CONSIDERAÇÕES SOBRE OS CRIMES CONTRA A DIGNIDADE SEXUAL NO DIREITO PENAL BRASILEIRO
Gisele Leite
O presente texto trata de alguns crimes contra a dignidade sexual, os mais relevantes, e sobre a importância das leis que atualizaram o nosso Código Penal.
O Título VI do Código Penal brasileiro sofreu grande alteração em decorrência da Lei nº 12.015, de 7 de agosto de 2009, a começar pela mudança de denominação do Título, que era “crimes contra os costumes”, notadamente, por passar a disciplinar “os delitos contra vulneráveis”, além da fusão de diversas figuras típicas, como é o caso da reunião dos tipos de estupro e o de atentado violento ao pudor dentro do mesmo dispositivo legal, bem como a introdução de outras modalidades criminosas, como o estupro de vulnerável[1], previsto no art. 217-A do CP, entre outras.
Antes da Lei nº 12.015/2009, sustentava-se que o objeto da proteção era o interesse jurídico e a conservação do mínimo ético reclamado pela experiência social dos fatos sexuais. Tutelava-se a moral pública sexual, em que os intérpretes e os julgadores, ao aplicarem a lei, valiam-se da observação de costumes vigentes na sociedade onde vivem.
Com a crescente liberdade sexual atualmente vigente, as relações entre homem e mulher perderam a outrora conotação de pecado e segredo.
Afinal, contemporaneamente, o sexo é amplamente discutido e revelado, por vezes, mui diretamente pelos meios de comunicação. Tanto que as gerações mais recentes conhecem logo o mundo do sexo e até o encaram com naturalidade.
Rogério Greco entende que a vulnerabilidade é absoluta, já que a determinação da idade foi uma eleição político-criminal feita pelo legislador. Refere o doutrinador que o tipo não está presumindo nada, ou seja, estará tão somente proibindo que alguém tenha conjunção carnal ou pratique outro ato libidinoso com pessoa vulnerável.
Já Guilherme Nucci, ao contrário, defende a relativização da vulnerabilidade, referindo que o legislador pátrio, na área penal, continua retrógrado e incapaz de acompanhar e de entender as mudanças de comportamentos reais na sociedade brasileira. Cita algumas decisões do TJRS nesse sentido, como, por exemplo: TJRS, Apelação Crime nº 70056571656, J. 18.12.2013.
Com a nova denominação do Título VI, já se avista a radical mudança de enfoque dado, principalmente, quanto ao bem jurídico tutelado. E revela ter priorizado a proteção calcada no princípio da dignidade da pessoa humana, conforme consta no art. 1º, III, da Constituição Federal brasileira de 1988. Promove, assim, a indispensável sintonia entre o conjunto de valores fundamental albergado constitucionalmente e os tipos penais descritos no Código Penal pátrio.
O direito penal elege, penalmente, em termos de sexualidade, as condutas típicas, ou seja, as atitudes que se refiram à relação sexual não consentida (seja por meio de coerção ou fraude), à explorada por terceiros e à cometida por vítimas reconhecidas como vulneráveis. Assim, fora disso, há de prevalecer o direito à liberdade, à intimidade e à tolerância.
Por esse motivo, a homossexualidade, a prostituição e a bestialidade não são puníveis por si mesmos.
Aliás, a homofobia[2] é constituída estruturalmente na sociedade, tal qual como o racismo e o machismo, e deixar essas atitudes de lado é parte de um exercício diário de civilidade. Em 8 de maio, o Supremo Tribunal Federal (STF) derrubou a proibição de homens declarantes homossexuais doarem sangue, mas, ainda assim, gays relataram impedimentos para doar algumas semanas após a retirada judicial do impedimento.
Em junho de 2019, o STF decidiu pela criminalização da homofobia e da transfobia, determinando que a conduta passe a ser punida pela Lei de Racismo (Lei nº 7.716/1989). Enquanto não for editada a lei pelo Congresso que regulamenta o tema, a homotransfobia será tratada como um tipo de racismo, constituindo crime, portanto, praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito em razão da orientação sexual de qualquer pessoa.
A pena pode variar de um a três anos, mais multas, podendo chegar a cinco anos se houver a divulgação de ato homofóbico em meios de comunicação como nas redes sociais.
O Estado de São Paulo regulamentou, por meio do Decreto nº 65.127, de 12 de agosto de 2020, a atuação das Delegacias de Defesa da Mulher[3] para prever o atendimento às mulheres trans. Deu-se o completo acolhimento aos campos que também integram as identificações de orientação sexual, identidade de gênero e nome social.
É importante ressaltar que existem diferenças entre o crime de homofobia previsto no art. 20 da Lei nº 7.716/2018 (crime de racismo) para um crime comum, já que, para ser enquadrado como um crime de homofobia (dentro da Lei do Racismo), o crime se torna inafiançável (não existe fiança) e imprescritível (o crime não prescreve), diferentemente do crime comum.
Em 13 de junho de 2019, o Plenário do STF entendeu que houve omissão inconstitucional do Congresso Nacional por não editar lei que criminalize atos de homofobia e de transfobia. Quanto ao julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) nº 26, de relatoria do Ministro Celso de Mello, e do Mandado de Injunção (MI) nº 4733, por maioria de oito votos a favor e três contrários, a Corte reconheceu a mora do Congresso Nacional para incriminar atos atentatórios a direitos fundamentais dos integrantes da comunidade LGBT[4]
De tal sorte que a conclusão foi: por maioria, o Plenário aprovou a tese proposta pelo relator da ADO, Ministro Celso de Mello, formulada em três pontos. O primeiro prevê que, até que o Congresso Nacional edite lei específica, as condutas homofóbicas e transfóbicas, reais ou supostas, enquadra-se nos crimes previstos na Lei nº 7.716/1989 e, no caso de homicídio doloso, constitui circunstância que o qualifica, por configurar motivo torpe.
No segundo ponto, a tese prevê que a repressão penal à prática da homotransfobia não alcança nem restringe o exercício da liberdade religiosa, desde que tais manifestações não configurem discurso de ódio. Finalmente, a tese estabelece que o conceito de racismo ultrapassa aspectos estritamente biológicos ou fenotípicos e alcança a negação da dignidade e da humanidade de grupos vulneráveis[5].
A postura da Igreja Católica mudou com o atual Papa Francisco, que, inclusive, critica os fiéis que vão às igrejas e depois professam discursos de ódio.
O Sumo Pontífice Francisco[6] criticou novamente alguns membros da sua própria Igreja sugerindo que é melhor ser ateu do que um dos “muitos” católicos que levam o que disse ser uma vida dupla e hipócrita.
Quanto à criminalização da homofobia, não foi a primeira vez que os membros do STF a legislaram: também o foram em ocasiões anteriores, como no caso da ADPF 54 sobre a temática do aborto, sobre a união homossexual – e, ao que parece, outros casos ainda surgirão em que o STF confunde seu papel.
Os membros daquela Corte justificam suas ações ao equiparar as funções brasileiras com as da Corte Constitucional alemã; no entanto, as atribuições, os poderes e a estrutura são diferentes e não se aplica tal comparação, pois claro está que a seara do legislador é invadida indevidamente.
Não se pode confundir o papel de guardião da Constituição para adquirir uma influência política. Sobre o tema, Ives Gandra da Silva Martins expressou:
“Tenho, reiteradamente, declarado admiração aos 11 (onze) ministros da Suprema Corte, mas nem por isso, muito mais velho que eles, sinto-me confortável em vê-los, poder técnico que são, transformarem-se em poder político”.
E há a má vontade social em reconhecer sua escolha e o desrespeito para com esta. Alguns tratam a homossexualidade como doença, e o preconceito são tamanhos, que evitam até ter contato físico, porque podem ser “infectados”.
Há trinta anos, a OMS retirava homossexualidade da lista de doenças. A referida decisão, no entanto, não extinguiu o preconceito e discriminação, porém foi importante para a compreensão da homossexualidade como identidade sexual, que não necessita de cura. Foi apenas em 17 de maio de 1990, há trinta anos, que a OMS (Organização Mundial da Saúde) retirou a homossexualidade da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID).
O fato é que a desinformação ainda predomina aliada a uma sociedade que permanece machista, misógina e resistente ao novo. Inclusive com orientações recentes da própria ciência que rotulou, até meados da década de oitenta, o homossexualidade como doença (GONÇALVES, Antonio Baptista. STF e a criminalização da homofobia. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/319644/stf-e-a-criminalizacao-da-homofobia. Acesso em: 28 out. 2021).
O incesto, a seu turno, igualmente não está previsto como crime autônomo. E, em determinados casos, a relação próxima de parentesco se constitui como causa de aumento de pena prevista no art. 226, II, do Código Penal.
O adultério, que não caracterizava crime contra os costumes, pois o bem jurídico tutelado era a fidelidade conjugal, tornou-se fato penalmente atípico, após a revogação do art. 240 do CP por meio da Lei nº 11.106/2005.
A classificação dos crimes contra a dignidade sexual está disposta em cinco capítulos, a saber:
Dos crimes contra a liberdade sexual;
Da exposição da intimidade sexual;
Dos crimes sexuais contra vulneráveis;
Do lenocínio[7]
(que menciona o tráfico de pessoas, conduta que desde 2016 não mais se inclui no Título VI do CP, mas sim no Título I, conforme o art. 149-A do CP);
Do ultraje público ao pudor.
O atentado violento ao pudor, antes tipificado no art. 214 do CP, foi expressamente revogado pela Lei nº 12.015/2009, passando suas elementares a compor o crime de estupro (art. 213 do CP).
Quanto aos crimes contra a liberdade sexual, a lei penal visa proteger a livre escolha e o consentimento nas relações sexuais. Afinal, é o direito de dispor do próprio corpo, de selecionar parceiros e de praticar livremente atos de sexo. Os dispositivos penais preveem que a liberdade sexual pode ser violada por meio de violência (seja física ou moral) ou de fraude.
Haverá, assim, o comprometimento da vontade do sujeito passivo ou da vítima, que praticará atos sexuais (sejam normais ou anormais) sem prestar seu consentimento. E, para a plena caracterização desses delitos, resta indispensável à existência de violência física ou moral, ou fraude. O bem jurídico ora tutelado, em geral, é disponível.
Destacaremos alguns tipos penais importantes. O primeiro é o estupro, que está definido como constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso (previsto no art. 213 do CP, com a redação dada pela Lei nº 12.015/2009). Trata-se crime hediondo[8], nos termos do art. 1º, V, da Lei nº 8.071, de 25 de julho de 1990.
O estupro[9], em sua redação original no CP, somente poderia ser praticado por homem, como sujeito ativo, porque só ele podia manter com a mulher conjunção carnal, que é o coito normal.
A Lei nº 12.015/2009 mudou o paradigma e transformou estupro em crime comum. Portanto, é possível que o estupro seja cometido por homem contra mulher, homem contra homem, mulher contra mulher e por esta contra o homem.
Também superada a questão controversa sobre a possibilidade de o marido[10] praticar o crime contra sua esposa – mesmo com a existência do casamento e do dever de relacionamento sexual entre os cônjuges.
Assim, a mulher também pode negar-se ao ato sexual por razões morais, como a situação de saber que o marido teve, pouco antes ou até no mesmo dia, relações sexuais com prostituta ou amante, ou a hipótese de manter sexuais no dia da morte do próprio filho.
Segundo o notável Damásio de Jesus, o marido sempre pôde ser sujeito ativo do crime de estupro mesmo contra a própria esposa. Justifica que, embora, com o casamento, haja o direito de manter relacionamento sexual, tal direito não autoriza o marido a forçar a mulher ao ato sexual, empregando contra esta violência física ou moral, que caracteriza o crime de estupro.
