A CONFORMAÇÃO DO PRINCÍPIO DA CONFIANÇA NO DIREITO PENAL DAS LICITAÇÕES: REFLEXÕES SOBRE A RESPONSABILIDADE PENAL DO GESTOR PÚBLICO DIANTE DOS CRIMES LICITATÓRIOS
Flávio Eduardo Turessi
SUMÁRIO: Introdução. 1 A Confiança como Limite ao Dever Objetivo de Cuidado: o Sistema Finalista. 2 A Confiança Critério de Imputação Objetiva: o Sistema Funcionalista. 3 Limites ao Princípio da Confiança: a Questão da Vigilância e do Controle nos Crimes de Licitação. Conclusão. Referências.
Introdução
Como se sabe, toda e qualquer atividade da Administração Pública deve ser pautada, dentre outros, pelos princípios constitucionais da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência[1].
Com a inclusão do princípio da eficiência no art. 37, caput, da Constituição Federal de 1988, pela Ementa Constitucional nº 19, de 4 de junho de 1998, o legislador constituinte reformador acenou que mão basta ao administrador público orientar-se pela legalidade de seus atos. Sem que o princípio da legalidade seja sacrificado, é preciso algo a mais. Com isso, a lei deixa de ser o único pressuposto de validade da atividade administrativa que deve ser, também, eficiente, produzindo resultados satisfatórios e concretos à sociedade.
Não por acaso, Flávio Amaral Garcia chega a afirmar que o Direito Administrativo atual alegou um novo patamar de vinculação jurídica para a Administração Pública, qual seja, a efetiva produção de um resultado determinante, destacando-se o princípio da eficiência como o seu principal veículo condutor[2].
De fato, com a positivação do postulado da eficiência no texto constitucional e na própria Lei nº 8.987/95[3] – Lei das Concessões e Permissões de Serviços Públicos –, não há como deixar de se exigir que a Administração Pública atue de maneira rápida e eficaz na satisfação dos interesses da população. Serviço público adequado, seja ele prestado diretamente pela Administração Pública ou executado por particulares, é o que satisfazer as condições de regularidade, continuidade, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação, modicidade das tarifas e eficiência[4].
Nessa quadra, buscando conferir unidade, coerência e completude ao sistema por ela proposto, a mesma Carta Política de 1988, em seu art. 37, inciso XXI[5], elegeu a licitação como o procedimento administrativo mediante o qual a “Administração Pública seleciona a proposta mais vantajosa para o contrato de seu interesse”[6].
Nessa linha de intelecção, é da essência de todo e qualquer procedimento licitatório a efetiva igualdade de competição entre os licitantes na busca da contratação mais vantajosa para a Administração. Em nosso ordenamento jurídico, a ideia de licitação está umbilicalmente ligada à ideia de livre concorrência entre os competidores, ainda mais pelo fato de, no Brasil, as licitações movimentarem acerca de 700 bilhões de reais por ano, representando 20{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6} (vinte por cento) do PIB nacional[7].
Assim é que, malgrado não previsto de forma expressa n o art. 3º da Lei nº 8.666/93, o princípio da livre concorrência, ao ser expressamente contemplado no art. 170, inciso IV, da Constituição Federal de 1988, garante a efetiva igualdade de competição entre interessados e somente pode ser afastado em casos excepcionais de dispensa e inexigibilidade de licitação, especialmente estabelecidos nos arts. 24 e 25 da própria Lei de Licitações e Contratos.
Dessa forma, ainda que formalmente em ordem, o procedimento licitatório será imprestável se, por detrás, houver burla ao caráter competitivo que dele se espera. E, tamanha a magnitude do bem jurídico aqui individualizado, vale dizer, a moralidade administrativa, valor constitucional de destacada relevância penal e objetivo de indisfarçável mandado implícito de criminalização que, ao lado dois tipos penais tradicionalmente insculpidos no próprio Código Penal, tais como o peculato, corrupção ativa, corrupção passiva e concussão, o legislador especial de 1993, buscando reforçar seus instrumentos legais de proteção e controle, houve por bem lançar mão de tipos penais específicos em seu próprio texto como imperativos de tutela [8].
Nessa quadra, a parte penal da Lei nº 8.666/93, posteriormente modificada pela Lei nº 8.883/94, prevê tipos que buscam resguardar o procedimento licitatório de forma ampla e completa, alcançando tanto a fase interna quanto a fase externa da licitação, vale dizer, desde o seu nascimento até o final cumprimento da execução do contrato administrativo pelas partes.
Não obstante, em que pese o elogiável esforço demonstrado pelo legislador ordinário de 1993, tem-se que a redação por ele conferida a certos tipos penais, ante a indisfarçável dificuldade gerada para o escorreito exercício de tipicidade, aqui compreendido como o juízo de justaposição entre a conduta verificada no caso concreto com o modelo de comportamento proibido pela norma penal, merece algumas críticas[9].
Até mesmo de maneira intuitiva, sabe-se que o Direito Penal ganha vida através dos tipos penais. E, quando se debruça sobre os tipos penais insculpidos da Lei nº 8.666/93, ao lado da existência de pontuais conflitos aparentes de normas com tipos penais previstos no Decreto-Lei nº 201/67 e na Lei nº 8.137/90, cuja solução reclama o escorreito manejo dos princípios da especialidade, subsidiariedade e consunção, constata-se a escolha por uma técnica legislativa que opta pela construção de tipos penais bastante analíticos, alguns deles normas penais em branco[10], que não raro impõem ao intérprete sérias dificuldades para o exercício da exegese de imputação.
Mais disso. Diante da atual e complexa conformação orgânica das administrações Públicas diretas e indiretas no Brasil, mercadamente fragmentadas e distribuídas entre diversos órgãos hierarquicamente subordinados, a determinação da responsabilidade penal de cada um dos atores que funcionam no processo licitatório, desde o agente que solicita a contratação, passando-se pelo presidente e demais integrantes da própria comissão de licitação, até se chegar ao ordenador de despesas que homologa a seu resultado e adjudica o objeto do certame ao particular vencedor, longe de ser tarefa das mais fáceis, contribui para o surgimento dos chamados problemas de imputação em sistemas complexos, fenômeno igualmente presente e muito mais discutido pela doutrina quando se busca investigar a responsabilização penal da pessoa jurídica, distinguindo-a da dos seus sócios e administradores[11].
