CRIMES FALIMENTARES: ASPECTOS EMPRESARIAIS E PENAIS
Lara Brito Rocha
Os crimes falimentares estão dispostos na legislação especial – artigos 168 a 178 da Lei 11.101/05 –, conforme previsão do art. 360 do Código Penal, e apesar da nomenclatura induzir a equivocada ideia de que trata-se de crimes que ocorrem exclusivamente no contexto de processos falimentares, o texto legal deixa bem clara sua incidência no âmbito das recuperações judiciais e recuperações extrajudiciais.
A Lei 11.101/05 tipifica 11 (onze) crimes distintos, possuindo penas privativas de liberdade que variam de 1 (um) a 6 (seis) anos de reclusão ou detenção, a depender da figura penal, sendo possível a aplicação da suspensão condicional da penal, conforme previsto no art. 77 do CP, o que possibilita alguns benefícios legais ao réu condenado pela prática destes crimes.
Quanto a classificação dos mesmos não é possível vislumbrar uma uniformidade, possuindo naturezas jurídicas distintas, podendo ser classificados como crimes contra a economia popular, fé pública, o comércio, o patrimônio, a administração pública, dentre outras, assunto palco de muitas discussões entre doutrinadores e juristas desta área que não possui um consenso definido.
Antes de adentrar as figuras típicas, faz-se necessário dispor sobre o antigo procedimento de investigação dos crimes falimentares disposto no revogado Decreto nº 7.661/45.
O procedimento era previsto nos artigos 103 a 113 da antiga legislação, trazendo a figura do inquérito policial e a autonomia dos credores para apresentar queixa crime no lugar do Ministério Público.
Preliminarmente o síndico – pessoa nomeada pelo juiz para administrar a massa falida – deveria apresentar uma exposição circunstanciada dos fatos elencando as causas da falência, a conduta do devedor falido antes e depois da sentença declaratória de falência e outros elementos relevantes, ponderando a existência de atos que constituíssem crime falimentar, bem como a identificação dos responsáveis, sendo também necessário realizar a correlação dos fatos com os dispositivos penais aplicáveis.
Essa exposição, em conjunto com o laudo pericial da escrituração do falido e quaisquer outros documentos poderiam compor o inquérito judicial, caso o mesmo viesse a ser requerido pelo próprio síndico, credor ou Ministério Público, momento em que também poderia haver o requerimento de produção e demais diligências necessárias a conveniência do inquérito.
Após ouvir todos os interessados, o Juiz Universal manifestaria no sentido de autorizar ou não a produção da prova e demarcaria hora e lugar para a sua realização. Em ato contínuo, os autos seriam imediatamente enviados ao Ministério Público para que oferecesse denúncia contra o falido ou outros responsáveis.
Na hipótese de inércia do Ministério Público era possível o oferecimento de queixa pelo credor, conforme art. 108, parágrafo único do Decreto 7.661/45, havendo também possibilidade de remessa dos autos ao Procurador Geral para oferecimento de denúncia, caso o Juiz entendesse por improcedente as razões elencadas pelo MP.
Por fim, se de toda forma não houvesse o oferecimento de denúncia ou queixa, ou as mesmas não tivessem sido recebidas, os autos deveriam ser apensados ao processo de falência a fim de dar publicidade aos fatos ocorridos.
Se houvesse o recebimento da denúncia ou queixa, o Juiz realizaria um despacho fundamentado remetendo os autos do inquérito judicial para um juízo criminal para a propositura da ação penal e investigação criminal na fase judicial.
Atualmente os procedimentos iniciais para verificação de crimes falimentares não mudou muito, havendo apenas a extinção da figura do inquérito judicial e da intervenção do Procurador Geral no oferecimento da denúncia.
No mais, conforme art. 184 da LFRE, os crimes previstos na legislação especial são de ação penal pública incondicionada, ou seja, em regra quem detêm a legitimidade para oferecer denúncia é o representante do Ministério Público.
Ultrapassado o prazo previsto no art. 46 do Código Penal para o oferecimento da denúncia pelo MP – 05 (cinco) dias para réu preso e 10 (dez) dias para réu solto – e verificada sua inércia, o Administrador Judicial ou qualquer credor habilitado, possui legitimidade para oferecer ação penal privada subsidiária da pública, observando o prazo decadencial de 6 meses disposto no art. 103 do CP.
Quem possui competência para conhecer da ação penal pelos crimes previstos na LFRE é o juiz criminal da jurisdição onde foi decretada a falência, concedida a recuperação judicial ou homologado o plano de recuperação extrajudicial, ou seja, o juízo do local do principal estabelecimento do devedor, conforme art. 3º da Lei.
Ao longo do trâmite processual, caso seja verificado indícios da prática de crime falimentar, o juízo universal deve comunicar ao Ministério Público para que o mesmo proceda com o pedido de abertura de inquérito policial ou com a propositura da ação penal.
Ademais, vale ressaltar que, conforme art. 22, inciso III, alínea e e caput do art. 186, ambos da Lei 11.101/05, o Administrador Judicial ainda possui a obrigatoriedade de apresentar relatório sobre as causas e circunstâncias que levaram a situação de falência, a conduta do devedor e de outros responsáveis, bem como dispor sobre a responsabilidade civil e penal dos envolvidos, assim como ocorria na vigência do Decreto 7.661/45.
Quanto aos crimes falimentares em espécie, temos as figuras típicas da: a) Fraude aos credores (art. 168); b) Violação de sigilo empresarial (art. 169); c) Divulgação de informações falsas (art. 170); d) Indução a erro (art. 171); e) Favorecimento de credores (art. 172); f) Desvio, ocultação ou apropriação de bens (art. 173); g) Aquisição, recebimento ou uso ilegal de bens (art. 174); h) Habilitação ilegal de crédito (art. 175); i) Exercício ilegal de atividade (art. 176); j) Violação de impedimento (art. 177); e k) Omissão dos documentos contábeis obrigatórios (art. 178).
Vale ressaltar que, para a configuração da prática de um crime falimentar, é imprescindível que o ato ilícito tenha sido praticado após a decretação da falência, concessão da recuperação judicial, bem como da recuperação extrajudicial, por tratar-se de condição objetiva de punibilidade, ou seja, só é passível de punição as condutas delitivas praticadas após os marcos temporais acima descritos.
Em relação aos efeitos da condenação por prática de crime falimentar, podem ser citados como consequências a inabilidade para o exercício de atividade empresarial, o impedimento para cargo ou função de conselho, diretoria ou gerência de sociedades sujeitas a Lei e a impossibilidade de gerir empresa por mandato ou por gestão de negócio, conforme o art. 181 da Lei 11.101/05.
Os efeitos acima mencionados não são de aplicação imediata, devendo constar na sentença condenatória de forma motivada, além de possuir prazo limite de 5 anos após a extinção da punibilidade ou em prazo menor com a reabilitação penal do condenado.
Os crimes falimentares foram instituídos na tentativa de trazer uma maior seriedade aos institutos da falência, recuperação judicial e extrajudicial, punindo com maior rigor a prática de ilícitos penais ocorridos no tramite dos processos de recuperação de empresas, visando desestimular a prática de fraudes e golpes tão comuns nas antigas concordatas e falências.
Por esta razão, apesar de configurar um terreno ainda pouco conhecido e desbravado nos atuais processos de recuperação de empresas, se mostra necessária e louvável a tentativa do legislador em criminalizar práticas reiteradamente cometidas pelos antigos empresários, trazendo maior austeridade aos institutos e auxiliando na busca pelo resultado útil do processo.