CONTRATO INTERNACIONAL À LUZ DO DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO BRASILEIRO
Josué Scheer Drebes
SUMÁRIO: Introdução; 1 Origem histórica; 2 O contrato nacional; 3 O contrato internacional; 4 A formação dos contratos internacionais; 5 Hardship clause;6 A lex mercatória;7 A jurisprudência; 8 A solução extrajudicial de conflitos em matéria de contratos internacionais; 9 A padronização de fórmulas e expressões contratuais; Conclusão; Referências.
Sono i fatti e le relazioni, per definizione, superare i limiti della vera vita interiore di ogni Stato. (Roberto Ago)
INTRODUÇÃO
Com o desenvolvimento da economia mundial e o surgimento de novas e complexas relações comerciais, que inclui desde a compra e venda de mercadorias e a prestação de serviços até operações por meio eletrônico, surgem os contratos internacionais, que, por sua vez, têm sido objeto de constantes construções teóricas que se compõe a partir de diversos critérios.
Por essas razões, o comércio internacional tornou-se um importante instrumento criador de inúmeras formas de contratação, pois passou a aperfeiçoar as técnicas já existentes e gerar novos institutos jurídicos, contribuindo com o desenvolvimento do direito, ao passo que os contratos internacionais, por sua vez, obtiveram um papel relevante nessa regulamentação, pois, com o princípio da autonomia da vontade que os cerca, acabam funcionando como a lei entre as partes e a jurisprudência, principalmente a arbitral, confirma esse fato.
O presente estudo propõe-se, inicialmente, a apresentar um breve histórico do Direito Internacional Privado (DIPr) a partir do surgimento de determinadas teorias que buscavam definir um método comum à solução de conflitos entre a lei do foro e a lei estrangeira.
Nas seções seguintes, far-se-á uma análise acerca dos aspectos típicos à formação dos contratos internacionais, tais como cláusulas especiais (hardship clause), as condições gerais de contratação, a cláusula-padrão, chamando atenção para as diferenças fundamentais entre o contrato de direito interno e o contrato transnacional.
Na sequência, passar-se-á a mencionar o instituto da lex mercatoria, visto que o contrato internacional é uma consequência natural do intercâmbio entre Estados e pessoas, que, frequentemente, buscam afastar a aplicação da lei do Estado à relação jurídica internacional, de modo a substituir uma lógica contratual interna por outra que tem por base esse preceito de Direito Internacional.
Como a questão da lei aplicável aos contratos internacionais tem sido abordada pela jurisprudência brasileira? Esse tema foi cuidadosamente trabalhado no item relativo à jurisprudência, que expõe de forma simples e objetiva algumas decisões dos Tribunais pátrios a respeito do adimplemento dos contratos transnacionais, normalmente de compra e venda ou de transportes.
Tratando-se da solução extrajudicial de conflitos em matéria de contratos internacionais, verificar-se-á que, ao longo dos anos, tem se buscado e aperfeiçoado formas confiáveis e mais rápidas para a resolução dos litígios contratuais, tais como: mediação, conciliação ou arbitragem.
Por fim, passar-se-á a mencionar o conhecimento a despeito da padronização de fórmulas e expressões contratuais que visam, sobretudo, a formatação dos pactos, sem, no entanto, limitar a compreensão nem a execução de seus termos, com ênfase na importante colaboração da International Chamber of Commerce, que instituiu e aprimorou as chamadas Regras Internacionais para a Interpretação de Termos Mercantis (Incoterms).
1 ORIGEM HISTÓRICA
O século XXI inaugura o DIPr positivo, com regras inseridas no bojo das codificações, e o surgimento das teorias de Savigny e Mancini: a) Savigny – O fato de todas as pessoas viverem em uma comunidade internacional torna possível a solução dos conflitos pela paridade de tratamento entre a lei do foro e a lei estrangeira; b) Mancini – A sua teoria parte do pressuposto da nacionalidade com lei reguladora do estatuto pessoal do indivíduo, sendo um dos grandes incentivadores da codificação do DIPr[1].
As doutrinas do século XIX caracterizavam-se pelo traço “universalista” até a Primeira Guerra Mundial, coexistindo paralelamente os “particularistas“, liderados por Batiffol, que reconheciam a diversidade dos sistemas nacionais como uma realidade legítima em razão da diversidade estrutural dos Estados, especialmente quanto às normas de DIPr.
O Entre Guerras viu o declínio da tendência universalista com o predomínio do particularismo e um certo nacionalismo. Esse período foi marcado, também, pela ênfase dada às soluções codificadoras em matéria internacional da jurisprudência, como o importante trabalho realizado pela Conferência Permanente de Direito Internacional de Haia. Acompanhando essa tendência, podemos citar o papel da América Latina, por meio do Tratado de Lima de 1877, dos Tratados de Montevidéu de 1889 e 1890 e do Código de Bustamantes, em 1928.
Após a Segunda Guerra Mundial, surgem mais regras de DIPr que passam a atuar diretamente na situação jurídica, em vez de procurar a lei aplicável pela regra indireta, mediadora entre os sistemas jurídicos envolvidos. O conflito de jurisdição e a busca do juiz competente para o feito enfraquecem a noção de conflito de leis.
Enquanto isso, no Brasil, o DIPr surgiu com a primeira Constituição e o Código Comercial, que englobavam leis portuguesas. Somente em 1917, com a instituição da Lei de Introdução ao Código Civil (LICC), é que a matéria ganhou normas específicas, embora ainda fosse influenciada pela prática europeia e por isso inserida no Código Civil.