Seja como for, é nesse contexto que ganha corpo e salta em importância a necessidade do correto manejo do princípio da confiança como forma de limitar a responsabilidade penal do gestor público diante do concurso de outras pessoas para a produção do resultado delitivo lesivo à Administração Pública.
Inicialmente desenvolvido para a denominada criminalidade de trânsito, a aplicação do princípio da confiança, em linhas gerais, sugere que “ninguém precisa contar com o com o comportamento antijurídico dos outros antes de realizar cada qual suas ações”[12], orientação a ser aqui analisada a partir do dever de vigilância, controle e fiscalização que se impõe a todo e qualquer administrador público e, de maneira mais destacada para o presente estudo, àquele que, na inequívoca condição de responsável pela ordenação de despesas, após analisar o proceder de seus subordinados, entenda por bem homologar um procedimento licitatório fraudado e adjudicar o objeto do contrato ao aparente vencedor do certame, chancelando, dessa forma, condutas manifestamente criminosas.
1 A Confiança como Limite ao Dever Objetivo de Cuidado: o Sistema Finalista
Numa primeira arrancada, ainda que o presente estudo não se preste a discutir as diferentes concepções doutrinárias que se esgrimam em busca do conceito analítico de crime, para a escorreita análise da conformação e dos limites a serem impostos à aplicação do princípio da confiança no Direito Penal, impõe-se que se faça um brevíssimo recorte dogmático[13] sobre as principais diferenças e variações percebidas entre as teorias de sustentação dos sistemas clássico e finalista.
Influenciado por ideias positivistas do final do século XIX, o fundamento do sistema clássico, de Franz Von Liszt e Ernest Beling, reside justamente no conceito natural de ação. Aqui, a conduta é desprovida de qualquer finalidade, vale dizer, neutra, podendo ser identificada como um simples movimento corpóreo voluntário que produz um resultado exterior.
Na lição de Vives Antón,
“Según el concepto causal, acción es la producción o la no evitación voluntaria de un cambio en el mundo externo. El núcleo de la acción se halla representado por la relación entre um querer sin contenido (el contenido del querer se analiza en el âmbito de la culpabilidad) y un resultado externo.”[14]
À teoria causal ou natural da ação liga-se a teoria psicológica da culpabilidade, segundo a qual “culpabilidade é uma ligação de natureza anímica, psíquica, entre o agente e o fato criminoso”[15], sendo suas espécies o dolo e a culpa.
Nesse sistema, a causalidade revela contornos inteiramente objetivos, sendo certo que a vontade não traduzida em atos externos revela-se absolutamente irrelevante para o Direito Penal. Dessa forma, sob o ponto de vista analítico, os adeptos do causalismo conceituam o delito como um fato típico, antijurídico e culpável.
Todavia, se por um lado o sistema causal proporcionou sensíveis avanços na construção do conceito e funções conferidas à tipicidade[16], de outro lado tratou o dolo e a culpa, fenômenos absolutamente distintos, como espécies da culpabilidade.
Crítico, Welzel pontua que:
“El error fundamental de la teoria causal de la acción consiste en que no sólo desconoce la función constitutiva, por antonomásia, de la voluntad rectora respecto de la acción, sino que incluso la destruye y convierte en um mero proceso causal desencadenado por un acto de voluntad cualquiera (‘acto de voluntariedad’). El contenido de la voluntad, que antecipa mentalmente las consecuencias posibles de un acto de voluntad y que dirige, conforme a un plan y sobre la base del saber causal, el proceso del acontecer externo, se convierte en um mero ‘reflejo’ del fenómeno causal externo en el alma del actor.”[17]
De fato, com o término da Segunda Guerra Mundial, a teoria do delito deixou-se fortemente influenciar pelos ideais propostos pelo sistema finalista e pela teoria finalista da ação, de Hans Welzel, para quem “A ação humana é exercício de uma atividade final. A ação é, portanto, um acontecimento final e não puramente causal”[18].
É, como se sabe, a teoria finalista da ação relaciona-se com a denominada teoria normativa pura da culpabilidade, por ela entendida como o juízo de reprovabilidade da conduta típica e antijurídica. Aqui, o dolo é inserido no tipo penal e a culpabilidade passa a contar com os seguintes elementos, a saber: (i) imputabilidade; (ii) potencial consciência da ilicitude, e (iii) exigibilidade de conduta diversa.
Assim é que, promovendo um verdadeiro giro conceitual na dogmática penal, o finalismo, na observação de Tavares,
“Primeiramente, equacionou o problema da separação assistemática dos elementos subjetivos, que informam ilícito, do dolo, para juntá-los num mesmo bloco. Tudo o que é, assim, naturalisticamente subjetivo deve ser encarado de uma mesma forma. Depois, pôde-se obter um melhor enquadramento técnico da tentativa e do crime consumado, da autoria e da participação, do erro de tipo e do erro de proibição, como também dosar-se adequadamente o caráter indiciário do tipo com relação à antijuridicidade.”[19]
Nessa ordem de valores, mesmo adeptos da teoria finalista da ação, há autores que enxergam no delito um fato típico, antijurídico e culpável, enquanto que outros finalistas, chamados bipartidos limitam-se a conceituá-lo como fato típico e antijurídico, enxergando na culpabilidade um pressuposto de aplicação da pena[20].
Não obstante, assim como o sistema causalista, o sistema finalista também apresenta incompletudes[21]. Sendo a ação humana o exercício de uma atividade final, vale dizer, dirigida a um fim, o finalismo não resolve satisfatoriamente, por exemplo, a questão dos crimes culposos[22].
