CUMULAÇÃO DE EXECUÇÕES DE ALIMENTOS NA JURISPRUDÊNCIA DO STJ
Cibele Pinheiro Marçal Tucci
Giovanna Schliemann Tucci
A execução de alimentos, por sua notória relevância, dispõe de previsões tanto na legislação extravagante (Lei 5.478/68) quanto no Código de Processo Civil, e vem sofrendo constante influência dos precedentes que modulam os seus limites.
Para examinar as mais recentes mudanças na execução de alimentos, é preciso fazer breve análise da evolução legislativa e jurisprudencial da matéria.
Na vigência do CPC/73 a execução de alimentos era tratada pelos arts. 732 e 733. Existiam apenas dois regimes para a satisfação das parcelas devidas: i) o da coerção pessoal do devedor, segundo o qual o credor tinha a faculdade de optar pela utilização da regra especial contida no art. 733, § 1º, que admitia a prisão civil do devedor de alimentos, a teor do permissivo contido no art. 5º, inciso LXVII, da Constituição Federal; ou ii) o de expropriação de bens, valendo-se o credor das regras do processo padrão de execução por quantia certa contra devedor solvente, conforme previsto no art. 732 daquele Diploma.
Em ambos os casos se fazia necessário o ajuizamento de processo autônomo de execução, com citação pessoal do executado para a satisfação do débito exequendo.
Para a execução sob o rito da coerção pessoal (art. 733, § 1º, do CPC/73), era possível que o credor executasse as parcelas vencidas e vincendas. Já o rito da penhora cingia-se às prestações inadimplidas que tivessem sido referidas na inicial.
Posteriormente, em 2005, diante da excepcionalidade da medida de coerção pessoal, o Superior Tribunal de Justiça sumulou entendimento de que somente as três prestações que antecediam o ajuizamento da execução poderiam ser objeto da execução sob o rito da prisão civil (Súmula 309).
Os precedentes que originaram tal enunciado sumular fundamentava-se na ideia de que os alimentos antigos teriam perdido o caráter de urgência alimentar.
Por sua vez, para a execução sob o rito da expropriação de bens (art. 732, do CPC/73), o credor podia executar toda a dívida pretérita, de modo que o débito exequendo era líquido e certo, ficando a execução circunscrita aos limites objetivos do processo e a futura constrição visava a satisfazer o crédito previsto na inicial, sem inclusão de parcelas vincendas. Uma vez satisfeita à dívida pela via expropriatória, o processo de execução se reputava extinto, a teor do que dispunha o art. 794, inciso I, do antigo CPC.
Nada impedia que o credor de alimentos ajuizasse a um só tempo as duas execuções: uma relativa à dívida pretérita, que se processava sob o rito da penhora; e outra quanto às três últimas prestações inadimplidas, onde seriam incluídas as parcelas vincendas.
Se optasse por adotar apenas o rito da penhora, competia ao exequente ajuizar tantas execuções quantas necessárias para a satisfação do seu crédito e não poderia, no curso do processo, se arrepender da sua opção para converter a demanda para o rito de prisão. Já a execução sob pena de prisão, desde que observado o caráter de antiguidade do débito no início do processo, podia abarcar todas as prestações vincendas e poderia ser convertido em execução sob pena de penhora sempre que o credor optasse por tal conversão.
Com o advento do Código de Processo Civil de 2015, basicamente foram mantidas as regras para a execução de alimentos e o exequente continuou a dispor de duas opções para executar o devedor, a saber: (i) cumprimento de sentença, sob pena de prisão (art. 528, §§ 3º e 7º); e (ii) cumprimento de sentença, sob pena de penhora (art. 523, § 3º).
Como se verifica, o legislador decidiu recepcionar a orientação jurisprudencial da Súmula 309/STJ, transformando-a em comando legal previsto no § 7º do art. 528.
Destarte, atualmente o credor continua podendo optar entre dois ritos para buscar a satisfação de seu crédito, sendo certo que a opção pelo procedimento de prisão continua a depender do caráter temporal das parcelas inadimplidas.