A LICC de 1942 introduziu uma alteração significativa na matéria de DIPr, estabelecendo o critério domiciliar em substituição ao da nacionalidade, alinhando o Brasil aos demais países da América Latina.
Nesses termos, verifica-se que o DIPr positivo brasileiro continua regulado pelas noções clássicas do século XIX, utilizando o sistema de conexão de regras bilaterais rígidas. Enquanto aguarda-se uma mudança substancial na legislação, cabe aos Tribunais o trabalho de modernizar a matéria e buscar a incorporação das novas tendências.
2 O CONTRATO NACIONAL
Os contratos tiveram sua primeira aparição no Direito romano ou até mesmo antes, com o objetivo de regular as relações interpessoais e assegurar a vontade humana à possibilidade de criar direitos e obrigações.
No século XIX, o contrato se transformou em um instrumento eficaz para a economia capitalista e para o desenvolvimento das relações comerciais, industriais e financeiras existentes no mundo atual. Antes da organização das sociedades, as relações eram controladas pela força, pela coação e pelo abuso de poder por parte dos detentores de maior poder econômico.
O denominado “contratos nacional” será aqui tratados simplesmente de contrato, que, segundo o conceito de Orlando Gomes, é todo o negócio jurídico que se forma pelo concurso de vontades. Restritivamente, indica o acordo de vontades produtivo de efeitos obrigacionais. Em sentido ainda mais limitado, significa o negócio jurídico bilateral cuja função específica é criar obrigação patrimonial. Nesta acepção, distingue-se do ato-condição e do auto-regra, que, como o contrato, se formam pelo concurso de vontades.[2]
O contrato é, portanto, a formalização de um negócio jurídico oriundo da vontade das partes nele envolvidas e tem como efeito a geração de direitos e obrigações.
Todavia, Cecília M. Veiga leciona que o contrato trata-se de um “acordo de vontades para o fim de adquirir, resguardar, modificar ou extinguir um direito. É considerada como fonte das obrigações, em primeiro lugar, a lei e, em segundo, a vontade das partes“[3].
Ainda, na concepção de Arnaldo Rizzardo, o contrato é “a convenção surgida do encontro de duas ou mais vontades, que se obrigam entre si, no sentido de dar, fazer ou não fazer alguma coisa“[4].
Isso posto, infere-se que a doutrina demonstra que os contratos precisam, além da vontade das partes, da efetivação do negócio jurídico; ao passo que o próprio negócio jurídico sempre ensejará um contrato.
3 O CONTRATO INTERNACIONAL
As regras mais comuns para identificar o que sejam os contratos internacionais em contraposição aos “nacionais” relacionam-se com o domicílio das partes em diferentes Estados, além de refletir o fluxo de serviços, tecnologias ou valores entre Estados e pessoas em diferentes territórios.
Na 5ª Conferência Especializada Interamericana sobre Direito Internacional Privado, da Organization of American States (OAS), realizada nos dias 14 e 19 de março de 1994 no México, foi aprovada (inclusive pelo Brasil) a “Inter-American Convention on the Law applicable to International Contracts“, definindo, em seu art. 1º, que “deve ser entendido que o contrato é internacional, se as mesmas partes têm a sua residência habitual ou estabelecimento em diferentes Estados partes, ou se o contrato tem vinculação objetiva com mais de um Estado parte“[5].
Nesses termos, o contrato internacional pode ser entendido como um instrumento especializado do DIPr que busca regular uma relação jurídica envolvendo duas partes, sendo que esse objeto detém um ou mais elementos de estraneidade e possui vínculos com um ou mais sistemas jurídicos distintos.
Os elementos de estraneidade, ou seja, as características que ligam um contrato a mais sistemas jurídicos, determinando a sua internacionalidade, são: domicílio, nacionalidade, lex voluntatis, localização da sede, centro das principais atividades, foro, etc.
Assim, assinala-se que tais pactos são considerados instrumentos de ação do Comércio Internacional, podendo ser estudados de acordo com um critério jurídico (fatores que conectam o contrato a mais de um ordenamento jurídico) ou econômico (fluxo de valores e bens entre dois sistemas).
4 A FORMAÇÃO DOS CONTRATOS INTERNACIONAIS
A formação dos contratos internacionais é um ponto relevante e presente na maior parte da doutrina sobre esse instituto, pois a má redação de tópicos importantes no momento de sua constituição pode causar sérios problemas na fase de execução do contrato.
No Direito Internacional, tradicionalmente, a autonomia da vontade é o princípio que deve reger as obrigações, impondo, em todos os casos, o ajuste entre as partes para a escolha da lei reguladora dos contratos. Esse princípio, todavia, encontra barreiras na própria LICC (art. 9º), que regulamenta o tema sobre a égide do princípio da aplicação da lei do local em que se constituiu a obrigação – lex loci executionis ou lex loci actus, ou, ainda, a submissão à lei do Estado de residência do proponente, no caso das obrigações entre ausentes, em respeito ao princípio da territorialidade.
Assim prescreve o art. 9º da LICC:
Art. 9º Para qualificar e reger as obrigações aplicar-se-á a lei do país em que se constituírem.
- 1º Destinando-se a obrigação a ser executada no Brasil e dependendo de forma essencial, será esta observada, admitidas as peculiaridades da lei estrangeira quanto aos requisitos extrínsecos do ato.
