DA CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO À SAÚDE – ENTRE O MÍNIMO EXISTENCIAL E A RESERVA DO POSSÍVEL
Faíse dos Santos Pereira
Rocco Antonio Rangel Rosso Nelson
Isabel Cristina Amaral de Sousa Rosso Nelson
SUMÁRIO: Das considerações iniciais; 1 Do Estado Liberal ao Estado Social; 1.1 Estado Liberal; 1.2 Estado Social; 1.3 Estado Democrático de Direito; 2 Neoconstitucionalismo e o surgimento do direito fundamental à saúde; 3 Jurisdição constitucional para efetivar o direito à saúde; 3.1 A saúde e seus aspectos sociais; 3.2 O direito à saúde como direito à prestação material positiva; 3.3 O direito à saúde na Constituição de 1988; 3.4 A descentralização e a integralidade no atendimento e a participação da comunidade como diretrizes na promoção à saúde; 3.5 Ativismo judicial como instrumento para efetivar o direito à saúde; 3.5 Reserva do possível, mínimo existencial e o direito à saúde; Das considerações finais; Referências.
DAS CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Por meio de um estudo multidisciplinar com uma análise ao binômio proteção e dever, observa-se que existe a previsão legal de proteção à saúde na Constituição Federal. O cumprimento ao que está determinado na norma constitucional implica respeito a um princípio fundamental insculpido na Constituição: o princípio da dignidade da pessoa humana.
Porém, a não observância da proteção desse direito e de medidas que assegurem o seu cumprimento dão ao cidadão a possibilidade de recorrer ao Judiciário para ver efetivado aquilo que lhe foi garantido no texto constitucional.
Este trabalho pretende um estudo do direito à saúde sob um novo prisma que lhe foi conferido pela Constituição de 1988 a partir de uma visão neoconstitucional. Busca-se, nessa exposição, caracterizar o direito à saúde como direito do cidadão e dever do Estado e, a partir da comprovação dessa premissa, desdobrar as responsabilidades que essa afirmação impõe ao Estado.
Tem-se o objetivo, ainda, de comprovar que o Estado deve, de imediato, quando acionado, fornecer medidas que assegurem a preservação, promoção e reabilitação da saúde, pois, conforme ele mesmo elegeu (o Estado), a saúde caracteriza-se como direito fundamental social, e as normas que versem sobre isto têm aplicação imediata.
A divergência quanto à extensão da tutela à saúde ocorre porque o texto constitucional não esclarece o conceito de saúde e, desta forma, abre um vasto leque de pedidos que vão desde o fornecimento de medicamentos de baixo custo, internações em UTI, até a quebra de patentes para proporcionar uma vida mais longa e com mais dignidade para a pessoa portadora de HIV.
Tal proteção justifica-se pelo fato de ser esse direito uma condição básica para que se possa usufruir o nosso bem maior, a vida, e, mais que isso, uma vida digna.
Será foco de apreciação se a garantia à saúde deve ser individualizada ou se o acesso deve ser universalizado em condições igualitárias, isso porque várias decisões judiciais demonstram que o cidadão exerce esse direito à margem da sociedade, por meio de ações que obrigam os órgãos públicos a financiar ações e serviços sem a possibilidade de universalização.
Não se pretende aqui o estudo minucioso da Lei do SUS, mas demonstrar como se deu a evolução desse direito, desde a formação do Estado até os dias atuais, demonstrando que, em determinada época, o Estado viu a necessidade de lançar sobre a sociedade um manto protetor para tutelar os direitos fundamentais à existência do homem e até mesmo como forma de organizar a sociedade, chegando aos dias atuais, em que o princípio da proibição do retrocesso veda que o legislador venha desconstituir um grau de concretização de um direito que ele mesmo elegeu.
Assim, se, nas Constituições anteriores à de 1988, o dever do Estado em relação à preservação da saúde dos cidadãos restringia-se apenas em cuidar de endemias e epidemias, agora cabe a ele promover em todos os níveis de hierarquização a prevenção, a preservação, o cuidado e a garantia como forma de cumprir tudo o que foi consagrado na Constituição.
1 DO ESTADO LIBERAL AO ESTADO SOCIAL
1.1 Estado Liberal
O Estado Liberal emergiu após a Revolução Francesa, no fim do século XVIII, alterando o quadro político, econômico e social do mundo, trazendo consigo ideias e princípios individualistas, apresentando-se como uma arma contra a burguesia para assegurar a liberdade pessoal. Foi a ascensão da burguesia contra o absolutismo que buscava proteger o indivíduo do poder do Estado.
De um lado, encontrava-se a burguesia, que detinha consigo o poder econômico, e, do outro, a realeza e a nobreza, detentores do poder político.
Essa forma de Estado defendia o princípio da não intervenção do Estado na economia, pois, deste modo, a burguesia poderia usar a economia a seu favor por meio da prática da autorregulação do mercado, afastando, desse modo, que a realeza interferisse na estrutura econômica social.
Na concepção liberal, cabe, tão somente, manter a ordem interna e conduzir a política exterior, garantindo a segurança para que os indivíduos possam exercer livremente sua atividade [1].
O Estado Liberal advém da necessidade de a sociedade buscar seu próprio destino, soltando as amarras que o Estado lhe impõe. Nesse entendimento, destaca-se o pensamento de Bobbio ao comentar a Revolução Francesa, que deu origem ao primeiro Estado Jurídico que assegurou as liberdades individuais e se apresenta como marco inicial do Estado Liberal:
E esse era o direito de liberdade num dos dois sentidos principais do termo, ou seja, como autodeterminação, como autonomia, como capacidade de legislar para si mesmo, como antítese de toda forma de poder paterno e patriarcal, que caracteriza os governos despóticos tradicionais. [2]
O Estado Liberal foi uma revolta social da burguesia frente ao arbítrio do absolutismo como forma de garantir seus direitos ora reivindicados, despertando o povo para a consciência de sua liberdade política [3].
O liberalismo apresenta-se como a presença do povo na formação da vontade estatal, lutando por uma teoria igualitária de que todos podem participar na tomada de decisões pelo Estado, porém quem participava essencialmente na formação dessa vontade era a burguesia, que levava consigo os interesses da classe dominante, que, sem dúvidas, divergiam dos interesses do povo.
A liberdade pretendida pela burguesia referia-se à liberdade individual para expansão de seus empreendimentos e aumento do lucro; a igualdade visada era a igualdade jurídica com a aristocracia; e, por fim, a fraternidade correspondia à ajuda que o proletariado poderia dedicar à burguesia apoiando a revolução e lutando por ela [4].
Outra característica desse Estado Liberal, além da interferência mínima do Estado na economia, é a busca da igualdade, sentimento esse traduzido no lema da Revolução: Liberdade, Igualdade e Fraternidade.
Buscava-se a igualdade formal, em que todas as classes fossem tratadas igualitariamente e se submetessem às leis que teriam conteúdo geral e abstrato. O intuito era acabar com a discriminação e os privilégios das classes dominantes e, para isto, propunha-se a unificação das normas evitando que apenas uma classe fosse privilegiada e estabelecendo que a lei fosse aplicada a todos.
Surge, de tal sorte, os conceitos de Estado de Direito e a figura da Constituição, como forma de garantir a igualdade entre a sociedade.
O poder dos dominantes foi limitado por esses dois institutos criados no liberalismo[5].
Outro traço marcante do Estado Liberal foi a separação dos poderes idealizada por Montesquieu, que a dividiu em três fatias, entregando-as para a burguesia, nobreza e realeza, pois, como a burguesia estava em ascensão, evitava com isso que ela crescesse sozinha e passasse a regular os outros. Sobre isso Marilena Chauí expõe em um de seus textos: “[…] a burguesia se vê inteiramente legitimada perante a realeza e a nobreza e, mais do que isso, surge como superior a elas, uma vez que o burguês acredita que é proprietário graças ao seu próprio trabalho, enquanto reis e nobres são parasitas da sociedade” [6].
A separação dos poderes buscava estabelecer um equilíbrio entre os três poderes.
Com a criação do Estado de Direito, surge o direito subjetivo público, que via o individuo como titular de direito e possibilitava a ele o direito de exigir o seu cumprimento pelo Estado.
Antes do estabelecimento do Estado Liberal, o cidadão só podia exigir o cumprimento das relações pactuadas entre particulares, mas não lhe cabia cobrar a atividade do Estado.
É nesse período que surgem os direitos de primeira geração, que estabelece uma postura negativa do Estado em face dos indivíduos, determinando que ele não se interfira e nem invada a esfera individual do cidadão, que passa a ser titular de direitos, passando a ter sua liberdade, propriedade, vida e segurança protegidos por ele, denominados de direitos subjetivos materiais e que serviam de fundamento para a criação das garantias fundamentais que visava assegurar esses direitos.
A primeira fase do Estado Liberal foi marcada pelas Revoluções Americana e Francesa, em que o capitalismo emergente representado pela burguesia deu início a uma revolução que buscava a interferência mínima do Estado na economia.
Nascem, com esse modelo de Estado Liberal, as previsões constitucionais dos direitos individuais, os direitos de primeira geração que se estabelecem por uma não atuação do Estado na vida dos cidadãos. É a mesma não interferência do Estado na vida particular do cidadão.
Nessa época, não existia a garantia dos direitos sociais, o que levava a população ao cometimento de crimes e desordens, já que viviam em situação de pobreza e miséria. A criminalidade passou a ser uma ameaça àqueles que detinham o poder.
O Estado exercia contra estes o seu poder de polícia e concluiu que a razão dos crimes cometidos pelos homens só podia ser por dois motivos: a maldade e a loucura. Não podia acreditar que o homem, sendo livre, poderia cometer atrocidades, por isso não aceitava a realidade que se apresentava à sua frente: os crimes aconteciam pela crescente desigualdade econômica, pela falta de acesso aos serviços básicos, como, por exemplo, a saúde e os grandes níveis de exploração por parte daqueles que detêm o poder [7].
E assim surgiu a segunda fase do Estado Liberal. Em meio a insatisfações e explorações, apesar de já haverem consagrado os direitos fundamentais e a limitação do poder do Estado na primeira fase.
Nela são consagrados os direitos políticos e o sufrágio universal masculino. O Estado percebeu que não bastava a repressão para acalmar os inconformados e insatisfeitos pela exploração e por isso passou a acatar algumas das reivindicações da classe proletária, e assim se tem iniciada a terceira fase do Estado Liberal.