Conclui-se que a esposa não fica obrigada a manter relações sexuais quando e onde o marido quiser, pois não está sujeita aos caprichos dele em matéria sexual.
A mulher casada, portanto, não perde o direito de dispor de seu corpo[11], isto é, o direito de se negar ao ato sexual. E, sempre que não consentir na conjunção carnal e o marido a obrigar ao ato, com violência ou grave ameaça, em princípio, caracterizar-se-á o crime de estupro.
A vítima do estupro, ou seja, o sujeito passivo é qualquer pessoa, pois não se exige qualquer qualidade especial para que seja a vítima de estupro, não importando se se trata de pessoa virgem ou não, prostituída ou não, de qualquer estado civil (casada, solteira, viúva etc.), se velha ou jovem, ou se é liberada ou recatada.
Não há necessidade de que a vítima compreenda o caráter libidinoso do ato praticado; basta que ofenda o pudor médio e tenha conotação sexual para que se constitua o delito.
Se houver vítimas vulneráveis, aplicar-se-á o art. 217-A do CP (estupro de vulnerável); se o ofendido for adolescente com quatorze anos completos, incidirá a qualificadora do § 1º do art. 213 do CP.
Referente aos crimes sexuais contra vulnerável, há a previsão do estupro de vulnerável no art. 217-A do CP, em que a objetividade jurídica cinge-se à dignidade sexual das pessoas vulneráveis, entendidas como os menores de quatorze anos, deficientes mentais que não têm necessário discernimento para atos sexuais e pessoas impossibilitadas de oferecer resistência.
Trata-se, igualmente, de crime hediondo na forma simples como nas formas qualificadas, conforme a Lei nº 8.072/1990, com a redação dada pela Lei nº 12.015/2009.
Esclareça-se que, em se tratando de crianças e adolescentes na faixa etária referida, sujeitos de proteção especial prevista na Constituição Federal e na Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança, ratificada pelo Brasil, não há situação admitida de compatibilidade entre o desenvolvimento sexual e o início da prática sexual. “Afastar ou minimizar tal situação seria exacerbar a vulnerabilidade, numa negativa de seus direitos fundamentais”.
Nota-se que a circunstância mencionada, literalmente interpretada, somente se dá quando a vítima for maior de quatorze anos. Se for menor de quatorze anos, ocorrerá delito mais grave, tipificado no art. 217-A do CP.
Questiona-se quanto ao enquadramento penal do estupro quando a vítima comemora o seu décimo-quarto aniversário. Damásio de Jesus entendeu que deve incidir a qualificadora do art. 213 do CP, sob pena de recair no absurdo de considerar o ato de estupro simples[12].
Mas, numa interpretação literal, não haveria estupro de vulnerável ou estupro qualificado. Mas, se a infração penal ocorrer um dia depois do aniversário, todavia, incide a circunstância mencionada, submetendo o criminoso a uma pena majorada. Tal exegese é absurda e deve ser corrigida mediante uma interpretação extensiva do texto legal.
Resulta daí que a conduta relativa ao constrangimento de alguém ao cometimento de ato libidinoso, mediante violência ou grave ameaça, no dia de seu décimo-quarto aniversário, deve subsumir-se à figura típica do art. 213, § 1º, do CP.
Convém frisar que o termo inicial da prescrição da pretensão punitiva dos crimes contra dignidade sexual praticados contra menores de dezoito anos, desde que ocorridos a partir do dia 18 de maio de 2012, é a data em que a vítima completar a maioridade, salvo se, a esse tempo, já houver sido proposta a ação penal.
Se a conduta foi praticada antes da data apontada, aplica-se a regra geral constante no art. 111, I, do CP, segundo a qual o prazo da prescrição antes do trânsito em julgado inicia sua contagem com a consumação do delito.
A conduta típica consiste em constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique ato libidinoso. Constranger significa obrigar, forçar.
O constrangimento se materializa diante da falta de consentimento do ofendido, seja sincera e positiva, que a resistência seja inequívoca, demonstrando a vontade de evitar o ato desejado pelo agente, que será quebrada pelo emprego da violência física ou moral. Portanto, não bastam, pois, as negativas tímidas, nem resistência passiva e inerte.
Também não se exige o heroísmo, levando a resistência às últimas consequências. Conclui-se que a mulher ou homem que se entregar ao estuprador ou estupradora por exaustão de suas forças, nem a que sucumbe ao medo, evitando a prática de qualquer ato externo de resistência. Importa é que não haja a adesão da vítima à vontade do criminoso.
Frise-se, também, que a realização de atos libidinosos com vítimas vulneráveis configura ilícito penal, independentemente do consentimento do ofendido (vítima), previsto no art. 217-A do CP. Debate-se sobre o emprego da violência física para a concretização da conjunção carnal.
Geralmente, aponta-se a necessidade de reduzir a vítima à incapacidade de resistir, o que seria difícil para a prática do ato sexual normal. Trata-se, segundo Damásio de Jesus, de hipótese aceitável.
Na análise de cada caso concreto, dever-se-á apreciar as condições pessoais de estuprador e vítima para saber se o primeiro teria condições de dominar a segunda pessoa apenas com o uso de força física. A possibilidade, pois, não pode ser excluída abstratamente.
Para a tipificação do estupro, exige-se, em primeiro lugar, a prática de conjunção carnal, ou seja, a cópula normal, típica de relação sexual normal entre homem e mulher, com penetração, seja completa ou incompleta, do órgão masculino na cavidade vagínica. É a introductio penis in vaginam.
Não se compreendem na expressão outros atos libidinosos ou relações sexuais anormais, como o coito anal ou oral, o uso de instrumentos ou dos dedos para a penetração do órgão sexual feminino, ou a cópula vestibular, em que não há penetração. Nesses casos, todavia, há estupro, tendo em vista que o tipo penal, com a modificação provocada pela Lei nº 12.015/2009, também incluiu, na disposição legal, o cometimento de “outro ato libidinoso”.
A respeito do “ataque-surpresa”, isto é, quando o agente surpreende a vítima com rapidez de ação e dá-se penetração, com tamanha destreza que não consegue detê-lo, trata-se de estupro de vulnerável, previsto no art. 217-A do CP, pois a vítima, em razão da surpresa, não pôde oferecer resistência.
Convém esclarecer que o ato libidinoso é o que visa ao prazer sexual. Serve de desafogo à concupiscência, é ato lascivo, voluptuoso, dirigido apenas para a satisfação do instinto sexual. Considerado objetivamente, o ato libidinoso deve ser ofensivo ao pudor coletivo, contrastando com o sentimento de moral médio, sob ponto de vista sexual. Mas, subjetivamente, deve ter por objetivo a satisfação de impulso de lascívia, luxúria.
A vítima ou ofendido, a seu turno, não carece de ter consciência da libidinosidade do ato praticado. Basta que o referido ato ofenda o pudor do homem médio, independentemente da capacidade da vítima de entender o seu caráter libidinoso, seja por falta de capacidade psíquica, seja por extrema depravação moral.
Afinal, caso se firmasse entendimento em contrário, dependeríamos de análise do grau de pudor individual da vítima para saber da caracterização ou não de ato libidinoso, o que impediria o seu reconhecimento, principalmente, quando se tratasse de criança inocente ou de alienado mental, incapazes de entender a lascívia contida em atos contra eles praticada.
Portanto, é suficiente que contrarie o pudor médio, pouco importando se a vítima ou ofendido consiga, ou não, compreender cabalmente sua finalidade sexual.
A título de exemplificação, tem-se como atos libidinosos o coito anal, inter femora, a fellatio in ore (sexo oral). Porém, outros atos não se revestem da mesma objetividade e somente mediante a análise de cada caso concreto é que nos poderá levar à conclusão de que se trata ou não de ato libidinoso.
Tal dificuldade surge em razão de o conceito não abranger somente o equivalente ou sucedâneo fisiopsicológico da conjunção carnal, mas, igualmente, outras manifestações de libidinagem que, apesar de não se realizarem sobre ou com os órgãos sexuais, nem levarem à plena satisfação genésica, estejam presentes o impulso lascivo e a ofensa à moralidade média.
O estupro possui duas formas de realização típica, a saber: praticar a vítima o ato libidinoso, seja este a conjunção carnal ou ato diverso, ou permitir que com ela se pratique tal ato.
Outro detalhe é que pouco importa se a vítima ou o ofendido esteja vestido ou despido. Pratica o crime também aquele que despe uma jovem e lhe apalpa seios desnudos, com emprego de violência ou graves ameaça. Da mesma forma pratica o crime aquele que, com o uso de violência ou grave ameaça, acaricia partes pudendas de uma jovem por sobre seu vestido.
Não há necessidade de que a vítima pratique o ato libidinoso com o autor do crime. Pode ser levada a praticá-lo com terceiro (ou a permitir que este o pratique) ou ainda em si mesmo, como na hipótese de automasturbação.
Diferente é a hipótese de contemplação passiva, em que o criminoso constrange a vítima a assistir a atos libidinosos praticados por terceiros. Não havendo a intervenção material da vítima, não estará caracterizada a prática de ato libidinoso praticado por terceiro. Não havendo a intervenção material da vítima, não resta caracterizada a prática de ato libidinoso. E, dependendo das circunstâncias do caso concreto, trata-se do crime previsto no art. 218-A do CP (satisfação de lascívia mediante presença de criança ou adolescente) ou do descrito no art. 146 do CP (constrangimento ilegal) com a agravante genérica do motivo torpe.
Da mesma forma, as palavras ou narração obscenas não se constituem estupro. Embora o pudor possa ser ofendido por meio de palavras e gestos, a lei se refere ao ato libidinoso, o que exclui os escritos e as palavras.
O beijo lascivo também se constitui em estupro quando praticado por meio de violência ou grave ameaça. Cumpre distinguir entre as variadas formas de beijo.
Não se considera como ato libidinoso o beijo casto, respeitoso, aplicado nas faces, ou mesmo o famoso “beijo roubado”, furtivamente e rapidamente dado em pessoa admirada ou desejada. Porém, é diversa a questão do beijo lascivo nos lábios, aplicado à força, que revela luxúria e desejo incontido, ou quando se trate de beijo aplicado em partes pudendas.
A violência pode ser vis absoluta ou vis corporalis, ou ainda moral (grave ameaça ou vis compulsiva). No primeiro caso, há emprego de força material sobre a própria vítima, reduzindo-a à impossibilidade de resistir ao ataque sexual. O emprego de força física contra coisas ou contra terceira pessoa, todavia, não configura o crime.
Eventualmente, no caso concreto, poder-se-á falar em violência moral, quando o uso de violência física contra terceiros ou contra coisas infunda justo temor à ofendida, levando-a entregar-se ao agressor.
A ameaça pode ser direta, exercida diretamente contra a própria vítima, ou, ainda, indireta, quando dirigida a terceira pessoa, consistindo em mal prometido à pessoa ligada ao ofendido, fazendo este ceder para evitar a concretização de tal ameaça. É a hipótese da mãe que cede aos instintos do criminoso diante de ameaça de matar-lhe o filho.
O mal ameaçado pode ser justo ou injusto. O agente pode ter até o dever de causar mal, mas, se usar de tal dever para viciar a vontade da vítima e obter-lhe os favores sexuais, praticará o crime de estupro. É a hipótese de policial que, apesar de ter dever legal de prender mulher que se encontre em flagrante delito, ao invés de fazê-lo, ameaça-a de prisão, caso ela não se entregue aos seus desejos.
O crime de estupro é punível a título de dolo, que consiste na vontade de obter a conjunção carnal e ato libidinoso. O tipo penal não requer nenhum fim especial do agente.
Para que se configure o crime, portanto, não há necessidade de que esteja presente uma finalidade especial, qual seja, a satisfazer a própria libido, na atuação do criminoso ou estuprador. Portanto, basta a intenção de praticar o ato libidinoso e a consciência da libidinosidade de tal ato.
