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A CONCESSÃO DA LIMINAR INAUDITA ALTERA PARTE E O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO: UMA RELEITURA A PARTIR DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL BRASILEIRO

A CONCESSÃO DA LIMINAR INAUDITA ALTERA PARTE E O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO: UMA RELEITURA A PARTIR DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL BRASILEIRO

Karine Maria Vieira da Silva

Larissa Clare Pochmann da Silva

SUMÁRIO: Introdução. 1 O Princípio do Contraditório. 2 A Tutela Provisória no Novo CPC: a Tutela de Urgência e a Tutela de Evidência; 2.1 A Tutela Antecipada Antecedente; 2.2 A Tutela Cautelar Antecedente; 2.3 A Tutela Incidente. 3 Provimentos sem a Prévia Manifestação da Parte Contrária no Novo Código de Processo Civil. 4 A Liminar Inaudita Altera Parte e o Contraditório. Conclusão. Referências Bibliográficas.

                       

Introdução    

O presente trabalho visa realizar uma releitura da possibilidade da concessão liminar concedida inaudita altera parte, no curso de um processo principal, diante da valorização do princípio do contraditório, especialmente em sua vertente participativa, e da nova sistemática da tutela provisória a partir do novo Código de Processo Civil (NCPC).

Em função da magnitude do contraditório, para que este consiga refletir o seu verdadeiro propósito, é necessário que seja prévio, oportunizando-se a manifestação das partes antes que seja proferida a decisão, como foi positivado no art. 9º do NCPC. Evitam-se, assim, decisões-surpresa.

Em contrapartida, a concessão de liminares tem se revelado muito frequente na prática jurídica. É possível perceber que, por conta da urgência de uma das partes litigantes, os juízes, muitas vezes, concedem liminares sem que seja oportunizado o contraditório à parte adversária previamente.

O novo Código de Processo Civil modifica a sistemática das liminares, no procedimento de tutela provisória, prevendo uma tutela de urgência, de natureza antecipada e de natureza cautelar, antecedente ou incidente, além da tutela de urgência. Pela nova sistemática, o caráter antecedente tem previsão de ser concedido antes da oitiva da parte contrária, aplicável também ao caráter incidente em situações excepcionais, indicando que, apesar da valorização do contraditório, não há vedação à concessão de alguns provimentos sem a prévia oitiva da parte contrária.

1 O Princípio do Contraditório

O princípio do contraditório carrega em sua essência a garantia constitucional que assegura ao indivíduo o direito de não ser atingido por uma decisão judicial sem que tenha tido a ampla possibilidade de influir eficazmente na sua formação, ou seja, é o desdobramento da inviolabilidade do direito de defesa, agindo em condição de igualdade com a parte contrária. Para Bedaque, seu conteúdo “nada mais é que a garantia da ampla defesa examinada pelo ângulo do procedimento” (BEDAQUE, 2009, p. 95).

O juiz tem o dever de conduzir o processo e as questões que eventualmente surjam de forma a permitir que as partes se pronunciem sobre elas. Essa participação das partes se efetiva quando o juiz dá ciência dos atos processuais a ambos os polos da relação jurídica processual, permitindo a possibilidade de os sujeitos impugnarem os atos, assegurando o direito de produção de provas pelas partes e, ainda, a providência de mais importância: que nenhuma questão seja decidida sem a prévia oitiva dos interessados.

A parte não pode ter contra si uma decisão construída em cima de fatos sobre os quais a própria não se manifestou. Desta forma, estaríamos diante de uma flagrante violação ao contraditório, tendo em vista que fere o “poder de influência” da parte na decisão. Não houve o momento em que a parte se manifestasse sobre a existência do fato, da não existência, ou de sua forma.

Para que seja viabilizada a participação das partes no processo judicial, é necessário, ainda, que o juiz conceda prazos justos, de acordo com as situações apresentadas no caso concreto, sob pena de que não exista tempo hábil suficiente para que a defesa do indivíduo se concretize de acordo com a sua vontade.

