RKL Escritório de Advocacia

CONVENÇÕES PROCESSUAIS NOS CONTRATOS BANCÁRIOS

CONVENÇÕES PROCESSUAIS NOS CONTRATOS BANCÁRIOS

Marco Félix Jobim

Sérgio Gillet

SUMÁRIO: 1 Introdução. 2 Contratos Bancários; 2.1 Natureza e Forma dos Contratos Bancários; 2.2 Proteção do Consumidor nos Contratos Bancários. 3 Convenções Processuais; 3.1 Fatos Jurídicos Processuais e Flexibilização Procedimental; 3.2 Natureza e Forma das Convenções Processuais. 4 Possibilidade das Convenções Processuais nos Contratos Bancários; 4.1 Dialeticidade na Formação das Convenções Processuais; 4.2 (In)Compatibilidade das Convenções Processuais em Contratos de Adesão: algumas Ideias Iniciais. 5 Conclusão. Referências Bibliográficas.

                                  

1 Introdução          

Com o novo Código de Processo Civil em vigência, está-se a verificar na prática as mudanças de paradigmas culturais acerca do processo civil brasileiro que a nova legislação almeja incutir, senão pela fundamentação na Constituição e pela efetiva resolução do mérito sem os óbices da formalidade exagerada que marcou a legislação anterior.

Em se verificando cada vez mais a convergência entre o processo e o direito material com as especificidades do caso concreto em litígio, clama-se por estudos neste sentido para esclarecer aos que se socorrem da academia para compreender melhor os institutos jurídicos. Este estudo não foge disso, e ainda visa contribuir para a consolidação do espírito do novo Código.

Destarte, objetiva-se, principalmente, analisar a possibilidade de negócios jurídicos processuais em sede de contratos bancários, pelo que exsurge o problema da oposição da natureza e da formação destes com aqueles, uma vez que, respectivamente, estes formam-se por aderência e aqueles por diálogo, respeitando o princípio ao autorregramento da vontade no processo [1]. Por esta razão que o método dialético de abordagem foi implementado para que fosse possível construir uma síntese com base na contrariedade apresentada.

Para a devida consecução do estudo, o presente artigo estruturou-se da seguinte maneira: primeiramente, discorreu-se sobre as peculiaridades dos contratos bancários, notadamente enquanto contrato a envolver consumidor; em seguida, abordou-se sobre as particularidades das convenções processuais enquanto espécie de negócio jurídico; por fim, ponderou-se sobre a possibilidade de confluência entre as convenções processuais e os contratos bancários.

2 Contratos Bancários   

Para o devido estudo do tema proposto, primeiramente se faz necessário delinear o que são os contratos bancários e como são regulados pelo ordenamento jurídico brasileiro, notadamente no que concerne à proteção do consumidor enquanto agente vulnerável da relação bancária.

Sendo assim, cumpre destacar que os contratos bancários surgem da necessidade de uma pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, valer-se de determinada operação creditícia a ser exercida perante uma instituição financeira, pelo que ambas manifestam vontade em contratar para concretizar tal operação. Nasce, portanto, um vínculo jurídico que liga o banco a uma pessoa porque esta contrata com aquela determinada operação bancária, seja de depósito, empréstimo, etc. [2].

2.1 Natureza e Forma dos Contratos Bancários    

Tendo-se em vista as particularidades econômico-jurídicas dos contratos bancários, mostra-se pertinente, primeiramente, definir o contrato bancário como o faz Sérgio Carlos Covello, sendo ele “(…) o acordo entre Banco e cliente para criar, regular ou extinguir uma relação que tenha por objeto a intermediação do crédito[3].

Do conceito supracitado é possível extrair que há o critério subjetivo e o critério objetivo para a definição de um contrato bancário: deve ser realizado por banco (ou instituição financeira[4], como critério subjetivo) e versar sobre uma operação bancária (tais como depósito, empréstimo, conta-corrente, financiamento, etc., como critério objetivo).

Primeiramente, evidencia-se que a intermediação do crédito é a atividade definidora da atuação bancária, como assinala Lucas A. Piaggio [5]. Essa intermediação do crédito se define como a operação bancária e resulta do contrato bancário. Isto quer dizer que o banco, no exercício de sua atividade, procede a operações para intermediar o crédito objeto do contrato bancário. Daí por que a operação bancária não se confunde com o contrato bancário, mas resulta deste, e é havida como a atividade própria dos bancos [6].