Trata-se de crime de mera conduta[13], não fazendo referência a nenhum resultado advindo do comportamento do sujeito ativo ou criminoso.
Quando se tratar de estupro cometido mediante emprego exclusivo de conjunção carnal (o que, de certo, será raro), consuma-se o crime com a introdução, completo ou incompleto, do pênis na vagina da ofendida.
Basta, pois, a introdução parcial, não se exigindo a ejaculação. Se o agente, todavia, realizar outros atos libidinosos, ainda que configure prelúdio da cópula normal, o ilícito já estará consumado, em razão da elementar “outro ato libidinoso”. Admite-se a tentativa. Note que o estupro é crime plurissubsistente, de vez que seu iter criminis admite fracionamento.
Há dois momentos distintos, a saber: o do uso da violência ou grave ameaça e o da prática do ato libidinoso. Em alguns casos, será impossível fracionar-se o crime, pois, simultaneamente, o agente empregará a violência e praticará o ato de libidinagem. E, nesse caso, o crime está consumado.
Há casos, todavia, em que o agente, ao usar da violência, é impedido de prosseguir, antes de praticar o ato libidinoso. Nesses casos, fica demonstrada a intenção de lesar o pudor da vítima, quando se caracteriza a tentativa.
Por outro lado, há estupros que podem fracionar-se em diversos atos, já por si libidinosos. É o caso do agente que, com a intenção de constranger a vítima ao coito anal, domina-a, despe-lhe as vestes e a toca nas partes íntimas, preparando-a para o ato que se propõe.
Para a caracterização do crime, não é necessário que ele atinja sua finalidade específica de praticar o coito anal. Com o primeiro ato libidinoso, o de despir a vítima, já estará consumado o crime, visto que já se encontram presentes todos os elementos de sua definição legal.
Há formas qualificadas, quando a pena será de oito a doze anos de reclusão, nos termos do § 1º quando a vítima for maior de quatorze anos e menor de dezoito anos, devendo-se incluir, por interpretação extensiva, a data do décimo-quarto aniversário do ofendido ou vítima.
Se a vítima for menor de quatorze anos, o crime será o estupro vulnerável (art. 217-A do CP), apenado com oito a quinze anos de reclusão.
A qualificadora é incidente também quando do estupro resultar em lesão corporal de natureza grave. E, se da conduta resultar em morte, a sanção será de doze a trinta anos, conforme prevê o art. 213, § 2º, do CP.
Tais formas qualificadas pelo resultado constituem crimes preterdolosos, em que deve existir dolo na ação ou na omissão resultante do estupro e culpa no evento agravador.
No caso de estupro com resultado morte (art. 213, § 2º), além dos efeitos regulares da hediondez, como a inafiançabilidade, a insuscetibilidade de anistia, graça e indulto, o prazo superior para a prisão temporária (trinta dias, em vez de cinco dias), veda-se o livramento condicional e a saída temporária; além disso, a progressão de regime penitenciário se dará, caso primário, uma vez cumprido 50{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6} da pena e, se reincidente, depois de executado 70{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6} da pena.
Interessante sublinhar que a Lei nº 13.239/2015 dispõe sobre a oferta e a realização, no Sistema Único de Saúde (SUS), de cirurgia plástica reparadora de sequelas causadas por atos de violência contra a mulher. As causas de aumento de pena aplicáveis ao estupro são apenas aquelas contidas nos arts. 226 e 234-A do CP:
a) aumenta-se a pena de metade, se o agente é ascendente, padrasto ou madrasta, tio, irmão, cônjuge, companheiro, tutor, curador, preceptor ou empregador da vítima ou por qualquer outro título tiver autoridade sobre ela (art. 226, II);
b) aumenta-se a pena de um a dois terços, se o crime é praticado mediante concurso de duas ou mais pessoas (“estupro coletivo”) – art. 226, IV, a;
c) aumenta-se a pena de um a dois terços, se o crime for cometido para controlar o comportamento social ou sexual da vítima (“estupro corretivo”) – art. 226, IV, b;
d) aumenta-se de metade a dois terços se do crime resulta gravidez (art. 234-A, III);
e) aumenta-se a pena de um a dois terços se o agente transmite à vítima doença sexualmente transmissível de que sabe ou deveria saber ser portador, ou se a vítima é idosa ou pessoa com deficiência (art. 234-A, IV).
O concurso de crimes por conta da fusão do art. 213 e do revogado art. 214 do CP gerou polêmica doutrinária a respeito da existência de crime único ou concurso de crimes quando o sujeito, no mesmo contexto fático, constrange a vítima a realizar com ele a conjunção carnal e outro ato libidinoso, dela desvinculado (como o coito anal).
Com a Lei nº 12.015/2009, não havia dúvida alguma de que o estupro pode ser praticado em concurso com o revogado atentado violento ao pudor, desde que os atos libidinosos praticados não fossem daqueles que precediam ao coito normal.
Damásio de Jesus afirmou que o coito anal, praticado com a mesma vítima, antes ou depois da cópula normal, constituía-se em crime autônomo, em concurso com o estupro, não podendo ser absorvido por este.
A lei vigente, contudo, não ampara mais semelhante interpretação, visto que a conjunção carnal forçada e os demais atos libidinosos realizados sem o consentimento, em razão do uso de violência ou grave ameaça, passaram a integrar a mesma figura típica (art. 213 do CP).
Isso importa em que a prática de mais de um ato libidinoso de relevo, como a conjunção carnal e o coito anal, cometidos no mesmo contexto fático e em face do mesmo sujeito passivo, caracterizam crime único (e não mais concurso material).
Não aquiescemos com o ponto de vista que sustenta cuidar-se o tipo penal insculpido no art. 213 de tipo misto cumulativo, ou seja, de uma disposição legal que contém dentro de si mais de um crime.
Cuida-se, na verdade, de tipo misto alternativo, já que o constrangimento da vítima pode se dar para obrigá-la à intromissio penis in vaginam ou a ato lascivo diverso deste. É evidente, contudo, que a multiplicidade de atos libidinosos em tais condições deverá ser tomada em conta por ocasião da dosagem da pena, resultando no reconhecimento de circunstâncias judiciais desfavoráveis ao agente (nos termos do art. 59, caput, do CP).
Já na hipótese de lesões corporais leves, resultantes da violência empregada, estas são absorvidas, integrantes que são da violência (elementar do tipo). O mesmo se diga das simples vias de fato. Admite-se a continuação quando se trata do mesmo sujeito passivo.
Tratando-se de vítimas diversas e distintas e lesando o estupro interesses jurídicos pessoais, somos de opinião de que não se poderá aceitar a figura do crime continuado.
Com a Reforma Penal de 1984[14], contudo, não há mais essa questão, uma vez que o art. 71, parágrafo único, do CP expressamente admite a continuação na hipótese em que os delitos componentes do nexo de continuidade atingem bens pessoais.
Como exemplo da primeira hipótese, suponhamos que determinado indivíduo, ameaçando uma senhora casada de lhe causar mal grave, constranja-a à conjunção carnal. Depois disso, ainda sob ameaça, obrigue-a a numerosos outros encontros, possuindo-a diversas vezes. Configura-se o estupro continuado.
O art. 213 do CP prevê, para a forma simples de estupro, a pena de reclusão, de seis a dez anos (caput). Resultando lesão corporal de natureza grave, a reclusão é de oito a doze anos (art. 213, § 1º, do CP); o mesmo ocorre quando a vítima é menor de 18 anos (desde que não seja menor de 14 anos, visto que haverá, nesse caso, estupro de vulnerável – art. 217-A do CP); resultando morte, de doze a trinta anos (§ 2º). Quanto à ação penal, remetemos o leitor ao estudo do art. 225 do CP.
O crime de importunação sexual[15] é previsto no art. 215-A do CP e consiste na prática contra alguém e sem a sua anuência de ato libidinoso com o fito de satisfazer a própria lascívia ou a terceiro. Assim, protege-se a liberdade sexual da vítima, ou seja, sua capacidade de autodeterminação sexual e, em sentido mais amplo, a dignidade sexual.
O tipo penal foi inserido no CP pela Lei nº 13.718, de 24 de setembro de 2018, que originou o Projeto da Lei do Senado brasileiro nº 618/2015.
Qualquer pessoa pode figurar como sujeito ativo da importunação sexual[16] (crime comum). O sujeito passivo é a pessoa importunada pelo ato libidinoso não anuído. Se a vítima for pessoa menor de 14 anos, ou portadora de enfermidade ou deficiência mental que retire sua capacidade de discernimento sexual, ou que tenha, por qualquer motivo, retirada a capacidade de oferecer resistência, há estupro de vulnerável (art. 217-A).
O fato se dá com a conduta de praticar, contra alguém e sem sua anuência, ato libidinoso. Praticar significa realizar de qualquer modo. O fato deve ser cometido contra a vítima, isto é, em oposição a ela. Não se exige toque do agente na vítima.
A norma não diz “com alguém”, mas “contra alguém”. O sujeito que, num coletivo, masturba-se e ejacula na ofendida realiza ato libidinoso contra ela. É necessário que não haja anuência (concordância) da vítima.
Ato libidinoso é aquele tendente à satisfação da libido. Essa elementar tem conteúdo abrangente, compreendendo qualquer tipo de ação de cunho sexual até mesmo o ato de encostar lascivamente nas nádegas da vítima ou em seus seios.
Trata-se de crime expressamente subsidiário, conforme se verifica no preceito secundário, que ressalva sua não aplicação quando o ato constituir crime mais grave.
Nesse sentido, para que o crime se configure, é necessário que o agente não tenha empregado como meio executória violência contra a pessoa, grave ameaça fraude ou se aproveite de meio que impeça ou dificulte a livre manifestação de vontade da vítima.
Se existir grave ameaça ou violência contra a pessoa, o agente responde por estupro (CP, art. 213). Se empregar fraude ou recurso que dificulte ou impeça a livre manifestação de vontade do ofendido, atua em violação sexual mediante fraude (CP, art. 215).
É o dolo (o elemento subjetivo do tipo penal), traduzido na vontade e consciência de praticar o fato. Há, ainda, como elemento subjetivo específico, o propósito de satisfazer a lascívia própria ou de outrem.
A pena cominada ao tipo penal é de reclusão, de um a cinco anos (salvo se o fato não constituir crime mais grave). Por se cuidar de delito com pena mínima não superior a um ano, afigura-se cabível a suspensão condicional do processo (art. 89 da Lei nº 9.099/1995). A ação penal é pública incondicionada (art. 225 do CP).
O assédio sexual[17] tem seu conceito e previsão no art. 216-A do CP, introduzido pela Lei nº 10.224, de 15 de maio de 2001, que o definiu como sendo o fato de constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico[18] ou ascendência inerente ao exercício de emprego, cargo ou função.
Convém destacar o fato de que o assédio, de acordo com a lei, tem como elemento típico o constrangimento exercido por alguém em busca de satisfação sexual. Envolve, portanto, relação de poder, sujeição da vítima, ofensa à sua dignidade e, por fim, afetação à sua liberdade sexual. Tratando-se de assédio laboral, pode-se incluir outro bem jurídico importante: direito à não discriminação no trabalho.
Apesar de o título do dispositivo ser de “assédio sexual”, o legislador pátrio optou, na construção da figura típica, por usar o verbo constranger, bem mais amplo, em face das dificuldades na conceituação do tipo penal.
Na descrição do ato de constranger, são utilizadas, entre outras acepções: tolher a liberdade, cercear, forçar, coagir, compelir. Apesar das dificuldades geradas pela redação do tipo penal, não se tem qualquer dúvida de que a configuração do assédio sexual exige muito mais do que a abordagem atrevida ou inconveniente. Sua principal característica reside na forma impositiva das propostas sexuais realizadas pelo assediador e no efetivo poder de cumprir a ameaça.