- 2º A obrigação resultante do contrato reputa-se constituída no lugar em que residir o proponente.[6]
Com isso, verifica-se que o ordenamento jurídico pátrio optou por estabelecer restrições materiais à liberdade de escolha das partes pela lei de regência do contrato formalmente constituído em território nacional. Assim sendo, a relação entre a lei de regência e o contrato tem como elemento de conexão o local de domicílio das partes, ou do proponente do contrato, do país em que o mesmo será executado.
No entanto, esse princípio tem conotação de norma supletiva, ao passo que prevalece sobre ele a autonomia da vontade das partes em contratar, e, por essa razão, é evidentemente que essa regra não se aplica aos casos em que as partes optem pela formalização do contrato em outro Estado cuja legislação permita a escolha da lei de regência, o que representa uma forma simples de evasão legal.
Caso, porém, as partes nada deliberarem sob a lei de regência do contrato, esse, se firmado por parte domiciliada em território nacional, estará sujeito às normas de qualificação contidas no art. 9º e seu § 2º, podendo, então, vir a ser de relevante importância a análise dos documentos pré-contratuais (proposta ou policitação, fax, cartas de intenção, etc.).
Diante desse quadro, observa-se que, no Brasil, existem dois elementos distintos responsáveis por regular os aspectos intrínsecos das obrigações, sendo válido entre os presentes o local onde se constituiu a obrigação, e, nas situações em que as manifestações se derem por pessoas efetivamente ausentes, será a residência da parte que emitiu a proposta.
Nos contratos internacionais, mais do que em outros, é frequente a existência de uma fase de negociações preliminares em que serão sedimentadas as bases do futuro acordo. Surge, então, a esfera das chamadas responsabilidades pré-contratuais. Nesse caso, o contrato normalmente se forma por meio de atos que representam a oferta ou policitação e a aceitação – offer e acceptance -, como, por exemplo: troca de fax, e-mail ou correspondências.
De qualquer sorte, no processo preliminar de formação do contrato podem também surgir circunstâncias que, posteriormente, deem razão a pedidos de reparação ou indenização, pois, comumente, a fim de se preparar para executar o contrato, a parte chega a mobilizar, desde logo, recursos, pessoal, adquire imóveis e equipamentos e os movimenta, ou pratica outros atos que, caso se frustre a possibilidade de materialização do acordo por culpa da outra parte, que ocultou ou falseou dados ou criou falsas expectativas, podem ser passíveis de indenização.
No que tange à classificação dos contratos, Maristela Basso identifica três fases fundamentais: “A formação (geração), a conclusão (aperfeiçoamento) e a execução (consumação). Em cada uma delas o ajuste da vontade adquire contornos particulares, e todas são indispensáveis à constituição, modificação e extinção dos vínculos jurídicos“[7]. Ocorre, portanto, a formação do contrato internacional quando há a conjugação de atos que buscam o consenso entre as partes e que desfrutam de validade para identificar e externar as vontades manifestadas.
Dentro desse panorama, Karin H. Skitnevsky aponta como primeira cautela a ser tomada ao realizar um contrato internacional a certificação sobre os poderes e a capacidade do autor da proposta, no que tange à celebração do negócio, seja ele titular do poder de contratar ou mandatário. Some-se a isso o fato de que, muitas vezes, entre a proposta e a aceitação surgem diversas contrapropostas, o que dificulta identificar o autor da última proposta aceita. Cabe, portanto, ao destinatário da oferta certificar-se sobre os poderes e a capacidade do autor[8].
A fase pré-contratual, também denominada de formação ou geração do contrato, é a etapa mais significativa do processo de convergência das vontades, pois, para que se forme um contrato, é necessário que haja oferta e aceitação, elementos essenciais dos contratos que têm sua origem na aproximação das partes.
Na formação dos contratos internacionais do comércio é vital o conhecimento da estrutura do contrato, a língua estrangeira em que se processa a negociação, assim como o sistema jurídico da contraparte. Os contratos internacionais são nada menos que negócios jurídicos; logo, possuem os mesmos pressupostos destes.
A redação da cláusula de eleição de foro é outro elemento importante, pois se deve estar atento a mais de um ordenamento jurídico, diferente do que ocorre no direito interno. Luiz Olavo Baptista entende que aquele que elabora o contrato deve dedicar atenção especial à verificação de quais as regras de competência internacional que regem a situação e, a seguir, determinar a norma de conflito aplicável pelo juiz competente em cada hipótese, para, então, indicar o direito material aplicável[9].
A livre vontade das partes quando da contratação é outro elemento essencial para a validade dos instrumentos negociais, pois os contratantes devem se integrar e se manifestar nesse sentido, mesmo que defendam interesses opostos. Além disso, esse elemento é visto como importante na medida em que se confere a vontade individual à faculdade de escolher, de forma expressa ou tácita, a lei competente em determinados assuntos.
Por outro lado, os arts. 7º e 8º da “Inter-American Convention on the Law applicable to International Contracts” assim dispuseram:
Art. 7º O contrato rege-se pelo direito escolhido pelas partes. O acordo das partes sobre esta escolha deve ser expresso ou, em caso de inexistência de acordo expresso, depreender-se, de forma evidente, da conduta das partes e das cláusulas contratuais consideradas em seu conjunto. Esta escolha poderá referir-se à totalidade do contrato ou uma parte do mesmo. A eleição de determinado foro pelas partes não implica necessariamente a escolha do direito aplicável.
Art. 8º As partes poderão, a qualquer momento, acordar que contrato seja total ou parcialmente submetido a um direito distinto daquele pelo qual se regia anteriormente, tenha este sido ou não escolhido pelas partes. Não obstante, tal modificação não afetará a validade formal do contrato original nem os direitos de terceiros.[10]
Tão logo essa Convenção, que foi firmada pelo Brasil, seja ratificada internamente, será modificado o critério restritivo previsto no art. 9º da LICC.