Seja como for, sabe-se que a estrutura do injusto penal nos delitos dolosos não é a mesma construída para os delitos culposos. No tipo de injusto doloso pune-se a conduta dirigida a um fim ilícito, enquanto que o conteúdo estrutural do tipo de injusto culposo volta-se contra a conduta mal dirigida, normalmente dirigida a um fim penal indiferente e, por vezes, até lícito[23].
Portanto, pode-se afirmar que o fato típico no crime culposo contempla a quebra do dever objetivo de cuidado, conceito normativo que “surge de la comparación entre la conducta que hubiera seguido un hombre razonable y prudente en la situación del autor y la observada por el autor realmente”[24].
Assim sendo, como já foi aqui adiantado, fruto da jurisprudência penal alemã, o princípio da confiança surgiu justamente como critério de limitação concreta do dever de cuidado para a imputação de crimes culposos de trânsito[25].
De acordo com Jorge de Figueiredo Dias:
“Segundo este princípio, quem se comporta no tráfico de acordo com a norma de cuidado objetivo dever poder confiar que o mesmo sucederá com os outros; salvo se tiver razão concretamente fundada para pensar ou dever pensar de outro modo (‘concretamente’, dizemos, e não sob a alegação geral de que ‘há sempre que contar com aquela gente’ que viola as normas de cuidado).”[26]
Assim, se o condutor “A”, diante do semáforo verde em seu favor e sem exceder os limites de velocidade para aquela determinada via, atravessa o cruzamento sem a cautela de verificar a passagem de outro veículo que, conduzindo por “B” pela via transversal, desrespeita o semáforo vermelho, causando-lhe a morte pelos ferimentos suportados após a colisão, o resultado não poderá ser imputado ao condutor “A” que, no presente exemplo, agiu confiando que “B” se manteria dentro dos limites do perigo permitido, respeitando o sinal vermelho de parada.
A título de ilustração, o Superior Tribunal de Justiça nos autos do Habeas Corpus 147.250/BA, em judicioso voto condutor da eminente Ministra Maria Thereza de Assis Moura, manejando os princípios da confiança e da autocolocação da vítima em perigo, trancou a Ação Penal 2575080/2009, em trâmite perante a 17ª Vara Criminal da Comarca de Salvador/BA, que imputava ao agente justamente o crime de homicídio culposo na condução de veículo automotor[27].
Ocorre que, malgrado idealizado os delitos culposos de trânsito, tem-se a aplicação do princípio da confiança não se restringe somente a estas modalidades delitivas.
Com efeito, tamanha a importância da aplicação do princípio da confiança no Direito Penal que, aplicando-se seu horizonte de aplicação para além dos delitos culposos de trânsito, seu postulado encontra razão de ser diante de toda e qualquer conduta social da qual participem duas ou mais pessoas, notadamente de atividades desenvolvidas por equipes, em autêntica divisão de trabalho[28], como critério de imputação para a realização do tipo objetivo.
2 A Confiança como Critério de Imputação Objetiva: o Sistema Funcionalista
Ao lado das críticas intrassistêmicas formuladas em desfavor do finalismo, notadamente à extensiva cadeia causal verificada com a adoção da teoria da equivalência das condições (conditio sine qua non) e à inconsistência dos crimes culposos, foi justamente no final do século XX que se passou a questionar, com maior contundência, as próprias bases dogmático-filosóficas que serviram de sustentação às ideias apresentadas por Welzel, no período do pós-Guerra Mundial.
Esse novo movimento, denominado funcionalismo ou pós-finalismo, e que encontra em Claus Roxin e Günther Kakobs dois dos seus principais interlocutores, passa a abordar a dogmática penal de forma conjunta e sistematizada com critérios de política criminal, descortinando no Direito Penal uma função político-criminal.
Não por acaso, Roxin chega a afirmar que “transformar conhecimentos criminológicos em exigências político-criminais, e estas em regras jurídicas, da Lex lata ou ferenda, é um processo, em cada uma de suas etapas, necessário e importante para a obtenção do socialmente correto”[29].
Componente de destaque no sistema pós-finalista, a teoria da imputação objetiva volta-se justamente contra a teoria da equivalência das condições (conditio sine qua non)[30] e a possibilidade do chamado regresso ad infinitum na cadeia causal do sistema finalista[31], propondo fórmulas para o aprimoramento das técnicas de imputação penal.
Em apertada síntese, a teoria da imputação objetiva (ou teoria da imputação ao tipo objetivo) condiciona a imputação de um resultado causado pelo agente à criação ou incrementação de um risco não permitido dentro do alcance do tipo (objetivo)[32]. Essa teoria relega o tipo subjetivo a uma posição secundária e insere o tipo objetivo, que não se esgota na mera causação de um resultado, no centro das atenções[33].
Com efeito, é justamente nesse contexto de imputação objetiva para a realização do tipo (objetivo) que surge a necessidade de se delimitar a responsabilidade penal individual daquele que atua em conjunto com outros atores, dividindo funções e tarefas, diante da produção de um resultado delitivo. Nessa quadra, o princípio da confiança surge como uma autorização para que a agente confie no comportamento de terceiros quando, em autêntica divisão de tarefas, desempenha suas funções, realizando condutas interligadas.
De fato, não há o menor sentido em se exigir que um agente controle permanentemente a atuação dos demais. Assim, o postulado permite a delegação de funções em atividades típicas de grupo sem que se fale, justamente por força de confiança do agente delegante no escorreito proceder dos agentes delegados, na criação ou incrementação de um risco não permitido, obstando a imputação objetiva da conduta ao tipo.
Nas palavras de Jakobs:
“O princípio da confiança é a autorização para confiar no comportamento correto das outras pessoas – numa medida a ser ainda determinada – não obstante a experiências de que elas cometem erros (confiar é entendido aqui não como evento psíquico, mas como estar autorizado a confiar). O princípio da confiança não é apenas um subcaso do risco permitido, mas também da proibição de regresso.”[34]
Dessa forma, constata-se que, malgrado idealizado para os delitos culposos de trânsito no início do século XX, limitando o dever objetivo de cuidado a aplicação do princípio da confiança não se restringe somente a estas modalidades delitivas. O princípio da confiança se presta, também, como critério de imputação objetiva, podendo-se afirmar que não se pode imputar o tipo penal objetivo ao agente que, diante do caso concreto, atue na crença de que os demais agentes também laboram nos estritos limites e conforme as regra legais.