O banco, por sua vez, exerce suas operações bancárias porque alguém os contratou para tanto. Segundo Jesús Alfaro Aguila-Real, trata-se de uma entidade que recebe depósitos e fornece créditos, gerenciando o dinheiro envolvido em tais operações e acobertando-os com sigilo [7], ao que os procedimentos necessários para tanto compõem determinada operação bancária.

A contratação bancária ocorre por necessidade de haver a movimentação do crédito, de modo que as operações bancárias resultantes:

Permitem a continuidade da produção (crédito industrial, crédito agrícola); desenvolvem as operações comerciais (crédito individual e crédito comercial); tornam possível a execução de grandes trabalhos públicos (crédito público); tornam produtivos capitais disponíveis, aplicando-os na criação de outras riquezas; economizam a moeda, substituindo os pagamentos por liquidações a prazo; e favorecem a circulação do capital, mediante instrumentos de crédito como cheques, ordens de pagamento e outros, representando fator de prosperidade e progresso.” [8]

Não obstante, o Projeto de Lei nº 1.572/2011[9], em tramitação na Câmara dos Deputados, define, em seu art. 428 [10], o contrato bancário como aquele cujo objeto é a atividade exclusiva de banco. Em parecer jurídico, Sidnei Turczyn critica o texto por razões terminológicas, pois a legislação não prevê operações privativas de “banco“, mas de “instituição financeira“, bem como os bancos nem sempre celebram contratos que intermediam o crédito [11].

Assentado que o contrato bancário tem partes específicas (banco e cliente) e versa sobre objeto distinto (intermediação do crédito), cumpre analisar as características dos contratos bancários, os quais são elencados por Covello como sendo um contrato com contabilização, de adesão, sob dirigismo e sigiloso [12].

Quanto à contabilização, os contratos bancários necessitam de intensa e escorreita contabilidade por dois motivos: (a) regulam a circulação de valores e (b) têm de ter precisão. Este último deve-se ao fato de que erros comprometem o sistema bancário, segundo Covello, pelo que seriam dotados de imparcialidade e verossimilhança [13].

Como a atividade bancária é de massa para que se suporte, os contratos bancários são necessariamente de adesão. Desse modo, os bancos definem as cláusulas contratuais, cabendo ao cliente aderi-las ou não na totalidade para formalizar o contrato bancário. Segundo Covello, essa padronização, hodiernamente, se transformou numa uniformização, em que todos os bancos dispõem das mesmas práticas, resguardadas suas subatividades típicas [14].

Pela adesividade própria, o cliente fica à mercê das condições dos bancos, fazendo surgir a necessidade de o Estado intervir a fim de retomar certo equilíbrio entre as partes no contrato bancário. Nesse sentido, Covello aponta para o Conselho Monetário Nacional [15] como o órgão disciplinador da atividade creditícia dos bancos em atenção ao dirigismo contratual necessário para equiparar em condições o cliente e o banco [16].

Por fim, o contrato bancário é acobertado pelo sigilo, pois, conforme Covello, o banco detém informações confidenciais sobre a movimentação bancária de seus clientes [17].

Em suma, os contratos bancários têm peculiaridades próprias por serem realizados por instituição financeira na execução de sua atividade empresarial, exercendo notável função pela movimentação do crédito com vistas ao desenvolvimento econômico.

2.2 Proteção do Consumidor nos Contratos Bancários  

Como os bancos são pessoas jurídicas de direito privado que visam ao lucro e exercem atividade comercial que se caracteriza pela oferta de produtos e serviços, notadamente a intermediação do crédito, a relação jurídica presente nos contratos bancários também é consumerista, pelo que os clientes dos bancos são os seus consumidores, figurando como vulneráveis diante deles. Nesse sentido, e corroborados pelas características da adesividade e do dirigismo contratual, os contratos bancários devem ser interpretados tendo em vista a proteção do consumidor como desdobramento de sua função social [18].

Os consumidores dos produtos e dos serviços oferecidos pelos bancos se submetem às suas condições, significando que, para poderem ter ao menos uma conta-corrente – enquanto espécie de contrato bancário -, tenham que pagar por taxas de manutenção, por exemplo. Tais taxas e outros encargos contratuais são uniformes conforme o tipo de contratação celebrada, de modo que, a princípio, todos os consumidores são tratados de forma igualitária pelos respectivos bancos. O tratamento igualitário, por sua vez, não se dá entre o banco e o seu cliente, mas que todos os clientes do banco lhe são iguais. Isto quer dizer que o banco imporá suas condições nos contratos independentemente da situação econômico-social do consumidor.