Outro ponto de grande importância para o contrato é a língua em que será redigido, podendo sua redação ser elaborada em um idioma escolhido pelas partes em duas línguas (bilíngue), ou as partes convencionarem um terceiro idioma. Contudo, em caso de julgamento por via judicial, o juiz, ao realizar todos os atos processuais, utilizará o seu idioma natal, embora possa aplicar a lei estrangeira e observar os conceitos originais dos contratos.
A negociação prévia ao fechamento dos contratos também se apresenta como um ato de extrema relevância, pois nessa fase as partes irão analisar as vantagens e desvantagens do negócio a ser realizado, com o conhecimento pleno de seu conteúdo e a divisão equilibrada dos direitos e das obrigações dele decorrentes.
A conclusão de Maristela Basso é que, nesse processo, o advogado tem papel relevante, cuja conduta deve basear-se na prudência, diligência, boa-fé e seriedade, indispensáveis à facilitação do processo de barganha, visando ao sucesso da negociação[11].
O processo de negociação é, portanto, de grande relevância na formação dos contratos internacionais, mas não podemos nos esquecer dos demais pontos aqui tratados referentes à sua geração, pois, uma vez esquecidos, poderão prejudicar a estrutura jurídica do instituto contratual.
5 HARDSHIP CLAUSE
Ante o surgimento de fatos imprevistos e excepcionais que tornem o contrato excessivamente oneroso para uma das partes, os contratos internacionais, sobretudo os de longa duração, devem procurar prever tais possibilidades.
Neste contexto, surgem as chamadas hardship clauses (o termo “hardship” pode ser livremente traduzidas como “dificuldade“, “adversidade“, “infortúnio” ou “privação” de fatos e circunstâncias).
Orlando Gomes, em parecer transcrito por Luiz Olavo Batista, define a cláusula de hardship da seguinte forma:
[…] uma cláusula que permite a revisão do contrato se sobrevierem circunstâncias que alterem substancialmente o equilíbrio primitivo das obrigações das partes. Não se trata de aplicação especial da teoria da imprevisão à qual alguns querem reconduzir a referida cláusula, […]. Trata-se de nova técnica para encontrar uma adequada reação à superveniência de fatos que alterem a economia das partes, para manter… sob o controle das partes, uma série de controvérsias potenciais e para assegurar a continuação da relação em circunstâncias que, segundo os esquemas jurídicos tradicionais, poderiam levar à resolução do contrato.[12]
Bruno Oppetit a define como uma disposição especial, nos termos da qual as partes poderão demandar uma reorganização do contrato que as une, caso uma alteração interfira nos dados iniciais, com vistas aos quais elas se obrigaram vindo a alterar o equilíbrio do contrato, a ponto de fazer com que uma das partes se submeta a um rigor (hardship) injusto[13].
Pode-se dizer, em outras palavras, que a cláusula de hardship consiste em uma norma de revisão, cujo objetivo é a reorganização do equilíbrio contratual, com o propósito de readaptá-lo, preservando a equidade das partes ao novo contexto gerado pela superveniência de fato imprevisível, ou, não sendo possível a reorganização, proceder à resolução do contrato sem onerar excessivamente qualquer das partes.
Garcez identifica a confusão entre a teoria da imprevisão e da revisão dos contratos se houver caso fortuito ou força maior:
No contrato atingido pela hipótese de imprevisão o contratante, embora não esteja impedido de cumpri-lo integralmente, se o fizer estará delapidando sem patrimônio em favor muitas vezes, de um lucro excessivo da outra parte, já no caso fortuito ou de força maior, existe a impossibilidade absoluta de que o contrato possa cumprir-se pelo advento de circunstâncias alheias ao desejo das partes e que as mesmas não poderiam normalmente prever ou evitar, conforme de forma sintética e bem lançada dispõe o parágrafo único do art. 1.058 do nosso Código Civil.[14]
Alguns dos contratos que contêm a cláusula hardship procuram indicar quais são os eventos que a ela podem-se ajustar; outros, unem esse rol exemplificativo a uma fórmula genérica; e uma terceira modalidade, tão somente, apresenta uma disposição geral, de caráter exemplificativo.
Concretizada a hipótese de incidência da cláusula de hardship, será processada a readaptação do contrato, por solicitação da parte prejudicada, mediante a aplicação da mencionada regra. Esse requerimento deverá ser feito tão logo a parte tome conhecimento do evento oneroso, de maneira que o não exercício da faculdade de readaptação do contrato, nele prevista, implica automaticamente na continuação de seus efeitos jurídicos, obrigando as partes desde a ocorrência do evento gerador de hardship até o momento da readaptação[15].
Solicitada, a readaptação poderá concretizar-se de forma voluntária e consensual ou por meio da intervenção de um árbitro, que decidirá conforme os limites da situação jurídica em questão.
As cláusulas de hardship aplicadas aos contratos internacionais, sobretudo os de longa duração, configuram-se em um mecanismo de equilíbrio contratual, que possibilita aos contratantes interferirem nos resultados econômicos do avençado, quando constatada a ocorrência de fatos supervenientes à vontade das partes que desequilibrem a relação comercial inicial.