De nada vale garantir à parte sua participação no processo sem que ela tenha a oportunidade de produzir provas. Esse direito engloba requerer a produção desta, participar de sua realização, bem como se manifestar acerca dos resultados. Tal direito à prova tem caráter instrumental e, assim, sua finalidade é dar alcance a uma tutela jurisdicional justa.

Nessa perspectiva, o princípio constitucional do contraditório se desdobra (GRECO, 2008, p. 23-24) em: a) audiência bilateral: adequada e tempestiva notificação do ajuizamento da causa e de todos os atos processuais através de comunicações preferencialmente reais, bem como ampla possibilidade de impugnar e contrariar os atos dos demais sujeitos, de modo que nenhuma questão seja decidida sem essa prévia audiência das partes; b) direito de apresentar alegações, propor e produzir provas, participar da produção das provas requeridas pelo adversário ou determinadas de ofício pelo juiz e exigir a adoção de todas as providências que possam ter utilidade na defesa dos seus interesses, de acordo com as circunstâncias da causa e as imposições do direito material; c) congruidade dos prazos: os prazos para a prática dos atos processuais, apesar da brevidade, devem ser suficientes, de acordo com as circunstâncias do caso concreto, para a prática de cada ato da parte com efetivo proveito para a sua defesa; d) contraditório eficaz é sempre prévio, anterior a qualquer decisão, devendo a sua postergação ser excepcional e fundamentada na convicção firme da existência do direito do requerente e na cuidadosa ponderação dos interesses em jogo e dos riscos da antecipação ou da postergação da decisão; e) o contraditório participativo pressupõe que todos os contra-interessados tenham o direito de intervir no processo e exercer amplamente as prerrogativas inerentes ao direito de defesa e que preservem o direito de discutir os efeitos da sentença que tenha sido produzida sem a sua plena participação.

O novo Código de Processo Civil, que teve uma preocupação em realizar uma sintonia fina do direito processual com a Constituição Federal, positivando, na legislação infraconstitucional, diversos princípios processuais, trouxe o fortalecimento do princípio do contraditório, especialmente de sua realização através da vertente participativa. Há a necessidade do juiz em dar oportunidade para as partes se manifestarem – ainda que se trate de matéria que possa decidir de ofício, bem como o não reconhecimento da prescrição e a decadência, sem que antes seja dada às partes oportunidade de manifestarem-se, e, ainda, se constatado de ofício o fato novo, o juiz ouvirá as partes sobre ele antes de decidir.

É possível, ainda, perceber a preocupação no que tange à responsabilidade patrimonial, tendo em vista que, em se tratando da desconsideração da personalidade jurídica, deverá haver a intimação do sócio ou o terceiro e a pessoa jurídica para que se manifestem, podendo, ainda, requerer as provas cabíveis. Verifica-se a preocupação em evitar a surpresa da inversão do ônus subjetivo da prova que ensejará a sentença. Ainda, sem esgotar as diversas previsões de valorização do contraditório, disciplina o art. 973 a possibilidade de manifestação das partes antes do julgamento da ação rescisória.

A nova legislação proporciona um inevitável avanço no que tange a um contraditório cada vez mais participativo, atingindo, assim, seu maior propósito, sendo efetivamente consolidado como uma garantia constitucional.

2 A Tutela Provisória no Novo CPC: a Tutela de Urgência e a Tutela de Evidência           

A tutela provisória não é um fim em si mesma, podendo ser compreendida como a tutela que se pretende definitiva. A tutela definitiva é aquela obtida com base em um profundo debate acerca do objeto da decisão, na qual se garantiu o devido processo legal, bem como o contraditório e a ampla defesa.

A tutela provisória é marcada por algumas características, quais sejam: a sumariedade da cognição – tendo em vista que a análise do objeto da demanda se dá de forma superficial, o julgador é levado a decidir a partir de um juízo de probabilidade; e a precariedade – há a possibilidade de a tutela ser revogada ou modificada a qualquer tempo, quando houver a alteração do estado de fato ou de direito ou do estado de prova – se restar claro que os fatos não correspondem àqueles que levaram à concessão da tutela -, e, ainda, em decorrência das duas características supracitadas, a tutela provisória é inapta a tornar-se indiscutível pela coisa julgada.