É nesse ponto que, pelo fato de o banco proceder de forma indistinta, o consumidor deve ser protegido perante os contratos bancários que porventura tragam determinada abusividade, anterior ou superveniente. A mera manifestação de vontade em contratos de adesão não é suficiente para fazer o consumidor sofrer com encargos abusivos, justamente porque sua autonomia da vontade foi mitigada pela adesividade do contrato e pela necessidade em contratar nos termos impostos, como bem leciona Mário de Camargo Sobrinho [19].

A impossibilidade de discussão das cláusulas contratuais, aliada com a situação de vulnerabilidade que o consumidor possui diante do poderio econômico dos bancos, tem uma nuance ainda mais delicada em sede dos contratos bancários diante de situações de superendividamento, por exemplo [20]. O que se observa é que a atividade bancária é essencial para o desenvolvimento econômico-social até dos mais pobres, porque estes têm igual direito a conseguir formas de obtenção do crédito para adquirir bens essenciais à sua existência digna. A disseminação dos contratos bancários de toda espécie, portanto, deve ser interpretada à luz da proteção do consumidor, porque este também tem direito ao produto ou ao serviço bancário sem diminuição de sua dignidade, conforme é possível depreender da lição de Rafael Augusto de Moura Paiva ao tratar de forma ampla a dignidade do consumidor [21].

3 Convenções Processuais      

Tendo em vista que o presente tema em estudo visa analisar a possibilidade de caberem convenções processuais em contratos bancários, neste tópico dar-se-á seguimento ao estudo pela investigação acerca das convenções processuais enquanto expressão contratual dentro do espaço público pelo qual o processo se caracteriza.

Deste modo, incumbe evidenciar que as convenções processuais são espécies de acordos com manifestação de vontade entre as partes, cujos objetos são os procedimentos a serem tomados, modificados ou afastados referentes a determinado processo futuro ou em curso, cabendo, nos termos do caput do art. 190 do novo CPC [22], quando a lide versar sobre direitos que admitam a autocomposição.

3.1 Fatos Jurídicos Processuais e Flexibilização Procedimental         

Na teoria dos fatos jurídicos [23], são fatos jurídicos processuais os fatos que produzem efeitos jurídicos no âmbito processual. A partir desta constatação, a mesma classificação concernente às espécies de fatos jurídicos aplica-se aos fatos jurídicos processuais, havendo os fatos jurídicos processuais em sentido estrito e os atos jurídicos processuais. Por sua vez, estes dividem-se em atos jurídicos processuais em sentido estrito e, agora consolidado no novo CPC, em negócios jurídicos processuais. Esta classificação serve, no mais, para definir quais espécies de fatos jurídicos processuais passam pelo crivo do plano da validade, sendo os atos jurídicos processuais o alvo, como bem observa Alexandre S. Marder [24]. Ainda, não pode esquecer-se de fazer referência à possibilidade da existência de atos-fatos processuais, conforme explana Leonardo Carneiro da Cunha [25].

Isto ocorre para examinar o grau de nulidade do ato jurídico processual e a possibilidade de esta nulidade causar prejuízo às partes. Neste ponto, incube também verificar a instrumentalidade das formas, a teor do art. 188 do novo CPC [26], em consonância com a proposta de análise das invalidades processuais pelo formalismo-valorativo [27]. Com esta premissa, os atos processuais praticados devem ser interpretados sob a perspectiva do alcance de suas finalidades, ainda que determinada forma não seja observada.

3.2 Natureza e Forma das Convenções Processuais       

O novo CPC consolida, em seu retrocitado art. 190, a possibilidade de que os procedimentos a serem seguidos pelas partes e pelo juiz possam ser acordados [28], pelo que se configura o que comumente vem sendo chamado de negócios processuais – ou ainda convenções ou acordos processuais -, variando a doutrina neste sentido [29] sem que a diversidade da nomenclatura esvazie o significado essencial desta espécie de manifestação de vontade, cujo objeto recai sobre os procedimentos de processo em curso ou futuro.

Na teoria dos fatos jurídicos processuais, exposta no item 3.1 deste trabalho, os negócios processuais figuram como espécies de atos jurídicos processuais, contudo, com a carga de negócio jurídico por ser formado pelos mesmos elementos determinantes da validade deste, quais sejam: (a) agente capaz; (b) objeto lícito, possível, determinado ou determinável; (c) forma prescrita ou não defesa em lei; e (d) manifestação de vontade, nos termos dos arts. 104 e seguintes do Código Civil[30].