Ademais, vale a pena reforçar que “a moderna teoria do tipo penal reconhece que também no crime doloso verificam-se elementos do crime culposo, porquanto se exige uma ação que gere um perigo juridicamente proibido”[35].
Nessa quadra, longe de estar superado, o princípio da confiança orienta que todo aquele que labora em conformidade com as normas legais pode confiar que os demais atores daquela mesma atividade conjuntamente desempenhada também operam com obediência a esse mesmo dever.
E, de acordo com Juarez Tavares,
“A consequência da aplicação deste pensamento no direito penal será a de excluir a responsabilidade dos agentes em relação a fotos que se estendam para além do dever concreto que lhes é imposto nas circunstâncias e nas condições existentes no momento de realizar a atividade.”[36]
Portanto, num contexto de imputação objetiva, o princípio da confiança insere-se justamente na análise da criação/incrementação de um risco proibido, permitindo que se delegue funções a terceiros na confiança de que as tarefas delegadas serão executadas conforme o ordenamento, excluindo-se a responsabilidade penal daquele que, acreditando o ordenamento, excluindo-se a responsabilidade penal daquele que, acreditando no escorreito proceder dos demais agentes, foi o responsável pela delegação. Trata-se, enfim, de causa de exclusão da tipicidade, pois “os comportamentos que criam riscos permitidos não se comportamentos que devem ser justificados, mas que não realizam tipo algum”[37].
3 Limites ao Princípio da Confiança: a Questão da Vigilância e do Controle nos Crimes de Licitação
Superado o (necessário) enfrentamento dogmático para os fins aqui pretendidos, impede dizer que o princípio da confiança não é absoluto e que a sua aplicação ao caso concreto, como não poderia deixar de ser, sujeita-se a limitações.
Não por acaso, Edgard Alberto Donna ilustra que:
“En este tema se debe hacer una distinción entre el principio de confianza, visto desde el punto de vista abstracto, en el cual todo sujeito libre responde de sus actos y de ninguna manera el autor debe hacerse cargo de la responsabilidad de terceros, del principio visto en concreto, en donde sin dudas existen restricciones al principio. De este modo se deve decir que el principio de confianza no es un principio absoluto, ilimitado ni de vigência irrestricta. Pero entiéndase bien, el juego previsibilidade – normas de cuidado – principio de confianza tiene un análise abstracto e outro concreto. Em este punto, al igual que en las causas de justificación, rige la excepción. De allí que se puedan dar ciertas reglas que hacen a la excepción.”[38]
Assim, há certas circunstâncias concretas que, prima facie, já impedem a aplicação do princípio da confiança como forma de excluir a imputação da conduta ao tipo objetivo. Determinadas condições pessoais que impliquem em sérias limitações à capacidade cognitiva do ser humano já não suficientes para, por si sós, afastarem a aplicação do postulado da confiança na exegese de imputação. À evidência, não se pode confiar que crianças ainda em desenvolvimento, aqui compreendidas as pessoas de até 12 (doze) anos incompletos[39], sejam capazes de, sem qualquer tipo de supervisão, sozinhas, exercerem, por delegação dos pais ou responsáveis, o dever de cuidado e vigilância sobre o proceder de irmãos ainda mais novos. Ora, no exemplo aqui oferecido, o efetivo exercício do poder familiar é clara e manifestamente indelegável, sendo descabido faltar-se em (cega) confiança, pelos seus titulares, no proceder do filho mais velho.
Nessa quadra, mesmo questionando o recurso à inimputabilidade como critério de limitação à aplicação do postulado. Flávio Siqueira não nega que, em linhas gerais, não se pode confiar em indivíduos que aparentam não merecer confiança, sendo que a peculiar condição de terceiro pouco capacitado, como crianças e idosos debilitados em idade muito avançada, gera indisfarçável limitação é crença de que nada vai acontecer[40].
Mas não é só. Outra importantíssima limitação que se oferece à aplicação do princípio da confiança se dá nas hipóteses em que, dividindo-se tarefas, exista um especial dever de cuidado diante da posição de garantidor assumida por um dos agentes do grupo.
De fato, diante de estrutura vertical e hierarquizada de trabalho, é inegável que aquele agente investido no poder de decisão, dirigindo a atividade dos demais atores, não pode vale-se do princípio da confiança para excluir a imputação penal objetiva. Aliás, vale a pena destacar que, em nosso ordenamento jurídico de agir, principal fundamento para a punição dos crimes omissivos impróprios, também chamados comissivos por omissão, justamente em razão da falta de um tipo penal específico capaz de prever todos os comportamentos omissivos possíveis[41].
Essa ideia fica muito clara diante dos chamados “erros médicos”. Respeitados as circunstâncias do caso concreto, o cirurgião-chefe da equipe não pode valer-se do postulado da confiança diante do resultado lesivo provocado um por um dos seus coordenados que, laborando alcoolizado durante o processo cirúrgico, ministrou o anestésico errado que conduziu o paciente ao óbito. Como chefe da equipe e responsável pela coordenação dos trabalhos, o dever de vigilância sobre o proceder dos demais profissionais da saúde que a ele se impunha durante o ato cirúrgico impede que se invoque a ratio da confiança.
De outro giro, quando se abandona o âmbito das relações privadas e invade-se a seara da Administração Pública, a primeira observação que deve ser feita é a de que seus órgãos e instâncias são indiscutivelmente estruturados de maneira hierarquizada[42]. A existência de chefias hierarquicamente sobrepostas é inerente ao funcionamento da própria máquina estatal. E, no exercício do processo de escolha da contratação mais vantajosa para a Administração Pública, a própria Lei nº 8.666/93 determina que os diversos atos que compõem as fases interna e externa da licitação sejam conduzidos, em regra, por uma comissão, permanente ou especial, e composta por, no mínimo, três membros[43].