Essa última fase, que acontece após a Primeira Guerra Mundial e tem como marco as Constituições mexicana (1917) e alemã (1919), é uma espécie de passagem do Estado Liberal para o Estado Social.
Nessa fase, os direitos conquistados nas fases anteriores são preservados, e tem-se um aumento dos movimentos reivindicatórios pela classe menos favorecida, surgindo, assim, os direitos sociais e econômicos, porém colocados em um patamar abaixo da Constituição.
Essa fase tem seu fim no término da Primeira Guerra Mundial, com a transição do Estado Liberal para o Estado Social, que foi criado para satisfazer os objetivos não alcançados pela livre iniciativa.
1.2 Estado Social
A não interferência do Estado nas relações sociais só aumentou a diferença econômica entre os burgueses e as classes trabalhadoras menos favorecidas, e com isso o Estado precisou atuar mais efetivamente na prestação de serviços e na área social.
Percebeu-se que as instituições privadas já não atendiam aos clamores feitos pela sociedade, e o “Estado Mínimo” passou a assumir essas funções, seja ele mesmo executando-as, seja por meio de regulamentação e fiscalização.
Se, no Estado Liberal, o indivíduo ganhara direitos que possuíam em face do Estado uma prestação negativa, ou seja, uma omissão do Estado para que tais direitos se realizem, neste modelo de Estado o cidadão passa a ser portador de direitos que exigem do Estado uma prestação positiva, efetiva para que tais direitos possam ser realizados.
Com isso, houve um aumento considerável das funções estatais e um inchaço na burocracia e nas relações entre particulares e entre a sociedade e o Estado, pois se ampliou o número de leis e a atuação do Executivo por meio da administração, pois o Estado passou a interferir na economia e na realização da justiça social.
Nasceram, no Estado Social, as ideias basilares para a criação dos direitos sociais, aqueles enquadrados nos direitos de segunda dimensão, que se situam no plano do “ser“, direitos de cunho econômico e social.
O jurista Celso Ribeiro Bastos assim define o Estado Social: “[…] um Estado que, embora necessário em dimensões mais amplas que as a ele conferidas pelo liberalismo clássico, nem por isso chega ao ponto de asfixiar a iniciativa e a criatividade da empresa privada” [8].
Todavia, tal intervenção tinha uma razão de existir. Se no liberalismo a não intervenção proporcionara à burguesia um desenvolvimento e regulamentação sem limites e feita por eles próprios, no Estado Social a interferência do Estado buscava proporcionar uma melhor qualidade de vida da população menos favorecida e com isso frear os anseios por uma nova revolução. Funcionava como uma forma de pacificar o conflito entre a burguesia e os proletários.
Nessa fase, buscava-se a melhoria das condições de vida e trabalho, pois imperava a exploração da classe proletária pela burguesia, crescia a população dos grandes centros urbanos devido à industrialização e aumentava a migração do povo do campo para a cidade, que, pela escassez de emprego, se submetia a condições desumanas e degradantes. Era necessário proteger o cidadão e garantir o mínimo de bem-estar à população.
É certo que, com a consagração dos direitos fundamentais no Estado Liberal, a sociedade ganhara direitos imprescindíveis a sua existência. Todavia, com a evolução da sociedade, das relações entre particulares e a consciência humana, percebeu-se que esses direitos não eram suficientes para uma convivência digna e em sociedade e nem atendiam às peculiaridades humanas.
Percebeu-se, então, que o liberalismo não podia se sustentar neste novo cenário, pois era preciso evoluir e criar garantias sociais que pudessem atender aos anseios da sociedade, que estava entrando em colapso com o aumento da desigualdade social. Com a falência do liberalismo, surge, em meio às reivindicações da sociedade, o Estado Social, e, com eles, os direitos da segunda dimensão, tutelando os direitos sociais, como saúde, moradia, educação, previdência, trabalho, entre outros.
Outra reivindicação das revoluções que deram origem ao Estado Social foi a busca pela igualdade material, pois, apesar de um dos lemas do liberalismo ser a igualdade, esta só pode ser alcançada formalmente, uma vez que as diferenças imperavam naquela época.
Acerca do tema, tem-se a colocação de Piovesan, que assim expõe:
A igualdade converte-se, assim, em valor essencial do sistema constitucional, tornando-se critério imperativo para a interpretação constitucional em matéria de direitos sociais. Eleva-se o direito à igualdade a direito-guardião do Estado Social.
[…] A igualdade material não se oferece, cria-se; não se propõe, efetiva-se; não é um princípio, mas uma consequência. O conteúdo do direito à igualdade consiste sempre num compromisso positivo, num facere, num dare. [9]
Neste modelo de Estado busca-se conciliar o individualismo com o social. As ações do Estado voltam-se para atender aos interesses públicos, proporcionando igualdade no tratamento das pessoas e oferecendo oportunidades a todos. Sobre essa concepção, encontra-se o pensamento de Carlos Ari Sundfeld: “O Estado torna-se um Estado Social, positivamente atuante para ensejar o desenvolvimento (não o mero crescimento, mas a elevação do nível cultural e a mudança social) e a realização da justiça social (é dizer, a extinção das injustiças na divisão do produto econômico)” [10].
É adepto do mesmo pensamento e ainda acrescenta Gordillo:
A diferença básica entre a concepção clássica do liberalismo e a do Estado de Bem-Estar é que, enquanto naquela se trata tão somente de colocar barreiras ao Estado, esquecendo-se de fixar-lhe também obrigações positivas, aqui, sem deixar de manter as barreiras, se lhes agregam finalidades e tarefas às quais antes não sentia obrigado. A identidade básica entre o Estado de Direito e Estado de Bem-Estar, por sua vez, reside em que o segundo toma e mantém do primeiro o respeito aos direitos individuais e é sobre esta base que constrói seus próprios princípios. [11]
Merece destaque a distinção existente entre estes dois tipos de Estados, o Liberal e o Social. Enquanto o primeiro busca a igualdade formal, a proteção da liberdade dos indivíduos que o compõem, por meio da não interferência do Estado com atitudes que lesionem ou reprimam essa liberdade pretendida – entenda-se por liberdades tanto a civil quanto a política -, salvo por motivos de necessidade pública reconhecida.
O Estado Social preocupa-se com a liberdade material, isto é, a ausência de privilégio para determinadas classes em detrimento de outras, o atendimento das promessas para a concretização do que fora prometido no Estado Liberal, o acesso a bens e serviços disponíveis na sociedade, tudo isto para que se concretize a independência e autonomia social dos indivíduos.
Deste modo, para que o Estado possa oferecer o bem-estar aos cidadãos, é preciso sair da posição de abstenção e passar a ter uma postura ativa, uma prestação positiva, adotando um sistema protetivo a fim de assegurar a dignidade da pessoa humana por meio de ações que garantam o acesso à educação, à saúde e ao trabalho.
1.3 Estado Democrático de Direito
O atual sistema jurídico brasileiro consagra-se como um Estado Democrático destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, a igualdade entre outros, conforme disposto no preâmbulo de Constituição [12].
Para efetivação do que fora disposto no Preâmbulo da norma constitucional, é indispensável fazer uma conexão entre a função do Estado Democrático de Direito e a garantia da dignidade da pessoa humana, que se apresenta expressamente no corpo constitucional como princípio basilar de nossa Lei Maior [13].
Neste modelo apresentado, influenciado por valores de justiça social, o poder emana do povo e em seu nome deve ser exercido. Para tanto, o povo deve eleger seus representantes para estabelecerem e fazerem cumprir normas estruturadas no corpo constitucional para assegurar que os ditames estabelecidos nesta ordem sejam respeitados, além de garantir a participação dos cidadãos nas tomadas de decisões.
Se antes o indivíduo figurava, apenas, como sujeito passivo, que esperava do Estado uma ação ou omissão para que seus direitos pudessem se concretizar, nesse modelo ele atua como sujeito ativo, atuante em processos que lhes digam respeito, como as regras de convivência, fazendo-os refletir e decidir sobre normas das quais serão submissos. Tem-se aqui a democracia participativa, e a vontade popular como soberana.
Todas essas mudanças são necessárias para que se possa efetivar a eficácia dos direitos e liberdades fundamentais e a garantia da dignidade da pessoa humana que se desdobra em várias outras garantias constitucionais. Sendo possível realizar esses ideais, pode-se ter uma sociedade justa, solidária e igualitária e alcançar os propósitos almejados desde o Estado Liberal.
O Estado Democrático de Direito tem como decorrência da sua forma de organização o respeito aos preceitos da legitimidade e da legalidade. Tal disposição significa que, ao estabelecerem suas leis, estas devem ser promulgadas em conformidade com a vontade da maioria e essa maioria deve às leis por eles aprovadas submeterem-se.
Estes dois fundamentos, o da legalidade e o da legitimidade, são imprescindíveis para a proteção dos direitos fundamentais do homem, pois eles estabelecem a organização e a limitação do poder estatal por meio da previsão e garantias fundamentais [14].
O Estado assume um dever constitucional de concretizar as normas por ele editadas visando a assegurar a proteção, o monitoramento e a fruição da plenitude ora consagrados.
Enfim, o Estado Democrático de Direito estabelece uma nova ordem social em que o indivíduo possui reais possibilidades de exercer seus direitos e cumprir suas obrigações, sendo guiado pela vontade suprema do povo. Nas palavras de José Afonso da Silva, “o que dá essência à democracia é o fato de o poder residir no povo” [15].
2 NEOCONSTITUCIONALISMO E O SURGIMENTO DO DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE
Ultrapassadas as considerações necessárias para a compreensão da Evolução do Estado até os dias atuais, inicia-se a exposição sobre a evolução do constitucionalismo para que se possa entender a interpretação e aplicabilidade da norma constitucional.
Inspirado em pensamentos liberais e iluministas, o povo francês, cansado da opressão, da violação da propriedade, do esquecimento e desprezo dos seus direitos, decide, reunido em Assembleia Nacional Constituinte da França, em 1789, aprovar um documento proclamando a liberdade e os direitos fundamentais do homem: a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão.
Esse documento histórico e ponto de partida para a fixação dos direitos humanos, reconhecendo que tais direitos são válidos exigíveis em qualquer lugar, declara isso em seu art. 16 [16].
Encontra-se nesse dispositivo a função da Constituição: assegurar a limitação do Poder do Estado e a garantia dos direitos fundamentais do homem.
Tem-se, portanto, a ideia de Constituição como algo feito pelo povo, para a proteção deste povo, que busca por uma aplicabilidade imediata dos princípios constitucionais.