Mais recentemente, em outubro de 2022, a Ministra Nancy Andrighi, por ocasião do julgamento do Recurso Especial 2.004.516/RO, de sua relatoria, proferiu voto, acompanhado por unanimidade pelos demais integrantes da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, para reconhecer como admissível a cumulação, em um mesmo processo, do cumprimento de sentença de obrigação de pagar alimentos atuais, sob a técnica da prisão civil, com o cumprimento de sentença de obrigação de pagar alimentos pretéritos, sob a técnica da penhora e expropriação, evitando assim a tramitação concomitante de dois processos distintos.
De acordo com o voto da Ministra, a regra contida no art. 780 do Código de Processo Civil, segundo a qual só é possível a cumulação de diversas pretensões executivas quando for idêntico o procedimento, é inaplicável aos cumprimentos de sentença, especialmente por razão topológica, pois situada em capítulo que trata da execução de título extrajudicial e, ainda, pelo fato de o cumprimento de sentença não inaugurar nova relação jurídico-processual, mas ser apenas uma fase do processo de conhecimento.
Afastando a aplicabilidade do art. 780, referida relatora concluiu não haver razão para se impuser a cisão da fase de cumprimento de sentença em processos distintos, para a satisfação de a mesma obrigação alimentar, apenas porque parte é pretérita e outra parte atual, a despeito de cada qual ser processada sob técnicas executivas próprias.
Também neste sentido, com fundamento no tratamento multifacetado e privilegiado dos alimentos, é o precedente acórdão do Recurso Especial n. 1.930.593/MG, de relatoria do Ministro Luis Felipe Salomão.
Nos termos do aresto por último referido, a cumulação das técnicas executivas da prisão civil e da expropriação de bens, no âmbito do mesmo processo executivo, é cabível em prol da efetividade da tutela jurisdicional, desde que o credor especifique expressamente o rito pretendido para cada período de prestações inadimplidas e desde que a cumulação não instaure tumulto processual.
Há, portanto, precedentes admitindo que o credor formule concomitantemente, nos mesmos autos, pleitos executórios distintos, incluindo as prestações passíveis de execução sob o rito de prisão (porque vencidas até três meses antes do requerimento, às quais se somarão às que se vencerem no curso da demanda); e as prestações pretéritas que, no mesmo processo, serão cobradas pelo rito de penhora e expropriação, com acréscimos de multa e honorários advocatícios.
Da leitura atenta dos precedentes denota-se que a opção pela cumulação das pretensões executórias em um único processo ou por sua cisão em demandas distintas deve ser feita pelo credor no momento do ajuizamento da(s) ação(ões) e tendo optado pelo procedimento sob pena de penhora, não pode se arrepender, para pretender convertê-lo em rito de prisão.
O inverso não é verdadeiro: o processo sob o rito de prisão pode sempre ser convertido para o rito de expropriação, cabendo abrir-se ao credor novo prazo para quitação voluntária da dívida sob pena de incidência de multa e honorários, que cabem nesse rito e não cabiam sob o rito da prisão.
A maior celeuma, todavia, imposta pela admissibilidade da cumulação dos dois ritos executórios no mesmo processo reside na execução das parcelas vincendas.
À luz do § 7º do art. 528 do Código de Processo Civil apenas se mostravam possível à inclusão das parcelas vincendas nas execuções processadas sob o rito da prisão civil. No entanto, os Tribunais, e agora, mais recentemente, a 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça passaram a adotar o entendimento de que é possível aplicar por analogia, às execuções de títulos judiciais, a regra contida no art. 323 do diploma processual civil, segundo a qual se admite a inclusão implícita no pedido das parcelas vincendas, nas obrigações de trato sucessivo, como é o caso da obrigação de prestação alimentar.
Esse entendimento foi pacificado pela 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça[1] que entendeu ser cabível incluir, na execução de alimentos com pedido de penhora, as parcelas vencidas no decorrer do processo, aplicando-se por analogia a regra do art. 528, § 7º, do Código de Processo Civil (rito da prisão).