Eis por que a nomenclatura variante não esvazia o significado do instituto em comento, pois todos os termos utilizados se remontam à manifestação de vontade como elemento impulsor de sua configuração, em verdadeira expressão do autorregramento ou autodeterminação, elemento essencial para a formação de negócio jurídico, como bem ensina Arnaldo Rizzardo [31]. Não obstante, importante notar que mantém idêntica ligação com seu correspondente material para a sua formação, de modo que seja possível extrair os elementos caracterizadores da leitura esmiuçada do retromencionado art. 190 do novo CPC.

Os agentes capazes são as partes plenamente capazes, pelo que se excluem as partes sem capacidade para estar em juízo, ainda que devidamente representadas. Quanto ao objeto, será lícito, possível e determinado quando recaírem sobre os ônus, os poderes, as faculdades e os deveres processuais das partes em processo que admita a autocomposição. A forma não é prescrita, cabendo de todo modo que lhe clarifique seus termos. Por fim, a manifestação da vontade deve existir e é, necessariamente, bilateral, pois feito entre as partes de determinado processo.

Igualmente, como bem explicita Robson Godinho, os planos de existência, validade e eficácia dos negócios processuais assim se configuram:

No plano da existência, o negócio jurídico processual deve conter manifestação da vontade, autorregramento dessa vontade e referibilidade ao procedimento; no plano da validade, devem estar presentes a capacidade processual, a competência, a imparcialidade, o respeito ao formalismo e, em caso de algum vício, que [não] cause prejuízo; em relação à eficácia, há dependência de fatos posteriores, como necessidade de homologação judicial em alguns casos, e ‘determinações inexas’ isto é, [sic] elementos futuros subordinantes da eficácia do ato jurídico, postos pelo exercício da própria vontade do sujeito, que se inexam ao ato jurídico para lhes fazer futuramente irradiar ou cessar a eficácia, o que é altamente discutível na doutrina.” [32]

A identidade entre o negócio jurídico material e o processual é nítida, podendo caber sempre que ocorrerem as hipóteses acima previstas de modo genérico. Todavia, cumpre destacar o parágrafo único do art. 190 do novo CPC [33] como balizador para a feitura de acordos processuais ainda que os elementos anteriores descritos se verifiquem. Assim, o referido parágrafo único estipula que não caberão os acordos processuais nulos ou, ainda que válidos, feitos em sede de contrato de adesão ou que alguma parte se encontre em estado de vulnerabilidade.

Por outro lado, do mesmo parágrafo único é possível colher a vinculação do juiz à convenção processual validamente ajustada. Tal dedução se torna factível porque o juiz assumirá o papel de fiscalizador do acordo processual firmado, pelo que somente lhe recusará quando ocorrerem as hipóteses previstas no parágrafo único e apontadas acima. Não sendo o negócio processual eivado dos vícios previstos, o juiz vincula-se-lhe, passando a agir nos termos firmados pelas partes, como bem ensinam Sérgio Cruz Arenhart e Gustavo Osna [34].

4 Possibilidade das Convenções Processuais nos Contratos Bancários    

O ponto crucial do presente trabalho é determinar em que situações se torna possível a previsão de convenções processuais em sede de contratos bancários, tendo em vista todo o arcabouço doutrinário até então discorrido neste artigo. Sem recair em mero jogo dedutivo, colocando cada peça em seu encaixe, este tópico guiar-se-á de modo crítico em relação às escolhas legislativas para o tratamento do tema em estudo.

4.1 Dialeticidade na Formação das Convenções Processuais  

A consolidação dos acordos processuais no novo CPC, em uma visão sistemática do novo códex, corrobora para o sentimento de se tratar de uma atualização da legislação processual para que se volte, principalmente, à obtenção do mérito. A teor do art. 4º do novo CPC, é direito do jurisdicionado a solução integral do mérito, pelo que se depreende que os óbices da formalidade dão lugar à flexibilização dos procedimentos de modo a se obter a prestação jurisdicional. Os negócios processuais, à medida que se configuram, na essência, como a aludida flexibilização, visam à obtenção do mérito por meio de um procedimento adequadamente acordado.