Foi na Europa, após a Segunda Guerra Mundial, que surgiu o neoconstitucionalismo e a ideia de redemocratização do Estado para impedir abusos, limitando o poder do Estado e protegendo os direitos fundamentais do homem. É chegada a era dos direitos garantidores da justiça e da segurança da nação.
A Constituição alemã de 1949 e a criação do Tribunal Federal em 1951 deram início a uma produção teórica e jurisprudencial que concretizaram o direito constitucional nos países de produção romano-germânica. Paralelo a esses acontecimentos, tem-se a Constituição italiana de 1947 e a instalação da Corte Constitucional de 1956, seguidas da reconstitucionalização de Portugal (1976) e da Espanha (1978), que impulsionaram o debate sobre o novo direito constitucional [17].
Já no Brasil, o neoconstitucionalismo deu-se na década de 80. Tudo previamente debatido, elaborado e promulgado na Constituição de 1988 [18]. Na época, o País vivia uma crise militar e coube à nova Constituição brasileira garantir que os direitos fundamentais fossem respeitados, passando de um regime autoritário para um Estado Democrático de Direito baseado na legalidade constitucional.
Apesar das inúmeras Constituições já existentes em nosso país, cada uma delas com seus propósitos e anseios próprios da sua época, a falta de concretização e aplicação das normas constitucionais culminou na falência da legitimidade do poder e na instabilidade das instituições políticas [19].
Foi, porém, com a promulgação da Carta de 1988, apesar de suas inúmeras emendas que promoveram a estabilidade institucional do País. Na vigência dela, houve mudanças significativas nunca antes imaginadas devido ao estado de atraso e intolerância política e social em que se vivia.
Essa Constituição não só operou mudanças políticas em nosso país; foi além disso e provocou mudanças internas nos cidadãos, ao passo que fez o individuo se reconhecer como pessoa portadora de direitos, merecedora da proteção estatal, tudo devidamente legalizado e amparado na Lei Maior.
O neoconstitucionalismo tem seu marco filosófico no pós-positivismo, em que o direito natural tem sua origem em princípios universalmente válidos e passa a ser equiparado à lei, indo além da legalidade estrita, sem desprezar, contudo, o direito posto.
É a teoria de justiça que inspira a aplicação do ordenamento jurídico, sempre fundamentada na dignidade da pessoa humana.
Ao longo do século XX, a norma constitucional recebeu status de norma jurídica, deixando de ser vista como um mero documento político. A Constituição passa a ter um caráter vinculativo e obrigatório pelo reconhecimento de sua força normativa, e a inobservância de seu cumprimento gera o direito de recorrer aos meios coercitivos para promover o seu cumprimento forçado.
Uma vez consagrado o direito na nova Constituição, cabe ao Judiciário usar sua soberania para instigar e regulamentar a Administração Pública no cumprimento desse direito agora constitucionalizado por meio de políticas públicas adequadas. Essa legitimidade decorre não só de sua soberania, mas principalmente da força que o Estado Democrático de Direito lhe confere.
A partir da década de 80, o texto constitucional passou a ser interpretado com um novo vigor, referendado pela força normativa da Constituição. Essa nova interpretação levou à sistematização de princípios próprios aplicáveis à norma constitucional capazes de se fazer cumprir a vontade do constituinte. O texto constitucional deixou de ser orientativo para ser tornar obrigatório. Elas limitam e direcionam a atividade estatal, convergindo no bem comum da sociedade.
A ideia neoconstitucionalista traduz-se em interpretar a norma fundamental tentando extrair do seu conteúdo a mais perfeita interpretação, buscando o mais alto nível de satisfação e promovendo mais benefícios para o indivíduo detentor de direitos e garantias.
A nova interpretação constitucional difere-se da tradicional basicamente por dois aspectos. O primeiro diz respeito ao papel da norma. Enquanto na interpretação tradicional a norma oferece soluções de conflito de modo abstrato, na nova interpretação constitucional o caso concreto é analisado, pois nem sempre é possível encontrar no texto normativo respostas ao problema jurídico em questão. O segundo aspecto que diferencia essas duas interpretações é o papel do juiz, que, enquanto no modo tradicional basta o conhecimento à aplicação da norma, cabendo a ele fazer tão somente a subsunção do fato à lei, na interpretação do direito constitucional avançado o seu papel será fundamental, pois ele passará a fazer parte do processo, fazendo as valorações necessárias, a adequação da lei ao caso concreto, podendo utilizar de sua criatividade para escolher dentre muitas soluções possíveis [20].
Enfim, o neoconstitucionalismo trouxe consigo um vasto rol de direitos e garantias fundamentais, além de inúmeros princípios jurídicos que relacionam o direito à moral e criando a necessidade de melhor operacionalizar a aplicação dos dispositivos normativos da nova constituição.
Fazendo uso das palavras de Mazzarese, podem-se explicitar, claramente, os aspectos do neoconstitucionalismo:
[Há] três possíveis sentidos de “neoconstitucionalismo“: a) em um primeiro sentido, “neoconstitucionalismo” indicaria um traço caracterizador de alguns ordenamentos jurídicos: em particular, o dado positivo pelo qual o ordenamento apresenta uma Constituição que, além de conter as regras de individualização e ação dos órgãos principais do Estado, apresenta um mais ou menos amplo elenco de direitos fundamentais; b) em um segundo sentido, “neoconstitucionalismo” indica um certo modelo explicativo do conteúdo de determinados ordenamentos jurídicos (os indicados no ponto precedente), ou seja, o termo indicaria um certo paradigma do Direito, de sua forma de aplicação e de conhecimento; nesse segundo sentido, “neoconstitucionalismo” não indica portanto nada no mundo, senão que mais precisamente representa um modelo teórico; c) em um terceiro sentido, o termo “neoconstitucionalismo” indicaria um modelo axiológico-normativo do direito, um modelo ideal ao qual o direito positivo deveria tender. Esse ideal, sem embargo, não seria um “objeto” externo e separado do direito concreto, senão pelo contrário seria um mero desenvolvimento e a mera concretização do direito real, sobre a base dos princípios e dos valores que em este último estão expressamente enunciados. [21]
Em face do que foi exposto acima, entende-se o neoconstitucionalismo como certo tipo de Estado de Direito que não pode ser visto somente como um meio de proteção dos direitos individuais, mas como uma expressão da prática comum de uma comunidade política [22].
Há uma estreita relação entre os poderes do Estado. A Constituição é norma fundamental e, portanto, norteia as atividades dos poderes públicos e dirige as ações de particulares à realização dos valores constitucionais.
Uma outra interpretação ao constitucionalismo pode ser atribuída ao fato de que o reconhecimento do direito ultrapasse o que está predeterminado. É a aplicação do Direito nas relações horizontais. A interpretação da norma jurídica para aplicação da lei pressupõe um esforço dos aplicadores e defensores do Direito de maneira diferenciada. Não bastam os modos tradicionais de solução de conflitos, mas é necessário entrar no conflito, fazer parte dele; requer esforço na argumentação frente ao conhecimento de normas técnicas.
Dentro desse novo conceito de interpretação da norma constitucional, situa-se o ativismo judicial, que pode ser entendido como “uma atitude, é a eleição de um modo proativo de interpretar a Constituição, propagando seu sentido e extensão” [23].
O ativismo surge para dar efetividade às demandas sociais e promover o equilíbrio entre o Poder Público e a sociedade, extraindo do texto constitucional a sua máxima essência para que seja proporcionado o bem maior para a sociedade.
As condutas ativistas podem se desdobrar em:
(a) a aplicação direta da Constituição a situações não expressamente contempladas em seu texto;
(b) a declaração de inconstitucionalidade de atos normativos emanados do legislador, com base em critérios menos rígidos que os de patente e ostensiva violação da Constituição;
(c) a imposição de condutas e abstenções ao Poder Público, mormente no que tange às políticas públicas. [24]
Com esse ativismo, o Poder Judiciário se põe acima dos outros dois poderes, colocando-se em situação de oposição com o Executivo, que ultimamente tem sido vencido nesses embates, o que tem significado a vitória para a sociedade, uma vez que as decisões geralmente refletem os direitos constitucionais já previstos.
Não é intenção afirmar que o Judiciário tenha mais “poder” que os outros; contudo, o que se vê é que nem o Legislativo (que não deixou claro o quê, a quem e de que forma o Estado podia ou não atender) nem o Executivo (que, sabendo o que deveria fazer, não o fez) deixaram oportunidade para que o Judiciário agisse mediante provocação social.
Há várias críticas ao ativismo, porém elas não se sustentam, pois o cerne da maioria das decisões sempre são direitos e garantias destinadas aos cidadãos decorrentes do princípio da dignidade da pessoa humana.
Uma delas reside na questão de que os membros do Judiciário não foram eleitos pelo povo e, desta forma, não poderiam “ditar” a lei.
Porém, ao analisar que os membros do Judiciário apenas fazem a aplicação das leis que foram elaboradas pelos representantes do povo, tal afirmativa não se sustenta.
O ativismo judicial requer uma atuação mais intensa do Judiciário na concretização e efetivação daquilo que foi estabelecido no texto constitucional. Ele se manifesta por meio da determinação de procedimentos ao Poder Público através de realizações de políticas públicas para a realização dos direitos sociais, sobretudo a saúde e a educação.
Se o Estado público estabelece, na Carta Constitucional, que cabe a ele a proteção dos direitos fundamentais, mas não dispõe especificamente sobre o tema, cabe ao Judiciário expandir sua área de atuação para efetivar tal direito por meio de suas decisões. Porém, tal expansão ocorre pela dificuldade encontrada pelo Legislativo em definir com mais clareza até onde vai a responsabilidade do Estado, para que tal função não fique à mercê dos Magistrados por meio da atividade judicial. Desta forma, o Legislativo acaba retraindo-se frente ao aumento da atividade judicial.
Essa atividade pressupõe uma postura do intérprete da norma para ir além do que está escrito, ultrapassar os padrões da interpretação constitucional, buscar a ideia do constituinte no momento da concepção da lei e dar vida ao que está escrito, conforme foi pensado.
Mas não é justo que os Magistrados disfarcem o seu subjetivismo por meio de tal atividade. Eles devem encarar o texto constitucional e, fundamentados neles, apreciarem as causas e informarem suas conclusões. A criatividade do juiz não se pode desviar do que foi estabelecido na norma constitucional, sob o risco de transformar-se em ferramenta de tirania.