No âmbito das relações laborais, existe, além do assédio sexual[19], o assédio ambiental. Mas o legislador brasileiro, apesar de escolher uma redação não casuística, restringiu as hipóteses de assédio sexual ao não contemplar o assédio ambiental.
Damásio de Jesus aponta que o tipo penal do art. 216-A do CP possui redação confusa, deixando de outorgar clareza e precisão ao texto legal, contrariando, portanto, as recomendações do art. 11, I e II, da Lei Complementar nº 95, de 26 de fevereiro de 1998 (Lei da Técnica de Elaboração das Leis). Pecou, novamente, na limitação da incriminação, bem como pelo exagero punitivo, pois a pena mínima é a mesma da do aborto consentido.
Desta forma, criou mais um busilis de adequação típica, isto é, o de distinguir o assédio sexual dos delitos de ameaça, constrangimento ilegal, tentativa de estupro e da contravenção de perturbação da tranquilidade. Se o sujeito diz “só admito na empresa, como empregada, se agora sua filha for comigo ao motel”, seria assédio sexual?
E se o patrão ameaçar a empregada afirmando que, “nesse minuto, ou você me acompanha a um motel ou estará demitida”, é caso de estupro ou assédio sexual[20]? E não se encontra expresso qual o comportamento do sujeito passivo desejado pelo seu superior (constranger alguém a fazer o quê?).
Muito embora não exigida a conduta da vítima para a consumação do crime, que é formal, o legislador não a precisou, permitindo interpretação no sentido de que o favor sexual pretendido pode ser de terceiro, que não a vítima que exerce o cargo ou função ou a atividade laboral.
Não se confunde a vontade do legislador com a vontade da lei. Todos sabem o que é assédio sexual e qual era a pretensão do legislador. Mas o que restou definido não expresso o significado universal do assédio sexual e nem o que sabíamos que o legislador perseguia. Como o direito penal se manifesta por intermédio de tipos, é necessário que sejam claros e precisos.
Não é o caso. Mesmo o notável doutrinador Damásio de Jesus encontra enormes dificuldades em distinguir, diante do novo tipo penal, o assédio sexual de outras figuras típicas.
O juiz não pode condenar o réu porque o fato por este cometido coaduna- se com o que ele entende por assédio sexual, pois a tipicidade decorre do enquadramento material do fato ao tipo incriminador.
Se fôssemos juiz, afirmou Damásio de Jesus, confessamos, sob o aspecto da tipicidade: não teríamos tranquilidade em condenar nenhum réu por assédio sexual nos termos do referido artigo de lei.
O novo tipo penal de assédio sexual encontra-se inserido no rol de crimes contra a dignidade sexual, especialmente nos delitos contra a liberdade sexual.
A leitura do dispositivo legal em comento, no entanto, nos faz concluir sobre a existência, concomitante, de outros bens jurídicos: honra e direito a não ser discriminado no trabalho ou nas relações educacionais.
No Código Penal lusitano, por exemplo, existe previsão específica do crime de assédio sexual, o que o insere nos crimes contra a liberdade sexual, e o mesmo se dá em relação à norma prevista no Estatuto Criminal espanhol.
Assédio é o termo utilizado para designar toda conduta que cause constrangimento psicológico ou físico à pessoa. Assédio moral é um tipo de assédio, conhecido como mobbing (molestar) nos Estados Unidos, bullying (tiranizar) na Inglaterra, harcèlement (assédio moral) na França, murahachibu (ostracismo social) no Japão ou, ainda, manipulação perversa, terrorismo psicológico.
Caracteriza-se por ser uma conduta abusiva, de natureza psicológica, que atenta contra a dignidade psíquica do trabalhador, de forma repetitiva e prolongada, e que o expõe a situações humilhantes e constrangedoras, capazes de causar ofensa à personalidade, à dignidade ou à integridade psíquica, e que tenha, por efeito, excluir a posição do empregado no emprego ou deteriorar o ambiente de trabalho, durante a jornada de trabalho e no exercício de suas funções.
A liberdade sexual, em seu aspecto positivo, é a liberdade de praticar ato sexual entre adultos, em privado e com consentimento. E, em seu aspecto pejorativo, é representada pela liberdade de não ser objeto de atos sexuais não desejados e consentidos.
A conduta tipificadora do assédio sexual viola e ofende o sentimento próprio em relação aos atributos morais e intelectuais da vítima, afetando a sua dignidade.
E, no assédio laboral, quando, por exemplo, eventual promoção ou aceitação de emprego encontra-se condicionada não a desempenho, capacidade ou dedicação no trabalho, mas a eventual aceitação de proposta de cunho sexual.
A ideia de utilização do corpo para obtenção de vantagem sempre foi tradicionalmente relacionada à condição feminina. Tenta-se, com frequência, desqualificar determinadas mulheres que estejam em cargos elevados, afirmando que não conquistaram por competência, mas sim por envolvimento com seus chefes, patrões, mercadejando favores sexuais por vantagens profissionais.
O assédio sexual inegavelmente é forma de agressão, constituindo ainda um atentado à dignidade da mulher, falseando a relação de trabalho, pois sobrepõe a sexualidade ao papel de trabalhadora. E, por isso, considera-se o assédio uma forma de discriminação no trabalho. Lembrando que há o direito à não discriminação no trabalho.
Tudo o que ocorre no local do trabalho e acarreta desconforto ou impossibilidade de convivência entre os funcionários, evidentemente, interessa ao ramo do Direito respectivo, visto que afeta as relações e produção laborais.
É por essa razão que, progressivamente, as empresas (especialmente as privadas) passam a se preocupar imensamente com o assédio sexual, contratando, muitas vezes, para seus quadros de funcionários profissionais ligados à área de psicologia, para que estes possam receber e encaminhar, quando necessário, os casos ocorridos na empresa.
Também há o direito à não discriminação nas relações educacionais, pois o tipo penal admite a possibilidade de existência do assédio sexual em casos que envolvam a relação entre o discente e o docente[21] – desde que a conduta imputada como assédio seja inerente ao exercício de emprego, cargo ou função, enquadrando-se na figura típica.
O crime de assédio sexual é pluriofensivo, posto que haja afetação a diversos bens jurídicos, a depender da situação concreta que se esteja analisando.
Além da proteção da liberdade da vítima, que se vê forçada a realizar um comportamento de natureza sexual, também se vislumbra a proteção do sujeito passivo em determinados âmbitos da relação laboral ou educacional frente a ofensas de natureza sexual que comprometem as condições de trabalho ou de ensino.
A anormalidade no ambiente expõe a liberdade daqueles que trabalham ou estudam e tanto, ou mais, a sua dignidade. A igualdade também é ofendida quando se condiciona a realização de alguma prestação ou benesse a que fazia jus a vítima, por direito ou por condições meritórias, à execução de favores sexuais.
Inúmeras instituições públicas e privadas que passaram a se preocupar com o tema vieram reforçando programas de esclarecimento, promovendo cursos, palestras, afixando comunicações nos quadros de avisos da empresa etc.
Assim, foram criados setores dedicados e específicos para resolver problemas advindos de condutas que envolvam assédio sexual.
O assédio moral não se confunde com o assédio sexual. Enquanto o assédio moral visa à eliminação da vítima do mundo do trabalho pelo terror psicológico, o assédio sexual é caracterizado pela conduta que objetiva o prazer sexual de várias formas, causando constrangimento e afetando a dignidade da vítima.
O assédio moral expõe os trabalhadores a situações humilhantes e constrangedoras, repetitivas e prolongadas durante a jornada de trabalho e no exercício de suas funções, levando a vítima a se desestabilizar emocionalmente.
Já o assédio sexual pode acontecer por atos, insinuações, contatos físicos forçados, convites inconvenientes, que apresentem as seguintes características: condição clara para manter o emprego, influência em promoções na carreira, prejuízo no rendimento profissional, humilhação, insulto ou intimidação da vítima.
A doutrinadora francesa Marie-France Hirigoyen (2015, p. 17) nos conduz ao pensamento, in litteris:
O assédio moral no trabalho é definido como qualquer conduta abusiva (gestos, palavra, comportamento, atitudes…) que atente por sua repetição ou sistematização, contra a dignidade ou integridade psíquica ou física de uma pessoa, ameaçando seu emprego ou degradando o clima de trabalho.
Enfim, é sabido que a função do direito penal não é alterar os valores da sociedade nem mesmo a axiologia civilizatória, mas sim protegê-los, desde que, para tanto, não interfira no âmbito da liberdade de princípios de grupos, posto que o pluralismo há de ser respeitado numa sociedade havida por democrática.
Contudo, mesmo não sendo função desse ramo jurídico, é certo que a criminalização de certa conduta pode ter por efeito positivo a demonstração de que o bem jurídico que se busca proteger possui tamanha dignidade ao ponto de sua tutela ter sido destinada ao campo penal, o que não dispensa também outras formas de tutela.
Qualquer pessoa, homem ou mulher, pode ser sujeito ativo do crime de assédio sexual, o mesmo ocorrendo em relação ao sujeito passivo. A lei exige, entretanto, uma condição especial dos sujeitos do crime (crime próprio).
No caso do autor, deve estar em condição de superioridade hierárquica ou de ascendência em relação à vítima, decorrente do exercício de cargo, emprego ou função. Em contrapartida, a vítima deve encontrar-se em relação de subalternidade.
O sujeito ativo do crime deve ser necessariamente superior hierárquico, excluindo aqueles que exercem a mesma função ou cargo inferior. O que caracteriza o assédio na legislação brasileira é, principalmente, a relação de sujeição da vítima, que não lhe permite, em certas circunstâncias, deixar de realizar a conduta a que está sendo constrangida sem que recaia sobre ela um grave malefício (seja em relação à perda do emprego, a uma promoção e, mesmo, à não admissão laboral).
O Código Penal espanhol, diferentemente, admite o assédio sexual entre colegas de trabalho do mesmo nível. É o que se convencionou chamar de “assédio sexual ambiental” e que se caracteriza pela situação objetiva e gravemente intimidatória, hostil ou humilhante para a vítima.
Entre nós, a relação de ascendência encontra-se vinculada a qualquer situação de superioridade, podendo ser incluído desde o relacionamento entre pais e filhos, como também aquele que, por exemplo, desenvolve-se no âmbito docente ou eclesiástico.
No que tange ao sujeito ativo, a mulher pode ser autora. Basta que haja uma relação de superioridade. Aliás, nada impede que os sujeitos ativo e passivo sejam do mesmo sexo. De qualquer forma, dados fornecidos por diversos organismos internacionais revelam que 99{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6} dos casos de assédio têm como vítima a mulher.
Os elementos objetivos do tipo é o verbo constranger, que significa compelir, coagir, obrigar, deixando-se de fazer menção ao meio por intermédio do qual a ação se pode dar (constrange-se alguém por meio de).
A inexistência de adjunto adverbial no primeiro caso e de objeto indireto ou complemento preposicionado, no segundo, não pode ser considerada somente uma lacuna gramatical. Eles teriam a função de esclarecer mais plenamente o dispositivo legal, integrando, assim, o sentido latente do verbo constranger, o que se adequaria ao princípio da taxatividade.
O constrangimento pode se dar por quaisquer das formas de comunicação (verbal escrita ou mímica). A violência não pode ser física, sob pena de descaracterizar o assédio, cuja etimologia tem por significado a ação de “sitiar”. Exige-se, aqui, uma interpretação teleológica da lei, na qual se pretende encontrar o significado da norma.
Admitir-se que o delito possa vir a ser praticado por meio de violência equivale a negar a origem social da palavra “assédio”, o que não seria sensato.
