A INVIOLABILIDADE NO EXERCÍCIO DA ADVOCACIA. Por Rénan Kfuri Lopes
A INVIOLABILIDADE
Segundo Silvio Luiz de Almeida, doutor em Filosofia e teoria geral do Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, a inviolabilidade do advogado remonta às revoluções liberais do século XVIII. “Trata-se de um dos princípios mais caros do liberalismo político, em que se garante ao advogado a liberdade de atuação para defender seu cliente exigindo que ele só seja condenado se houver provas cabais”, afirma.
No Brasil, o artigo 133 da Constituição Federal dispõe que: “o advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei”. Já o artigo 7º, inciso II, do Estatuto da Advocacia diz que: “a inviolabilidade de seu escritório ou local de trabalho, bem como de seus instrumentos de trabalho, de sua correspondência escrita, eletrônica, telefônica e telemática, desde que relativas ao exercício da advocacia”.
Quando há indícios de autoria e materialidade da prática de crime por parte de advogado, a inviolabilidade poderá ser quebrada em “decisão motivada, expedindo mandado de busca e apreensão, específico e pormenorizado, a ser cumprido na presença de representante da OAB, sendo, em qualquer hipótese, vedada a utilização dos documentos, das mídias e dos objetos pertencentes a clientes do advogado averiguado, bem como dos demais instrumentos de trabalho que contenham informações sobre clientes”. A exceção é se o cliente em questão é investigado “pela prática do mesmo crime que deu causa à quebra da inviolabilidade”.
Segundo Álvaro de Azevedo Gonzaga, livre-docente em Filosofia do Direito e professor de ética profissional da PUC-SP, o objetivo da lei é impedir o ingresso indevido da polícia nas bancas. “Não basta uma suspeita para adentrar no escritório. Tem que ser um indício substancioso”, afirma Gonzaga. “Trata-se de uma garantia do Estado Democrático de Direito, uma perspectiva democrática, com a abolição do direito inquisitivo em que a polícia condena e o juiz ratifica”.
Para Almeida, a inviolabilidade do advogado é fundamental para a manutenção do devido processo legal e só pode ser quebrada quando há “prova cabal”. “Não podemos tentar corrigir um erro cometendo outro muito mais grave violando uma garantia das liberdades fundamentais”, afirma. “O advogado tem um papel fundamental para a administração da Justiça e ele precisa ter prerrogativas para poder melhor defender os clientes. Mas, é claro, que se ele ultrapassa limites e comete crimes, deixa de ser advogado”.
EXCEÇÃO AO SIGILO
Se por um lado a Justiça pode quebrar a inviolabilidade do escritório e das comunicações do advogado se tiver fundados indícios de cometimento de crime, os advogados podem abrir mão do sigilo funcional para realizar sua defesa.
“Num caso de suspeita de que o advogado não prestou determinados serviços, mas recebeu por eles, o profissional pode deixar de fazer prova porque não quer abrir o sigilo. Isso é possível e é eticamente recomendável”, afirma Pedro Gasparini, presidente da Primeira Turma de Deontologia – TED-I, do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP. “Mas também está entre as raras permissões para quebra de sigilo se o advogado entender ser necessário para fazer sua própria defesa”.
Segundo Gasparini, a jurisprudência do Tribunal de Ética está sedimentada no sentido de que apesar de a quebra do princípio da inviolabilidade das informações ser causa de infração ética, se um advogado for acusado injustamente pela prática de um crime, se torna justificável que ele próprio quebre seu sigilo profissional.
“As pessoas dizem que a OAB é corporativista, mas isso não é verdade. A inviolabilidade não serve para proteger o advogado, ela serve para proteger a cidadania, as relações pessoais, a intimidade e a honra das pessoas”, afirma Gasparini. “Agora, se o advogado se vale da sua condição profissional para cometer um crime, me parece muito claro que os mandados e as buscas hão de ser cumpridos”, pondera (apud Kalleo Coura em JOTA, edição de 23.05.2017).