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CONSIDERAÇÕES SOBRE A TUTELA DE EVIDÊNCIA DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

Clarissa Vencato Rosa da Silva

 

A Tutela de Evidência tem gerado muitas dúvidas no meio jurídico a respeito de sua aplicação prática.

O advento do novo CPC trouxe profunda modificação, expurgando recursos e expedientes de pouca utilidade prática nos tempos atuais e simplificando a marcha processual, visando conferir maior celeridade à prestação jurisdicional.

O Livro V do novo Código é dedicado às chamadas “Tutelas Provisórias”, que se subdividem em duas espécies: Tutela de Urgência e Tutela de Evidência.

A chamada Tutela de Urgência concentrou os provimentos urgentes antes dispersados no CPC revogado, trazendo uma melhor organização lógica. Subdivide-se em Tutela de Urgência de Natureza Antecipada (a mesma tutela antecipada do artigo 273, do CPC/73), e Tutela de Urgência de Natureza Cautelar (fruto da revogação das Ações Cautelares do livro III do CPC/73, as quais agora são espécies de Tutela de Urgência).

A Tutela de Evidência é uma das novidades do novo CPC, e tem gerado muitas dúvidas no meio jurídico a respeito de sua aplicação prática, a qual será discutida neste artigo, sem pretensão de esgotar o tema.

A medida nasceu da necessidade de conferir maior efetividade e celeridade à prestação jurisdicional, para que o processo deixe de ser um fim em si mesmo e cumpra sua missão constitucional, que é a pacificação social, com a entrega do bem da vida a quem comprovadamente dele faz jus, reduzindo o ônus da morosidade judiciária que impossibilita o pronto acesso da parte ao que lhe é de direito.

Segundo Bruno Bodart (2015), a Tutela de Evidência consiste na técnica de distribuição, entre autor e réu, dos ônus decorrentes do tempo do processo, que, baseada no alto grau de verossimilhança e credibilidade da prova documental apresentada, concede ao autor em sede de cognição sumária a tutela jurisdicional quando há demonstração prima facie da existência de seu direito, para que a morosidade judiciária não favoreça a parte a quem não assiste razão em detrimento daquele que a tem, transformando o processo numa arma letal contra o detentor de direito evidente.

Uma observação, contudo, deve ser feita: a Tutela de Evidência não se confunde com o julgamento antecipado do mérito, porque decorre de atividade de cognição sumária do Juiz, não sendo apta, destarte, a fazer coisa julgada material, a qual somente pode nascer de decisão judicial proferida após cognição exauriente, conforme ensinamento de Humberto Theodoro Junior: “Não é, porém, no sentido de uma tutela rápida e exauriente que se concebeu a tutela que o novo Código de Processo Civil denomina tutela de evidência, que de forma alguma pode ser confundida com um julgamento antecipado da lide, capaz de resolvê-la definitivamente (THEODORO JR, 2016, p. 379)”.

Portanto, o acesso do autor ao bem da vida quando seu direito é demonstrado de plano não se confunde com o julgamento antecipado total ou parcial do mérito de que tratam os artigos 355 e 356, do Código.

O artigo 311 do novo CPC assim estabelece acerca da Tutela de Evidência:

Art. 311. A tutela da evidência será concedida, independentemente da demonstração de perigo de dano ou de risco ao resultado útil do processo, quando:

I – ficar caracterizado o abuso do direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório da parte;

II – as alegações de fato puderem ser comprovadas apenas documentalmente e houver tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante;

III – se tratar de pedido reipersecutório fundado em prova documental adequada do contrato de depósito, caso em que será decretada a ordem de entrega do objeto custodiado, sob cominação de multa;

IV – a petição inicial for instruída com prova documental suficiente dos fatos constitutivos do direito do autor, a que o réu não oponha prova capaz de gerar dúvida razoável.

Parágrafo único. Nas hipóteses dos incisos II e III, o juiz poderá decidir liminarmente.