Dessa forma, a previsão da existência de mais de uma pessoa investida na função de avaliar e julgar a proposta mais vantajosa para a Administração Pública visa a coibir arbítrios e juízos de valor viciados, cabendo à autoridade competente para representar o órgão público contratante nomear os integrantes da comissão de licitações, fixando-lhes atribuições e distribuindo-lhes tarefas.
Nessa quadra, na medida em que as atividades confiadas à comissão de licitações são repartidas entre os seus integrantes, em autêntica divisão de tarefas, o manejo do princípio da confiança como forma de limitar a imputação do resultado ao tio objetivo impõe que se diferencie duas ordens de atuação no proceder dos agentes públicos envolvidos nesta sensível atividade, a saber: (i) horizontal, entre os próprios membros da comissão de licitações, e (ii) vertical, entre os membros da comissão de licitações e a autoridade pública investida no poder de, após nomeá-los, homologar o resultado do certame e adjudicar o objeto do contrato ao particular vencedor da competição.
Nessa ordem de ideias, cuidando-se da relação horizontal entre todos os integrantes da comissão de licitações, mesmo diante da clara divisão de tarefas, tem-se por indivisível o dever imposto a cada um deles de fazer cumprir a Lei de Licitações e Contratos e, em última análise, defender a legalidade e a prevalência do interesse público, veto orientador da Administração Pública expressamente agasalhado no art. 2º, caput, da Lei nº 9.784/99[44]. Não por caso, ao deitar seus olhos para a responsabilidade civil dos agentes públicos envolvidos, a própria Lei nº 8.666/93, em seu art. 51, § 3º, assevera que os membros da comissão responderão solidariamente por todos os atos praticados pelo colegiado[45].
Assim sendo, descabe falar em confiança como forma de evitar a imputação do resultado lesivo a todos os membros da comissão de licitações se não houve, por parte do membro divergente, sua expressa discordância diante d ato praticado. Assim, por exemplo, se o agente público integrante da comissão não se insurgiu, no momento apropriado, contra a habilitação de uma determinada empresa ao certame, decisão esta operada fraudulentamente por outro membro da sua equipe, descabe invocar o postulado da confiança como forma de afastar a imputação objetiva do resultado delitivo a todos os membros da comissão de licitações, inclusive a ele próprio.
Com efeito, justamente por força do interesse público que rege a atuação da própria Administração Pública, cabe ao membro da comissão de licitações opor-tose à conduta ilegal de seus pares, lançado em ata, de maneira fundamental, as razões da sua justificada objeção. De se observar, por oportuno, que, cuidando-se de uma relação horizontal de trabalho desenvolvida no âmbito da Administração Pública, a escorreita atuação do agente público investido na função de julgar propostas para a celebração de contratos administrativos não implica no mero controle recíproco sobre o proceder dos seus pares. É muito mais ampla. Alcança, também o pleno exercício dos graves misteres que lhe foram especialmente confiados, pela autoridade superior, no trato da coisa pública, esteja ele temporariamente investido na função julgadora afeta à comissão de licitações ou não.
De outro vértice, constata-se a existência de uma relação hierárquica e indiscutivelmente verticalizada entre os membros da comissão de licitações e o gestor público que, após nomeá-los, investe-se na condição de responsável pela análise final do certame, homologando o resultado do processo licitatório e adjudicando seu objeto ao proponente apontado como vencedor pelo órgão colegiado. Nessa quadra, como alerta Flávia Siqueira, impõe-se que se faça a análise da existência de duas ordens de deveres ao chefe, vale dizer: (i) deveres de seleção, instrução e coordenação, e (ii) deveres de vigilância e controle ou supervisão[46].
No âmbito da Administração Pública, em que o gestor não pode dispor da coisa pública como se dono fosse, impõe-se ao responsável pela homologação do processo licitatório e consequente adjudicação do objeto ao seu aparente vencedor um especial dever de vigilância sobre o proceder de seus subordinados, limitando claramente a aplicação da ratio da confiança.
Aliás, esse especial dever de vigilância e controle surge antes mesmo da deflagração do certame. Nasce no momento em que é feita a escolha, pelo administrador público, dos servidores que farão parte da própria comissão de licitações. E, como se sabe, especialmente em pequenos municípios brasileiros com pouco mais de cinco mil eleitores, a comissão de licitações, não raras vezes, é formada por servidores absolutamente desprovidos de capacitação técnica, muitos dos quais ocupantes de funções em setores meramente burocráticos daquela Administração, e que acabam sendo selecionados para o exercício desta importantíssima atividade sem que seja levada em consideração sua (in) capacidade pessoal para desincumbir-se do gravame.
Mais disso. Uma vez investidos na condição de membros da comissão de licitações, estes mesmos servidores deixam de receber a devida capacitação técnica minimamente exigida para o desempenho das suas atividades, sendo flagrantemente necessária a obrigação de revisão e controle, pelo ordenador de despesas, das suas decisões.
Não por outra razão, Marçal Justen Filho anota que:
“A nomeação de membros técnicas e profissionalmente não habitados para julgar o objeto da licitação caracteriza abuso de poder da autoridade competente. Se a Administração impõe exigências técnicas aos interessados, não pode invocar sua discricionariedade para nomear comissão destituída de condições para apreciar o preenchimento de tais requisitos. O agente que não está técnico, científica e profissionalmente habilitado para emitir juízo acerca de certo assunto não pode integrar comissão de licitação que tenha atribuição de apreciar propostas naquela área.”[47]
Não se afirmam aqui que o todo e qualquer resultado lesivo decorrente do proceder criminoso do agente público subordinado deva ser imputado ao seu superior hierárquico. Não é isso. Afirma-se, apenas, que, diante do especial dever de cuidado inerente à própria estrutura hierarquizada da Administração Pública, ao agente público ordenador de despesas e responsável pela homologação de certame e adjudicação do seu objeto ao particular incumbe selecionar, de maneira séria e comprometida, os membros da comissão de licitações, capacitando-se para o exercício das funções e coordenando suas atividades. Cuida-se, como já destacado, de um especial dever de vigilância do qual o ordenador de despesas somente se desincumbe quando assina o contrato administrativo, referendando o proceder de seus subordinados.