Ademais, a tutela provisória pode se fundamentar em urgência ou evidência. A tutela provisória de urgência poderá ter a natureza de tutela antecipada ou cautelar, e parte da demonstração de “probabilidade do direito” e do “perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo“.

A tutela provisória de evidência, que deve ser sempre antecipada, pressupõe que as demonstrações de fato estejam comprovadas (FUX, 1996, p. 305-306), conforme art. 311 do novo Código de Processo Civil. Apesar de as tutelas de urgência e evidência estarem inseridas na tutela provisória, há diferenças na forma e nos requisitos para serem requeridas, além do direito pleiteado.

É importante ressaltar que a tutela provisória de urgência pode ser requerida em caráter antecedente ou incidente, porém, a tutela provisória de evidência só poderá ser requerida em caráter incidente, conforme disciplinado no art. 294, parágrafo único, do novo Código de Processo Civil. Tal classificação leva em conta o momento em que o pedido de tutela provisória é realizado, tendo em vista que está dentro do processo em que se pretende requerer a tutela definitiva.

A tutela provisória incidental consiste no requerimento já no curso do processo em que se pretende a tutela definitiva com a finalidade de antecipar seus efeitos. Nesse caso, a tutela provisória incidental poderá ser requerida na petição inicial, em petição simples, oralmente ou no bojo da petição recursal. A tutela provisória antecedente ocorre quando o requerimento é anterior ao pedido da tutela definitiva, e, ainda assim, pretende adiantar seus efeitos.

A fim de sintetizar e esclarecer os aspectos mais importantes acerca da tutela provisória, se faz necessário compreender que, quando houver o pedido de tutela provisória satisfativa – antecipada -, deve ser indicado o pedido final, ou seja, o pedido da tutela definitiva, com exposição da causa de pedir, do direito que se busca e do perigo de dano ou de ilícito, ou ainda, do risco ao resultado útil do processo. No caso de requerimento da tutela provisória cautelar, deverá indicar o direito que será objeto da tutela definitiva e satisfativa (pedido principal), além da demonstração dos quesitos citados para o requerimento da tutela provisória satisfativa.

Diferentemente da tutela incidental, a tutela antecedente é destinada àqueles casos em que há presença da situação de urgência no momento da propositura da ação, e, sendo assim, tendo em vista que a parte interessada não possui meios de arrecadar todos os elementos necessários para o requerimento de uma tutela definitiva, reserva-se a fazer posteriormente. Tal tutela deverá ser requerida ao juízo ou Tribunal com competência para conhecer o pedido principal. No caso da tutela incidental, o requerimento deverá ser realizado ao juízo que conduz a demanda e competente para apreciar o mérito da causa.

Sendo assim, o pedido provisório deverá, em qualquer situação, ser devidamente fundamentado, com uma exposição clara da situação de perigo ou evidência, bem como dos efeitos que se pretende adiantar.

Em relação à legitimidade para requerer a tutela provisória, aquele que faz jus a uma tutela jurisdicional definitiva terá o direito de solicitar a antecipação provisória dos seus efeitos, uma vez que a tutela jurisdicional pode ser encarada como o resultado prático proporcionado àquele que possui a razão, seja autor ou réu, desde que seu direito material esteja amparado juridicamente.

Em relação ao cabimento da tutela provisória, esta é completamente compatível com o procedimento comum do Código de Processo Civil, nos Juizados Especiais Cíveis, e, ainda, nos procedimentos especiais, conforme o art. 318, parágrafo único, do novo Código de Processo Civil. Faz-se necessário esclarecer que é vedada a concessão da tutela provisória ex officio, e trata-se de uma exigência decorrida do próprio Código, que dispõe expressamente as situações em que a tutela será requerida.

2.1 A Tutela Antecipada Antecedente            

A tutela de urgência antecipada antecedente é a tutela requerida dentro do processo em que se pretende uma tutela definitiva, com o intuito de antecipar os seus efeitos, como dito anteriormente. Tal previsão está disposta nos arts. 303 e 304 do novo Código de Processo Civil, no Capítulo II – Do Procedimento da Tutela Antecipada Requerida em Caráter Antecedente.