Como se vê, diferentemente das demais espécies de Tutela Provisória, a Tutela de Evidência é uma tutela “não urgente”, porque não exige demonstração do perigo de dano (periculum in mora), baseando-se unicamente na Evidência, isto é, num juízo de probabilidade, na demonstração documental suficiente dos fatos constitutivos do direito do Autor, ou seja, uma espécie de fumus boni iuris de maior robustez (BODART, 2015).

Na vigência do CPC anterior, já se observavam provimentos judiciais que antecipavam o bem da vida ao autor da ação sem exigir o periculum in mora como pressuposto, a exemplo da liminar possessória do art. 928 do CPC/73 e dos embargos de terceiro do art. 1.051 do CPC/73 (BODART, 2015).

Importante observar que a redação do parágrafo único do artigo 311 do Código estabelece expressamente os casos em que o juiz poderá decidir na forma inaudita altera parte, quais sejam, os incisos II e III, previsão essa ratificada pela redação do artigo 9º do Código, que assim dispõe:

Art. 9º Não se proferirá decisão contra uma das partes sem que ela seja previamente ouvida.

Parágrafo único. O disposto no caput não se aplica:

(…)

II – às hipóteses de tutela da evidência previstas no art. 311, incisos II e III;

(…)

Significa dizer que as hipóteses dos incisos I e IV somente podem ser verificadas pelo julgador após a apresentação de defesa pelo Réu, até porque não há como verificar a ocorrência de abuso de direito de defesa ou dúvida sobre as provas apresentadas pelo autor sem que o Réu tenha falado nos autos.

 

TUTELA DE EVIDÊNCIA SANCIONATÓRIA (ART. 311, I, CPC)

A primeira hipótese de Tutela de Evidência (art. 311, I, CPC), relembrando a redação do art. 273, II, do CPC/73, faz do instituto verdadeiro instrumento protetor da boa-fé e lealdade processual, reprimindo práticas protelatórias ou que caracterizem abuso do direito de defesa, também chamada por alguns doutrinadores, como Bruno Bodart, de Tutela de Evidência Sancionatória.

Significa dizer que o Juiz, como gestor do processo, deve estar atento a manifestações do Réu que excedam os limites do Princípio da Eventualidade quando do exercício do contraditório no processo, tais como o uso de expedientes protelatórios e fraudulentos que visam tumultuar a marcha processual, apresentação de provas de idoneidade duvidosa que visem ludibriar e confundir o magistrado, ou violação ao dever de cooperação do artigo 6º, do CPC.

Todavia, o direito do autor não nasce com o simples abuso do direito de defesa do réu. É necessário, portanto, que seu direito seja verossímil, provável. O abuso do direito de defesa, puro e simples, não enseja a concessão da medida (DONIZETTI, 2016).

No mesmo sentido, Scarpinella Bueno assevera que “(…) o abuso do direito de defesa do réu ou o seu manifesto propósito protelatório nada diz, por si só, com relação à evidência do direito do autor, que, por isto, deve também ser demonstrada (…)” (BUENO, 2015, p. 232).

Como se vê, o que o legislador pretendeu foi evitar que não só o processo, como também o próprio direito da parte devidamente respaldado por prova documental robusta e idônea sucumbam a práticas protelatórias e desleais, conferindo maior efetividade à prestação jurisdicional.

Em ações judiciais contra a Fazenda Pública, existem entendimentos no sentido de que ocorre abuso do direito de defesa quando o Ente Público apresenta matéria de defesa que afronta entendimento já firmado em parecer, súmula, ou outro ato administrativo no âmbito da própria Administração Pública, salvo se demonstrada a distinção entre os casos ou a necessidade de modificação daquele entendimento.

A matéria foi objeto de enunciados aprovados durante o encontro do Fórum Permanente de Processualistas Civis – FPPC[1], cujo teor segue abaixo:

Enunciado n. 35 do FPPC: As vedações à concessão de tutela antecipada contra a Fazenda Pública não se aplicam aos casos de tutela de evidência.