O que se percebe, nesta esteira, é que as partes, ao buscarem a formação de um acordo processual, querem a solução integral do mérito, mas por meio de um procedimento mais adequado que o procedimento comum conjecturado por padrão no novo CPC, ou ainda, igualmente, inovando nas especificidades de seus procedimentos especiais. Corrobora para esta compreensão o posicionamento de Sérgio Cruz Arenhart e Gustavo Osna, pelo que, embalados por um modelo cooperativo de processo, as partes decidem qual o rito mais adequado para a sua controvérsia, e o juiz submete-se sob a mesma perspectiva colaborativa [35].

No entanto, alinhando-se ao pensamento até aqui engendrado, para o negócio processual se perfectibilizar deve haver manifestação de vontade de ambas as partes na forma preconizada pelo direito contratual, ou seja, com efetiva discussão das cláusulas contratuais. Trata-se, portanto, de hipótese em que ambas as partes, grosso modo, “sentaram-se” para discutir quais os procedimentos a serem afastados, modificados ou acrescentados no processo em que litigam.

O diálogo durante a formação das convenções processuais se mostra, neste sentido, como pressuposto para a sua aceitação pelo juiz em razão do princípio da paridade de condições das partes. Significa que as partes puderam, de forma isonômica, barganhar nos seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais. Pode-se, igualmente, deduzir que esta é a razão de o parágrafo único do art. 190 do novo CPC tornar nula qualquer convenção processual em sede de contrato de adesão ou quando haja parte em situação de vulnerabilidade, porque não houve diálogo – em contrato de adesão – nem paridade de condições – nas situações de vulnerabilidade.

4.2 (In)Compatibilidade das Convenções Processuais em Contratos de Adesão: algumas Ideias Iniciais         

O parágrafo único do art. 190 do novo CPC é categórico ao vedar a aceitação pelo juiz de negócios processuais realizados em sede de contrato de adesão. Ainda que tenha a aparência de validade, o juiz deve recusar a aplicação do negócio processual por simplesmente advir de contrato de adesão, configurando causa de nulidade absoluta.

Ademais, corroborando o raciocínio construído até o momento, a formação do contrato de adesão, por não admitir a discussão de suas cláusulas, é diametralmente oposta à formação da convenção processual, já que esta se caracteriza por ampla discussão. Assim, contrato de adesão e convenção processual não se compatibilizam já na formação de ambos os negócios. Na espécie contrato bancário, por também se tratar de contrato de adesão, as convenções processuais parecem, do mesmo modo, não ser compatíveis.

Contudo, poderíamos cogitar de algumas hipóteses iniciais que poderiam ser validadas pejo juízo, quais sejam:

1) O que poderia ser cogitado é que o contrato de adesão tenha passado pelo crivo da discussão, anteriormente, com a negociação processual realizada entre a instituição financeira, o Ministério Público e as Associações de Defesa do Consumidor. Acaso uma convenção processual tenha passado por tamanha discussão envolvendo os órgãos supracitados e outros que poderiam ser pensados, dificilmente poderemos defender sua inadmissão no processo, pois a dialeticidade é anterior à formação do próprio contrato de adesão que terá, em seu bojo, convenções processuais, sendo, ao final, para o consumidor, de adesão tanto no que concerne às cláusulas materiais quanto às processuais.

2) Também não se poderia cogitar de invalidar cláusulas processuais que foram protetivas ao consumidor, mesmo sem ter tido a negociação anterior. Por exemplo, cláusula de eleição de foro do domicílio do consumidor ou em qualquer outro que facilite seu direito de ação e de defesa. Tampouco se poderia enxergar abusividade numa cláusula dessas que fosse apta a invalidar a aceitação no contrato de adesão firmado entre fornecedor de produtos e serviços e consumidor.

3) As próprias hipóteses legais, nas quais a instituição financeira apenas repisa no contrato de adesão cláusulas procedimentais que são equivalentes ao texto da lei, como a possibilidade de inversão do ônus da prova. Aqui, por manter a coerência com a lei, não haveria espaço para a invalidade da cláusula firmada entre os contratantes no contrato de adesão.

Assim, estamos diante de um instituto processual que merece a melhor das atenções da comunidade jurídica em geral, necessitando o diálogo entre civilistas [36] e processualistas para uma melhor compreensão do que se pode e o que não se pode em relação aos negócios processuais. Estamos diante, como refere Flavio Luiz Yarshell [37], de uma nova era em matéria processual, precisando a comunidade jurídica em geral estar aberta para recepcionar as novidades apresentadas pelo novo texto processual.

5 Conclusão          

Certamente, o art. 190 do Código de Processo Civil brasileiro será um dos maiores desafios da doutrina para os próximos anos. Ele figurará como centro de experiências jurídicas para que se delimite o âmbito de sua validade tanto em contratos com livre-negociação como nos contratos de adesão.