Enfim, esse modelo justifica-se não só pelo fato de concretizar imediatamente o texto constitucional, mas adotar uma postura mais audaciosa no que concerne aos princípios abstratos de igualdade, liberdade de expressão e de dignidade da pessoa humana.
Pode-se citar como prática usual do ativismo a distribuição de medicamentos ou a obrigação de realizar tratamento ou fornecer equipamento mediante decisão judicial, independente de estes constarem, ou não, nos protocolos do Ministério da Saúde.
3 JURISDISDIÇÃO CONSTITUCIONAL PARA EFETIVAR O DIREITO À SAÚDE
3.1 A saúde e seus aspectos sociais
O conceito de saúde assentado pela Organização Mundial da Saúde – OMS determina que “la salud es un estado de completo bienestar físico, mental y social, y no solamente la ausencia de afecciones o enfermedades” [25], relacionando-o a vários aspectos que influenciam no aparecimento e na sua cura. Esse conceito não tem sido modificado desde o ano de 1948, quando foi celebrada a Constituição da Organização Mundial da Saúde.
A 8ª Conferência Nacional de Saúde, marcada pela participação da população nas discussões, ampliou esse conceito definindo que “saúde é a resultante das condições de alimentação, habitação, educação, renda, meio ambiente, trabalho, transporte, emprego, lazer, liberdade, acesso e posse da terra e acesso a serviços de saúde” [26].
Pode-se extrair desse novo conceito que é fundamental ter qualidade de vida para dispor de saúde e, portanto, o estado de pobreza e de exclusão são fatores que dificultam o acesso à saúde, e que políticas sociais e econômicas que assegurem desenvolvimento econômico sustentável e distribuição de renda diminuem o risco de enfermidades, proporcionando, assim, uma vida mais saudável.
O estado de saúde retira do ser humano as condições de viver com dignidade.
O Ministério da Saúde, juntamente com a Fundação Oswaldo Cruz e a Organização Pan Americana de Saúde realizaram, no ano de 2003, o Projeto Saúde 2004 – Contribuição aos debates da 12ª Conferência Nacional de Saúde e que tinha como tema “Saúde: um direito de todos e dever do Estado – A saúde que temos, o SUS que queremos“.
Esse projeto visava a subsidiar o planejamento governamental setorial, em especial a implantação do Plano Plurianual 2004-2007 e a formulação de diretrizes para a elaboração do Plano Nacional de Saúde [27].
Outra importante finalidade era convocar a sociedade à reflexão sobre o direito à saúde, reunindo interlocutores das diversas regiões do País, como membros de ONGs, auditores do Tribunal de Contas, Procuradores do Ministério Público, Parlamentares das três esferas de governo e gerentes de unidades de saúde de referência regional que se dividiram em grupos diversificados para responderem questões acerca da saúde relacionadas à área com que trabalham.
A partir das conclusões obtidas nesse encontro, destacam-se três pontos fundamentais para a efetivação do direito à saúde como direito fundamental: i) o direito à integridade e à dignidade, ii) o reconhecimento e o respeito à diferença e iii) a territorialidade dos problemas [28].
O direito à integridade e à dignidade envolve questões relativas ao direito a uma vida digna, em que as necessidades sociais sejam atendidas, tais como: i) saneamento, com os devidos tratamentos de lixo, esgoto e fornecimento de água tratada; ii) direito a uma boa alimentação, para promover o bem-estar e tornando o indivíduo mais forte; e iii) direito a uma condição socioeconômica estável para evitar impactos sobre a vida emocional das pessoas (a falta de uma alimentação regular pode influenciar em transtornos psíquicos e no aumento da violência doméstica).
Pode não parecer, mas tais aspectos são fundamentalmente importantes no estudo do direito à saúde, pois esse direito é, apenas, uma extensão do sentido da dignidade. Como buscar o direito à saúde se ele não se sente completo, íntegro física e moralmente, digno de merecê-lo? É necessário que suas necessidades estejam sendo atendidas para promover o bem-estar e facilitar o seu atendimento.
Quando se fala em reconhecimento e respeitos às diferenças, que é uma condição para uma realização do direito universal à saúde, reporta-se às inúmeras classes existentes em nosso país, sejam negros, índios, idosos, crianças, deficientes, homossexuais, dependentes químicos e tantos outros.
O atendimento precisa ser diferenciado, qualificado para cada uma dessas classes, pois as necessidades variam e por isso não pode haver generalização.
Destarte, como as necessidades variam em função dos grupos sociais a serem atendidos, também variam em relação ao território no qual estão inseridos, de acordo com as especificidades e variedades regionais. Se, por exemplo, na região Sudeste a principal dificuldade é a falta de atenção integrada e humanizada aos pacientes, na região Centro-Oeste a precariedade no atendimento e na inadequação da oferta de serviços é a questão a ser vencida. O principal problema da região Nordeste segundo discussões dos interlocutores participantes deste projeto são dois: o desrespeito ao papel do controle social e a baixa resolutividade da atenção básica [29].
As dificuldades podem ser as mesmas em diferentes regiões, mas as causas variam de acordo com as políticas de governo adotadas em cada uma delas, podendo ser de natureza técnica, gerencial ou política.
Na região Norte, por exemplo, é notória a carência de recursos e infraestrutura, enquanto na região Sudeste o principal obstáculo a se vencer é a falta de atenção aos pacientes, oferecer um tratamento humanizado. Mas tal problema já era de se esperar devido ao grande número de pessoas que vivem naquela região e que procuram atendimento na rede pública de saúde.
Mais: somados a todos esses fatores apresentados acima, tem-se como a principal causa da crise na saúde, apontada por todos os interlocutores das cinco regiões que participaram do Projeto Saúde 2004, a inadequação na estrutura e a precariedade no atendimento.
Ao fim do projeto, foram apontadas sugestões de políticas públicas e sociais que podem colaborar na solução de melhorias da saúde em nosso país, sendo elas: i) alargamento dos padrões de inclusão social; ii) articulação das questões econômicas, sociais e ambientais no planejamento governamental visando à equidade; iii) estabelecimento de vínculos mais concretos entre os diferentes setores sociais nos espaços de gestão; iv) democratização das tarefas de coordenação de interesses no processo decisório; v) fortalecimento de processos orgânicos de negociação [30].
Tais debates como este foram realizados no Projeto Saúde 2004, que reúne um número diversificado de diferentes instituições e funções que são de extrema importância para a realização da interação social e política por estarem ali representadas as várias classes institucionais e setoriais que representam a realidade social de nosso país.
Cumprindo essas diretrizes formuladas no Projeto Saúde 2004, espera-se melhorar a qualidade de vida e os padrões de saúde da sociedade necessários à efetivação do direito à saúde.
3.2 O direito à saúde como direito à prestação material positiva
O direito à saúde é inserido do rol dos direitos sociais, sendo um direito fundamental da pessoa humana, integrando a segunda dimensão dos direitos fundamentais. Estas foram as marcas da passagem do Estado Liberal para o Estado Social: valorização da pessoa humana e respeito pela vida com dignidade.
Ele se apresenta como um direito de cunho prestacional positivo, exigindo, assim, ações dos mais diversos tipos por parte do Estado para que sua realização seja possível, como, por exemplo, realização de exames, atendimento médico e hospitalar, fornecimento de medicamentos, enfim, adoção de políticas públicas para dar eficácia e efetivar esse direito. Essa exigência prestacional material pode ser feita ao Poder Público ou a um particular (empresa de plano de saúde).
Jellinek apresenta uma doutrina dos quatro status do indivíduo em face do Estado:
Segundo a doutrina, o indivíduo pode encontrar-se em posição de subordinação aos poderes públicos, caracterizando-se como detentor de deveres para com o Estado, tendo competência para vincular o indivíduo, através de mandamentos e proibições. Classifica-se aqui o status passivo.
Noutras circunstâncias, faz-se necessário que o Estado não se intrometa na autodeterminação do indivíduo. Dotado de personalidade, impõe-se que os homens gozem de um espaço de liberdade de atuação, sem ingerências dos poderes públicos. Nesse caso, cogita-se do status negativo.
Outra posição coloca o indivíduo em situação de exigir do Estado que atue positivamente em seu favor, através da oferta de bens e serviços, principalmente os essenciais à sobrevivência e sadia qualidade de vida da própria comunidade. Tem-se o status positivo.
Por fim, tem-se o status ativo, em que o indivíduo desfruta de competências para influir sobre a formação da vontade estatal, correspondendo essa posição ao exercício dos direitos políticos, manifestados principalmente através do voto. [31]
O status positivo são aqueles advindos do Estado Social, são os responsáveis por tentar estabelecer uma sociedade mais igualitária por meio da redução das desigualdades.
Segundo pensamento de Jellinek, o indivíduo possui um status positivo em relação à saúde diante do governo, pois ele pode exigir que este efetue serviços que proteja, promova e recupere a saúde e assegure o bem-estar da sociedade.
Uma das dificuldades para promoção desse direito encontra-se no fato de não haver uma definição precisa sobre saúde. Não se sabe ao certo se a prestação é limitada às necessidades básicas e essenciais à vida humana ou se ela se estende por qualquer tipo de prestação que vise tão somente à satisfação pessoal da pessoa humana.
São os julgadores quem irão decidir até onde se estende essa proteção do direito à saúde quando determinarem o cumprimento das medidas necessárias para efetivação desse direito. É por esse motivo que os Tribunais estão repletos de ações reivindicando desde tratamento para HIV – que poderá proporcionar ao doente um tratamento para estender o seu tempo de vida, diminuindo seu sofrimento e proporcionando uma vida mais digna – a pedidos de aparelhos de surdez e óculos para a correção da visão.
Porém, segundo Sarlet, o direito à saúde também pode apresentar uma dimensão negativa, que acontece quando o Estado tem o dever jurídico de não afetar a saúde das pessoas, de nada fazer para prejudicá-la. O autor cita como exemplo uma lei que tivesse o objetivo de impedir a determinados cidadãos o acesso ao SUS. Nessa visão, o autor demonstra que a saúde encontra-se protegida contra ações de terceiros [32]. Essa acepção negativa visa a proteger o titular do direito à saúde contra agressões, interferências ou ameaças, seja do Estado, seja do particular.
O direito à saúde encontra-se protegido por se enquadrar no conjunto de cláusulas pétreas, não podendo, portanto, ser modificadas (a não ser para aumentar sua abrangência), abolidas ou restringidas. O princípio da vedação do retrocesso impede tal modificação, visto não se poder desconstituir a concretização de uma norma que o próprio Estado promulgou e lhe deu eficácia.
