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CONHEÇA A ORIGEM DO DIREITO SUCESSÓRIO

Rolf Madaleno

O ponto de partida do direito sucessório é a morte, como decorrência natural e inevitável da existência da vida, porque ninguém é eterno e o desaparecimento físico da pessoa humana determina a transmissão de suas relações jurídicas. Em que pese o desenvolvimento de uma ideia metafísica ou religiosa de transcendência da vida, para o direito sucessório, em sentido objetivo, interessa a transmissão dos bens e obrigações de uma pessoa para depois de sua morte.[1]

Os filhos herdam dos pais suas qualidades genéticas e particularidades dos laços familiares, suas características físicas, os traços e expressões dos seus ascendentes, suas patologias, os valores morais e os caracteres psíquicos. Para Carlos Maximiliano, a cadeia ininterrupta que une as gerações é o mesmo nexo sucessório que implica a continuidade da fruição dos bens,[2] e a transmissão desses bens aos herdeiros do sucedido é uma construção do Direito Civil e não uma consequência do Direito Natural, como acontece com a transmissão das características genéticas da filiação consanguínea.

A família representa uma coletividade ligada por seus laços de sangue e de afeto, sendo a célula familiar o motor mais seguro da atividade humana, e a prova maior da estabilidade econômica. Não sendo sem outra razão a causa pela qual o direito à herança, por razões de ordem política e econômica, mereceu proteção constitucional como direito fundamental.

O homem durante sua existência luta para conquistar e aumentar suas riquezas materiais, reunindo tesouros e bens que haverão de diminuir seus esforços e sua dependência futura, servindo igualmente para estender sua proteção, mesmo para depois de sua morte para aqueles seus familiares que lhe são próximos e afetivos. A sociedade é diretamente beneficiada diante do direito constitucional à herança (CF, art. 5º, inc. XXX), pois os cidadãos são motivados ao trabalho e à formação de riquezas e economias, que por sua vez serão repassadas aos seus herdeiros pelo direito sucessório, garantindo o progresso econômico do país. Não fosse desse modo, certamente desapareceria o interesse na produção individual de qualquer riqueza, porque ninguém teria motivação para o trabalho e para o acúmulo de riquezas que não seriam herdadas por seus parentes mais próximos e outras pessoas de sua pessoal afeição, vertendo seu patrimônio para a sociedade.

Com a morte do titular dos bens, o direito constitucional resguarda a transmissão da propriedade sob a ótica do direito sucessório legítimo e testamentário, assegurando, com a afetação do patrimônio familiar, a consolidação da solidariedade familiar e o princípio da solidariedade sucessória.[3]Sendo a família a base da sociedade, seus pilares precisam estar firmemente fundados e, do ponto de vista econômico, não é possível conceber a continuação e sobrevivência da família, se dela é abstraído o direito à sucessão dos bens familiares.

O papa Leão XII escreveu em sua encíclica Rerum novarum“A natureza impõe ao pai de família o sagrado dever de alimentar e cuidar de seus filhos. Porém vai mais longe. Como os filhos refletem a fisionomia de seu pai e são como a felicidade de prolongamento de sua pessoa, a natureza lhe impõe preocupar-se pelo porvir de sua prole e criar-lhes um patrimônio. Porém, poderá criá-lo sem a aquisição e posse permanente de bens, que produtivos possa transmiti–los via herança?”.[4]

Seria realmente inconcebível imaginar pudesse uma pessoa trabalhar por toda sua vida, desenvolver seus negócios, construir empreendimentos e economizar, sabendo de antemão que seus bens não seriam transferidos para sua família com seu passamento, ou que seu acervo construído com o sacrifício de toda uma existência iria para o Estado, como sucedeu na experiência soviética, ou como transcorreu no pensamento de Montesquieu, que achava que a lei natural ordenava aos pais que alimentassem os seus filhos, mas não os obrigava a fazê-los herdeiros, e de Augusto Comte que julgava imoral a sucessão legítima, quando filhos receberam uma educação completa e nada mais deveriam esperar de seus pais, qualquer que fosse a sua fortuna, devendo reverter em proveito da sociedade, aduzindo Clóvis Beviláqua que outros autores contemporâneos também insistiam nas mesmas ideias depreciativas do direito hereditário, preparando o terreno para a propaganda dos socialistas de todos os matizes.[5]

Conforme Gustavo A. Borda, os teóricos da revolução comunista atacaram com ênfase a “injustiça” do direito sucessório, que era limitado em 1918, à sucessão da casa, dos móveis e instrumentos de trabalho, desde que o valor total não excedesse a 10.000 rublos e os herdeiros estivessem na posse desses poucos bens. Os demais bens eram administrados pelo Estado em benefício dos herdeiros que não dispunham de meios próprios de sobrevivência.