Enunciado nº 34: (art. 311, I) Considera-se abusiva a defesa da Administração Pública, sempre que contrariar entendimento coincidente com orientação vinculante firmada no âmbito administrativo do próprio ente público, consolidada em manifestação, parecer ou súmula administrativa, salvo se demonstrar a existência de distinção ou da necessidade de superação do entendimento.

Alguns autores, como BODART (2015) entendem ser possível a concessão da tutela de evidência do artigo 311, inciso I, antes da apresentação de defesa pelo Réu, quando este se utiliza de práticas protelatórias antes mesmo da citação, como no caso do Réu que, já ciente da existência do processo, passa a se esquivar da citação com o intuito de atrasar a marcha processual, hipótese essa que se enquadra perfeitamente na redação do inciso I.

Ainda, o mesmo autor entende ser possível a concessão de ofício da tutela de evidência na hipótese do artigo 311, I em prol da defesa da ordem e probidade processual, por se tratar de medida sancionadora que visa coibir prejuízos à outra parte, bem como ao próprio processo, porquanto muitas das práticas nocivas perpetradas pelo Réu configuram ato atentatório à dignidade da justiça.

 

TUTELA DE EVIDÊNCIA FUNDADA EM PRECEDENTE JURISPRUDENCIAL VINCULANTE (ART. 311, II, CPC)

A segunda hipótese de tutela de evidência (art. 311, II, CPC) tem cabimento quando há prova documental robusta pré-constituída, e quando há tese firmada em julgamento de casos repetitivos[2] ou em precedente jurisprudencial obrigatório (súmulas vinculantes do Supremo Tribunal Federal).

No entanto, alguns juristas defendem a possibilidade de concessão da tutela de evidência com fundamento em precedentes jurisprudenciais não obrigatórios, tais como súmulas dos Tribunais Superiores. É o que dispõe um dos enunciados aprovados durante seminário realizado pela ENFAM[3] (Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados) sobre o novo CPC:

Enunciado 30: É possível a concessão da tutela de evidência prevista no art. 311, II, do CPC/2015 quando a pretensão autoral estiver de acordo com orientação firmada pelo Supremo Tribunal Federal em sede de controle abstrato de constitucionalidade ou com tese prevista em súmula dos tribunais, independentemente de caráter vinculante.

Outro enunciado interessante aprovado no mesmo evento é o de nº 31, segundo o qual a concessão da tutela de evidência do art. 311, II, independe do trânsito em julgado da decisão paradigma, de modo que seria possível, segundo este entendimento, fundamentar a tutela em precedentes jurisprudenciais ainda não atingidos pela coisa julgada material.

Importante lembrar que o Código silencia quanto à exigência de trânsito em julgado da decisão paradigma, o que abre espaço para intensos debates divergentes sobre o tema, que, por ser novo, está longe de ser pacificado.

 

TUTELA DE EVIDÊNCIA BASEADA NO DIREITO DO DEPOSITANTE (ART. 311, III, CPC)

A terceira hipótese de tutela de evidência (art. 311, III, CPC) surgiu para substituir a antiga Ação de Depósito dos artigos 901 a 906 do CPC/73. Assim, estando devidamente instruída a petição inicial, o juiz expedirá ordem liminar para a entrega da coisa que se encontre em poder do demandado, podendo aplicar multa em caso de descumprimento da ordem judicial (BODART, 2015).

Note-se que o novo Código, diferentemente do CPC revogado, não mais fala em “multa diária”, mas tão-somente em “multa”. Significa dizer que o julgador aplicará multa em valor suficiente e razoável apto a compelir o devedor ao cumprimento forçado da obrigação, podendo majorar ou reduzir o valor arbitrado este for excessivo ou irrisório, ou até mesmo excluí-lo, conforme dispõe o artigo 537[4], do novo CPC, sendo o exequente o credor da multa.[5]

Apesar do inciso III do artigo 311 não exigir expressamente o dever do autor de comprovar a mora do réu, existem entendimentos doutrinários e jurisprudenciais [6]no sentido de que não basta a prova documental do contrato de depósito para requerer a tutela de evidência, sendo necessária a prova da constituição em mora do devedor, que normalmente é feita por meio de protesto ou interpelação judicial e extrajudicial.