3.3 O direito à saúde na Constituição de 1988
Do direito à vida e da proteção da dignidade da pessoa humana decorrem vários outros direitos, entre eles, à vida.
O direito à saúde foi uma conquista da sociedade brasileira, na Constituição de 1988, como direito público subjetivo a prestações estatais, que o reconheceu como direito de todos e dever do Estado, estabelecendo a universalidade, a integralidade, a equidade, a descentralização, a regionalização e a participação da população como os princípios e diretrizes legais do sistema único de saúde (SUS) [33].
Pode-se retirar do texto constitucional que: a) são titulares desse direito todas as pessoas que se encontrarem sob o manto da Constituição, sendo ou não brasileiras e residindo ou não no País; b) que o responsável pela realização desse direito é o Estado (sem prejuízo do disposto no art. 199, que trata sobre a iniciativa privada); c) o Estado deve agir mediante adoção de políticas sociais para prover a saúde e o bem-estar dos cidadãos; d) essas políticas devem visar à redução do risco de doença procurando prevenir, promover, proteger e agir na recuperação quando falharem as etapas anteriores.
Convém destacar que a novel Constituição destinou uma seção especifica para o direito à saúde, a sua importância. Ele se encontra situado no Título VIII – Da Ordem Social, no Capítulo II – Da Seguridade Social, na Seção II – Da Saúde.
A Ordem Social, conforme previsão do art. 193 da CF, in verbis: “A ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais“. Pode-se extrair do texto citado que a ordem social, e tudo que ela integra, tem como objetivo o bem-estar social e a justiça social.
O direito à saúde está, ainda, situado dentro do quadro da Seguridade Social, na forma do art. 194 da Constituição [34].
Refletindo sobre a inclusão do referido artigo no capítulo mencionado, percebe-se que a vontade do legislador era mesmo proteger o bem maior por meio de políticas públicas adotadas pelo Estado visando a prevenir e a reduzir o risco de doenças e promover o cuidado à saúde.
Já o art. 198 esquematiza como o Estado deve se organizar para proporcionar o acesso à saúde, determinando a descentralização, o atendimento integral, a participação da comunidade.
A atribuição deve se dar conforme determina o art. 18 da Constituição, em que a responsabilidade será da União, dos Estados e do Município, em caráter preventivo, mas sem prejuízo das políticas assistenciais e de forma que a comunidade entenda o direito a esse direito e possa dar a sua contribuição quando necessário.
O direito à saúde está vinculado ao princípio da dignidade e só se concretiza quando o individuo sente-se íntegro, inserido na sociedade, sendo caracterizado pelo art. 6º da Constituição como um direito social, juntamente com a educação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, entre outros.
A concretização dos direitos fundamentais e a promoção do bem-estar à sociedade são os grandes desafios a serem vencidos pelo nosso Estado Democrático de Direito nos dias atuais, pois há que satisfazer as necessidades individuais frente às necessidades coletivas, e os recursos para isto acabam colocando-se como empecilho por serem escassos, ao passo que as necessidades coletivas são inesgotáveis e colocam-se mais importantes frente às individuais.
Grandes mudanças acontecem após a promulgação da Constituição de 1988, e entre elas se destacam como sendo as mais importantes a atuação do governo na aplicação de políticas públicas visando à proteção dos direitos dos cidadãos, a inclusão do indivíduo na sociedade e a efetivação de seus direitos [35].
Nessa Constituição, foi inovador o valor ofertado ao direito à saúde, que foi elevado ao status de direito fundamental [36].
Constitucionalizando esse direito, a saúde deixa de ser motivo de discussão apenas entre médicos, hospitais e empresas de plano de saúde, passando a interessar a promotores, advogados, defensores públicos e juízes por importar em defesa de direito fundamental a existência de direito fundamental à existência da pessoa humana.
Sobre a consagração tardia desse direito tão fundamental à existência e preservação da dignidade da pessoa humana, José Afonso da Silva discorre:
É espantoso como um bem extraordinariamente relevante à vida humana só agora é elevado à condição de direito fundamental do homem. E há de se se informar pelo princípio de que o direito igual à vida de todos os seres humanos significa também que, nos casos de doença, cada um tem direito ao tratamento condigno, de acordo com o estado atual da ciência médica, independente de sua situação econômica, sob pena de não ter muito valor sua consignação em normas constitucionais. [37]
Nas Constituições anteriores à de 1988, a União tinha competência para legislar sobre defesa e proteção da saúde. Possuía tal atribuição, um caráter administrativo e a União garantia à população, apenas, uma proteção contra endemias e epidemias, conforme expõe Dallari: “Nenhum texto constitucional se refere explicitamente à saúde como integrante do interesse público fundante do pacto social até a promulgação da Carta de 1988” [38].
Atualmente, a saúde comporta um direito de natureza positiva, exigindo que o governo adote medidas que visem à efetividade desse direito, prevenindo doenças e tratando delas.
Frise-se que a não efetivação de tal garantia consolidada nos textos constitucionais para realização desse direito dá ensejo a uma ação de inconstitucionalidade por omissão conforme determinam os arts. 102, I, a, e 103, § 2º, da CF/1988.
Porém, não é só o Poder Público o destinatário dessa norma: os particulares, igualmente, têm o dever de promover e proteger a saúde, pois estão igualmente vinculados. Estes não poderão ofender a integridade física e moral, pois estarão, consequentemente, ferindo a saúde alheia e sujeitos, assim, às penas na esfera criminal e cível.
Tal determinação se estende aos planos de saúde, que devem, na medida do possível, atender àqueles que estiverem vinculados a eles e precisarem de tratamento com eficiência, respeitando as relações entre particulares.
O indivíduo, portador desse direito, pode atuar isolada e individualmente para promoção e preservação de sua saúde, por meio de medidas que não comprometam o bem-estar físico e mental do corpo, adotando posturas corretas em relação à ingestão de alimentos saudáveis, à prática de exercícios físicos e ao não uso de álcool e drogas.
Atuando com prevenção, a pessoa humana estará menos propensa a necessitar de cuidados, e quando, não tiver recursos para arcar o tratamento, recorrer ao Estado para custear seu tratamento. Aliás, para que determinado procedimento seja realizado, é necessária a anuência do paciente.
Muito se discute sobre o titular desse direito [39].
Para a sorte dos turistas que frequentam nosso país, esse entendimento restritivo não é adotado pelos nossos Magistrados, pois, caso contrário, somente os brasileiros e os estrangeiros residentes no País teriam direito à prevenção e à promoção da saúde e aqueles que não residissem aqui, e estivessem a passeio ou a negócios, seriam impossibilitados de usarem o sistema de saúde de nosso país sem o direito de sequer recorrer ao Judiciário para ser atendido. A interpretação literal é afastada em favor do princípio da universalidade dos direitos fundamentais.
3.4 A descentralização e a integralidade no atendimento e a participação da comunidade como diretrizes na promoção à saúde [40]
A descentralização deve ocorrer nos moldes estabelecidos no art. 18 da Constituição Federal, que determina que a organização político-administrativa do País compreenda a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.
Ainda estabelece a Lei nº 8.080, de 1990 (Lei do SUS), no tópico destinado a “Princípios e Diretrizes“, que:
Art. 7º As ações e serviços públicos de saúde e os serviços privados contratados ou conveniados que integram o Sistema Único de Saúde – SUS são desenvolvidos de acordo com as diretrizes previstas no art. 198 da Constituição Federal, obedecendo ainda aos seguintes princípios:
[…]
IX – descentralização político-administrativa, com direção única em cada esfera de governo:
- a) ênfase na descentralização dos serviços para os municípios;
- b) regionalização e hierarquização da rede de serviços de saúde;
[…]
Acrescenta os dispositivos seguintes da mesma lei:
Art. 8º As ações e serviços de saúde, executados pelo Sistema Único de Saúde – SUS, seja diretamente ou mediante participação complementar da iniciativa privada, serão organizados de forma regionalizada e hierarquizada em níveis de complexidade crescente.
Art. 9º A direção do Sistema Único de Saúde – SUS é única, de acordo com o inciso I do art. 198 da Constituição Federal, sendo exercida em cada esfera de governo pelos seguintes órgãos:
I – no âmbito da União, pelo Ministério da Saúde;
II – no âmbito dos Estados e do Distrito Federal, pela respectiva secretaria de saúde ou órgão equivalente; e
III – no âmbito dos Municípios, pela respectiva secretaria de saúde ou órgão equivalente.
Caberá à União, aos Estados e aos Municípios, conforme estabelecido nesta lei, a atribuição comum de prover o controle, a avaliação, a fiscalização das ações de serviços e saúde, administrar os recursos orçamentários e financeiros anuais destinados à saúde, acompanhar e avaliar a saúde da população, coordenar os projetos estratégicos de atendimento emergencial, entre outros descritos no art. 15 da Lei nº 8.080/1990.
A estrutura organizacional e decisória do SUS será composta, em nível nacional, pelo Ministério da Saúde, Comissão Tripartite e o Conselho Nacional. Já na área estadual, será composto de Secretarias Estaduais, Comissão Bipartite e Conselho Estadual; no nível municipal, das Secretárias Municipais e dos Conselhos Municipais.
Já a competência foi distribuída para os três entes da Federação, visando à descentralização das políticas e à definição dos papéis das três esferas de governo em cada área de política pública, em oposição ao que ocorria anteriormente ao modelo constitucional de hoje, em que a saúde centralizava-se no nível federal.
Esse novo modelo possibilitou que Estados e Municípios possam atuar na concretização do direito à saúde.
Os fundamentos jurídicos e normativos que dão embasamento a essa descentralização são, além da Constituição Federal de 1988 e da própria Lei do SUS, a Lei nº 8.142/1990, que trata da participação da comunidade na gestão do SUS e sobre as transferências intergovernamentais de recursos financeiros na área da saúde; as Normas Operacionais Básicas – NOB, publicadas em 1992, 1993 e 1996; a EC 29/2000; a Norma Operacional de Assistência à Saúde – NOAS do ano de 2001.
De forma resumida, cabe ao Ministério da Saúde as atividades de estratégias no âmbito nacional, a definição e coordenação nacional de rês sistemas, a regulação do setor privado e o estabelecimento de padrões técnicos de assistência à saúde.
Na esfera estadual, caberá planejar, programar e organizar a rede regionalizada e hierarquizada do SUS.
Para os Municípios, restará o dever não menos importante de planejar, organizar, controlar e avaliar as ações de serviços de saúde, gerir e executar os serviços públicos de saúde.