O autor, em sua petição inicial, deverá, além de requerer a tutela antecipada em caráter antecedente, indicar o pedido de tutela definitiva, expor o direito que se busca realizar, bem como o perigo da demora, deverá indicar, ainda, o valor da causa. Caso não haja a concessão da tutela, por falta de pressupostos, o juiz determinará a emenda da petição no prazo de cinco dias, conforme o § 6º do art. 303 do novo Código de Processo Civil. Caso os requisitos não sejam cumpridos, o juiz irá indeferir a petição inicial e consequentemente extinguir o processo sem resolução do mérito.

Concedida a tutela, o juiz deverá intimar o autor para que adite a petição inicial, em 15 dias, sob pena de indeferimento ou extinção do processo sem resolução de mérito, de modo a complementar a causa de pedir, confirmar o pedido de tutela definitiva, juntar novos documentos indispensáveis para a apreciação da demanda. Cumpridas as exigências, o réu deverá ser intimado a cumprir o pedido objeto da tutela e para que compareça à audiência de conciliação ou mediação. No caso de não haver autocomposição, o réu deverá apresentar sua contestação.

Sendo assim, caso o réu responda à demanda do autor, ou recorra da decisão que concedeu a antecipação de tutela, o processo irá correr normalmente, seguindo todos os procedimentos necessários. Se o réu ficar inerte, há a possibilidade de estabilização da decisão que conferiu a tutela e a extinção do feito.

A estabilização da tutela antecipada ocorrerá quando houver a concessão de uma tutela em caráter antecedente que não for impugnada, havendo divergência na doutrina se essa impugnação ocorrer mediante a interposição do respectivo recurso, nos termos do art. 304 do NCPC, qual seja o agravo de instrumento, ou qualquer forma de manifestar sua insatisfação em relação à tutela concedida, posicionamento este último que tem se revelado mais frequente (ANDRADE; NUNES, 2015, p. 75). Desta forma, a decisão antecipatória ficará estável, até que ocorra o ajuizamento de uma ação autônoma com o fim de revisá-la, reformá-la ou invalidá-la. Podemos dizer, de forma sucinta, que a estabilização da tutela antecipada viabiliza a obtenção de resultados a partir da inércia do réu.

Os objetivos da estabilização da tutela são: afastar o perigo da demora com a tutela de urgência e oferecer resultados efetivos diante da inércia do réu. Para isso, é preciso que o autor tenha requerido a concessão da tutela provisória satisfativa antecedente, além disso, o autor não deve ter manifestado na petição inicial a sua intenção de dar continuidade ao processo mesmo após a concessão da tutela pretendida, ainda, há a necessidade de que haja uma decisão concessiva desta tutela e, por fim, é necessária a inércia do réu diante da decisão que concedeu a tutela, o réu não pode ter se valido de nenhum recurso ou outro meio de impugnação.

Não se pode confundir a estabilização da tutela com a coisa julgada, tendo em vista que para ocorrer esta última, houve julgamento ou declaração suficiente, ou seja, podemos dizer que diante da inércia do réu, o juiz entendeu por julgar o processo extinto sem resolução do mérito, por isso não se entende que quando o réu não apresenta defesa haverá a estabilização da tutela.

2.2 A Tutela Cautelar Antecedente     

A tutela provisória cautelar antecedente é aquela solicitada dentro do processo em que se pretende, futuramente, pleitear uma tutela definitiva, cautelar e satisfativa. Sua finalidade é adiantar os efeitos da tutela definitiva, bem como assegurar sua eficácia. A sua concessão deverá ser baseada nos arts. 305 e seguintes do novo Código de Processo Civil.

A petição inicial para o requerimento de concessão da tutela provisória cautelar antecedente deve conter o requerimento liminar ou mediante justificação prévia, indicação da lide, bem como direito que se busca acautelar e a demonstração do perigo da demora. Ao realizar o juízo de admissibilidade, o juiz poderá determinar a emenda da inicial ou deferi-la. Uma vez deferida, o juiz irá julgar o requerimento, ordenar o cumprimento da medida e citar o réu para que no prazo de cinco dias conteste o pedido e indique as provas que pretende produzir. Caso não haja contestação, será gerada a revelia, levando o juiz a proferir uma decisão definitiva.