Ademais, a própria localização topográfica determinada para o delito (logo em seguida ao crime de violação sexual mediante fraude – art. 215) nos dá conta de que se trata de delito sem violência. Há de se anotar, ainda, que, na construção do tipo penal, foram utilizadas as expressões “vantagem” e “favorecimento sexual”, cujos sentidos afastam a ideia de força.
Com um último argumento, quer-se chamar a atenção para a circunstância de o tipo penal exigir que o constrangimento seja realizado com aproveitamento de uma condição de superioridade ou de ascendência, o que, por si só, exclui, por incompatibilidade, a presença de violência.
No prevalecimento, o agente se vale, se aproveita, se utiliza de determinada situação. Na violência, diferentemente, o agente anula a vontade da vítima.
E poderia o assédio sexual, tal qual ocorre no constrangimento ilegal, ser praticado mediante outro meio capaz de reduzir a capacidade de resistência da vítima? Cremos que não, pois uma das elementares do tipo é a referência a que o agente se prevaleça da sua condição de superior hierárquico ou de ascendência.
Dessa forma, tendo a vítima satisfeito os favores sexuais visados pelo autor em decorrência de, por exemplo, seu estado de embriaguez, esse dado acabaria sendo o determinante da sua conduta, e não a condição do sujeito ativo.
Verificando-se tal situação, a classificação correta será de constrangimento ilegal, violação sexual mediante fraude (considerando a elementar introduzida pela Lei nº 12.015/2009: “outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação de vontade da vítima”), ou, em casos excepcionais, nos quais o ofendido se encontrar completamente incapaz de resistir, haverá estupro de vulnerável (CP, mart. 217-A, § 1º).
Diferentemente do que sucede em relação ao crime de constrangimento ilegal ou ameaça o tipo penal de assédio não exige que a intimidação seja grave.
Na verdade, nem sequer há indicação de que deva existir ameaça, contentando-se a figura típica com o constrangimento.
Não é qualquer constrangimento que pode, todavia, configurar o delito de assédio sexual. Há necessidade de cerceamento a um direito a que a vítima faz jus. Assim, não se pode cogitar no tipo em análise quando se trata de um privilégio que o sujeito ativo oferece à vítima em troca de uma ação de natureza sexual.
Pode-se ilustrar tal assertiva da seguinte forma: um professor, não tendo o aluno alcançado a pontuação necessária para passar de ano, dispõe-se a lançá-la suficientemente alta, desde que o discente consinta em algum favor sexual.
Trata-se, aqui, em verdade, de mercancia de interesses, o que não se confunde com o assédio, situação em que a aspiração da vítima será legítima, ou injusta a desvantagem que deva suportar.
O legislador brasileiro, portanto, dotou o crime de assédio sexual das seguintes elementares:
a) ação de constranger;
b) intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, para si ou para outrem;
c) prevalência do agente de sua condição de superior hierárquico ou de ascendência em relação à vítima;
d) ambas as situações (superioridade hierárquica ou ascendência) devem existir em decorrência de emprego, cargo ou função;
e) legitimidade do direito ameaçado ou injustiça do sacrifício que a vítima deve suportar por não ceder ao assédio.
O tipo exige que o comportamento seja realizado com prevalecimento de uma condição de superioridade ou de ascendência do autor, que se aproveita, se utiliza determinada situação, cometendo abuso no exercício de cargo, função ou emprego. Cuida-se de elemento normativo, cumprindo ao juiz elaborar uma apreciação valorativa sobre a presença do abuso.
O primeiro é o dolo. A norma prevê outro elemento subjetivo do tipo, caracterizado pelo especial fim de agir do agente, qual seja, obter vantagem ou favorecimento sexual. A vantagem e o favorecimento podem ser de diversas ordens, desde que tenham cunho sexual. Não se exige, diferentemente do que ocorre na legislação portuguesa, que o ato sexual seja de relevo. Além disso, a vantagem ou favorecimento sexual podem ser para o próprio agente ou para terceiro, ainda que sem o conhecimento deste. Estando ciente o terceiro, e agindo com dolo, configura-se concurso de pessoas.
Trata-se de crime próprio. Além disso, é formal: o tipo descreve a conduta e o resultado visado pelo sujeito, mas não o exige. A conduta é expressa pelo verbo “constranger”. O resultado pretendido é a realização, por parte da vítima, de favores sexuais. Para caracterização do crime, porém, não há necessidade de que o agente obtenha o que pretendia, bastando que tenha constrangido a vítima com a intenção de consegui-lo.
Consuma-se o assédio sexual no momento em que o agente realiza a ação de constranger, o que pode ser feito de forma livre, já que o legislador não a especificou, independentemente de obter ou não os favores sexuais buscados.
Conforme a hipótese, a tentativa é admissível. É o que se dá, por exemplo, no caso em que o assédio tenha sido tentado por meio escrito, chegando à correspondência, em face de extravio, nas mãos de terceira pessoa.
Aplica-se ao assédio sexual o disposto no art. 226 do CP, com exceção de parte de seu inciso II, porque as hipóteses ali aventadas, por já integrarem a figura típica (direta ou indiretamente), não podem, novamente, ser objeto de valoração.
Uma das causas de agravação da pena reside na circunstância de o agente ser ascendente, pai adotivo, padrasto, irmão, tutor, curador, ou preceptor da vítima (inciso II).
O motivo que embasa o aumento de pena é o mesmo que justifica a elementar de prevalecimento da condição de superior hierárquico ou ascendência. O próprio dispositivo penal, aliás, também inclui, no mesmo inciso analisado, a hipótese de o agente ter, por qualquer outro título, autoridade sobre a vítima.
Há de se perceber, aqui, que quaisquer dessas hipóteses somente podem ser objetos de análise se, concomitantemente, o assediador estiver em condição desuperioridade hierárquica ou ascendência em decorrência de emprego, cargo ou função. Do contrário, não haverá fato típico.
A Lei nº 12.015/2009 introduziu três exasperantes que podem ser aplicadas ao crime de assédio sexual:
a) aumento da pena em um terço, quando a vítima é menor de 18 anos (§ 2º do art. 216-A). Quando a vítima for menor de catorze anos, se ao assédio sexual, cuja consumação se dá com o constrangimento, independentemente da prática seguida do ato libidinoso, a realização do contato sexual, ainda que voluntário, configurará estupro de vulnerável (CP, art. 217-A), o qual absorverá o delito antecedente (princípio da consunção ou da absorção). Registre-se que o legislador inseriu o
2º no dispositivo, que não contém outro parágrafo;
b) aumento de metade a dois terços, se do crime resultar gravidez (art. 234-A, III);
c) de um a dois terços, se o agente transmite à vítima doença sexualmente transmissível de que sabe ou deveria saber ser portador, se a vítima é idosa ou pessoa portadora de deficiência (art. 234-A, IV, do CP).
Tendo o constrangimento sido praticado por meio de intimidação grave, discute-se a existência de concurso com crime de ameaça (art. 147 do CP) ou mesmo com o de constrangimento ilegal (art. 146 do CP).
No que tange a este último, não parece prosperar o entendimento que autorizaria o cúmulo material, visto que levaria a que se estabelecesse o bis in idem, o que é vedado no direito penal. Isso porque a ação de constranger encontra-se prevista em ambos os tipos penais (sendo que, em um constrangimento ilegal, a conduta deve ser exercida por meio de uma grave ameaça e, no outro – assédio – não se exige tal qualidade nem sequer a existência de ameaça), não sendo permitido que uma única ação (no caso constrangimento) possa servir para configurar dois (ou mais) tipos penais.
Mais correto, então, é, utilizando-se do princípio da especialidade[22], que aquele elemento típico sirva para constituir o crime de assédio, pois, no constrangimento ilegal, a intimidação é genérica.
No que se refere ao tipo penal de ameaça, ainda que a lógica aplicada à solução que envolva o constrangimento ilegal não possa ser aplicada na sua totalidade, chega-se à idêntica conclusão. É que, nessa hipótese, por não ser a ameaça elementar do crime de assédio (e, sim, o constrangimento), poder-se-ia vislumbrar uma hipótese de concurso de crimes. Essa solução, entretanto, também não incide neste caso.
A ameaça configura elementar do crime de constrangimento ilegal, passando a constituir o meio pelo qual o crime foi perpetrado, não se admitindo, tal qual se dá na hipótese anterior, o cúmulo material, pois, de tal forma, estar-se-ia valorando duplamente uma mesma ação que teria dado ensejo a um único resultado, ou seja, ao constrangimento ilegal.
Tal afirmação, entretanto, não afasta a possibilidade de o Magistrado, quando da dosimetria da pena, analisando as circunstâncias do crime (art. 59 do CP), aumentar a reprimenda em decorrência da intensidade da ameaça.
Havendo violência ou grave ameaça para a prática de relação sexual, ou de ato libidinoso diverso da conjunção carnal, o fato se desloca para estupro.
A violência presumida foi eliminada pela Lei nº 12.015/2009. A simples conjunção carnal com menor de quatorze anos consubstancia crime de estupro. Não se há mais de perquirir se houve ou não violência. A lei consolidou de vez a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Ordem indeferida. (HC 101.456, 2ª T., Rel. Min. Eros Grau, DJe 076, p. 378)
No mesmo sentido, tem decidido o Superior Tribunal de Justiça:
Pacificou-se a jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça no sentido de que, segundo o sistema normativo em vigor após a edição da Lei nº 12.015/2009, a conjunção carnal ou outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos configura o crime do art. 217-A do Código Penal independentemente de grave ameaça ou violência (real ou presumida), razão pela qual se tornou irrelevante eventual consentimento ou autodeterminação da vítima para a configuração do delito. (AgRg-REsp 1.363.531/MG, 6ª T., Relª Min. Maria Thereza de Assis Moura, J. 27.06.2014, DJe 04.08.2014)
Em 27 de agosto de 2015, no julgamento do Recurso Especial nº 1.480.881/PI, relatado pelo Ministro Rogerio Schietti Cruz, a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, em julgamento realizado sob o rito de recursos repetitivos, aprovou a seguinte tese:
Para a caracterização do crime de estupro de vulnerável previsto no art. 217-A, caput, do Código Penal, basta que o agente tenha conjunção carnal ou pratique qualquer ato libidinoso com pessoa menor de 14 (quatorze) anos.
O consentimento da vítima, sua eventual experiência sexual anterior ou a existência de relacionamento amoroso entre o agente e a vítima não afastam a ocorrência do crime. (Tema 918)
Em novembro de 2017, o Superior Tribunal de Justiça aprovou a Súmula nº 593 com idêntica redação.
A Lei nº 13.718/2018 inseriu um § 5º no art. 217-A, estabelecendo que “as penas previstas no caput e nos §§ 1º, 3º e 4º deste artigo aplicam-se independentemente do consentimento da vítima ou do fato de ela ter mantido relações sexuais anteriormente ao crime”.
A pena prevista para o assédio sexual é de detenção, de um a dois anos.
A Lei nº 12.015/2009 tornou a ação penal nos crimes contra a dignidade sexual pública condicionada à representação, salvo quando o fato for praticado contra menores de 18 anos ou contra vítimas vulneráveis.
Essa regra, porém, encontra-se superada, pois nova mudança ocorreu (Lei nº 13.718/2018), e os delitos contra a liberdade sexual, bem como os crimes sexuais contra vulneráveis ou menores de 18 anos, previstos nos arts. 213 a 218-C, passaram a ser, sem exceção, crimes de ação penal pública incondicionada
(art. 225 do CP).
Alguns doutrinadores, como Rogério Greco, ainda sustentam a aplicação da Súmula nº 608 do STF: “No crime de estupro praticado mediante violência real, a ação penal é pública incondicionada”[23]. Ou seja, se o meio de execução for a violência real, a ação penal será incondicionada.