Quando se fala em integralidade no acesso à saúde, conforme assentado no art. 198 da CF, determina-se que isto não é uma responsabilidade restrita ao setor da saúde, mas que deve ser integralizada entre os diversos setores, federal, municipal e estadual, por meio de políticas e ações que assegurem a melhoria das condições de vida, o bem-estar social, a vida com dignidade e, por consequência, a saúde.
Pode extrair dessa diretriz que o Poder Público deve estabelecer um conjunto contínuo e articulado de ações e serviços destinados à promoção, prevenção e cura em todos os níveis de complexidade do sistema.
Devem ser previstas também a prevenção dos fatores de riscos, a assistência de danos e a reabilitação em todos os espaços organizacionais do sistema de saúde.
Já a participação da comunidade, fator inovador apresentado na Constituição de 1988 e peça de fundamental importância no acesso e concretização da saúde, encontra mais disposições no art. 12 da Lei nº 8.080/1990 [41].
O Conselho Nacional de Saúde é formado por 48 conselheiros titulares e seus respectivos primeiro e segundo suplentes, representantes de entidades e movimentos sociais de usuários do Sistema Único de Saúde (SUS), entidades de profissionais de saúde, incluída a comunidade científica, entidades de prestadores de serviço, entidades empresariais da área da saúde e governo federal.
A escolha dos membros é feita a fim de manter o equilíbrio dos interesses, em que 50{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6} dos participantes são usuários, 25{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6} são trabalhadores e os outros 25{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6} são prestadores de serviços e gestores.
O objetivo principal desse conselho é avaliar o desempenho e orientar o desenvolvimento do SUS, além de definir políticas públicas, orçamento e ações.
Além dos Conselhos Nacionais de Saúde, deverão ser criados nos níveis locais, municipal, regional e estadual, visando à participação da sociedade no planejamento, execução e fiscalização dos problemas de saúde.
3.5 Ativismo judicial como instrumento para efetivar o direito à saúde
Se, no Estado Liberal, o Poder Judiciário apenas aplicava a lei, de forma neutra e apolítica, apenas com base em critérios técnicos, no Estado Democrático de Direito a lei passa a expressar opções políticas e a refletir o desejo da maioria, escolhendo entre vários caminhos possíveis e não só o reconhecimento do direito natural.
A problemática para prestação deste direito surge quando se questiona sobre a efetividade imediata e sobre a aplicação da norma que garante tal direito. Não seria obrigação do Magistrado aplicar a lei conforme ela se apresenta no artigos citados no capítulo anterior, em especial nos arts. 193 e 196 da CF?
A Constituição consagrou a saúde como direito público subjetivo, cabendo aos Poderes Públicos adotarem políticas que visem a assegurar a garantia de acesso igualitário às ações e aos serviços.
É justamente esse caráter subjetivo dos direitos sociais que se impõe como óbice à eficácia e aplicabilidade do direito à saúde. Para isso se faz necessário trazer ao estudo o texto do art. 5º da CF, § 1º, in verbis: “As normas definidoras de direitos e garantias têm aplicação imediata“. Diante de tal assertiva, pretendeu o constituinte originário que as normas constitucionais que versam sobre direitos e garantias fundamentais não dependessem da ação do legislador infraconstitucional ou mesmo de intervenção judicial, podendo gerar efeitos tão logo sejam requeridas.
Sobre isto, tem-se o posicionamento de Sarlet:
De modo especial no que diz com os direitos fundamentais sociais, e contrariamente ao que propugna ainda boa parte da doutrina, tais normas de direitos fundamentais não podem mais ser consideradas meros enunciados sem força normativa, limitados a proclamações de boas intenções e veiculando projetos que poderão, ou não, ser objeto de concretização, dependendo única e exclusivamente da boa vontade do poder público, em especial, do legislador. [42]
Apesar da quase completa abstenção do Estado em atender às necessidades da sociedade por meio das políticas de privatização dos serviços públicos, continua cabendo a ele a responsabilidade de prover o bem comum à população.
Busca-se, ao impetrar uma ação e esperar pela decisão de um Magistrado, que o Estado apenas garanta a eficácia de uma norma por ele editada.
É grande o número de ações fundamentadas no art. 196 da Constituição federal que visam a assegurar a prestação jurisdicional do Estado a tratamentos e medicamentos gratuitamente como a própria lei estabelece [43].
Tal discussão no Judiciário ocorre por não haver uma definição do que é saúde e até onde se estende a sua proteção. Quem vai interpretar e preencher essa lacuna é o julgador diante do caso concreto.
Adiante, será feita uma análise jurisprudencial acerca do tratamento do direito à saúde na Constituição de 1988 e soluções ativistas concretas na tutela da vida.
Fato que chamou a atenção da sociedade noticiada na capa de uma revista de grande circulação nacional foi o caso Fabinho. A notícia estampada na capa trazia o seguinte: “R$ 520,00 por uma vida” [44].
Eram 16h06 do dia 9 de agosto quando Fábio de Souza Nascimento morreu de insuficiência respiratória. Ele viveu 14 anos com os pais e a irmã mais velha num condomínio popular de Jacarepaguá da Zona Oeste do Rio de Janeiro. Gostava de pipa e videogame, de desenho animado e de futebol. Torcia pelo Flamengo. Adorava churrasco e misto quente. Sonhava em ser motorista de caminhão. [45]
O menino de 14 anos de idade faleceu vítima de parada respiratória no dia 9 de agosto de 2010. Ele lutava contra um câncer desde um ano e sete meses de idade e passou por sessões de quimioterapia até os dez anos.
A decisão judicial proferida em fevereiro de 2010 deferiu o pedido de aluguel de um balão de oxigênio, porém as autoridades federal, estadual e municipal não decidiram quem iria fornecer. O garoto não pôde esperar.
Em entrevista cedida ao jornal O Globo, o Secretário Municipal de Saúde e Defesa Civil da época, Hans Dohmann, admitiu que é uma derrota para a Administração Pública uma pessoa morrer por falta de balão de oxigênio como ocorreu com Fábio de Souza do Nascimento [46].
O secretário Estadual de Saúde do Rio de Janeiro, da época, Sérgio Côrtes, também se manifestou lamentando a morte do menino: “Quando há judicialização fica difícil definir quem é o réu: município, Estado, União? Na verdade, não se deveria pensar nisso. O sistema, como o nome diz, é único. Quando você tem uma demanda, ela tem que ser atendida pelos três entes” [47].
Ao se analisar outro julgado que versa sobre tratamento com necessidade de modificação de atuação médica, seja cirúrgica, seja na prescrição de medicamentos, encontra-se:
Administrativo e processual civil. Sentença incerta. Pedido genérico. Ausência. Honorários de defensor público em demandas contra o Estado. Inadmissibilidade. 1. A sentença que condena o Estado a prestar o medicamento indicado pelo autor para o tratamento de insuficiência renal crônica durante o tempo que dele necessitar não é incerta, tampouco advém de formulação de pedido genérico. 2. A Defensoria Pública, por ser órgão do Estado, desprovido de personalidade jurídica própria, não pode recolher honorários sucumbenciais decorrentes de condenação contra a Fazenda em causas patrocinadas por defensor público. Precedente da 1ª Seção: REsp 493.342, Rel. Min. José Delgado, DJU 10.12.2003. 3. A Lei Complementar nº 80, de 12.01.1994, ao dispor sobre as normas gerais para a organização da Defensoria Pública dos Estados, vedou aos seus membros o recebimento de honorários advocatícios. 4. Recurso especial provido em parte. [48]
Acontece, não raras vezes, que, ao iniciar uma ação judicial com pedido de prestação de medicamentos, o autor, que ainda está no curso do tratamento, pode necessitar, de acordo com a evolução da doença, a medicação e a assistência médico-hospitalar diversa daquela que foi pleiteada no pedido, ou, até mesmo, não poder indicar na inicial de que medicamentos ele necessariamente irá fazer uso.
Diante disso, o STJ entendeu que o pedido para tratamento de doença renal crônica, caso não seja especificado o tipo do medicamento e o tempo pelo qual o autor precisará fazer uso, não constitui pedido genérico e por isso não fere o art. 286 do Código do Processo Civil.
Sobre a responsabilidade do Estado na prestação de medicamentos indispensáveis para a promoção e reabilitação da saúde, encontra-se: “Saúde. Promoção. Medicamentos. O preceito do art. 196 da Constituição Federal assegura aos necessitados o fornecimento, pelo Estado, dos medicamentos indispensáveis ao restabelecimento da saúde” [49].
Diante desses dois julgados, pergunta-se: por que o Estado, mesmo sabendo que esta é uma obrigação imposta a ele por meio de previsão constitucional, ainda tenta se eximir de fornecer os meios necessários à promoção da saúde?
Não é justo que ele hesite em cumprir a determinação de uma norma que ele mesmo promulgou.
É admissível, ainda que com ressalva moral, entrar com ação para formalizar o pedido individualizado e a entrega de medicamentos que têm um valor elevado e do qual o indivíduo não pode dispor, mas daí a interpor recursos inesgotáveis para tentar se eximir do comprometimento que ele ofertou e disso não pode se abster é injusto e desonesto.
Ademais, conforme já foi demonstrado, todas as normas que versem sobre a saúde, que é direito fundamental social, têm aplicabilidade imediata e, por isso, independe da legislação infraconstitucional para ter efetividade e eficácia.
Esses julgados deveriam ter o condão de vincular outros de mesmo objeto, independente da vontade e das “desculpas” da Administração Pública, muitas vezes baseados na teoria da reserva do possível.
A disponibilidade de recursos não pode servir de escusa para aplicação da lei, principalmente quando se fala em salvaguardar a vida, bem maior do ser humano.
Ainda sobre os julgados quanto à apreciação do direito à saúde, o STJ decidiu que é ilegal a cláusula contratual que limita o tempo de internação hospitalar do assegurado, em se tratando de emergência, ainda que o assegurado esteja dentro do prazo de carência contratual. Tal limitação é abusiva por restringir a finalidade do contrato para o qual o contrato foi celebrado, ferindo o teor da Súmula nº 302 da mesma Corte [50].