Nas palavras de Siqueira, “os deveres de vigilância, controle ou supervisão, ensejam uma maior limitação da confiança. Trata-se da culpa in vigilando, a qual decorre da ausência da correta vigilância do superior hierárquico em relação ao seu subordinado”[48].
Nesse mesmo vértice, confira-se Tavares, para quem, no âmbito da Administração Pública, “se o chefe que o subordinado realize uma tarefa, deve fiscalizar sua execução para que essa não venha a lesar bem jurídico da própria administração ou de terceiro”[49].
Ademais, vale a pena ressaltar que, no contexto sociopolítico brasileiro atual, permeando pelo trânsito de malas de dinheiro de origem duvidosa e engenharias criminosas que, democraticamente, sangram os cofres públicos de todos os entes e esferas das Administrações Públicas Federal, Estadual, Distrital e Municipal, ninguém ignora que processos licitatórios, não raras vezes, são usados como instrumentos de corrupção e desvio de rendas e verbas públicas, regra de experiência que, à evidência, não é lado ao gestor público ignorar.
Conclusão
Utopicamente, o sadio convívio em sociedade deveria fazer com que todas as pessoas desempenhassem suas atividades com o mais absoluto respeito às normas jurídicas e às regras de convivência previamente estabelecidas, evitando-se, assim, lesões ou ameaças de lesão a bens jurídicos de terceiros.
Todavia, não é isso o que ocorre. Daí porque todo grupo social precisa lançar mão de mecanismos de controle, formais e informais, que assegurem a coexistência entre seus membros, tais como a escola, o trabalho, a religião e, subsidiariamente, o Direito Penal, notadamente diante da sensível perda de capacidade de atuação das demais instâncias sociais informais que deveriam intervir antes do próprio Estado.
Num contexto social pós-industrial, em que o avanço tecnológico trona obsoleta uma máquina inventada há menos de dois ou três anos, a necessidade da atuação conjunta dos indivíduos no desempenho das mais diversas atividades sociais, repartindo-se tarefas interligadas com vistas ao fim comum, revela-se uma característica moderna quase absoluta, ainda mais quando se persegue, de maneira cada vez mais obstinada, a eficiência e a perfeição dos trabalhos num mundo globalizado marcado pela competição.
Nessa quadra, a vida em sociedade exige que seus membros confiem uns nos outros para o desempenho das suas tarefas, das mais comezinhas até as mais sofisticadas, seja no âmbito doméstico ou fora dele. A confiança passou a ser, pois, um componente fundamental para a coexistência social.
Aliás, se não houvesse confiança recíproca entre os membros de um corpo social, pouquíssimos seriam aqueles que, corajosamente, deixariam suas casas diariamente e, conduzindo seus próprios veículos automotores ou valendo-se do transporte coletivo, partiriam com destino ao local de trabalho.
E, para que guarde coerência sistêmica e cumpra sua precípua missão, o próprio Direito Penal deve levar em conta que a confiança se tornou, nos dias atuais, um fator social e psicológico inerente à conduta humana. Assim, quer seja manejada no sistema finalista, quer seja operada num contexto pós-finalista, a confiança, por conferir racionalidade às normas penais, não pode passar ao largo da dogmática penal.
Todavia, falar em confiança nas relações sociais importa em instituir um verdadeiro “cheque em branco” para a prática de condutas criminosas lesivas a bens de terceiros. A retio da confiança não é absoluta e aceita limitações, notadamente no âmbito da Administração Pública, estruturada a partir de um regime jurídico próprio que persegue a satisfação e a supremacia do interesse público. Nessa quadra, como se buscou demonstrar, quando se tende selecionar, através de licitações públicas, a proposta mais vantajosa para a contratação pública, o especial dever de vigilância e controle que se impõe ao gestor público responsável pela homologação do certame e adjudicação do seu objeto ao particular vencedor confronta a vazia alegação de ausência de ingerências sobre o proceder de seus subordinados, como se o labor dos membros da comissão fosse algo absolutamente divorciado da sua esfera de atuação.
Referências
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[1] Dispõe o art. 37, caput, da Constituição Federal de 1988, que a Administração Pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União. Dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.
[2] Garcia, Flávio Amaral. Licitações e contratos administrativos: casos e polêmicas. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2016. p. 73.
[3] Art. 6º, § 1º.
[4] MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 18. ed. São Paulo: RT, 2014. p. 369.
[5] “Art. 37. (…) XXI – ressalvados os casos específicos na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnicas e econômica indispensável à garantia do cumprimento das obrigações.”
[6] MEIRELLES, Hely Lopes. Licitação e contrato administrativo. 14. ed. São Paulo: Malheiros, 2006.p.27.
[7] SÃO PAULO (Estado). Ministério Público. Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva. Patrimônio Público. Fraudes em licitações e contratos: temas do patrimônio público/Ministério Público do Estado de São Paulo, Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva, Patrimônio Público. – São Paulo: Ministério Público, 2015.p.15.
[8] No ponto, confira-se André Guilherme Tavares de Freitas, para quem “No que se refere, especificamente, aos aspectos penais licitatórios, antes da edição da Lei nº 8.666/93, eventual conduta inadequada socialmente praticada em detrimento do erário público e da moralidade administrativa, por parte dos agentes administrativos, no âmbito dos procedimentos relacionados às contratações da Administração Pública, deveria encontrar tipicidade no próprio Código Penal que, não raras vezes, era insuficiente para atribuir relevância penal ao fato” (Crimes na Lei de Licitações. 3. ed. Niterói: Impetus, 2013.p.4.).
[9] GRECO FILHO, Vicente. Dos crimes da Lei de Licitações. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2007.p. 3 e segs.