O legislador, com razão, permitiu que nos contratos de adesão pudessem ser introduzidas cláusulas de convenção ou negociação processual, sendo dever da doutrina, neste momento, perquirir como isso efetivamente se consolidará nestes contratos, sendo que o presente estudo se presta a tentar demonstrar que as cláusulas realmente abusivas devem ser alvo de rechaço pelo Poder Judiciário, mas fica aberto um campo de estudo para vermos quando elas podem ser consideradas válidas ao ponto de ditarem o procedimento que regerá o processo.

Colocamos duas situações nas quais encontramos guarida para a possível defesa de sua inserção. Que os debates se prolonguem!!!

                                             

Referências Bibliográficas                                

AGUILA-REAL, Jesús Alfaro. Derecho bancario. Revista Jurídica Universidad Autónoma de Madrid, Madrid, n. 2, p. 283-335, 2000. Disponível em: <https://dialnet.unirioja.es/servlet/articulo?codigo=2881870>. Acesso em: 18 abr. 2016.

ARENHART, Sérgio Cruz; OSNA, Gustavo. Os “acordos processuais” no novo CPC – aproximações preliminares. In: RIBEIRO, Darci Guimarães; JOBIM, Marco Félix (Org.). Desvendando o novo CPC. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2016.

CAMARGO SOBRINHO, Mário. Contrato de adesão e a necessidade de uma legislação específica. São Paulo: Lex, 2000.

COVELLO, Sérgio Carlos. Contratos bancários. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: LEUD, 1999.

CUNHA, Leonardo Carneiro. Negócios jurídicos processuais no processo civil brasileiro. In: CABRAL, Antônio do Passo; NOGUEIRA, Pedro Henrique (Coord.). Negócios processuais. Salvador: Juspodivm, 2015.

DIDIER, Fredie. Princípio do respeito ao autorregramento da vontade no processo civil. In: CABRAL, Antônio do Passo; NOGUEIRA, Pedro Henrique (Coord.). Negócios processuais. Salvador: Juspodivm, 2015.

GODINHO, Robson Renault. Negócios processuais sobre o ônus da prova no novo Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2015.

MARDER, Alexandre S. Das invalidades no direito processual civil. São Paulo: Malheiros, 2010.

NOGUEIRA, Pedro Henrique Pedrosa. Sobre os acordos de procedimento no processo civil brasileiro. In: CABRAL, Antônio do Passo; NOGUEIRA, Pedro Henrique (Coord.). Negócios processuais. Salvador: Juspodivm, 2015.

PAIVA, Rafael Augusto de Moura. Repensando o “ser” consumidor. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, v. 88, p. 103-142, jul./ago. 2013.

PIAGGIO, Lucas A. La ideología del servicio público bancario: nuevas reflexiones a la luz de recientes antecedentes normativos en Latinoamérica. Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais, São Paulo, v. 59, p. 235, jan. 2013.

PORTO, Antônio José M.; BUTELLI, Pedro Henrique. O superendividado brasileiro: uma análise introdutória e uma nova base de dados. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, v. 95, p. 185-229, set./out. 2014.

RIZZARDO, Arnaldo. Contratos. 15. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015.

ROCHA, Marcelo Hugo. Negócio jurídico processual e sua aplicação nas provas. In: JOBIM, Marco Félix; FERREIRA, William Santos (Org.). Direito probatório. Salvador: Juspodivm, 2015.

SANTOS, Antônio Jeová. Função social do contrato. 2. ed. São Paulo: Método, 2004.

YARSHELL, Flavio Luiz. Convenções das partes em matéria processual: rumo a uma nova era? In: CABRAL, Antônio do Passo; NOGUEIRA, Pedro Henrique (Coord.). Negócios processuais. Salvador: Juspodivm, 2015.

[1] Sobre o referido princípio, recomenda-se a leitura: DIDIER, Fredie. Princípio do respeito ao autorregramento da vontade no processo civil. In: CABRAL, Antônio do Passo; NOGUEIRA, Pedro Henrique (Coord.). Negócios processuais. Salvador: Juspodivm, 2015. p. 19-25. Em suas palavras: “O princípio ao respeito ao autorregramento da vontade no processo visa, enfim, à obtenção de um ambiente processual em que o direito fundamental de autorregular-se possa ser exercido pelas partes sem restrições irrazoáveis ou injustificadas. De modo mais simples, esse princípio visa tornar o processo jurisdicional um espaço propício para o exercício da liberdade”.