Direito do consumidor. Plano de saúde. Período de carência. Situações emergenciais graves. Negativa de cobertura indevida. I – Na linha dos precedentes desta Corte, o período de carência contratualmente estipulado pelos planos de saúde não prevalece, excepcionalmente, diante de situações emergenciais graves nas quais a recusa de cobertura possa frustrar o próprio sentido e razão de ser do negócio jurídico firmado. II – No caso dos autos, o seguro de saúde foi contratado em 27.10.2003 para começar a viger em 01.12.2003, sendo que, no dia 28.01.2004, menos de dois meses depois do início da sua vigência e antes do decurso do prazo de 120 dias contratualmente fixado para internações, o segurado veio a necessitar de atendimento hospitalar emergencial, porquanto, com histórico de infarto, devidamente informado à seguradora por ocasião da assinatura do contrato de adesão, experimentou mal súbito que culminou na sua internação na UTI. III – Diante desse quadro, não poderia a seguradora ter recusado cobertura, mesmo no período de carência. IV – Recurso especial provido. [51]
As decisões judiciais estão sendo unânimes em relação à prestação de serviços pelas empresas de plano de saúde quando se configurar uma situação de emergência que ponha em risco a vida do usuário deste serviço. Ressalte-se, a necessidade de emergência para mesmo dentro do prazo de carência contratual, a prestação de serviço seja obrigatória.
3.5 Reserva do possível, mínimo existencial e o direito à saúde
A concretização do direito à saúde implica destinação de recursos materiais e humanos para a sua efetivação e por isso estão submetidos a uma reserva do possível.
Acontece, não raras vezes, conflito entre direitos e princípios ao se julgar o caso concreto, visando a uma harmonização e compatibilização dos bens em questão [52].
A teoria da reserva do possível diz respeito àquilo que a sociedade pode oferecer para o indivíduo de maneira racional, sempre respeitando os limites, observando-se a pretensão pleiteada. Diz respeito à existência de recursos materiais para a realização de um direito social.
A falta de recursos apresenta-se como um limite justificável à prestação de determinados serviços. Apesar de essa teoria chamada de “cláusula da reserva do possível” não se referir apenas à existência ou não de recursos para a efetivação de um direito, no Brasil ela se apresenta como teoria usada pelo Poder Público para afastar a possibilidade de prestação de serviços ou adoção de medidas garantidoras de um direito alegando-se a insuficiência de recursos e a falta de previsão orçamentária.
O Estado alega que, se não fornece determinado medicamento, é porque dispõe dos meios necessários para isto.
A cláusula da reserva do possível não admite que o Judiciário imponha ao Poder Público a criação de um gasto desmedido para dispor daquilo que não possui. Ela tentar impor limites econômicos para a possibilidade material desse direito.
Podem-se encontrar três concepções sobre a teoria da reserva do possível. São elas:
Sob a ótica de parte dela (proteção plena), todos os direitos classificados pela Constituição como fundamentais são passíveis de tutela jurídica imediata (como são direitos garantidos pela lei máxima de um país, devem ser sempre observados e garantidos por possuírem aplicação imediata).
Sob uma segunda visão (obstáculo absoluto), tem-se que apenas os direitos negativos são passíveis dessa tutela, pois os direitos positivos, por demandarem recursos, estariam sujeitos à reversa do possível (recursos financeiros).
Uma terceira posição (obstáculo relativizado – mínimo em conteúdo), defende a ideia do chamado “mínimo existencial“, segundo o qual existiriam direitos positivos ligados ao núcleo essencial que seria sempre e imediatamente tutelável, ficando os demais sob a órbita da reserva do possível. [53]
O que ocorre usualmente é que a limitação de recursos públicos se impõe à efetivação dos direitos sociais, visto que os gastos públicos dependem de prévia disposição orçamentária.
Na limitação dos gastos com a saúde, a Administração Pública tem os arts. 165 e seguintes a seu favor. O referido artigo impõe que os gastos da Administração Pública devem ser previstos no plano plurianual e, desta forma, estariam, sim, limitadas as previsões orçamentárias e o Judiciário não poderia obrigar o ente público a desobedecer a determinação imposta na Constituição.
Contudo, a teoria da reserva do possível possui suas limitações, mediante a ponderação de princípios de que as necessidades e os recursos são limitados. Todavia, a cláusula da reserva do possível pode ser levantada para afastar a intervenção judicial, mas tal argumento não poderá sobrepor o direito à vida, e uma vida com dignidade, proporcionando ao menos o “mínimo existencial” para a sobrevivência do cidadão, dando efetividade aos direitos básicos do cidadão.
Para realizar o que está consagrado na Constituição atual, os direitos essenciais a uma vida digna não estariam sujeitos à reserva do possível, pois eles dispõem de tutela imediata, devendo ser realizados tão logo sejam provocados, e os outros, sim, poderiam ficar sujeitos à reserva do possível.
Importante não confundir o mínimo existencial com o que se apresenta como mínimo vital – a vida.
Enquanto o mínimo vital visa à proteção da existência e de uma vida como pura e simplesmente concebida, a segunda busca a proteção da vida com dignidade, em que a pessoa portadora de direitos tenha garantido as mínimas condições sociais para se sentir humano.
O Informativo nº 345 do STJ, que trata de políticas públicas, intervenção judicial e reserva do possível, traz, em seu texto, que o veto proferido pelo Presidente da Republica sobre o § 2º do art. 55 de proposição legislativa que se converteu na Lei nº 10.707/2003 – Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) [54], destinada a fixar as diretrizes pertinentes à elaboração da lei orçamentária anual de 2004, importou em desrespeito a preceito fundamental decorrente da EC 29/2000, que foi promulgada para garantir recursos financeiros mínimos a serem aplicados nas ações e serviços públicos de saúde [55].
O que se buscava com essa ação de descumprimento de preceito fundamental era conferir efetividade à EC 29/2000. O objetivo foi alcançado com a edição da Lei nº 10.777, de 24.11.2003, para garantir recursos financeiros mínimos a serem aplicados nas ações de serviços públicos de saúde.
Relata ainda o informativo que a finalidade das Constituições modernas e da Constituição de 1988 em especial é ir além das proteções individuais para promover o bem-estar do homem, assegurando condições de dignidade e materiais mínimas para sua existência – o mínimo existencial.
Ao estabelecerem quais obrigações correspondem ao mínimo existencial, estar-se-ão estabelecendo a prioridade de gastos públicos. Apenas depois de atendê-los é que se poderá discutir em quais outros recursos se poderão investir a verba remanescente.
A reserva do possível constitui uma ação onerosa para o Estado; ela se constitui de dois binômios: a razoabilidade da pretensão individual/social deduzida em face do Poder Público versus a existência de disponibilidade financeira do Estado para tornar efetivas as prestações positivas dele reclamadas.
Se estiver ausente qualquer desses elementos, a prestação estatal não poderá ser efetivada.
DAS CONSIDERAÇÕES FINAIS
De acordo com o que foi exposto, percebe-se que, em determinado momento da nossa história, a sociedade necessitou idealizar a criação de um Estado para proteger os direitos fundamentais por meio da organização político-jurídica de um sistema.
Com a evolução do Estado, evolui-se a proteção dos direitos por ele tutelado. Surgem, no Estado Liberal, os direitos de primeira geração e, no Estado Social, os direitos sociais e, entre eles, a saúde.
A partir da ideia do neoconstitucionalismo, surge a limitação do poder e uma nova interpretação da Constituição para garantir a justiça e a segurança da nação. A Constituição deixa ser vista como mero documento político, passando a ter caráter vinculativo e obrigatório pelo reconhecimento de sua força normativa. A ideia neoconstitucional prega que o cidadão pode e deve recorrer aos meios coercitivos para promover o cumprimento forçado dessa norma consagrada.
Os juízes têm um papel fundamental no cumprimento desta norma, pois dão ao texto constitucional uma interpretação, ultrapassando aquilo que está predeterminado, sempre pensando em favorecer a sociedade, adentrando os conflitos, indo além da interpretação técnica, utilizando a criatividade e adequando a norma aos anseios da sociedade.
Ressalte-se, por necessário, que a atividade do Judiciário deve se dar nos moldes da lei, não podendo o Magistrado oferecer aquilo que não fora ofertado pelo legislador, algo diverso do que foi imaginado na concepção da lei, quando a sua função, na verdade, é extrair da norma a melhor interpretação, a fim de favorecer a sociedade.
A ativismo judicial tem sido uma ferramenta importante para a efetivação do direito à saúde, pois o Estado tenta se eximir de sua responsabilidade argumentando que não fez previsão de verba para tais gastos ou que tal pedido não tem fundamento na legal.
A divergência quanto ao que o Estado deve não oferecer ocorre porque a legislação não esclarece qual o seu dever e até onde se estende a sua obrigação e pela não conceituação do estado de saúde.
O direito à saúde deve ser proporcionado pelo Estado por meio de políticas públicas que assegurem a prestação material, pois trata-se de direito fundamental social e que requer aplicação imediata, conforme determina o art. 5º, § 1º.
A efetividade desse direito deve ser dar nos vários níveis do governo, visando à descentralização e à integralidade no atendimento de forma que o acesso à saúde ocorra em todas as esferas – municipal, estadual e federal – e em todos os setores, não só o da saúde, de maneira contínua e articulada.
Além disso, o direito à saúde deve ser universal e igualitário, mediante ações e serviços que visem à preservação, promoção e recuperação.
As decisões judiciais, ao deferirem os pedidos para a compra de medicamentos de alto custo, visam à proteção do bem maior, a vida.
Conclui-se, ainda, que deverá ser garantido ao cidadão o mínimo necessário para a sobrevivência digna; sendo assim, deverá ser autorizada a retirada de verba necessária para o custeamento da saúde, ainda que não prevista em plano orçamentário já definido, pois a saúde é condição básica para a existência, e existência com dignidade, não podendo se submeter a uma reserva já destinada a ela.
Porém, o pedido não poderá ser atendido se não forem comprovadas a razoabilidade da pretensão e a real disponibilidade do Estado. Porém, quando o setor da saúde não dispuser de verba, poderá ser retirada de outra área, pois o direito à saúde e, por consequência, o direito à vida deve ser preservado.
Havendo deferimento do pedido em desfavor do Estado e, se mesmo assim, ele relutar em cumpri-lo, poderá ser feito o sequestro da verba pública para custear o que foi determinado (fato já admitido pelo STF) e aplicar multa moratória pela não observação do cumprimento na tutela à vida.
Por fim, o direito à saúde é um direito do cidadão que deve ser proporcionado pelo Estado por meio de políticas públicas visando a preservação do direito à vida e respeitando o princípio da dignidade da pessoa humana.
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[1] Cf. CLÈVE, Clèmerson Merlin. Atividade legislativa do Poder Executivo. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 35.
[2] BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. p. 100.
[3] CLÈVE, Clèmerson Merlin. Op. cit., p 34.