[10] De acordo com Cezar Roberto Bitencourt, “O art. 89 da Lei nº 8.666/93 constitui exemplo típico dessa denominada norma penal em branco, pois a incompletude de sua descrição conta com a integração de outras normas, no caso, com definições contidas em outros dispositivos da própria lei” (Direito penal das licitações. São Paulo: Saraiva, 2012.p.170).
[11] Por oportuno, vale a pena conferir a lição de Rafael Berruezo, para quem “La empresa, como ente generador de riesgos, se expresa hacial el interior, especialmente en la asunción por parte del trabajador de una serie de peligros para su vida y su salud que se presentan durante el proceso de producción, riesgos que se encuetran diversificados en diversas etapas, bajo la dirección de distintas personas, configurándose claramente los llamados problemas de imputación en sistemas complejos” (Derecho penal laboral. In: Derecho penal laboral: delitos contra los trabajadores. Montevideo: B de F, 2011.p.4.).
[12] GRECO, Luís. Cumplicidade através de ações neutras: a imputação objetiva na participação. Rio de Janeiro: Renovar, 2004.p.28.
[13] De acordo com Jésus-Máría Silva Sanchéz, a dogmática pode ser entendida como “La conformación de un sistema coerente y ordenado desde sus conceptos más abstractos a los más concretos” (Aproximación al derecho penal contemporâneo. Barcelona: J.M. Bosch, 2002.p.63).
[14] VIVES ANTÓN, Tomás S. Fundametos del sistema penal: acción significativa y derechos constitucionales. 2. ed. Valencia: Tirant ló Blach, 2011.p. 125.
[15] TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1994.p.219.
[16] A título de ilustração. Cláudio Brandão lembra que “Em 1906, Beling escreveu a obra que inaugurou uma nova sistemática metodológica no direito penal: A Doutrina do Crime (Die Lehre vom Verbrechen). Beling, nesta obra, reduziu o âmbito de abrangência do Tatbestand, que não mais seria considerado como sinônimo de crime, e deu-lhe uma função no método do direito penal. A tipicidade(tatbestand) para ele é uma descrição. Tem, pois, uma função meramente descritiva, separada da antijuridicidade e da culpabilidade. Não cabe à tipicidade o estabelecimento dos juízos sobre as causas de justificação ou sobre o dolo ou a culpa, que são as funções da antijuridicidade e da culpabilidade, respectivamente, mas tão somente realizar uma descrição. Pois a tipicidade nunca pode ser valorativa, apenas descritiva, porque ela pertence à lei, não à vida real” (Tipicidade penal: dos elementos da dogmática ao giro conceitual do método entimemático. 2. ed. Coimbra: Almedina, 2014 . p. 80-81).
[17] WELZEL, Hans. Derecho penal elemán. Parte general. 11. ed. Santiago de Chile: Editorial Jurídica de Chile, 1970.p.63.
[18] WELZEL, Hans. O novo sistema jurídico-penal: uma introdução à doutrina da ação finalista. 3. ed. São Paulo: RT, 2011.
[19] TAVARES, Juarez. Teoria do delito: variações e tendências. São Paulo: RT, 1980, p. 86.
[20] De toda a sorte, na anotação de Guilherme de Souza Nucci, “O mais importante, nesse contexto, é perceber que a estrutura analítica do crime não se liga necessariamente à adoção da concepção finalista, causalista ou social da ação delituosa (…) O finalismo, de Hans Welzel (que, aliás, sempre considerou o crime fato tópico, antijurídico e culpável, em todas as suas obras). Crendo que a conduta deve ser valorada, porque. Assim, a conduta, sob o prisma finalista, é a ação ou omissão voluntária e consciente, que se volta a uma finalidade. Ao transferir o dolo para a conduta típica, o finalismo o despiu da consciência de ilicitude (tornando-a potencial), que continuou fixada na culpabilidade” (Código Penal comentado. 14. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014.p. 102).
[21] Aliás, na observação de Tavares, “O que se pretende com a teoria da ação final não é proporcionar tipificação do delito culposo, pois tal pode também ser feito com a teoria causal. O objetivo político-criminal do finalismo é estabelecer um fundamento ontológico, ao qual se devam subordinar todas as formas de atividade humana, justamente por ser esse fundamento a generalização concreta da conduta humana, realizada por meio da redução de seus elementos mais gerais” (Teoria do crime culposo. 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009.p.73).
[22] Como é sabido, muitas são as construções doutrinárias que buscam rechaçar as críticas sistemáticas formuladas em desfavor do finalismo, sendo que, no tocante aos crimes culposos, de uma maneira geral, afirma-se que “A reprovação jurídica nos crimes culposos não recai na finalidade do agente, mas nos meios que o agente elegeu para a consecução de seu fim, sendo eles qualificados como imprudentes, negligentes ou imperitos. Assim, ressalta-se, na culpa o direito não reprova a finalidade do agente, mas reprova os meios que o agente elegeu para a consecução de seus fins” (BRANDÃO, Cláudio. Teoria jurídica do crime.4. ed. São Paulo: Atlas, 2015.p.29-30).
[23] Bitencourt, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral, 1. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2013.p. 371.
[24] MUÑOZ CONDE, Francisco; GARCIA ARÁN, Mercedes. Derecho penal: parte general. 2. ed. Valencia: Tirant ló Blanch, 1996.p. 302.
[25] Na lição de Mario Maraver Gómez, “mediante este principio, los tribunaes alemanes pretendieron limitar el deber de cuidado de los conductores, reconociéndoles la posibilidad de confiar en la conduta de los demás participantes del tráfico, siempre que las circunstacias del caso concreto no hicieran pensar ló contratio. Se trataba en última instancia de limitar el excessivo alcance del critério de la previsibilidad, permitiendo a los conductores no tener que contar constantemente con las previsibles actuaciones incorrectas de los terceros” (El principio de confianza en derecho penal: un estúdio sobre la aplicacion de principio de autorresponsabilidad en la teoria de la imputación objetiva. Navarra: Thomson-Civitas, 2009.p.35-36).