Concedida a tutela, esta deverá ser efetivada em um prazo de 30 dias, sob pena de perder seus efeitos, haja vista que se presume o desaparecimento do risco ou que a medida cautelar não é mais desejada pela parte autora. Caso haja sua efetivação através de medidas como arresto, sequestro, arrolamento de bens, etc., há o prazo de 30 dias para que o requerente formule seu pedido de tutela definitiva satisfativa e adite a causa de pedir.

O pedido de tutela definitiva satisfativa gerará a designação de audiência de conciliação ou mediação e não havendo autocomposição, o réu terá 15 dias para responder ao pedido principal. Na sentença, o juiz julgará o pedido de tutela definitiva – se não tiver sido realizada antecipadamente -, caso a sentença seja de improcedência ou de extinção do processo sem resolução do mérito, cessará os efeitos da tutela cautelar concedida antecedentemente. Cessada a eficácia da cautelar, a parte somente poderá renovar o pedido mediante novo fundamento.

2.3 A Tutela Incidente     

De acordo com o art. 294, parágrafo único, “a tutela provisória de urgência, cautelar ou antecipada, pode ser concedida em caráter antecedente ou incidental“, sendo assim, se faz interessante abordar a importância das medidas incidentes, ao passo que esta poderá ser concedida liminarmente, assim como a medida antecedente; após justificação prévia ou no curso do processo em primeiro grau e até mesmo na sentença ou em grau recursal, de modo que teremos, assim, um contraditório postergado.

Diferentemente da tutela provisória antecedente, a tutela provisória incidente terá seu requerimento por mera petição nos autos do processo principal e no caso de competência originária dos Tribunais ou de recursos, a tutela provisória será requerida ao órgão jurisdicional competente para apreciar o mérito do recurso ou da ação de competência originária.

3 Provimentos sem a Prévia Manifestação da Parte Contrária no Novo Código de Processo Civil            

Apesar da valorização do princípio do contraditório, especialmente em sua vertente participativa, o novo Código de Processo Civil também não impossibilita a concessão de provimentos sem a prévia manifestação da parte contrária.

O art. 9º do novo Código de Processo Civil já dispõe que o contraditório prévio pode ser excepcionado na tutela de urgência, na tutela de evidência e no caso de expedição de mandado de pagamento na ação monitória. A previsão da concessão da tutela de urgência liminarmente, antes da oitiva da parte contrária, desde que presentes os requisitos, conforme se observa a partir do art. 300, § 2º, c/c art. 300, § 3º, e a previsão de concessão liminar da tutela de evidência apenas ocorre quando “as alegações de fato puderem ser comprovadas apenas documentalmente e houver tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante” ou “se tratar de pedido reipersecutório fundado em prova documental adequada do contrato de depósito, caso em que será decretada a ordem de entrega do objeto custodiado, sob cominação de multa“. Já na hipótese de tutela antecipada antecedente, ela também poderá ser concedida inaudita altera parte, como preconiza o art. 300, § 1º, do NCPC.

O art. 932, inciso V, estabelece que cabe ao relator, “depois de facultada a apresentação de contrarrazões, dar provimento [a] recurso” em três hipóteses ali descritas. O dispositivo, associando a intimação para oferecimento de contrarrazões a uma mera faculdade do relator, permite que o relator possa monocraticamente dar provimento ao recurso, reformando a sentença.

Trata-se, porém, apenas de aparente violação do princípio do contraditório. Isso porque o procedimento do recurso se desenvolve, primeiro, perante o juízo a quo, prolator da decisão recorrida, a quem incumbe colher as contrarrazões. Apenas no agravo de instrumento caberá ao relator determinar a intimação do agravado para oferecer contrarrazões (art. 1.019, II) e, se for o caso, julgar monocraticamente. Ademais, neste último caso, a não intimação para oferecimento de contrarrazões deve ser nitidamente excepcional, já que a postergação do contraditório é a exceção, não a regra, restrita aos casos em que não faria qualquer sentido se exigir que antes do provimento do agravo de instrumento se tivesse de ouvir o agravado.