[4] LA BRADBURY, Leonardo Cacau Santos. Estados liberal, social e democrático de direito: noções, afinidades e fundamentos. Jus Navigandi, Teresina, a. 11, n. 1252, 5 dez. 2006. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9241>. Acesso em: 19 abr. 2012.
[5] Cf. BOBBIO, Norberto. Estado, governo, sociedade: para uma teoria geral da política. 11. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2004.
[6] CHAUÍ, Maria Helena. Estado de Natureza, contrato social, Estado Civil na filosofia de Hobbes, Locke e Rousseau. Disponível em: <http://rizomas.net/filosofia/principios-filosoficos/250-a-origem-do-estado-liberal-hobbes-rousseau-e-locke.html>. Acesso em: 26 abr. 2012.
[7] LAUREA, Thiago. A evolução do Estado Liberal sob a ótica dos direitos fundamentais. Disponível em: <www.jurisway.org.br/v2/dhall.asp?id_dh=28>. Acesso em: 25 abr. 2012.
[8] BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de teoria do Estado e ciência política. 6. ed. São Paulo: Celso Bastos, 2004. p. 169.
[9] Apud MACHADO, Ednilson Donisete; NEVES, Samara Tavares Agapto das. Decisão judicial sobre direitos sociais: igualdade material como limite. In: Anais do XV Encontro Preparatório para o Congresso Nacional do Conpedi, p. 29. Disponível em: <http://www.conpedi.org.br/conteudo.php?id=2>. Acesso em: 20 mar. 2012.
[10] Apud LA BRADBURY, Leonardo Cacau Santos. Op. cit. Acesso em: 24 abr. 2012.
[11] Apud LA BRADBURY, Leonardo Cacau Santos. Op. cit. Acesso em: 24 abr. 2012.
[12] “Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte, para instituir um Estado democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte Constituição da República Federativa do Brasil.” (Preâmbulo da Constituição de 1988)
[13] Constituição Federal de 1988: “Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: […] III – a dignidade da pessoa humana; […]”.
[14] MOI, Fernanda de Paula Ferreira; PLAZA, Charlene Maria C. de Ávila. A proteção internacional dos direitos humanos e seus reflexos no âmbito do Mercosul: uma análise comparativa das legislações dos Estados-membros. In: Anais do XV Encontro Preparatório para o Congresso Nacional do Conpedi, p. 903. Disponível em: <http://www.conpedi.org.br/conteudo.php?id=2>. Acesso em: 20 mar. 2012.
[15] SILVA, José Afonso de. Curso de direito constitucional positivo. 13. ed. São Paulo: Malheiros, 1997. p. 178.
[16] “Art. 16. Toda a sociedade onde a garantia dos direitos não está assegurada, nem a separação dos poderes determinada, não tem Constituição.” (Cf. Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão. Disponível em: <http://www.historianet.com.br/conteudo/default.aspx?codigo=180>. Acesso em: 14 abr. 2012)
[17] BARROSO, Luis Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do Direito. O triunfo tardio do direito constitucional no Brasil. Revista Eletrônica sobre Reforma do Estado (Rere), Salvador, Instituto Brasileiro de Direito Público, n. 9, mar./abr./maio 2007. Disponível em: <http://www.direitodoestado.com.br/rere.asp>. Acesso em: 12 abr. 2012.
[18] Idem.
[19] BARROSO, Luís Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas: limites e possibilidades da Constituição brasileira. 8. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 07.
[20] BARROSO, Luis Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do Direito. Op. cit. Acesso em: 12 abr. 2012.
[21] Apud MAIA, Antonio Cavalcanti. As transformações dos sistemas jurídicos contem-
porâneos: apontamentos acerca do neoconstitucionalismo. Disponível em: <http://www.mundojuridico.adv.br>. Acesso em: 12 abr. 2012.
[22] MAIA, Antonio Cavalcanti. Op. cit. Acesso em: 12 abr. 2012.
[23] CÔRTES, Victor Augusto Passos Villani. Ativismo judicial: do neoconstitucionalismo ao neoprocessualismo. Revista Eletrônica de Direito Processual – REDP, v. VI, periódico da pós-graduação stricto sensu em direito processual da UERJ. Patrono: José Carlos Barbosa Moreira. ISSN 1982-7636. Disponível em: www.redp.com.br. Acesso em: 17 abr. 2012.
[24] CÔRTES, Victor Augusto Passos Villani. Op. cit. Acesso em: 17 abr. 2012.
[25] “Saúde é um estado completo de bem-estar físico, mental e social e não somente a ausência de doenças.” (Tradução própria. Organización Mundial de lá salud. Disponível em: <http://www.who.int/suggestions/faq/es/index.html>. Acesso em: 1º maio 2012)
[26] Oitava Conferência Nacional de Saúde. Disponível em: <http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/8_CNS_Relatorio{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6}20Final.pdf>. Acesso em: 15 abr. 2012.
[27] Contribuição aos debates da 12ª Conferência Nacional de Saúde. Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/projeto_saude2004.pdf-PROJETO SAÚDE2004>. Acesso em: 10 abr. 2012.
[28] RIBEIRO, Patricia Tavares. Direito à saúde: integridade, diversidade e territorialidade. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/csc/v12n6/v12n6a12.pdf>. Acesso em: 15 abr. 2012.
[29] RIBEIRO, Patrícia Tavares. Op. cit. Acesso em: 15 abr. 2012.
[30] Idem.
[31] SOUZA, Luiz Antônio Araújo de. A teoria dos quatro status de Jellinek. Direito à saúde como direito à prestação material positiva. Disponível em: <http://www.mp.rr.gov.br/app/webroot/Intranet/pageDirectory/artigos/teoria4status.pdf>. Acesso em: 2 maio 2012.
[32] SARLET, Ingo Wolfgang. Algumas considerações em torno do conteúdo, eficácia e efetividade do direito à saúde na Constituição de 1988. Revista Eletrônica sobre a Reforma do Estado (Rere), Salvador, Instituto Brasileiro de Direito Público, n. 11, set./out./nov. 2007. Disponível em: <http://www.direitodoestado.com.br/rere.asp>. Acesso em: 17 mar. 2012.
[33] Constituição Federal de 1988: “Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.
[34] Constituição Federal de 1988: “Art. 194. A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social. Parágrafo único. Compete ao Poder Público, nos termos da lei, organizar a seguridade social, com base nos seguintes objetivos: I – universalidade da cobertura e do atendimento; […]”.
[35] RIBEIRO, Patrícia Tavares. Op. cit. Acesso em: 10 abr. 2012.
[36] Constituição Federal de 1988: “Art. 197. São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado”.
[37] SILVA, José Afonso de. Curso de direito constitucional positivo. 23. ed. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 307.
[38] DALLARI, Sueli Gandolfi. Os estados brasileiros e o direito à saúde. São Paulo: Hucitec, 1995. p. 33.
[39] Constituição Federal de 1988: “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: […]”.
[40] Constituição Federal de 1988: “Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes: I – descentralização, com direção única em cada esfera de governo; II – atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais; III – participação da comunidade”.
[41] Lei nº 8.080/1990: “Art. 12. Serão criadas comissões intersetoriais de âmbito nacional, subordinadas ao Conselho Nacional de Saúde, integradas pelos ministérios e órgãos competentes e por entidades representativas da sociedade civil. Parágrafo único. As comissões intersetoriais terão a finalidade de articular políticas e programas de interesse para a saúde, cuja execução envolva áreas não compreendidas no âmbito do Sistema Único de Saúde – SUS”.
[42] SARLET, Ingo Wolfgang. Op. cit. Acesso em: 17 mar. 2012.
[43] Constituição Federal de 1988: “Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.
[44] Revista Época, n. 643, edição de 10.09.2012, matéria da capa.
[45] Idem.
[46] Menino morre após autoridades se recusarem a fornecer aparelho, apesar de decisão judicial. Disponível em: <http://oglobo.globo.com/rio/menino-morre-apos-autoridades-
-se-recusarem-fornecer-aparelho-apesar-de-decisao-judicial-2953821#ixzz1tk2Rb565>. Acesso em: 24 abr. 2012.
[47] Idem.
[48] BRASIL. STJ, REsp 733776/RJ, 2ª T., Rel. Min. Castro Meira, J. 15.06.2005, acórdão publicado no DJU 15.08.2005, p. 290.
[49] STF, ARE 650359, 1ª T., Rel. Min. Marco Aurélio, J. 07.02.2012, acórdão eletrônico publicado no DJe-051 12.03.2012, divulg. 09.03.2012.
[50] Súmula nº 302 do STJ: “É abusiva a cláusula contratual de plano de saúde que limita no tempo a internação hospitalar do segurado”.
[51] BRASIL. STF, REsp 105519959, 3ª T., Rel. Min. Sidnei Beneti, J. 03.05.2011, acórdão eletrônico DJe 18.05.2011.
[52] SARLET, Ingo Wolfgang. Op. cit. Acesso em: 17 mar. 2012.
[53] MACHADO, Ednilson Donisete; HERRERA, Luiz Henrique Martim. Op. cit. Acesso em: 29 abr. 2012.
[54] “Art. 55. […] § 2º Para efeito do inciso II do caput deste artigo, consideram-se ações e serviços públicos de saúde a totalidade das dotações do Ministério da Saúde, deduzidos os encargos previdenciários da União, os serviços da dívida e a parcela das despesas do Ministério financiada com recursos do Fundo de Combate à Erradicação da Pobreza.”
[55] “Arguição de descumprimento de preceito fundamental. A questão da legitimidade constitucional do controle e da intervenção do Poder Judiciário em tema de implementação de políticas públicas, quando configurada hipótese de abusividade governamental. Dimensão política da jurisdição constitucional atribuída ao Supremo Tribunal Federal. Inoponibilidade do arbítrio estatal à efetivação dos direitos sociais, econômicos e culturais. Caráter relativo da liberdade de conformação do legislador. Considerações em torno da cláusula da ‘reserva do possível’. Necessidade de preservação, em favor dos indivíduos, da integridade e da intangibilidade do núcleo consubstanciador do ‘mínimo existencial’. Viabilidade instrumental da arguição de descumprimento no processo de concretização das liberdades positivas (direitos constitucionais de segunda geração).” (Cf. BRASIL. STF, ADPF 45, Rel. Min. Celso de Mello, J. 17.05.2004. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?numero=45&classe=ADPF&codigoClasse=0&ORIGEM=JUR&recurso=0&tipoJulgamento=>. Acesso em: 2 maio 2012)