, de um modo geral. Nessa linha, Dinamarco (2000, p. 25) afirma:

Quando se amplia o objeto do processo por força da intervenção, ter-se-á uma sentença que, sem embargo de ser formalmente única, decompõe-se em capítulos: […] Os dois ou diversos capítulos dessa sentença, somados, serão portadores de efeitos também somados e correspondentes à demanda inicial do processo e à que houver sido feita pelo terceiro ou pela parte que provocou a intervenção.

Essa sentença deve ser organizada em capítulos: um relativo à demanda principal e outro correspondente à demanda de desconsideração, dispostos nessa ordem. A apreciação conjunta dessas demandas, todavia, só é possível se ambas tramitarem simultaneamente, assim como deveria acontecer com a oposição interventiva e a demanda principal. Consequentemente, não há necessidade de suspensão da causa inicial.

Para tanto, poderá o magistrado determinar a autuação da demanda incidental em outros autos, apensos aos principais.

3.3. Interpretação adequada do art. 134, § 3º, do Código de Processo Civil de 2015 e a desnecessidade de suspensão do processo de conhecimento

Determina o art. 134, § 3º, do Código de Processo Civil de 2015, que a instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica enseja a suspensão do processo até o momento de solução da demanda incidental.

Essa interpretação, todavia, não é a mais adequada quanto ao incidente instaurado no processo de conhecimento. Nessa hipótese, não há necessidade de suspensão do processo, pois a resolução do incidente não representa condição para o andamento da demanda principal. Paralisar todo o procedimento principal por esse motivo enseja um atraso desnecessário no julgamento da demanda inicial, em afronta aos ditames constitucionais de razoável duração do processo e da celeridade.

Instaurado o incidente de desconsideração da personalidade jurídica, tem-se, segundo Câmara (2015, p. 101), uma suspensão imprópria do processo, pois há uma vedação temporária aÌ prática de alguns atos processuais, sendo permitida apenas a realização de atos relativos ao processamento do incidente de desconsideração da personalidade jurídica.

A suspensão do processo, segundo Didier Jr. (2015, p. 738), representa uma situação de crise no processo, pois este não atinge a sua finalidade principal, que é a solução do seu objeto litigioso. Greco (2015, p. 745), por sua vez, ressalta que essa situação de crise tem caráter excepcional e deve estar expressamente prevista em lei.

A suspensão do processo, desse modo, é algo indesejado, e que deve limitar-se às hipóteses estritamente necessárias, já que atrasa a entrega da prestação jurisdicional.

De acordo com Rodrigues (2015, p. 145):

A suspensão do processo prevista no art. 134, § 3º, faz sentido para a generalidade dos casos, que ocorrem ao tempo da penhora na execução/cumprimento de sentença para cobrança de valor pecuniário, quando se revela a falta de patrimônio penhorável. A decisão do tema incidental se torna, aí, condição para o ato seguinte do processo – a penhora -, com o que não há como prosseguir a execução, que fatalmente ficará suspensa. Entretanto, a desconsideração não se limita àquelas hipóteses. Por isso, e porque a lógica do CPC prestigia a celeridade com menos destaque à formalidade, parece que a melhor exegese do § 3º do art. 134 deva ser a de que o processo em que tem curso a questão principal só se suspende em vista do incidente se o tema incidental constituir condição para o prosseguimento […].

É possível, portanto, o prosseguimento simultâneo das duas demandas. Para tanto, poderá o magistrado determinar a autuação do incidente em autos apartados, apensos aos principais, no qual o sócio (ou a pessoa jurídica, no caso da desconsideração inversa) poderá se defender e produzir todas as provas relativas à demanda incidental, sem interferências no procedimento da demanda principal. Sobre essa possibilidade, Rodrigues (2015, p. 145) assevera:

Nada obsta que, no caso concreto, possa o juiz deliberar pela autuação apartada, se assim recomendar a organização do incidente ou se houver justificativa para que o processo prossiga no trato das questões principais […].

Essa interpretação é a que melhor atende aos ditames da duração razoável do processo e da celeridade, consagrados na Constituição Federal, em seu art. 5º, inciso LXXVIII: “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.

Desse modo, é direito fundamental da parte ter a sua demanda resolvida num lapso temporal razoável, consideradas as peculiaridades do caso concreto. Por conseguinte, é garantia do jurisdicionado que o processo se desenvolva sem dilações injustificadas.

Greco (2002, p. 27) assevera:

A curta demora que a tutela efetiva pode tolerar é apenas aquela que resulta da necessidade de assegurar ao adversário o pleno exercício de sua defesa, ainda assim na medida em que não se ultrapasse o limite em que seja lícito exigir o sacrifício do interesse cuja tutela se afigura urgente, e da necessidade de assegurar ao próprio juiz uma cognição adequada. O tempo perdido nas longas esperas de distribuição, julgamento, publicações, redação de acórdãos etc. é absolutamente iníquo.

De acordo com Bielsa e Graña apud Tucci (2001, p. 325):

[…] o resultado de um processo não apenas deve outorgar uma satisfação jurídica às partes, como também, para que essa resposta seja a mais plena possível, a decisão final deve ser pronunciada em um lapso de tempo compatível com a natureza do objeto litigioso, visto que – caso contrário se tornaria utópica a tutela jurisdicional de qualquer direito […].

Com efeito, a interpretação em contrário, no sentido de se admitir a suspensão do processo de conhecimento motivada simplesmente pela instauração do incidente, resulta em prolongamento desnecessário do processo, quando ambas as demandas poderiam prosseguir e ser julgadas de forma mais rápida.