E no mesmo sentido:
A ação penal nos crimes contra dignidade sexual praticados com violência real continua sendo pública incondicionada, permanecendo hígida a orientação constante do verbete 608 da súmula da Suprema Corte mesmo após o advento da Lei nº 12.015/2009. (RHC 40.719/RJ, 5ª T., J. 18.03.2014)
No entanto, o STJ já decidiu em sentido contrário. Com o advento da Lei nº 12.015/2009, que alterou a redação do art. 225 do CP, os delitos de estupro e de atentado violento ao pudor, mesmo com violência real (hipótese da Súmula nº 608 STF) ou com resultado lesão corporal grave ou morte (antes definidos no art. 223 do Código Penal e hoje definidos no art. 213, §§ 1º e 2º, do CP), passaram a se proceder mediante ação penal pública condicionada à representação, nos termos da nova redação do art. 225 do Código Penal. Vide: STJ, REsp 1227746/RS, 5ª T., J. 02.08.2011; RHC 39.538/RJ, 6ª T., J. 08.04.2014.
Cogitar da incidência do princípio da insignificância em qualquer crime seja tributário, ambiental, previdenciário, de dano, contra a Administração Pública e até os sexuais.
Há de se analisar se estão presentes os requisitos reitores da insignificância, quais sejam: a) conduta minimamente ofensiva ao agente; b) ausência de risco social da ação; c) reduzido grau de reprovabilidade do comportamento;
d) relativa inexpressividade da lesão jurídica.
Aliás, o fato típico, anteriormente da moderna teoria da imputação objetiva, possuía, em razão do finalismo de Welzel[24], apenas duas dimensões: objetiva (ou formal) e subjetiva. A tipicidade formal se caracteriza pela adequação do fato à letra da lei.
O fato concreto se amolda ao tipo formalmente previsto em lei. Já o aspecto subjetivo refere-se ao dolo ou à culpa. Ignorava-se o bem jurídico protegido e sua dimensão ofensiva.
Não havia preocupação com o aspecto valorativo da conduta. Para a caracterização da infração, era basicamente suficiente a subsunção do fato à letra da lei.
De acordo com a teoria constitucionalista do Direito, que deve ser adotada por um Estado constitucional e Democrático de Direito, como o Brasil, e após a teoria da imputação objetiva de Claus Roxin, a tipicidade passou a ser composta pela dimensão formal (objetiva) e material. Assim, para que uma conduta possa ser considerada crime, é necessário que ela preencha os requisitos formais e materiais do tipo.
A tipicidade material é formada por juízos valorativos, sendo o desvalor da conduta e o desvalor do resultado ou lesão, ou perigo concreto de lesão ao bem jurídico. Deste modo, observando-se insignificância da conduta ou do resultado, afasta-se a tipicidade material, ou seja, carecendo o fato de relevante resultado da ofensa ou da conduta ou de ambos, incide o princípio da insignificância, como excludente da tipicidade.
Com o advento da Lei nº 12.015/2009, cogita-se sobre as consequências advindas e analisa-se o que ficou mais rígido e o que ficou mais brando. E, então, cogita-se na incidência de princípio da insignificância nos crimes sexuais.
Partindo aos comentários pertinentes à reforma do art. 213 do CP (crime de estupro), dois pontos mostram-se mais evidentes: os sujeitos do crime e o atentado violento ao pudor, este último agora fazendo parte da concepção de estupro, pois antes era tipificado autonomamente (art. 214 do CP).
Antes da Reforma, o artigo exigia condição especial dos dois sujeitos (ativo e passivo), pois havia necessidade de ser praticado por um homem e sofrido por uma mulher; com a mudança, qualquer pessoa pode tanto praticar como sofrer o estupro. Foram acrescidas qualificadoras aos 1º e 2º.
No que tange às alterações pertinentes ao art. 215 do CP, notamos nova união de artigos, entre o antigo 215 (posse sexual mediante fraude) e o 216 do CP (atentado ao pudor mediante fraude), formando-se o novo 215 (violação sexual mediante fraude), que tipifica a conduta de conjunção carnal e o ato libidinoso mediante fraude, sem (como no estupro) exigir condição especial de sujeitos.
Também houve majoração das penas dos tipos básicos.
O crime de assédio sexual, art. 216-A do CP, sofreu pequena alteração.
Continua com a sua tipificação original, acrescido apenas da majorante do 2º, quando o crime for cometido contra vítima menor de 18 (dezoito) anos.
Outra novidade trazida pela nova lei foi o art. 217-A, que prevê o estupro de vulnerável, tipificando a prática de conjunção carnal ou ato libidinoso com menor de 14 (quatorze) anos.
Considera-se vulnerável não só a vítima menor de 14 (quatorze) anos, como também pessoa que, por enfermidade ou deficiência mental, não tenha o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não possa oferecer resistência.
O art. 218 trouxe como novidade a tipificação autônoma de induzir alguém menor de 14 (quatorze) anos a satisfazer a lascívia de outrem, uma mudança benéfica. Diante da diminuição da pena, deve retroagir para beneficiar o réu ou condenado.
Criou-se o art. 218-A, que, segundo os ensinamentos de Rogério Sanches, não sem razão, observava que induzir vítima, não maior de 14 (catorze) anos, a presenciar atos de libidinagem, sem deles participar ativa ou passivamente, era, em regra, um indiferente penal (fato era atípico). A Lei nº 12.015/2009 integrou a lacuna, criando o art. 218-A.
Nova junção de artigos ocorreu com a formação do art. 218-B, que uniu o art. 244-A do Estatuto da Criança e do Adolescente ao art. 228, 1º, do Código Penal, formando o delito de favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual de vulnerável. O art. 228 prevê o mesmo delito; entretanto, a vítima deste não será criança ou adolescente.
As mudanças ocorridas com a nova redação do art. 225 são as que com certeza darão muita discussão doutrinária. As ações penais nos crimes sexuais antes eram de iniciativa privada, passando, com a nova previsão, a adotar a ação penal pública condicionada.
A controvérsia reside, principalmente, em que ação adotar quando do crime resultar morte ou lesão corporal grave, o que o legislador não deixou expressamente tipificado.
Uns cogitam em pública incondicionada, outros defendem pública condicionada conforme a nova disposição e alguns já aludem à inconstitucionalidade do dispositivo, último posicionamento recentemente defendido pela PGR na ADIn 4.301, junto ao STF.
O legislador pátrio manteve o delito do art. 229 do CP; no entanto, deu-lhe nova configuração, exigindo um estabelecimento onde haja exploração sexual, com ou sem intuito de lucro ou mediação direta do proprietário ou gerente.
Também de pequena expressão foram a alteração sofrida pelo delito de rufianismo, art. 230 do CP, que apenas teve acrescido, nas circunstâncias qualificadoras, o emprego de fraude ou outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação de vontade da vítima.
Assunto pouco explorado pelos doutrinadores, a existência de infrações bagatelares nos crimes sexuais é possível, como em praticamente qualquer outro crime; entretanto, neste com muito mais difícil aferição, pois se trata de avaliação quase que inteiramente subjetiva.
Para se descaracterizar o crime sexual por meio do princípio da insignificância (excludente da tipicidade material), temos que imaginar uma conduta ou resultado dessa conduta extremamente insignificante, pois, do contrário, possivelmente cairíamos no art. 61 da Lei de Contravenções Penais, Decreto-Lei nº 3.688/1941, que prescreve a contravenção de importunar alguém, em lugar público ou acessível ao público, de modo ofensivo ao pudor.
Para identificarmos uma hipótese de incidência do princípio da insignificância em crimes contra a dignidade sexual, podemos imaginar a conduta do beijo lascivo, o toque nas nádegas ou algo análogo. Embora sejam condutas formalmente típicas, não atingem o aspecto material do tipo, seja pelo desvalor da conduta, seja pelo desvalor do resultado, o que denota sua insignificância criminal.
Nesses casos, em respeito aos princípios constitucionais da intervenção mínima, subsidiariedade, fragmentariedade, adequação social e ao próprio princípio da insignificância, tais situações deverão ser resolvidas, caso necessário, pelas demais esferas do Direito.
O crime da exposição da intimidade sexual corresponde ao registro não autorizado da intimidade sexual e consiste no ato de produzir, fotografar, filmar ou registrar, por qualquer meio, conteúdo com cena de nudez ou ato sexual ou libidinoso de caráter íntimo e privado sem a autorização dos participantes.
A norma incriminadora propõe a concreção aos direitos fundamentais previstos no art. 5º, X, da CFRB/1988, a saber, a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, todos sob a ótica da dignidade sexual.
O referido tipo penal foi acrescentado pelo CP por meio da Lei nº 13.772, de 19 de dezembro de 2018, que também efetuou modificações na Lei nº 11.340/2016, a Lei Maria da Penha[25], incluindo, no seu art. 7º, II, como forma de violência psicológica, a violação da intimidade.
A conduta pode ser praticada mediante os atos de produzir, fotografar, filmar ou registrar o conteúdo com cena de nudez, ato sexual ou libidinoso. Produzir cena significa dirigi-la, montá-la, de maneira a indicar aos participantes a forma como agirão.
Como se trata de uma “produção” efetuada sem autorização destes, o comportamento em questão diz respeito a uma ação sub-reptícia, na qual o participante desconhece que está sendo “dirigido” para que o ato seja registrado.
Fotografar significa colher a imagem com o uso de algum aparelho analógico ou digital. Filmar significa capturar imagens com impressão de movimento relativo à nudez alheia ou ao ato sexual ou libidinoso praticado por terceiro.
Quem fotografa ou filma duas pessoas, sem autorização destas, praticando sexo em local público, aberto ao público ou exposto ao público, responde pelo crime do art. 216-B?
Não, porque o ato libidinoso ou sexual, quando efetuado nessas condições, não tem cunho íntimo e privado. Em verdade, quem pratica crime, em tese, são aqueles que realizam o ato sexual, haja vista o art. 233 do CP, que pune o ato obsceno.
Há, por fim, o elemento normativo do tipo, que consiste na falta de autorização das vítimas. Essa autorização pode ser manifestada de qualquer forma, mas deve ser anterior ou concomitante ao ato.
Se o agente efetuou o registro sem que a pessoa consentisse e, posteriormente, a esta revelou o feito, tendo ela demonstrado indiferença, subsiste o crime.
Melhor teria sido que o legislador tornasse o fato crime de ação penal pública condicionada à representação, de maneira que o ofendido, ciente do fato, tivesse seis meses contados do conhecimento da autoria delitiva para manifestar seu interesse em ver o agente processado, sob pena de decadência e, consequentemente, de extinção da punibilidade.
Não foi esse, contudo, o caminho escolhido pelo legislador. Imagine, por exemplo, o casal em que o parceiro, sem o conhecimento da namorada, registra a cena de sexo e, depois de realizado o ato, a ela exibe a filmagem.
Suponha que ela não se importe com isso, demonstrando, inclusive, ter gostado do fato. Imagine, ainda, que o casal termine o relacionamento meses depois e a mulher, por vingança, decida comunicar à Polícia o crime.
O agente responde pelo fato? Sim, pois, ao efetuar o registro do ato sexual íntimo e privado, não obteve o consentimento, expresso ou tácito, da ofendida, consumando-se o delito.
O elemento subjetivo do tipo é o dolo, traduzido na vontade e na consciência de registrar a nudez alheia ou a cena lúbrica. O tipo penal não requer elemento subjetivo específico, consistente no fim libidinoso. Pouco importa, desse modo, se o registro foi efetuado para satisfazer a lascívia do agente ou não.
Assim, por exemplo, o proprietário de um imóvel que instala sem o conhecimento dos locatários uma câmera no quarto ou no banheiro e, desse modo, os filma desnudos ou praticando ato sexual ou libidinoso incorre no tipo.