[2] COVELLO, Sérgio Carlos. Contratos bancários. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: LEUD, 1999.

[3] Ibid., p. 47.

[4] Utilizar-se-á neste trabalho a nomenclatura “banco” para toda espécie de instituição financeira por se abarcar na expressão “contrato bancário”, em alusão ao art. 17 da Lei nº 4.595/64, in verbis: “Art. 17. Consideram-se instituições financeiras, para os efeitos da legislação em vigor, as pessoas jurídicas públicas ou privadas, que tenham como atividade principal ou acessória a coleta, intermediação ou aplicação de recursos financeiros próprios ou de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira, e a custódia de valor de propriedade de terceiros” (Dispõe sobre a Política e as Instituições Monetárias, Bancárias e Creditícias, cria o Conselho Monetário Nacional e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L4595compilado.htm>. Acesso em: 18 abr. 2016).

[5] PIAGGIO, Lucas A. La ideología del servicio público bancario: nuevas reflexiones a la luz de recientes antecedentes normativos en Latinoamérica. Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais, São Paulo, v. 59, p. 235, jan. 2013.

[6] COVELLO, op. cit.

[7] AGUILA-REAL, Jesús Alfaro. Derecho bancario. Revista Jurídica Universidad Autónoma de Madrid, Madrid, n. 2, p. 283-335, 2000. Disponível em: <https://dialnet.unirioja.es/servlet/articulo?codigo=2881870>. Acesso em: 18 abr. 2016.

[8] COVELLO, op. cit., p. 53.

[9] BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei nº 1.571/2011. Institui o Código Comercial. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=508884>. Acesso em: 19 abr. 2016.

[10] “Art. 428. É bancário o contrato quando a função econômica corresponde a operação definida em lei como exclusiva de banco.” (Cf. Ibid.)

[11] TURCZYN, Sidnei. Os contratos bancários e o projeto de Código Comercial – PL 1.572/2011: vicissitudes de uma tentativa de codificação. Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais, São Paulo, v. 58, p. 39 et seq., out. 2012.

[12] COVELLO, op. cit.

[13] Ibid.

[14] Ibid.

[15] Para melhor compreensão do papel do Conselho Monetário Nacional, vide: BRASIL. Banco Central do Brasil. Entenda o CMN. Disponível em: <http://www.bcb.gov.br/Pre/CMN/Entenda{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6}20o{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6}20CMN.asp>. Acesso em: 19 abr. 2016.

[16] COVELLO, op. cit.

[17] Ibid.

[18] A função social do contrato, para os fins do presente estudo, deve-se entender como princípio norteador para a consecução integrativa dos fins individuais e sociais do contrato, significando que o contrato será interpretado conforme a situação econômico-social das partes e sua projeção na sociedade a fim de perpetrar maior justiça social (cf. SANTOS, Antônio Jeová. Função social do contrato. 2. ed. São Paulo: Método, 2004).

[19] CAMARGO SOBRINHO, Mário. Contrato de adesão e a necessidade de uma legislação específica. São Paulo: Lex, 2000.

[20] Nesse ponto, a discussão do tratamento legal dispensado aos casos de superendividamento vem sendo largamente estudado na doutrina nacional, pelo que se demonstra a vulnerabilidade dos consumidores associada a uma sociedade de consumo desenfreado, destacando-se, neste sentido, a lição de PORTO, Antônio José M.; BUTELLI, Pedro Henrique. O superendividado brasileiro: uma análise introdutória e uma nova base de dados. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, v. 95, p. 185-229, set./out. 2014.

[21] PAIVA, Rafael Augusto de Moura. Repensando o “ser” consumidor. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, v. 88, p. 103-142, jul./ago. 2013.

[22] “Art. 190. Versando o processo sobre direitos que admitam autocomposição, é lícito às partes plenamente capazes estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo. (…).” (Cf. BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2016. Código de Processo Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm>. Acesso em: 27 abr. 2015)

[23] Dimitri Dimoulis bem explica o que se tratam os fatos jurídicos: “Tudo aquilo que interessa ao direito e seus operadores constitui fato jurídico. Podemos definir o fato jurídico como qualquer ocorrência da vida real que recebe qualificação jurídica. Em outras palavras, são considerados fatos jurídicos todos os acontecimentos que interessam ao ordenamento jurídico, sendo regulamentados por este e, principalmente, associados a consequências jurídicas. (cf. DIMOULIS, Dimitri. Manual de introdução ao estudo do direito. 5. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: RT, 2013).