6 A LEX MERCATORIA
A lex mercatoria foi um sistema jurídico desenvolvido pelos comerciantes da Europa medieval e que se aplicou aos negociantes e marinheiros de todos os países do mundo até o século XVII. Não era imposta por uma autoridade central, mas evoluiu a partir do uso e do costume, à medida que os próprios mercadores criavam princípios e regras para regular suas transações. Esse conjunto de regras era comum aos comerciantes europeus, com algumas diferenças locais.
Irineu Strenger conceitua lex mercatoria como “um conjunto de procedimentos que possibilita adequadas soluções para as expectativas do comércio internacional, sem conexões necessárias com os sistemas nacionais e de forma juridicamente eficaz“[16].
Antônio Carlos Rodrigues do Amaral assim a define: “As regras costumeiras desenvolvidas em negócios internacionais aplicáveis em cada área determinada do comércio internacional, aprovadas e observadas com regularidade“[17].
Na tentativa de se relacionar os conceitos já colacionados, entende-se que a lex mercatoria pode ser definida como sendo um corpo de normas aberto, como todo sistema que busca a regulação das relações comerciais internacionais, caracterizando-se pelo seu poder normativo independente das emanações legislativas estatais, visando à solução dos litígios com base na aplicação das práticas comerciais correntes – usos e costumes.
Inúmeras são as fontes da lex mercatoria citadas pela doutrina , e entre elas destacam-se:
- a) Os princípios gerais do direito, geralmente ligados às relações contratuais, como o princípio da boa-fé, pacta sunt servanda, culpa in contrahendo, exceptio non adimplenti contractus, dever de limitar danos, entre outros. Tais princípios abrangem tanto o direito interno quanto o internacional e são extraídos do estudo do direito comparado de diversos ordenamentos nacionais e do raciocínio abstrato dos árbitros;
- b) Os usos e costumes comerciais internacionais derivam da adoção voluntária e repetida dos mesmos procedimentos por parte da generalidade dos operadores comerciais econômicos. Tais conceitos não podem ser definidos com precisão e, na prática, são acolhidos com certa elasticidade;
- c) Os contratos-tipo ou standarts seriam regulamentações ou fórmulas de contratos, padronizadas, com inúmeros pontos em comum, somente se diferenciando nas particularidades de cada ramo do comércio. Normalmente, são elaborados por organizações ou associações internacionais que buscam uniformizar a prática comercial. Como exemplo pode-se citar a London Corn Trade Association, que somente para o comércio de trigo fornece cerca de 60 contratos-tipo;
- d) A jurisprudência arbitral é o ambiente em que a lex mercatoria se concretiza, dada a estreita ligação entre lex mercatoria e a arbitragem. Segundo José Alexandre Tavares Guerreiro, a jurisprudência arbitral integra, por sua vez, o conteúdo da lex mercatoria, a qual, mesmo sem constituir ordem ou sistema, tende a se institucionalizar, cada vez mais superando a insuficiência do método de conflitos (de leis e de jurisdição) do direito internacional privado, para a disciplina dos contratos internacionais, já que o resultado da aplicação desse método é exatamente a determinação de uma lei nacional, o que já não mais se coaduna com as necessidades contemporâneas.[18]
A ideia de se adotar a lex mercatoria como direito aplicável à regulamentação do contrato internacional encontra inúmeras barreiras, como a ofensa à ordem pública dos Estados envolvidos na relação. Aceitar que um direito, se é que assim podemos chamá-la, advindo da comunidade dos comerciantes, seja chamado para reger um negócio jurídico, seria considerado contrário aos princípios essenciais do Estado, ferindo a ordem jurídica vigente. A lex mercatoria pode ser aceita nas decisões arbitrais, mas tais decisões encontrariam problemas quando necessitassem ser homologadas para, então, produzirem efeitos jurídicos em um determinado Estado.
A lex mercatoria seria, portanto, um novo direito anacional, que emergiu da comunidade dos comerciantes internacionais, formada por usos e costumes internacionais, jurisprudência arbitral e contratos-tipo. A lex mercatoria encontra como fonte a comunidade internacional de comércio, sendo uma ordem jurídica singular, autônoma e aplicável especificamente nos negócios e nas transações internacionais.
7 A JURISPRUDÊNCIA
A questão da lei aplicável aos contratos internacionais foi tratada incidentalmente pela jurisprudência brasileira, quando havia um litígio a respeito do cumprimento de um contrato internacional, normalmente compra e venda ou de transportes. A possibilidade de utilização da autonomia da vontade ocorreu poucas vezes, sendo decidida pela interpretação literal do art. 9º da LICC.
Apesar de a regra brasileira ser a do local da celebração do contrato, a da execução teve preponderância na jurisprudência, pois interpretou-se que à lei do local da constituição somam-se as exigências do ordenamento jurídico relativo a sua execução.
Segundo transcreve Nádia de Araújo:
Em um contrato internacional de corretagem, o STJ decidiu que a obrigação considerava-se constituída no país em que fora concluída. Havia dois contratos: o de compra e venda de um imóvel no Brasil, mas realizado no Uruguai, e o de corretagem, supostamente ocorrido no Brasil. O relator supôs pelas circunstâncias do caso, que este último fora concluído no Brasil, pois todas as partes residiam aqui, e o andamento da transação se deu no Brasil. Apesar da ausência de elementos suficientes para comprovar o local de sua realização, entendeu o STJ que este lugar fora o Brasil. Usou a regra subsidiária (art. 9º, § 2º) da lei de residência do proponente, por ser um contrato entre ausentes, e considerou aplicável a lei brasileira.[19]
Já, em outro dois casos relativos a dívidas de jogo, o art. 9º foi aplicado aos contratos celebrados no exterior. No primeiro, o então Tribunal de Alçada de São Paulo decidiu que a dívida era relativa ao contrato de abertura de crédito, realizado nos Estados Unidos, aplicando-se a lei americana, em vez da norma contida no art. 1.477 do Código Civil brasileiro, justificando que a dívida era contratual e não oriunda da mesa de jogo. A intenção do Tribunal foi coibir uma tentativa de fraude à legislação, pois, pelo ordenamento jurídico pátrio, as dívidas de jogo, bem como os empréstimos para essa finalidade, não são passíveis de cobrança[20].