Segundo ainda o referido autor, logo o regime jurídico soviético sentiu o golpe e medidas foram aplicadas para tentar atenuar os nefastos efeitos da supressão do direito sucessório, mas essas medidas resultaram igualmente insuficientes e a premente necessidade de aumentar a produção obrigou os soviéticos a aplicarem uma política econômica que reconhecesse o estímulo à produção, passando, obrigatoriamente, pelo reconhecimento do direito sucessório, em uma sucessão de direitos que culminou, inclusive, com a supressão do imposto de transmissão.[6]

A partir dessas evidências se torna fácil entender haver no seio familiar um interesse único envolto no princípio supremo da solidariedade, em que trabalham os pais para os filhos e todos pela família, permitindo fortalecer a sociedade e firmar os pilares que sustentam o Estado, avançando ambos no crescimento coeso e coerente de defesa da família e da sociedade através do respeito constitucional aos vínculos de afeto, às relações de parentesco, ao direito de propriedade, ao da autonomia de vontade e ao patrimônio familiar, assegurada sua transmissão hereditária.

A morte de uma pessoa faz com que seus familiares recolham sua herança, tendo o legislador buscado inspiração na solidariedade como instrumento de proteção familiar, ao conservar para depois de sua morte o seu patrimônio com seus familiares, sendo permitidas certas liberalidades testamentárias nos limites das garantias dos eventuais herdeiros necessários. Com isso, fica harmonizada a sucessão legítima em coexistência com a testamentária, reservados por lei os direitos sucessórios dos herdeiros necessários.

O escopo do direito hereditário está em proteger a família, preservar suas relações e com ela manter os bens e assim assegurar, constitucionalmente, a transmissão dos bens de quem falece aos seus familiares e a terceiros indicados por testamento. Dessa forma, o direito sucessório, constitucionalmente garantido, contribui para dar consistência ao Estado Democrático de Direito, beneficiando economicamente o Estado e a sociedade, e mantém “perpétuo estímulo ao trabalho e à economia, ao aperfeiçoamento e à constância no esforço útil”,[7] aumentando a economia, produzindo e aumentando a riqueza e servindo como fator constante de progresso econômico.

E, se assim não fosse, desapareceria o estímulo necessário da vida econômica que se ressentiria da riqueza geral, pois uma vez atendidas as mínimas necessidades próprias de cada indivíduo, ninguém se animaria ao trabalho e ao inútil aumento da produção, dos bens materiais e da fortuna que não seria transmitida aos seus sucessores.[8]

[1] MAXIMILIANO, Carlos. Direito das sucessões. 4. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1958. v. I, p. 19.23

[2] MAXIMILIANO, Carlos. Direito das sucessões. 4. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1958. v. I, p. 21.

[3] BIANCA, Massimo C. Diritto civile. 4. ed. Milano: Dott. A. Giuffrè Editore, 2005. v. II, p. 534.

[4] MAZEUD, Henry; LÉON Jean. Lecciones de derecho civil. Buenos Aires: Ediciones Jurídicas Europa-América, 1976. v. I, p. 461.

[5] BEVILÁQUA, Clóvis. Direito das sucessões. Bahia: Livraria Magalhães, 1899. p.12-13.

[6] BORDA, Guilhermo A. Tratado de derecho civil: sucesiones. 7. ed. Buenos Aires: Editorial Perrot, 1994. t. I, p. 12.

[7] MAXIMILIANO, Carlos. Direito das sucessões. Rio de Janeiro: Livraria Freitas Bastos, 1958. v. 1, p. 28.

[8] LASALA, José Luis Pérez. Curso de derecho sucesorio. Buenos Aires: Depalma, 1989. p. 12.