A matéria foi abordada em um dos enunciados aprovados pela ENFAM, a saber:

Enunciado nº 29 da ENFAM: Para a concessão da tutela de evidência prevista no art. 311, III, do CPC/2015, o pedido reipersecutório deve ser fundado em prova documental do contrato de depósito e também da mora.

A importância da comprovação da mora quando do pedido visa evitar que o Réu alegue desconhecimento da pretensão do autor, bem como permitir a este o imediato acesso ao direito invocado e documentalmente comprovado sem ter de aguardar o moroso deslinde processual e atos como a citação, a contestação e a sentença (BODART, 2015).

 

TUTELA DE EVIDÊNCIA LASTREADA EM PROVA DOCUMENTAL (ART. 311, IV, CPC)

A quarta e última hipótese de Tutela de Evidência (art. 311, IV, CPC) tem cabimento quando o autor instrui a petição inicial com prova documental suficiente dos fatos constitutivos de seu direito, contra o qual o réu não oponha prova capaz de gerar dúvida razoável.

Em outras palavras, a partir do momento em que o réu, ao exercer o Contraditório, não se desincumbe do ônus de apresentar fato modificativo, impeditivo ou extintivo do direito do autor por meio de prova documental apta a desacreditar as provas que instruem a inicial, torna o direito do autor ainda mais robusto e dotado de credibilidade, permitindo, assim, o pronto acesso deste ao bem da vida pleiteado sem que tenha de aguardar o trânsito em julgado da demanda.

É importante esclarecer, contudo, que a robustez e confiabilidade da prova carreada pelo autor, contra a qual o réu não oponha dúvida razoável, baseia-se num juízo de probabilidade, e não de certeza, por se tratar de medida concedida em sede de cognição sumária, até porque somente pode-se aferir certeza após a atividade de cognição exauriente. Quanto menos complexa a atividade cognitiva do julgador em conhecer dos autos, menos próximo de um juízo de certeza ele estará (BODART, 2015).

Porém, mesmo sendo a decisão que concede a tutela de evidência proferida em sede de cognição sumária, o julgador deve indicar expressamente os motivos de sua decisão quando entender ser a prova documental do autor suficiente e confiável, bem como as razões pelas quais entendeu não ter sido o réu capaz de opor dúvida razoável quanto às provas do autor, à luz do que dispõe o artigo 489, §1º, do Código (BODART, 2015).

 

DA POSSIBILIDADE DE CONCESSÃO DA TUTELA DE EVIDÊNCIA DE FORMA AUTÔNOMA

Diferentemente das tutelas de urgência, que podem ser pedidas de forma antecedente (antes do ajuizamento da ação) ou incidental, o Código estabelece que a Tutela de Evidência somente pode ser requerida na petição inicial ou no curso do processo.

A redação do anteprojeto do novo CPC de autoria do Senado Federal previa, no artigo 277, a possibilidade de concessão da Tutela de Evidência de forma autônoma, isto é, em caráter antecedente, possibilidade essa que foi suprimida no texto sancionado do novo CPC.

Na sistemática do Código, somente há possibilidade de pedido da Tutela Provisória (Antecipada ou cautelar) de forma antecedente, conforme artigo 294, parágrafo único.

Todavia, existe discussão doutrinária acerca da possibilidade de concessão da Tutela de Evidência de forma autônoma (antecedente), mesmo inexistindo previsão legal no Código de Processo Civil. Trata-se de questão polêmica, diante do ineditismo do instituto, não tendo havido, ainda, tempo hábil para avaliar as consequências de sua aplicação prática.