A segunda decisão partiu do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, que aplicou o art. 9º da LICC por entender que se o fizesse inversamente estaria contrariando norma de ordem pública do DIPr. Se, de um lado, o jogo era lícito no país onde as atividades ocorreram; de outro, o direito brasileiro considerava como inexigíveis as dívidas contraídas desse modo. Diante da diferença entre os dois sistemas, o Tribunal aplicou o caput do art. 9º (lei do lugar da constituição), porque, de outro modo, haveria enriquecimento sem causa, por parte do devedor, que abusaria da boa-fé do credor. Assim, concluiu que a aplicação da lei americana serviria para proteger a ordem pública[21].
Em 2002, o STF manifestou-se sobre a questão em duas cartas rogatórias, que acabou decidindo pela concessão do exequatur. Mesmo que no Brasil as dívidas de jogo não sejam objeto de cobrança, não ofenderia a ordem pública aquelas contraídas validamente de acordo com a lei do local de sua celebração[22].
Há também uma decisão do Tribunal de Alçada de São Paulo na qual houve uma confusão entre a determinação do foro do contrato e da lei aplicável. Foi feita uma análise conjunta das duas cláusulas. A obrigação constituíra-se na Alemanha, sendo essa a lei aplicável, conforme o art. 9º da LICC, mas o egrégio Tribunal entendeu que ali também deveria ser proposta a ação. Por ser aplicável a lei estrangeira, não quer dizer que o foro competente seja também o estrangeiro; logo, não haveria qualquer problema em aplicar a lei alemã se o caso fosse julgado no Brasil. Não era o caso de nenhuma das hipóteses do art. 88 do CPC, embora isso não tenha sido mencionado na decisão[23].
Sob uma breve análise das decisões anteriormente transcritas, verificou-se que os Tribunais brasileiros têm entendido que a regra da execução do contrato se sobrepõe à regra esculpida no art. 9º da LICC (local da constituição), visto que é mais comum ocorrerem os litígios no local da execução (lugar onde o devedor tem seu domicílio, seus bens e seu estabelecimento comercial, e onde é mais fácil obter o pagamento).
8 A SOLUÇÃO EXTRAJUDICIAL DE CONFLITOS EM MATÉRIA DE CONTRATOS INTERNACIONAIS
O comércio internacional vem, ao longo dos anos, buscando e aperfeiçoando fórmulas alternativas, confiáveis e rápidas para a solução dos conflitos contratuais, e, assim, escaparem das conturbadas estruturas judiciárias dos Estados. Por essa razão, nos contratos internacionais é comum prever-se a solução extrajudicial de disputas mediante métodos de mediação, conciliação ou arbitragem.
A “mediação” consiste na intervenção de um terceiro, “o mediador“, que aproxima as partes com vistas a uma solução consensual para a controvérsia, ao passo que a “conciliação“, representa um estágio além da mediação, pois age com vistas a estimular as partes em direção à obtenção do acordo. Esses métodos, muitas vezes, antecedem a arbitragem na cláusula contratual de solução de conflitos.
A “arbitragem“, por sua vez, é adotada em contratos internacionais, por meio da inserção nos pactos da chamada “cláusula compromissória“, em que as partes ajustam a solução por arbitragem de suas controvérsias contratuais futuras, através de decisão tomada por um número ímpar de árbitros privados, nomeados pelos litigantes, chamando-se de “compromisso arbitral” o ajuste entre estes, prevendo o detalhamento do procedimento arbitral após o surgimento da questão.
Garcez enumera as vantagens básicas na aplicação da arbitragem como método de resolução de conflitos internacionais em matéria contratual:
- a) evitar o congestionamento crônico dos Judiciários estatais, proporcionando, somente por essa razão, maior celeridade na solução do caso;
- b) evitar o intrincado e ramificado quadro dos recursos judiciários, com o mesmo efeito de celeridade;
- c) permitir que o caso seja decidido sob sigilo, o que não ocorre nas jurisdições estatais, e, sobretudo, na área internacional;
- d) permitir, muitas vezes, um julgamento por especialistas em questões técnicas ou mais específicas;
- e) permitir que a questão seja julgada por normas genéricas, princípios gerais do comércio internacional, normas gerais de direito, equidade, ou, mesmo, pela legislação do país que venha a ser escolhido pelas partes;
- f) permitir que o julgamento ocorra em um país neutro, evitando, assim, os preconceitos e as eventuais restrições encontráveis no país de uma das partes.[24]
A cláusula compromissória, embora preliminar ao conflito, pode não só representar o compromisso de utilizar a solução arbitral, mas, também, detalhar a fórmula pela qual a arbitragem será realizada.
Nos países desenvolvidos, estima-se que 80{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6} dos conflitos contratuais, especialmente na área internacional, encontram solução extrajudicial por meio do método arbitral. Entretanto, no Brasil, além da arbitragem em seus modernos contornos ser uma novidade, existe uma franca antipatia de vários segmentos da sociedade para a sua adoção, principalmente para a resolução de lides desse gênero.