O registro não autorizado da intimidade sexual é crime comum e de mera conduta, pois o tipo não faz referência a nenhum resultado naturalístico. Trata-se, ainda, de crime instantâneo e plurissubsistente.
Consuma-se o crime com a captura (o registro) da imagem ou da cena de nudez, do ato sexual ou libidinoso. Admite-se a tentativa, caso o sujeito tente efetuar a gravação, mas não consiga por circunstâncias alheias à sua vontade (por exemplo, porque ocorre uma queda de energia no instante em que a vítima se despia, impedindo a filmagem de sua nudez, ou acaba a bateria da câmera antes de começar a prática do ato sexual ou libidinoso).
De acordo com o parágrafo único, incorre na mesma pena quem realiza montagem em fotografia, vídeo, áudio ou qualquer outro registro com o fim de incluir pessoa em cena de nudez ou ato sexual ou libidinoso de caráter íntimo.
Pune-se o ato de alterar a fotografia, o vídeo ou áudio, de maneira a inserir a imagem ou a voz da vítima em cena lúbrica envolvendo outrem.
O registro não autorizado da intimidade sexual é apenado com detenção, de seis meses a um ano, e multa. Constitui infração de menor potencial ofensivo (art. 61 da Lei nº 9.099/1995), sendo abrangido pela competência material dos Juizados Especiais Criminais.
Comporta desse modo, transação penal (art. 76 da Lei nº 9.099/1995) e suspensão condicional do processo (art. 89 da Lei nº 9.099/1995). A ação penal é pública incondicionada (art. 225).
Em que pese as Leis nºs 13.718/2018 e 12.015/2009 traduzirem avanços significativos, elas não permitem um gerenciamento satisfatório dos conflitos que envolvem os crimes de natureza sexual, sendo necessário encontrarem mecanismo a fim de evitar o cometimento frequente de crimes de natureza sexual, como, por exemplo, um estado mais punitivo para que ofereça maior proteção para as vítimas com as penalidades mais rígidas para estes agressores e que o Poder Público continue a criar mecanismos para o enfrentamento dos crimes sexuais, buscando, finalmente, promover a igualdade material entre os gêneros.
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[1] O crime de estupro de vulnerável fora criado pela Lei nº 12.015/2009 e, antes deste, o fato era enquadrado como estupro (art. 213) ou atentado violento ao pudor (art. 214) praticado mediante violência presumida (art. 214). O bem jurídico tutela a dignidade e o desenvolvimento sexual a pessoa vulnerável. A doutrina majoritária afirma que se protege também a liberdade sexual das pessoas que justamente não possuem capacidade de discernimento para consentir validamente sobre o ato sexual. Aquele que se omite diante do estupro do vulnerável, tendo o dever jurídico de agir para evitar o resultado, responde pelo mesmo crime, na forma do art. 13, § 2º, do CP.
[2] O Supremo Tribunal Federal (STF) determinou, em 13 de julho de 2019, que a discriminação por orientação sexual e identidade de gênero seja considerada um crime, equiparado ao racismo – Inclusive, com caráter de imprescritível. Dez dos onze ministros reconheceram haver uma demora inconstitucional do Legislativo em tratar do tema. Apenas Marco Aurélio Mello discordou. Diante dessa omissão, por 8 votos a 3, os ministros determinaram que essa conduta passe a ser punida pela Lei de Racismo (7.716/1989), que hoje prevê crimes de discriminação ou preconceito de “raça, cor, etnia, religião e procedência nacional”. A lei brasileira considera o crime de homofobia imprescritível e inafiançável desde 2011, quando o STF julgou o tema. A homofobia é um crime equiparado ao crime de racismo no Brasil. Mas os direitos da população LGBTQIA+ ainda são frágeis. Durante uma sessão da CPI da Pandemia, a comunidade LGBT se viu representada pelo Senador Fabiano Contarato (REDE – ES).
[3] O órgão é uma unidade policial especializada no atendimento de mulheres, crianças e adolescentes que vivenciaram situações de violência física, moral e sexual. É responsável pelo registro de ocorrências, investigação e apuração de crimes. Além disso, faz a solicitação de medidas preventivas previstas na Lei Maria da Penha e o encaminhamento para laudos no Instituto Médico Legal (IML). As Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (DEAMs) são unidades especializadas da Polícia Civil para atendimento às mulheres em situação de violência. As atividades das DEAMs têm caráter preventivo e repressivo, devendo realizar ações de prevenção, apuração, investigação e enquadramento legal, as quais dever ser pautadas no respeito pelos direitos humanos e pelos princípios do Estado
Democrático de Direito (Norma Técnica de Padronização das DEAMs, SPM:2006). Com a promulgação da Lei Maria da Penha, as DEAMs passam a desempenhar novas funções, que incluem, por exemplo, a expedição de medidas protetivas de urgência ao juiz no prazo máximo de 48 horas. (Entre neste time. Diga não à violência contra a mulher. Disponível em: http://www.mprj.mp.br/documents/20184/230172/folder_caovd.pdf. Acesso em:28 out. 2021)
[4]LGBT é uma sigla que significa lésbicas, gays, bissexuais e transgênero. Em uso desde a década de 1990, o termo é uma adaptação da sigla LGB, que começou a substituir o termo gay em referência à comunidade LGBT mais ampla a partir de meados da década de 1980. LGBTQQICAPF2K+ é a sigla de lésbicas, gays, bissexuais, transexuais e travestis, queer, questionando, intersexo, curioso, assexuais, pan e polissexuais, amigos e familiares, two-spirit e kink. A ordem das letras não foi padronizada. Além das variações entre as posições do “L” e do “G” como inicial, as letras menos comuns, se usadas, podem aparecer em quase qualquer ordem. Os termos variantes nem sempre representam diferenças políticas dentro da comunidade, mas surgem simplesmente das preferências de indivíduos e grupos. Algumas pessoas defendem o termo “identidades sexuais e de gênero minoritárias” (MSGI, em inglês, cunhado em 2000), ou “gêneros e sexualidades minoritários” (GSM), de modo a incluir explicitamente todas as pessoas que não são cisgênero e heterossexual, ou “minorias românticas, sexuais e de gênero” (GSRM), que é mais explicitamente inclusivo das orientações românticas minoritárias e poliamor, mas nenhuma tem sido amplamente adotada. Outros termos guarda-chuva raros são gênero e diversidade sexual, orientações marginalizadas, identidades de gênero e intersexo e orientações marginalizadas, gêneros excluídos e intersexo.
[5] A Lei nº 13.441/2017 inseriu a Seção V-A na Lei nº 8.069/1990, introduzindo os arts. 190-A a E, a fim de permitir a infiltração de agentes de polícia na internet com o fim de investigar os crimes previstos nos arts. 154-A, 217-A, 218, 218-A e 218-B do Código Penal (e também nos crimes dos arts. 240, 241, 241-A, 241-B, 241-C e 241-D do próprio Estatuto).
[6] Casais homossexuais devem ter o direito a firmar uniões civis, afirmou o Papa Francisco em um documentário em 21.10.2020. Os comentários do Papa são os mais recentes de uma série de falas sobre os direitos LGBT, sempre expressando algum apoio, mas não um endosso total. O Vaticano anunciou, em 15.03.2021, que padres e outros ministros não podem abençoar uniões entre pessoas do mesmo sexo. Segundo nota oficial divulgada pela Congregação para a Doutrina da Fé, um dos órgãos responsáveis por estabelecer diretrizes para os católicos, “Deus não pode abençoar o pecado”. A decisão é percebida como uma vitória da ala conservadora da Igreja.
[7] O lenocínio compreende a ação que visa a facilitar ou promover a prática de atos de libidinagem ou a prostituição de outras pessoas, ou dela tirar proveito. O tráfico de pessoas compreende a ação de promover ou facilitar a entrada o saída de pessoas para que exerçam a prostituição ou qualquer outra forma de exploração sexual. Observa-se que os elementos caracterizadores do delito são a conduta de induzir alguém e a finalidade de satisfazer a lascívia de outrem. Por induzir entende-se a ação de convencer, persuadir a vítima para a prática de certo comportamento. A finalidade do induzimento é satisfazer a lascívia de outra pessoa, sendo esta diferente do agente que induziu. Assim, a finalidade é a realização de atos libidinosos desejados por alguém, desde que este não seja a pessoa que induziu a vítima.
[8] A partir da Lei dos Crimes Hediondos – que elevou a pena de estupro e atentado violento ao pudor para seis a dez anos de reclusão –, em que pese alguma divergência, passar as mãos nas coxas, nas nádegas ou nos seios da vítima ou mesmo um abraço forçado configuram, a nosso juízo, a contravenção penal do art. 61 da lei especial, quando praticados em lugar público ou acessível ao público. Atos de pouca importância, ainda que ofensivos ao pudor, não podem ser classificados como estupro (ou tentativa de estupro), adequando à tipificação dessa contravenção.
[9] Pode-se observar que o delito de importunação sexual possui algumas semelhanças com os crimes de estupro, ato obsceno e assédio sexual; desta forma, a presente pesquisa traz as diferenciações do delito de estupro para o delito de importunação sexual, visto que aquele é o que mais se assemelha a este. Entretanto, podemos compreender facilmente as diferenças de um para o outro com um exemplo bem simples: suponhamos que um indivíduo ameace de morte a vítima com emprego de arma de fogo e determine que esta se masturbe; dessa forma, houve o constrangimento e a grave ameaça (por conta da arma de fogo) para a vítima praticar o ato libidinoso, ainda que não tenha havido contato físico com o agressor; assim sendo, ocorre o crime de estupro. Por sua vez, no delito de importunação sexual, não há o emprego da violência ou grave ameaça, ou seja, a vítima não é constrangida a praticar ou permitir a prática de atos libidinosos com ela, mas o ato libidinoso é praticado pelo próprio agente.
[10] Os povos da Antiguidade já puniam severamente os crimes sexuais, particularmente, os violentos, dentre os quais se destacava o de estupro. E, após a Lex Julia de adulteris (em 18 depois de Cristo), no antigo direito romano, procurou-se diferenciar o adulterius de stuprum, significando o primeiro a união sexual com mulher casada, e o segundo, uma união sexual ilícita com a viúva. In stricto sensu, considerava-se estupro toda união sexual ilícita com mulher não casada. Mas a conjunção carnal violenta, que ora se denomina de estupro, os romanos incluíam em conceito amplo de crimen vis, passível de pena de morte.
[11] Em relação à liberdade de dispor do próprio corpo, o consentimento não pressupõe qualquer lesão daquela, mas antes o exercício positivo do direito à liberdade no que ao seu corpo respeita. O direito de dispor livremente da liberdade sexual (bem jurídico protegido) deriva dessa mesma liberdade e constitui parte essencial do seu valor para o direito. Do mesmo jeito, quem autoriza outrem a entrar em sua casa dificilmente representará que consentiu numa lesão do seu direito à inviolabilidade do domicílio; assim tal qual a mulher adulta que consente na cópula não sentirá que tenha sido violada a sua liberdade de decisão ou execução da ação, também a pessoa que de forma esclarecida e livre se prostitui, concordando com a intermediação lucrativa do proxeneta, sentirá como ofendido o seu direito à liberdade sexual, funcionando o acordo, na sua relevância sistemática, como causa de exclusão do tipo.
[12] A introdução de dedos na vagina da ofendida, por exemplo, não caracteriza conjunção carnal, pois, como afirmamos, esta pressupõe a introdução do membro genital masculino na cavidade vaginal, e dedos não são órgãos genitais. Portanto, essa prática, desde que forçada, pode caracterizar a segunda figura do estupro, qual seja, a prática de ato libidinoso diverso da conjunção carnal.