Segundo BODART (2015), somente as hipóteses de tutela de evidência dos incisos I e IV do artigo 311 são incompatíveis com a possibilidade de concessão em caráter antecedente (antes da ação principal), porque a concessão de ambas somente pode ocorrer após o exercício do contraditório pelo Réu, momento no qual é possível verificar a ocorrência de má-fé processual ou abuso do direito de defesa (inciso I), bem como a apresentação de provas aptas a desacreditar aquelas apresentadas pelo autor (inciso IV).

Assim, somente as hipóteses do artigo 311, incisos II e III são compatíveis com o procedimento autônomo, por serem as únicas situações nas quais o julgador pode decidir na forma inaudita altera parte, de modo que poderiam ser pleiteadas de forma antecedente, porque a verdadeira missão do instituto é garantir uma prestação jurisdicional mais eficaz e célere (BODART, 2015).

Em sentido contrário, Humberto Theodoro Jr (2016) entende que a tutela de evidência, por sua própria natureza, pressupõe ação já ajuizada, pois é através da dedução da pretensão posta em juízo e da análise dos documentos apresentados que é possível avaliar se o direito do autor é, de fato, evidente.

Todavia, relembre-se que inexiste previsão legal da possibilidade de concessão da tutela de evidência de forma antecedente, ainda que hajam posicionamentos doutrinários favoráveis, tais como ora apresentado. O mais prudente é aguardar a repercussão da aplicação prática do instituto no âmbito dos tribunais.

 

DA TUTELA DE EVIDÊNCIA EM FAVOR DO RÉU

A tutela de evidência não é ferramenta que atua unicamente no interesse do autor, porque também pode ser requerida pelo réu, conforme ensinamento de Elpídio Donizetti:

É de lembrar que qualquer que seja a modalidade de tutela provisória, pode ser requerida tanto pelo autor quanto pelo réu. Pelo réu, quando este postular o acertamento de direito material, o que se dá na reconvenção ou no pedido contraposto (juizados especiais ou em casos específicos previstos no Código, como, por exemplo, na ação possessória – art. 556) (DONIZETTI, 2016, P. 501).

O mesmo doutrinador ensina ainda que, mesmo nas hipóteses dos incisos I e IV do art. 311 o Réu poderá requerer a tutela de evidência, citando como exemplo o caso em que o autor-reconvindo abusa do direito de defesa ou pratica atos processuais protelatórios (inciso I), ou quando não opõe prova capaz de gerar dúvida razoável com referência aos fatos constitutivos do direito do réu-reconvinte na reconvenção (inciso IV).

 

DA TUTELA DE EVIDÊNCIA RECURSAL

A sistemática do CPC/73 já se mostrava insuficiente e excessivamente burocrática, porquanto permitia a perpetuação de processos em instância recursal, indo de encontro aos ditames da razoável duração do processo e da celeridade.

Com o advento do novo Código, foram expurgados recursos e expedientes de pouca utilidade prática, conferindo nova roupagem ao sistema recursal, desestimulando recursos protelatórios e criando mecanismos que visam acelerar o acesso da parte vencedora ao direito judicialmente reconhecido.

Assim, a Tutela de Evidência cumpre importante papel também em grau recursal. O Código em vigor manteve a regra do duplo efeito do recurso de Apelação, o que obriga a parte vencedora a ter de aguardar o trânsito em julgado para ter seu direito subjetivo efetivado, onde a retirada do efeito suspensivo figura como exceção à regra, conforme dispõe o Código, a saber:

Art. 995. Os recursos não impedem a eficácia da decisão, salvo disposição legal ou decisão judicial em sentido diverso.

Parágrafo único. A eficácia da decisão recorrida poderá ser suspensa por decisão do relator, se da imediata produção de seus efeitos houver risco de dano grave, de difícil ou impossível reparação, e ficar demonstrada a probabilidade de provimento do recurso.