Mesmo em face dessa novidade, não se pode perder de vista que o alimentando não pode (e nunca pôde) executar toda a dívida alimentar concomitantemente pelo rito de prisão e de penhora. Desde a vigência do Código de 1973 impunha-se ao exequente a obrigação de optar por um rito ou por outro sendo certo que só poderia optar pelo rito de prisão quanto à dívida atual (vencida 3 meses antes do ajuizamento da ação e no curso do processo).
Justamente por tal razão os precedentes do Superior Tribunal de Justiça, que admitiam a cumulação dos dois ritos no mesmo processo[2] vinham consignando expressamente a necessidade de o exequente detalhar o montante da dívida que está sendo executado sob o rito da penhora e o montante dos alimentos atuais, que seria objeto do pedido de prisão, bem como impunham que constasse do mandado de citação/intimação as diferentes consequências, de acordo com as prestações atuais ou pretéritas.
Em quaisquer circunstâncias, pela sistemática do Código, as parcelas vincendas só deveriam ser incluídas no processo sob o rito da prisão.
Essa sistemática garantia, justamente, que houvesse certeza e liquidez quanto ao montante devido na execução sob pena de penhora, evitando infindável sucessão de medidas expropriatórias para uma dívida que não tem contornos precisos e não para de aumentar. Mas, diante da possibilidade, agora admitida, de se incluir parcelas vincendas tanto no processo sob o rito de prisão (cf. art. 528, §7º, do CPC) quanto no processo sob o rito da penhora, resta a seguinte dúvida: parcelas vincendas podem ser incluídas no rito de prisão ou de penhora, ao alvedrio do credor, ou existe alguma regra a esse respeito?
Nosso entendimento é de que não pode ser atribuída ao credor a faculdade de alternar entre um rito e outro, sob pena de integral desvirtuamento da prisão civil por dívida alimentar.
Explica-se: se houver um só processo com pedido de penhora quanto à dívida pretérita e de prisão quanto à dívida alimentar atual, não se pode presumir que as parcelas vincendas estejam sendo executadas pelos dois ritos, o de prisão e o de penhora, ao mesmo tempo. As prestações vincendas, por regra, reputar-se-ão incluídas no pedido sob pena de prisão.
Para que as parcelas vincendas se reputem incluídas no pedido processado sob o rito de penhora (o que passou a ser admitido), o credor precisa desistir da pretensão à imposição da coerção física sobre toda a dívida que vinha sendo objeto de execução até aquele momento. E essa opção há de ser irreversível.
Sim, porque permitir que o executado opte por destacar um número qualquer de parcelas inadimplidas, para ser fundamento do decreto de prisão, enquanto todo o restante da dívida (parcelas pretéritas mais parcelas vincendas) está sendo executado, no mesmo processo, por outro meio, seria transmutar o instituto da prisão civil em instrumento de vendeta, incompatível com as garantias constitucionais do direito processual civil moderno.
Assim, se o credor tiver urgência no recebimento do seu crédito alimentar e continuar a executar as três últimas prestações vencidas e todas as que se vencerem no curso do processo sob o rito da prisão, não pode pretender que a penhora abarque toda a dívida – ela deverá ficar restrita às prestações pretéritas que estavam sendo executadas sob pena de penhora.
Se, por outro lado, não há urgência, estando às prestações vincendas sendo somadas, por opção do credor, para fins de aplicação das medidas expropriatórias, toda a dívida vencida até então deve reputar-se executada sob o rito de penhora, ainda que inicialmente parte da dívida estivesse sendo executada sob pena de prisão.
Se o credor desejar inaugurar novo pedido de execução sob o rito da prisão deverá ajuizar outro incidente, com as 3 últimas prestações vencidas e daí por diante todas as vincendas reputar-se-ão ali incluídas, até que ele opte por converter o rito para penhora, ocasião em que, novamente, deverá converter toda a execução e não apenas parte dela, porque a imposição de prisão é medida de urgência, não de vingança.
[1] Notícia extraída do site do STJ sem referência ao número do processo que tramita em segredo de justiça.
[2] REsp n. 2.004.516/RO, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 18/10/2022, DJe de 21/10/2022 e REsp n. 1.930.593/MG, relator Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 9/8/2022, DJe de 26/8/2022.