[24] MARDER, Alexandre S. Das invalidades no direito processual civil. São Paulo: Malheiros, 2010.

[25] CUNHA, Leonardo Carneiro. Negócios jurídicos processuais no processo civil brasileiro. In: CABRAL, Antônio do Passo; NOGUEIRA, Pedro Henrique (Coord.). Negócios processuais. Salvador: Juspodivm, 2015. p. 27-62. Recomenda-se, especialmente, neste item a leitura das páginas 29-33.

[26] “Art. 188. Os atos e os termos processuais independem de forma determinada, salvo quando a lei expressamente a exigir, considerando-se válidos os que, realizados de outro modo, lhe preencham a finalidade essencial.” (Cf. BRASIL. Lei nº 13.105…, op. cit.)

[27] Sob este prisma, Eduardo Scarparo discorre sobre a flexibilidade para a recepção do ato processual inválido, de modo que gere seus efeitos quando há ausência de prejuízo e presença de alcance da finalidade, visando ao equilíbrio entre a efetividade do processo e a segurança jurídica na perspectiva constitucional do processo (cf. SCARPARO, Eduardo. As invalidades processuais civis na perspectiva do formalismo-valorativo. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013).

[28] Neste sentido, Marcelo Hugo da Rocha discorre sobre ser possível formar acordos processuais atípicos ainda na vigência do CPC de 1973, a despeito de seu art. 158 (cf. ROCHA, Marcelo Hugo. Negócio jurídico processual e sua aplicação nas provas. In: JOBIM, Marco Félix; FERREIRA, William Santos [Org.]. Direito probatório. Salvador: Juspodivm, 2015. p. 531-547. [Coleção Grandes Temas do Novo CPC, v. 5]).

[29] Como exemplo, Antônio do Passo Cabral refere-se a convenções processuais em sua obra homônima; Sérgio Cruz Arenhart e Gustavo Osna, acordos processuais (cf. CABRAL, Antônio do Passo…; ARENHART, Sérgio Cruz; OSNA, Gustavo. Os “acordos processuais” no novo CPC – aproximações preliminares. In: RIBEIRO, Darci Guimarães; JOBIM, Marco Félix [Org.]. Desvendando o novo CPC. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2016. p. 187-203).

[30] BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Brasília: Congresso Nacional. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406compilada.htm>. Acesso em: 15 maio 2016.

[31] RIZZARDO, Arnaldo. Contratos. 15. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015.

[32] GODINHO, Robson Renault. Negócios processuais sobre o ônus da prova no novo Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2015. p. 137.

[33] “Art. 190. (…). Parágrafo único. De ofício ou a requerimento, o juiz controlará a validade das convenções previstas neste artigo, recusando-lhes aplicação somente nos casos de nulidade ou de inserção abusiva em contrato de adesão ou em que alguma parte se encontre em manifesta situação de vulnerabilidade.” (Cf. BRASIL. Lei nº 13.105…, op. cit.)

[34] ARENHART; OSNA, op. cit.

[35] ARENHART; OSNA, op. cit.

[36] Até em razão de o estudo dos negócios processuais estar vinculado, historicamente, ao direito privado, como lembra: NOGUEIRA, Pedro Henrique Pedrosa. Sobre os acordos de procedimento no processo civil brasileiro. In: CABRAL, Antônio do Passo; NOGUEIRA, Pedro Henrique (Coord.). Negócios processuais. Salvador: Juspodivm, 2015. p. 81-92. Em especial a p. 81.

[37] YARSHELL, Flavio Luiz. Convenções das partes em matéria processual: rumo a uma nova era? In: CABRAL, Antônio do Passo; NOGUEIRA, Pedro Henrique (Coord.). Negócios processuais. Salvador: Juspodivm, 2015. p. 63-80. Em mensagem final, expõe o autor: “De outro lado, é imperativo que os magistrados estejam abertos a esse novo cenário. Não deve vingar eventual ceticismo, de que argumente com a impossibilidade de se ter processos particularizados perante órgãos já atarefados. Ao conferir espaço para a autonomia da vontade, o que almejou a lei foi reforçar a cooperação que as partes possam dar para o bom andamento dos processos e para a resolução das controvérsias. Portanto, depende do esforço e da boa vontade de todos os envolvidos o sucesso ou o fracasso das novas disposições. Só então saberemos se caminhamos, de fato, para uma nova Era” ( p. 80).