Art. 1.012. A apelação terá efeito suspensivo.

1º Além de outras hipóteses previstas em lei, começa a produzir efeitos imediatamente após a sua publicação a sentença que:

(…)

V – confirma, concede ou revoga tutela provisória;

(…)

4º Nas hipóteses do § 1º, a eficácia da sentença poderá ser suspensa pelo relator se o apelante demonstrar a probabilidade de provimento do recurso ou se, sendo relevante a fundamentação, houver risco de dano grave ou de difícil reparação.

Assim, nos termos do artigo 1.012, §4º, do Código, é possível, por meio da chamada tutela de evidência recursal, a retirada do efeito suspensivo do recurso de apelação, mediante decisão monocrática proferida pelo relator[7] do recurso, desde que presentes os elementos probatórios que demonstrem a evidência do direito da parte, isto é, sua probabilidade.

No mesmo sentido, o Fórum Permanente de Processualistas Civis – FPPC, aprovou Enunciados sobre o tema:

ENUNCIADO Nº 217, DO FPPC: (arts. 1.012, § 1º, V, 311) A apelação contra o capítulo da sentença que concede, confirma ou revoga a tutela antecipada da evidência ou de urgência não terá efeito suspensivo automático.

ENUNCIADO 423, DO FPPC: (arts. 311; 995, parágrafo único; 1.012, §4º; 1.019, inciso I; 1.026, §1º; 1.029, §5º) Cabe tutela de evidência recursal.

Importante esclarecer que, nos termos do artigo 1.010, §1º, do Código, a tutela de evidência recursal somente pode ser concedida após a apresentação das contrarrazões ao recurso de apelação, em razão do Devido Processo Legal, podendo a outra parte impugnar a tutela fazendo uso dos meios autônomos de impugnação, tais como o mandado de segurança (BODART, 2015).

A medida visa distribuir entre vencedor e vencido o fardo da morosidade judiciária, distribuindo entre ambos o ônus do tempo despendido com a marcha processual, e permitindo, quando cabível, o acesso da parte vencedora ao bem da vida judicialmente reconhecido por meio da retirada do efeito suspensivo da apelação, permitindo a execução provisória do julgado.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Sendo o Direito um fenômeno social, a atividade jurisdicional deve atender aos anseios da sociedade, que exige respostas rápidas e eficazes do Judiciário, pois o tempo despendido pelos jurisdicionados para obter uma solução definitiva para as demandas postas em juízo é verdadeira perda irreparável, irreversível, bem da vida cujo ressarcimento ou reparação é impossível. E a prestação jurisdicional letárgica gera vulnerabilidade e insegurança das relações sociais, que ficam desamparadas e desestimuladas a buscar amparo perante o Judiciário, preocupação essa inexistente no código anterior (BODART, 2015).

Nesse contexto, surge a Tutela de Evidência como ferramenta destinada a conferir maior efetividade na prestação jurisdicional quando o direito do autor goza de credibilidade documental, de forma a evitar que a entrega do bem da vida pleiteado necessite aguardar a longa, tortuosa e lenta marcha da atividade de cognição exauriente rumo ao trânsito em julgado para que a parte tenha seu direito efetivado quando a existência do mesmo é demonstrada de plano[8].

Relembre-se, contudo, que a evidência do direito da parte fundada em prova documental, é avaliada em sede de cognição sumária, não havendo que se falar em certeza do direito, mas tão-somente em probabilidade do mesmo. É impossível obter certeza judicial em sede de cognição não exauriente.

Ainda, a medida não é uma ferramenta posta exclusivamente à disposição do autor, porque o réu também pode valer-se dela em algumas situações, a exemplo da reconvenção e do pedido contraposto.

