DA COLAÇÃO NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO
Tatiana Malagutti
Qualquer doação feita em vida a um dos herdeiros constitui adiantamento de legítima a fim de não desrespeitar o aludido artigo, salvo exceções trazidas pela própria lei.
Trata-se do meio pelo qual os herdeiros necessários restituem aquilo que receberam em vida pelo “de cujus” à herança. É importante frisar que tal instituto aplica-se apenas na existência de doação para herdeiros necessários, sendo que demais doações a terceiros não precisam ser conferidas quando da abertura do inventário.
Tal instituto faz-se necessário com base no artigo 1.846 do Código Civil, que traz o princípio da igualdade dos quinhões hereditários ao dispor que “os descendentes da mesma classe têm os mesmos direitos à sucessão de seus ascendentes“. Também se pode considerar o princípio da intangibilidade das legítimas, conforme leciona Zeno Veloso.
Qualquer doação feita em vida a um dos herdeiros necessários constituirá adiantamento de legítima (artigo 544 do Código Civil) a fim de que não haja desrespeito ao aludido artigo, salvo exceções trazidas pela própria lei. Segundo Maria Berenice Dias: “Toda pessoa pode doar o que quiser a quem desejar. Só não pode doar todos os bens sem reservar parte para a própria subsistência (artigo 548, CC). Também não pode doar mais da metade de seu patrimônio se tiver herdeiros necessários. Esse é um dos dogmas da sucessão legítima: assegurar aos herdeiros a metade da herança”.
Os bens trazidos à colação que demonstrarem que um ou mais herdeiros tenham recebido durante a vida do “de cujus” valores que mostrem diferença na divisão de bens gerarão partilha diferenciada dos quinhões hereditários.
Quem não figura como herdeiro necessário, não precisa trazer as doações recebidas com o falecimento do doador. Cabe, todavia, aos herdeiros necessários trazer tais doações caso acreditem que ultrapasse os limites da parte disponível.
O dever de trazer o bem doado à colação é do herdeiro necessário que recebeu a doação; caso não o faça, incorrerá na chamada sonegação, que consiste na omissão das doações recebidas, e sua pena será a de perder o que recebeu – conforme disposto no artigo 1.992 do Código Civil. Ressalta-se que o cônjuge também tem esse dever de colacionar, se concorrer na herança com o descendente.
É necessário ser arrolado todo e qualquer bem doado, não importando a data ou valor ou se o herdeiro necessário ainda figura ou não como proprietário. Se o bem passou pelo patrimônio do herdeiro, pressupõe-se que houve fruição com sua utilização.
O dever é o mesmo a quem renuncia à herança ou é excluído da sucessão, sendo que estes também devem trazer à colação os bens que receberam como doação quando o falecido ainda vivia.
Não é proscrita a compra e venda de bens entre ascendentes e descendentes, porém há necessidade de concordância dos demais herdeiros quando isso ocorrer a fim de evitar simulações – conforme dispõe o artigo 496 do Código Civil. E esses bens frutos de alienação não precisam ser trazidos à colação.
Os bens trazidos à colação não são tributáveis pelo ITCM, uma vez que tal imposto foi recolhido quando era ato “inter vivos“. Todavia, se verificada redução da doação por exceder à parte disponível e redistribuição entre os herdeiros, haverá necessidade de novo pagamento por surgimento de novo fato gerador.
Ademais, os bens frutos de doação não respondem por dívidas do espólio, pois passam a pertencer aos herdeiros como bens não vinculados à herança.
Observe-se que a partilha em vida é a divisão antecipada da herança, regulada pelo artigo 2.018 do Código Civil. Essa apenas integra a parte disponível dos bens, diferentemente da colação, que atinge bens integrantes da legítima.
O artigo 2.002 do Código Civil dispõe que:
“Os descendentes que concorrerem à sucessão do ascendente comum são obrigados, para igualar as legítimas, a conferir o valor das doações que dele em vida receberam, sob pena de sonegação”.
A obrigação de trazer bens à colação é dos herdeiros legítimos, não se aplicando aos herdeiros facultativos, aos herdeiros testamentários e aos legatários.
Com a leitura do artigo supratranscrito, depreende-se que o dever de levar bens à colação se aplica, em suma, aos descendentes. Entretanto, importante frisar que tal dever também se estende ao cônjuge sobrevivente, que, com o advento do Código Civil de 2002, foi qualificado como herdeiro necessário privilegiado, capaz de concorrer com o descendente nas hipóteses elencadas no inciso I do artigo 1829 do referido diploma legal. Note-se, inclusive, que o artigo 2.003 do Código Civil confirma essa assertiva:
“Art. 2.003. A colação tem por fim igualar, na proporção estabelecida neste Código, as legítimas dos descendentes e do cônjuge sobrevivente, obrigando também os donatários que, ao tempo do falecimento do doador, já não possuírem os bens doados”.
Os ascendentes são herdeiros necessários, mas não foram citados na obrigatoriedade de trazer bens à colação. Tendo em vista que se trata de ônus imposto ao herdeiro, não se pode utilizar de analogia para restringir direitos. Nesse sentido é o magistério de Zeno Veloso:
“Se a colação toma por base de que o doador quer apenas adiantar (antecipar) a herança do herdeiro, e não colocá-lo em situação mais vantajosa que a dos outros, não é razoável imaginar que o descendente que doa algo ao pai ou à mãe tenha em mente adiantar a herança dos genitores, pois o normal é que os pais morram antes do filho”.
Por esse motivo, os ascendentes não são elencados como obrigados à colação.
Se o herdeiro necessário que recebeu a doação morrer antes do “de cujus”, dar-se-á o chamado direito de representação, sendo os herdeiros do donatário a obrigação de trazer à colação quando comparecerem em substituição ao pré-morto na abertura da sucessão do “de cujus”.
Cabe aqui citar Maria Berenice Dias: “Os netos precisam trazer à colação os bens recebidos pelo seu genitor, quando comparecem à sucessão do avô por direito de representação. Quando a doação é feita pelo avô ao neto, não há dever de colação, ainda que por ocasião de abertura da sucessão forem os netos os únicos herdeiros. Do mesmo modo, o pai não tem que colacionar o bem doado pelo seu pai ao seu filho”.
Nesse aspecto há uma grande crítica trazida pela doutrina, pois ainda que os que representem o pré-morto jamais tenham auferido qualquer tipo de ganho com a doação recebida, serão responsáveis pela restituição.
O momento da verificação da qualidade do herdeiro como necessário ou não é o da doação e não da abertura da sucessão. Assim, se no momento da doação o donatário não possuía a qualidade de herdeiro necessário, não será, portanto, obrigado a trazer a doação à colação – ainda que no momento da abertura torne-se herdeiro necessário.
Para ilustrar, pode-se citar doação feita por avô ao seu neto enquanto seu filho ainda estava vivo. No momento da doação o neto não figurava como herdeiro necessário, porém no momento do falecimento de seu avô seu pai já era pré-morto, tornando-se, assim, herdeiro necessário. A doação auferida anteriormente não será objeto de colação.
Outra observação importante é acerca do surgimento de novos herdeiros, situação comum atualmente com o número de divórcios e surgimento de novas famílias em paralelo à anterior. O nascimento de novo herdeiro após ser feita a doação não exime o donatário, se herdeiro necessário, de trazer o bem à colação.