[13] Crime de mera conduta é aquele em que o tipo penal descreve apenas a conduta humana, não havendo sequer a possibilidade de ocorrência de um resultado naturalístico. Crimes de mera conduta são crimes sem resultado, em que a conduta do agente, por si só, configura o crime, independentemente de qualquer alteração do mundo exterior (embora isso seja questionável, porque, no crime de violação de domicílio, típico crime formal, a presença do agente altera o mundo exterior e poderia ser considerada um resultado).
[14] A reforma penal brasileira de 1984 trouxe uma série de preceitos e princípios que mais tarde adotaria a Constituição Federal de 1988, representando um marco para o direito penal. A ideia inicial era modificar a Parte Especial do Código Penal de 1940, que, no entanto, permaneceu intacta. Nas discussões científicas que antecederam o anteprojeto da Parte Especial do Código Penal, destacava-se a preocupação em reduzir a intervenção penal do Estado aos casos de extrema necessidade. Os desvios da política legiferante se acentuaram nos anos 60 e 70 com a hipercriminalização. O princípio da intervenção mínima traduz a ideia expressa por Maihofer, de um direito penal como ultima ratio da política social, autêntica exigência ética para orientar o legislador quanto aos fatos a punir e quanto às penas a aplicar. Ao institucionalizar as penas restritivas de direitos, a Lei nº 7.209/1984 acolheu o generoso princípio da intervenção mínima: a pena de prisão somente em casos de maior gravidade objetiva e da maior culpabilidade.
[15] “Importunação sexual – adequação típica – proporcionalidade. A conduta de passar a mão no corpo da vítima por cima das vestes, sem a manipulação direta dos órgãos sexuais ou o contato entre os genitais, configura o crime de importunação sexual. O réu apelou de sentença que o condenou pela prática de estupro de vulnerável (art. 217-A, caput, c/c art. 61, II, f e h, ambos do Código Penal). Nas razões, pugnou pela absolvição ou pela desclassificação da conduta para a infração penal do art. 65 da Lei de Contravenções Penais (molestar ou perturbar a tranquilidade de alguém). Ao apreciar o recurso, os desembargadores destacaram que a Lei nº 13.718/2018 criou o delito de importunação sexual, previsto no art. 215-A do Código Penal, o qual prevê a conduta de ‘praticar contra alguém e sem a sua anuência ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro’. Esclareceram que a intenção do legislador, quando instituiu o novo tipo penal, foi a de punir os crimes sexuais conforme a gravidade das condutas, as quais podem ir desde a mera importunação até a prática de ato libidinoso com penetração, mediante violência ou grave ameaça. Os julgadores asseveraram que o ato de passar a mão no corpo da vítima por cima das vestes, sem a manipulação direta dos órgãos sexuais ou o contato entre os genitais, amolda-se ao tipo do art. 215-A do CP. Acrescentaram que, in casu, não houve prova de que o apelante tivesse agido com violência física ou grave ameaça, de forma que não se poderia reconhecer a prática de crime de estupro. Com isso, o Colegiado, por maioria, deu parcial provimento ao recurso para desclassificar a imputação de estupro de vulnerável para a de importunação sexual e determinou a remessa do processo ao Ministério Público para análise da possibilidade de oferecimento da suspensão condicional do processo.” (Acórdão nº 1177322, 20170910026634-APR, 1ª Turma Criminal, Rel. Des. J. J. Costa Carvalho, DJ 30.05.2019, DJe 13.06.2019)
[16] “O Juiz Rafael Brüning, da 4ª Vara Criminal da comarca da capital, converteu em preventiva a prisão em flagrante de um homem acusado de importunação sexual a uma vítima dentro de um ônibus, prática que é considerada crime desde a semana passada, após sanção de lei pela Presidência da República (art. 215-A do Código Penal). De acordo com os autos, o réu foi surpreendido por passageiros ao passar a mão por dentro da blusa da vítima. O homem, que foi ouvido pelo Magistrado em audiência de custódia, já possui outros recentes registros de ocorrência pela suposta prática dos mesmos fatos. Só este ano, ele teria praticado o ato por nove vezes, todas no interior de veículos de transporte coletivo da capital. Além de o acusado não possuir endereço fixo, também foi levada em conta a maneira como o agressor agia, a qual colocaria em risco a ordem pública.
‘Ressalto que, em situações particulares, a jurisprudência tem aceito que o modus operandi em tese empregado pelo agente sirva de justificativa para o aprisionamento pela garantia da ordem pública quando, pelo modo de proceder, percebe-se haver risco concreto de reiteração criminosa e/ou acentuado potencial lesivo da conduta’, assinalou Brüning.” (Fonte: Tribunal de Justiça de Santa Catarina)
[17] Segundo a Presidente do TST e do CSJT, Ministra Maria Cristina Peduzzi, é dever do empregador promover a gestão racional das condições de segurança e saúde do trabalho. “Ao deixar de providenciar essas medidas, ele viola o dever objetivo de cuidado, configurando-se a conduta culposa”, assinala a Ministra Peduzzi. “Cabe ao empregador, assim, coibir o abuso de poder nas relações de trabalho e tomar medidas para impedir tais práticas, de modo que as relações no trabalho se desenvolvam em clima de respeito e harmonia”. O gênero da vítima não é determinante para a caracterização do assédio como crime. “A tipificação específica é de 2001, quando se introduziu o art. 216-A no Código Penal, e a prática é punível independentemente do gênero”, explica a Presidente do TST, Ministra Maria Cristina Peduzzi. No entanto, estatisticamente, a prática se dá preponderantemente em relação às mulheres. Embora o processo criminal decorrente do assédio sexual seja da competência da Justiça Comum, a prática tem reflexos também no
Direito do Trabalho. Ela se enquadra, por exemplo, nas hipóteses de não cumprimento das obrigações contratuais (art. 483, e, da CLT) ou de prática de ato lesivo contra a honra e boa fama (art. 482, b). Nessa situação, a vítima pode obter a rescisão indireta do contrato de trabalho, motivada por falta grave do empregador, e terá o direito de extinguir o vínculo trabalhista e de receber todas as parcelas devidas na dispensa imotivada (aviso prévio, férias e 13º salário proporcional, FGTS com multa de 40{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6} etc.). Caracterizado o dano e configurado o assédio sexual, a vítima tem direito também à indenização para reparação do dano (art. 927 do Código Civil). Nesse caso, a competência é da Justiça do Trabalho, pois o pedido tem como origem a relação de trabalho (art. 114, VI, da Constituição da República).
[18] Para Guilherme de Souza Nucci, ambas são inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função, mas a superioridade hierárquica retrata uma relação laboral no âmbito público, enquanto a ascendência espelha a mesma relação, porém no campo privado. Nesse contexto, não configura o crime a mera relação entre docente e aluno, por ausência do vínculo de trabalho entre os dois sujeitos.
[19] É possível a configuração do crime de assédio sexual (art. 216-A do CP) na relação entre professor e aluno. O crime de assédio sexual é tipificado no art. 216-A do CP e consiste em constranger alguém com o intuito de obter vantagem sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou de ascendência (condição de mando) inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função. É, em síntese, a insistência importuna de alguém em posição privilegiada, que usa dessa vantagem para obter favores sexuais de um subalterno. A doutrina discute se é possível o assédio sexual do professor contra o aluno. A controvérsia nasce a partir da interpretação que se pode conferir às expressões “superioridade hierárquica” e “ascendência”, condições elementares do tipo.
[20] Segundo Victor Eduardo Rios Gonçalves, como a lei não esclarece os meios de execução, do crime de assédio sexual, todos devem ser admitidos (crime de ação livre), como, por exemplo, atos, gestos, palavras, escritos etc. É evidente que existe o crime quando o empregador beija furtivamente o pescoço da funcionária, pede-lhe uma massagem, cheira seus cabelos, troca de roupa em sua presença, pede que ela experimente um lingerie, convida-a para ir a um motel, mostra-lhe o pênis no escritório etc. Convém lembrar que é sempre necessário para a configuração do crime de assédio sexual que o agente tenha se valido do seu cargo.
[21] O STJ firmou tese na qual adota a segunda orientação sob o argumento de que não é possível ignorar a ascendência exercida pelo professor, que, devido à sua posição, pode despertar admiração, obediência e temor nos alunos, e, em virtude disso, tem condição de se impor para obter o benefício sexual: “É patente a aludida ‘ascendência’, em virtude da ‘função’ desempenhada pelo recorrente – também elemento normativo do tipo –, devido à atribuição que tem o professor de interferir diretamente na avaliação e no desempenho acadêmico do discente, contexto que lhe gera, inclusive, o receio da reprovação. Logo, a ‘ascendência’ constante do tipo penal objeto deste recurso não deve se limitar à ideia de relação empregatícia entre as partes. Interpretação teleológica que se dá ao texto legal” (REsp 1.759.135/SP, J. 13.08.2019).
[22] Em razão do princípio da especialidade, é descabida a desclassificação do crime de estupro de vulnerável (art. 217-A do Código Penal – CP) para o crime de importunação sexual (art. 215-A do CP), uma vez que este é praticado sem violência ou grave ameaça, e aquele traz ínsito ao seu tipo penal a presunção absoluta de violência ou de grave ameaça.
[23] Nos termos do art. 234-B do Código Penal, os processos que apuram essa modalidade de infração penal correm em segredo de justiça. O prazo prescricional somente terá início quando a vítima completar 18 anos, salvo se, antes disso, a ação penal já tiver sido proposta (art. 111, V, do CP).
[24] O finalismo vem com uma nova conceituação de ação, a qual faz frente ao conceito naturalista e lógico de ação. Welzel, principal representante da teoria finalista, vai escrever que a realidade que serve de fundamento para o Direito não é das ciências naturais; no entanto, tal fundamento é a vida social. Sendo assim, para a teoria welzeliana, a ação é um fenômeno social, ou seja, um fenômeno da existência em sociedade e, ao mesmo tempo, é uma expressão de sentido (essa expressão de sentido não é meramente individual, deve-se levar em conta dentro de um contexto social). Se se tomar, de forma literal, a teoria de Welzel, ela parecerá uma reedição da teoria de Hegel (para este trata-se de um sentido social, não havendo persecução de interesses individuais). No entanto, Welzel, de forma alguma, mantém-se nessa linha hegeliana de pensamento, muito pelo contrário, porquanto Welzel não deriva o conceito de sentido da sociedade, mas sim converte esse conceito para algo individual – para uma atividade humana segundo fins. O jurista ainda faz distinção entre o sentido instrumental próprio da ação, como meio para a modificação do meio ambiente dos indivíduos, e a decisão valorativa que se interconecta com a ação. Welzel exclui essa decisão axiológica do conceito de ação, voltando, assim, a uma dogmática naturalista de ação. Vale destacar que aqui começa a se introduzir essa decisão valorativa embrionária do dolo – para o tipo penal, formando, assim, o elemento subjetivo do tipo.
Então, pode-se perceber que a ação penal é apenas uma vontade instrumental dirigida (ação final, que visa a um fim).
[25] Percebe-se que há também a possibilidade da aplicação da Lei nº 11.340/06 (Lei Maria da Penha) no delito de importunação sexual. Para vermos claramente essa possibilidade, vamos trazer como exemplo uma situação em que o companheiro da vítima toca em suas partes íntimas sem o seu consentimento, dentro do ambiente familiar. Assim sendo, a partir do momento em que o indivíduo pratica essa conduta, já incorre no delito de importunação, e, por ser companheiro da vítima, pelo crime ter ocorrido no âmbito da unidade doméstica, e tenha relação íntima de afeto com a ofendida, mesmo sem a coabitação, como preceitua a Lei nº 11.340/2006, há a possibilidade de o indivíduo incorrer neste crime também, por configurar violência doméstica de cunho sexual.