E o mais importante: mais do que uma ferramenta a serviço do direito da parte demonstrado de plano, a tutela de evidência é importante instrumento sancionatório que visa coibir práticas protelatórias, deslealdade e má-fé processual, podendo o Julgador concedê-la de ofício quando presentes os requisitos legais.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BODART, Bruno Vinícius da Rós. Tutela de Evidência – Teoria da cognição, análise econômica do direito processual e comentários sobre o novo CPC. 2ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. – (Coleção Liebman / Coordenação Tereza Arruda Alvim Wambier e Eduardo Talamini). 175 p.

BRASIL. CONGRESSO NACIONAL. SENADO FEDERAL. Comissão de Juristas Responsável pela Elaboração de Anteprojeto de Código de Processo Civil. Brasília: Senado Federal, Presidência, 2010. 381 p.

BRASIL. ESCOLA NACIONAL DE FORMAÇÃO E APERFEIÇOAMENTO DE MAGISTRADOS – ENFAM. ENFAM divulga 62 enunciados sobre a aplicação do novo CPC. Disponível em: < https://www.enfam.jus.br/2015/09/enfam-divulga-62-enunciados-sobre-a-aplicacao-do-novo-cpc/>. Acesso em 10.07.2016.

BRASIL. Fórum Permanente de Processualistas Civis – FPPC. Disponível em: < https://portalprocessual.com/wp-content/uploads/2016/05/Carta-de-S{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6}C3{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6}A3o-Paulo.pdf>. Acesso em 10.07.2016.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Súmula nº 72. Disponível em: <https://www.stj.jus.br/docs_internet/SumulasSTJ.pdf>. Acesso em 10.07.2016.

BUENO, Cássio Scarpinella. Novo Código de Processo Civil anotado. São Paulo: Saraiva, 2015. 752 p.

DONIZETTI, Elpídio. Curso Didático de Direito Processual Civil. 19ª Ed. São Paulo: Atlas, 2016. 1.588 p.

THEODORO JUNIOR, Humberto. Novo Código de Processo Civil Anotado. 20ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016. 2.050 p.

 

[1] O Fórum Permanente de Processualistas Civis – FPPC, realizado entre os dias 18 a 20 de março de 2016, reúne os mais notáveis doutrinadores do Processo Civil, onde somente são aprovados enunciados por unanimidade, que auxiliam os operadores do direito na aplicação e interpretação do novo CPC.

[2] Art. 928, CPC/2015: Para os fins deste Código, considera-se julgamento de casos repetitivos a decisão proferida em:I – incidente de resolução de demandas repetitivas;II – recursos especial e extraordinário repetitivos.Parágrafo único. O julgamento de casos repetitivos tem por objeto questão de direito material ou processual.

[3] Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados-ENFAM, que realizou Seminário sobre o Poder Judiciário e o Novo CPC, onde restaram aprovados 62 enunciados, com o intuito de auxiliar os magistrados na aplicação e interpretação do novo CPC.

[4] Art. 537. A multa independe de requerimento da parte e poderá ser aplicada na fase de conhecimento, em tutela provisória ou na sentença, ou na fase de execução, desde que seja suficiente e compatível com a obrigação e que se determine prazo razoável para cumprimento do preceito.

1º O juiz poderá, de ofício ou a requerimento, modificar o valor ou a periodicidade da multa vincenda ou excluí-la, caso verifique que:

I – se tornou insuficiente ou excessiva;

II – o obrigado demonstrou cumprimento parcial superveniente da obrigação ou justa causa para o descumprimento.

  • 2º O valor da multa será devido ao exequente.

(…)

[5] O novo CPC expressamente estabeleceu ser a parte exequente a credora da multa, eliminando a possibilidade de revertê-la em favor do Estado, total ou parcialmente.

[6] Súmula nº 72, do Superior Tribunal de Justiça: “A comprovação da mora é imprescindível à busca e apreensão do bem alienado fiduciariamente”.

[7] Art. 932. Incumbe ao relator: (…) II – apreciar o pedido de tutela provisória nos recursos e nos processos de competência originária do tribunal;(…)

[8] Art. 4º, CPC/2015: As partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa.

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