Ademais, o CPC/2015 reforça essa garantia em seus arts. 4º e 139, II, elencando dentre os deveres do juiz o de dirigir o processo visando à sua razoável duração.([6])

Desse modo, o magistrado, ao receber o incidente de desconsideração da personalidade jurídica, deverá analisar a efetiva necessidade de paralisação do processo diante do caso concreto, de modo a evitar atrasos descabidos no julgamento da demanda principal. Assim, a suspensão processual não deve ser entendida como efeito automático da instauração daquela demanda incidental, como se extrai da dicção do art. 134, § 3º, do CPC atual.

Nessa linha é a lição de Medina (2015, p. 139-140):

De acordo com o § 3º do art. 134, a instauração do incidente suspenderá o processo. Não nos parece acertado suspender-se todo o processo, em razão da instauração do incidente. Mais adequado cingir-se eventual suspensão à questão da desconsideração – nada impedindo a prática de outros atos executivos, por exemplo, no curso do procedimento.

Nesse contexto, a instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica durante o processo de conhecimento não impõe a suspensão do procedimento da demanda principal até a solução do incidente, apesar da dicção do art. 134, § 3º, do CPC/2015. A suspensão, da forma como está colocada no texto mencionado, adequa-se melhor ao processo de execução/cumprimento de sentença, quando, na falta de bens penhoráveis da pessoa jurídica, a solução do incidente representa condição ao andamento do processo, de modo a permitir que a execução recaia sobre o patrimônio dos sócios (ou da pessoa jurídica, no caso da desconsideração inversa).

Desse modo, a instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica durante o processo de conhecimento deve seguir a trilha ritualística dos institutos simétricos do direito processual, quanto ao panorama cognitivo lógico, de enfrentamento das questões processuais, podendo a novel intervenção abeberar-se da experiência da oposição interventiva, conforme destacado neste trabalho.

CONCLUSÃO

A teoria da desconsideração da personalidade jurídica possui grande relevância, pois permite que o sócio (ou a pessoa jurídica, no caso da desconsideração inversa) responda com seu patrimônio pessoal, pelas dívidas contraídas em nome da pessoa jurídica, quando aquela se utilizou indevidamente do ente moral, com o intuito de prejudicar credores. Prestigia, portanto, o predomínio da realidade sobre a aparência.

Apesar do instituto ter sido incorporado ao ordenamento brasileiro por intermédio de diversas previsões legais e da ampla utilização pelos Tribunais, inexistia regulamentação do procedimento a ser seguido para a aplicação desse método.

O CPC/2015, então, supriu a lacuna processual, estabelecendo o regramento para aplicação da teoria, conferindo, assim, segurança jurídica ao instituto, e assegurando o exercício das garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa.

O diploma processual permite que o pedido de desconsideração da personalidade jurídica seja deduzido em qualquer tipo de processo, seja na fase cognitiva ou executiva. Não há, todavia, necessidade de ação autônoma para tanto, pois o Código possibilita que a parte formule esse pedido já na petição inicial ou por meio de ação incidental, o que prestigia os ditames da economia processual e celeridade. Ressalte-se que, quando o pedido de desconsideração da personalidade jurídica não for deduzido na petição inicial, será recebido como incidente processual. Saliente-se também que a doutrina, de forma uníssona, afirma que o CPC atual não permite a desconsideração de ofício.

As regras insculpidas nos artigos 133 a 137 do diploma processual vigente aplicam-se em sua literalidade ao incidente instaurado na fase de execução/cumprimento de sentença. Quanto ao incidente na fase cognitiva, entretanto, alguns desses dispositivos merecem uma interpretação sistemática, à luz dos princípios constitucionais e processuais, sobretudo, da economia processual e da razoável duração do processo.

Destaque-se aquelas regras que tratam da ordem de apreciação das demandas principal e incidental, do julgamento separado e da necessidade de suspensão do processo. Com efeito, a solução da demanda principal deve preceder à do incidente de desconsideração da personalidade jurídica, apesar da dicção do art. 136 do CPC/2015 sugerir o contrário. Ademais, o julgamento conjunto com a demanda principal é a técnica mais adequada para a apreciação da demanda incidental de desconsideração. Não há, por fim, necessidade de suspensão do processo em razão da instauração do incidente, pois o andamento da demanda principal não depende da resolução desse incidente.

Assim, o incidente de desconsideração instaurado na fase de conhecimento não pode dar ensejo a atrasos injustificados no julgamento da demanda principal, de modo que, ao tempo da execução, ainda seja possível encontrar bens no patrimônio do sócio. Não se pode olvidar que o instituto da desconsideração da personalidade jurídica, volta-se, sobretudo, à efetividade da execução.

A nova sistemática, portanto, deve ser manejada, de modo que a efetividade do instituto não fique prejudicada. Nesse ponto, a tutela de urgência será uma ferramenta essencial, pois preenchidos os requisitos legais, poderá ser decretada a apreensão cautelar dos bens do sócio.

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[1] De acordo com Moreira (1967, p. 30), reputam-se preliminares as questões que “[…] conforme o sentido em que sejam resolvidas, oponham ou, ao contrário, removam um impedimento à solução de outras […]”.

[2] Art. 129. Se o denunciante for vencido na ação principal, o juiz passará ao julgamento da denunciação da lide. Parágrafo único. Se o denunciante for vencedor, a ação de denunciação não terá o seu pedido examinado, […].

[3] Art. 61. Cabendo ao juiz decidir simultaneamente a ação e a oposição, desta conhecerá em primeiro lugar.

[4] Art. 59. A oposição, oferecida antes da audiência, será apensada aos autos principais e correrá simultaneamente com a ação, sendo ambas julgadas pela mesma sentença.

[5] Art. 8º Ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e às exigências do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência.

[6] Art. 4º As partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa.

Art. 139. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe: […]

II – velar pela duração razoável do processo; […]