Observa-se que os meios de solução extrajudicial de conflitos em matéria de contratos internacionais assumem significativa importância no cenário internacional diante do fenômeno da globalização, dos mercados internacionais economicamente integrados e, consequentemente, dos conflitos “transfronteiriços“, especialmente quanto ao acesso dos consumidores a meios eficientes de tornar eficazes seus direitos, ou seja, de acessar a justiça efetivamente, mediante instrumentos que proporcionassem não um teórico e dificultoso acesso a uma justiça internacional, mas que, com razoável facilidade, celeridade e custo, reparassem seu direito, ora violado.
9 A PADRONIZAÇÃO DE FÓRMULAS E EXPRESSÕES CONTRATUAIS
Comumente, um dos objetivos perseguidos em quaisquer contratos, nesse caso, em especial, nos contratos internacionais, é o da síntese, e de uma formatação standard que, porém, não limite o entendimento nem a execução de seus termos.
Para essa padronização, é de extrema relevância a contribuição da International Chamber of Commerce com sede em Paris, pela publicação e pelo aperfeiçoamento dos International Rules for Interpretation of Trade (Commercial) Terms, expressão em inglês que se traduz por Regras Internacionais para a Interpretação de Termos Mercantis (Incoterms), que contêm fórmulas mercantis sintéticas com aplicação às cláusulas que regem a entrega e o transporte de mercadorias, tais como: FOB, CIF, FAZ, C&F e outras[25].
A aplicação prática dos Incoterms repousa na fixação do ponto crítico em que existe a transferência de obrigações entre as partes, ou seja, quando o vendedor é considerado legalmente isento de responsabilidades sobre mercadoria e entregue ao comprador, tendo direito a receber o pagamento convencionado, uma vez que a partir desse ponto os riscos da operação passam a correr por conta da outra parte[26].
Essa expressão passou a melhor refletir a evolução dos negócios internacionais e as definições dos riscos nos transportes de mercadorias.
Outro instrumento padronizado para utilização dos usuários dos contratos internacionais é representado pelo denominado “crédito documentário“, que, conforme Garcez, representa a garantia bancária dada pelo comprador ao vendedor de mercadorias nesses contratos, de forma que o vendedor receba o que lhe é devido através de uma carta de crédito garantida por uma entidade bancária, e contra-garantida pelo comprador, exonerando-se na maioria das vezes o vendedor de acionar comprador no caso de inadimplemento deste.[27]
Em síntese, pode-se definir o crédito documentário como uma ordem de pagamento condicionada, isso é, o exportador somente fará jus ao recebimento se atender a todas as exigências por ela estipuladas.
Por tantas razões, bem como pela prática dos mercadores no âmbito internacional, é que surgiram várias fórmulas contratuais que cuidam da transferência de mercadorias. No comércio internacional, tais preceitos procuram estabelecer as obrigações e os direitos que competem ao exportador e ao importador, não somente no que se refere a despesas provenientes das transações, mas também no tocante à responsabilidade por perdas e danos que possam sofrer as mercadorias transacionadas.
CONCLUSÃO
O presente artigo teve como escopo examinar a importância conferida aos contratos internacionais no âmbito do DIPr. Diante deste propósito, apresentamos um breve retrospecto da evolução histórica desse instituto jurídico, em que constatamos que o mesmo permanece regulado pelas noções clássicas do século XIX, fazendo uso do sistema de conexão de regras bilaterais rígidas.
Em seguida, buscamos o conceito de contrato nacional ou simplesmente contrato. Segundo entendimento dominante na doutrina pátria, o contrato é o negocio jurídico em que se celebra o acordo de vontade de duas ou mais partes, na conformidade da ordem jurídica, nos limites da função social e nos princípios de boa-fé e probidade, destinados a estabelecer direitos e obrigações entre as partes, até a conclusão do deste. Já o contrato internacional é a consequência do intercâmbio entre Estados e pessoas, no sentido amplo, cujas características são diversificadas dos mecanismos conhecidos e, usualmente, utilizados pelos comerciantes. Na verdade, são os elementos de estraneidade (domicílio, nacionalidade, lex voluntatis, localização da sede, centro das principais atividades, foro, etc.) que ligam um contrato a mais de um sistema jurídico, determinando a sua internacionalidade. Portanto, a diferença clássica entre os contratos regidos pelo Código Civil brasileiro, Lei nº 10.406, de 2002, nos arts. 421 e seguintes, e o contrato internacional é que, neste último, as cláusulas concernentes à conclusão, à capacidade das partes e ao objeto se relacionam a mais de um sistema jurídico vigente. Ambos os direitos, internacional e nacional, têm campos de atuação distintos, sendo, no entanto, difícil, às vezes, demarcar quando começa um e quando finda o outro.
Diante da formação dos contratos internacionais, suas cláusulas e características peculiares devem ser observadas com especial atenção, pois é de grande relevância uma boa redação de determinados pontos, como o preâmbulo, a cláusula de eleição do foro e a escolha do idioma. A negociação de um contrato internacional é muito importante, por dispor da relação jurídica envolvendo mais de um ordenamento e por tratar, muitas vezes, com pessoas de diferentes nacionalidades e culturas.
Entre as cláusulas típicas que regem os contratos internacionais, destacamos a hardship clause, que se destina a abranger os casos em que acontecimentos imprevistos vêm alterar fundamentalmente o equilíbrio dos pactos, resultando em um excesso de onerosidade a uma das partes envolvidas. Este artigo esta presente, sobretudo, nos contratos de longa duração.