[26] DIAS, Jorge de Figueiredo. Temas básicos da doutrina penal: sobre os fundamentos da doutrina penal: sobre a doutrina geral do crime. Coimbra: Coimbra Editora, 2001.p. 364.
[27] “PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO CULPOSO NA CONDUÇÃO DE VEÍCULO. CARÊNCA DE JUSTA CAUSA. ATIPICIDADE. PRINCÍPIO DA CONFIANÇA. AUTOCOLOCAÇÃO DA VÍTIMA EM PERIGO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. RECONHECIMENTO. 1. O fundamento da responsabilidade pelo crime culposo reside na violação do dever objetivo necessário nas circunstâncias. In casu, tendo o motorista respeitado todas as regras de trânsito, surgindo o transeunte, de inopino, na via, provocando o seu próprio óbito, mostra-se ilegal o processo crime pela suposta prática de homicídio culposo. Tem-se, a um só tempo, o emprego dos princípios da confiança e da autocolocação da vítima em perigo, o que, à evidência, excluiu a tipicidade do comportamento de condutor. 2. Ordem concedida para trancar a Ação Penal 2575080/2009, em curso perante a 17ª Vara Criminal da Comarca de Salvador/BA.” (STJ, 6ª T., HC 147.250/BA, Relª Minª Maria Thereza de Assis Moura, DJe 22.03.2010).
[28] ABRALDES, Sandro Fabio. Delito imprudente Y principio de confianza. Buenos Aires: Rubinzal-Culzoni, 2010.p.203.
[29] ROXIN, Claus. Política criminal e sistema jurídico-penal. Trad. Luís Greco. Rio de Janeiro: Renovar, 2012.p.82.
[30] Segundo a qual “constitui causa de determinado evento qualquer fator que, se imaginado inexistente, o resultado deixaria de se verificar” (REALE Jr., Miguel. Instituições de direito penal: parte geral. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2012.p.249).
[31] De acordo com Jakobs. “A fórmula é supérflua, porque não chega sequer a constituir uma definição, quanto menos uma fórmula para determinação da causalidade, pois o resultado da exclusão mental da condição somente pode ser determinado quando se sabe, antecipadamente, se a condição é causal: a fórmula é um círculo, uma vez que o conceito aparece camuflado no material com o qual se define. Ademais, a fórmula destrói a equivalência de todas as condições, visto que, segundo ela, aquela condição que desloca uma outra, atuante de outro modo (condição substitutiva), não teria efeito causal” (Tratado de direito penal: teoria do injusto penal e culpabilidade. Belo Horizonte: Del Rey, 2008.p.271).
[32] ROXIN, Claus. La imputación objetiva en el derecho penal. Trad. Manuel A. Abanto Vasquez. Lima: Idemsa, 1997.p.93.
[33] GRECO, Luis. Um panorama da teoria da imputação objetiva. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007.p.9.
[34] JAKOBS, Günther. Tratado de direito penal: do injusto penal e culpabilidade. Belo Horizonte: Del Rey, 2008.p. 302.
[35] BACIGALUPO, Enrique. Direito Penal: parte geral. Trad. André Estefam. São Paulo: Malheiros, 2005.p.250.
[36] TAVARES, Juarez. Teoria do crime culposo. 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009.p. 313.
[37] JACOBS, Günther. A imputação objetiva no direito penal. Trad. André Luís Callegari. São Paulo: RT, 2000.p. 38.
[38] DONNA, Edgard Alberto. El delito imprudente. Buenos Aires: Rubinzal-Culzoni, 2012.p. 205.
[39] Adota-se, para o presente estudo, o critério legislativo estabelecido pelo art. 2º do Estatuto da Criança e do Adolescente.
[40] SIQUEIRA, Flávia. O princípio da confiança no direito penal. Belo Horizonte: D’Plácido, 2016.p. 141 e ss.
[41] PASCHOAL, Janaina Conceição. Ingerência indevida: os crimes comissivos por omissão e o controle pela punição do não fazer. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2011. p. 44 e segs.
[42] No ponto, confira-se Di Pietro, para quem “Em consonância com o princípio da hierarquia, os órgãos da Administração Pública são estruturados de tal forma que se cria uma relação de coordenação e subordinação entre uns e outros, cada qual com atribuições definidas na lei. Desse princípio, que só existe relativamente às funções administrativas, não em relação às legislativas e judiciais, decorre uma série de prerrogativas para a Administração: a de rever os atos dos subordinados, a de delegar e avocar atribuições, a punir; para o subordinado surge o dever de obediência” (Direito administrativo. 17. ed. São Paulo: Atlas, 2004. p. 74).
[43] “Art. 51. A habilitação preliminar, a inscrição em registro cadastral, a sua alteração ou cancelamento, e as propostas serão processadas e julgadas por comissão permanente ou especial de, no mínimo, 3 (três) membros, sendo pelo menos 2 (dois) deles servidores qualificados pertencentes aos quadros permanentes dos órgãos da Administração responsáveis pela licitação. § 1º No caso de convite, a comissão de licitação, excepcionalmente, nas pequenas unidades administrativas e em face da exiguidade de pessoal disponível, poderá ser substituída por servidor formalmente designado pela autoridade competente.”
[44] “Art. 2º A Administração Pública obedecerá, dentre outros, ao princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência.”
[45] “Art. 51. (…) § 3º Os membros das comissões de licitação responderão solidariamente por todos os atos praticados pela comissão, salvo se posição individual divergente estiver devidamente fundamentada e registrada em ata lavrada na reunião em que tiver sido tomada a decisão.”
[46] SIQUEIRA, Flávia. O princípio da confiança no direito penal. Belo Horizonte: D. Plácido, 2016. p. 147.
[47] JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 9. ed. São Paulo: Dialética, 2002. p. 451.
[48] SIQUEIRA, Flávia. O princípio da confiança no direito penal. Belo Horizonte: D’Plácido, 2016. p. 151.
[49] TAVARES, Juarez. Teoria dos crimes omissivos. São Paulo: Marcial Pons, 2012. p. 312.