Além disso, procuramos expor algumas decisões dos Tribunais brasileiros acerca dos litígios em matéria de contratos internacionais, em que foi possível verificar que a jurisprudência dominante tem entendido que a regra de conexão do contrato se sobrepõe a norma esculpida no art. 9º da LICC (local da constituição), visto que é mais comum ocorrerem litígios no local da execução do contrato.
Nesse diapasão, abordamos, também, a questão da lex mercatoria, um conjunto de regras costumeiras desenvolvidas para subsidiar o comércio internacional, bem como a sua relação com o primado da autonomia da vontade e a arbitragem internacional. A partir desse conceito, observamos que a adoção e a implementação de um instituto como a arbitragem para solução de conflitos denota clara tendência de aprimoramento das relações comerciais internacionais. Reflete uma adequação ante um quadro, inexorável e inadiável, de formação de blocos econômicos, fusões empresariais e desenvolvimento de mercados consumidores, que garantem a prosperidade regional e o mútuo desenvolvimento social.
No tocante à padronização de fórmulas e expressões contratuais, traçamos breves considerações acerca dos chamados Incoterms (International Commercial Terms), que servem para definir, dentro da estrutura de um contrato de compra e venda internacional, os direitos e as obrigações recíprocos do exportador e do importador, estabelecendo um conjunto-padrão de definições e determinando regras e práticas neutras, como, por exemplo: onde o exportador deve entregar a mercadoria, quem paga o frete, quem é o responsável pela contratação do seguro.
Por fim, concluímos que o contrato internacional não é um contrato tão simples como um contrato interno, mas também não tão distante deste último. O grande diferencial concentra-se nos aspectos jurídicos que são bem mais complexos nos contratos transnacionais do que nos contratos nacionais. Contudo, os contratos internacionais são desenvolvidos com maior liberdade para as partes tomarem decisões a respeito de sua forma e seu conteúdo. A vontade, nesse sentido, desempenha um importante papel nas relações internacionais de comércio, mas, como vimos, pode sofrer restrições em função da lei aplicada pela escolha das partes e do Direito Internacional Privado.
REFERÊNCIAS
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[1] SKITNEVSKY, Karin H. A formação dos contratos internacionais. Revista de Direito Constitucional e Internacional, São Paulo, n. 65, p. 130, out./dez. 2008.
[2] GOMES, Orlando. Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 1959. p. 10.
[3] VEIGA, Cecília M. Contratos. São Paulo: Desafio Cultural, 2001. p. 17.
[4] RIZZARDO, Arnaldo. Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 6.
[5] ORGANIZATION OF AMERICAN STATES. Inter-American Convention on the Law applicable to International Contracts (Tradução nossa). Disponível em: <http://www.oas.org/juridico/English/Treaties/b-56.html>. Acesso em: 27 feb. 2010.
[6] BRASIL. Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942, Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro. Diário Oficial [da] República dos Estados Unidos do Brasil. Rio de Janeiro, 9 de setembro de 1942.
[7] BASSO, Maristela. Cartas de intenção ou contratos de negociação. RT, 94-5, p. 136-137, nov. 1994.
[8] SKITNEVSKY, Karin H. A formação dos contratos internacionais. Revista de Direito Constitucional e Internacional, São Paulo, n. 65, p. 136, out./dez. 2008.
[9] BAPTISTA, Luiz Olavo. Dos contratos internacionais: uma visão teórica e prática. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 82.
[10] ORGANIZATION OF AMERICAN STATES. Inter-American Convention on the Law applicable to International Contracts (Tradução nossa). Disponível em: <http://www.oas.org/juridico/English/Treaties/b-56.html>. Acesso em: 27 feb. 2010.
[11] BASSO, Maristela. Cartas de intenção ou contratos de negociação. RT, 94-5, p. 146, nov. 1994.
[12] BAPTISTA, Luiz Olavo. Dos contratos internacionais: uma visão teórica e prática. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 143-144.
[13] OPPETIT, Bruno. L’adaptation dês Contrats Internationaux aux Changements de Circonstances: a Clause “Hardship” (Tradução nossa). Journal du Droit Internacional, n. 4, p. 794-814, 1974.
[14] GARCEZ, José Maria Rossani. Elementos básicos de direito internacional privado. Porto Alegre: Síntese, 1999. p. 146-147.
[15] MELO, Jairo Silva. Contratos internacionais e cláusulas hardship. São Paulo: Aduaneiras, 2000. p. 110.
[16] STRENGER, Irineu. Direito do comércio internacional e lex mercatória. São Paulo: LTr, 1996. p. 58-59.
[17] AMARAL, Antônio Carlos Rodrigues do (Coord.). Direito do comércio internacional: aspectos fundamentais. São Paulo: Aduaneiras, 2004. p. 59.
[18] GUERREIRO, José Alexandre Tavares. Fundamentos da arbitragem comercial internacional. Tese de Doutorado – USP. São Paulo, 1989.
[19] ARAÚJO, Nádia. Direito internacional privado: teoria e prática brasileira. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 338.
[20] Ibidem, p. 338-339.
[21] Ibidem, p. 339.
[22] Ibidem, p. 340.
[23] Ibidem, p. 341.
[24] GARCEZ, José Maria Rossani. Elementos básicos de direito internacional privado. Porto Alegre: Síntese, 1999. p. 146-148.
[25] Ibidem, p. 155.
[26] Idem, ibidem.
[27] Idem, ibidem.