Alexandre Câmara (2016) exemplifica que

o autor postula uma medida de urgência, afirmando expressamente na petição inicial que a prévia oitiva do réu retiraria toda a eficácia da medida, como seria, por exemplo, o caso de se ter postulado o arresto cautelar de um bem que o demandado poderia facilmente alienar se fosse ouvido antes da decisão sobre a concessão ou não da tutela de urgência. Indeferida a medida pelo órgão de primeiro grau, e interposto o agravo de instrumento, não faria qualquer sentido exigir-se a prévia oitiva do agravado para só depois prover o recurso. Afinal, soa bizarro – para dizer o mínimo – afirmar que seria preciso ouvir o réu antes de decidir se é ou não o caso de se conceder uma medida que se postulou inaudita altera parte.”

Neste diapasão, pode-se afirmar que a valorização do princípio do contraditório não impediu que o novo CPC elencasse as hipóteses que excepcionalmente e, mediante previsão legal expressa, não precisassem observar o contraditório prévio.

4 A Liminar Inaudita Altera Parte e o Contraditório             

Apesar da previsão legal expressa sobre a possibilidade de concessão de liminares antes mesmo da oitiva da parte contrária, postergando-se o contraditório, a concessão de liminares no âmbito do direito como um todo deve sempre ser acompanhada de muita cautela no caso concreto e concedida em caráter excepcional, para manter-se a sintonia fina com a Constituição. Isso porque “toda liminar é uma violência, porque invade a esfera de influência de alguém sem dar a chance de seu pronunciamento prévio, sem dar a oportunidade de intervir na decisão” (GRECO, 2011, p. 452).

Sua aplicação é restrita, às vezes o julgador se depara com questões que precisam ser resolvidas de imediato, sem que possa ser garantido, naquele momento, o contraditório. Trata-se, por um lado, do cenário de submeter a parte contrária a um provimento, sem ser previamente ouvida, colocando-se, a posteriori, quando terá de cumprir o que foi determinado, sua oportunidade de manifestação. Por outro lado, muitas vezes as liminares são plenamente necessárias, mesmo sendo garantidas antes da oitiva da parte ex adversa, pois o direito de um dos litigantes pode correr o risco de perecer se não for atendido com a maior brevidade possível.

É, portanto, de plena importância compreender e partir da seguinte premissa: o contraditório, para ser eficaz, deverá ser prévio. O contraditório postergado deverá ocorrer somente em caráter excepcional, fundado na certeza do direito do requerente, observando os interesses perseguidos, bem como os riscos oriundos da antecipação ou da postergação.

E, para que o contraditório postergado possa ser realizado plenamente, é essencial o respeito a uma outra previsão do novel diploma: o art. 489, § 1º, que dispõe sobre a fundamentação analítica das decisões judiciais. Impõe-se que as decisões de liminares inaudita altera parte não deixem de observar a fundamentação analítica, de forma que a parte contrária, que ainda não se manifestou, ao ser ouvida, possa compreender o julgador a analisar uma medida de forma tão excepcional, isto é, sem oportunizar antes o contraditório.

Conclusão  

Não há contraditório sem a participação ativa das partes, e, ainda, que estas possam influenciar eficazmente na decisão proferida. Diz-se que o princípio do contraditório é a solidificação da própria democracia no processo. Desta forma, excepcionalmente será admitido um contraditório postergado, que deverá ser fundado na certeza de um direito.

Com o advento do novo Código de Processo Civil, o contraditório postergado mantém-se o mais consagrado possível, mas como exceção e em situações já previstas no texto legal. Além disso, fica notório o fato de que, a todo tempo na prática jurídica, o momento da concessão de uma liminar deve vir acompanhado de bastante cautela, uma vez que há riscos para o direito de ambas as partes, e pode ser afrontado negativamente, inclusive com o risco de violação de uma garantia processual versus a possibilidade de perecimento do próprio objeto e finalidade última do processo, a tutela do direito material.

As previsões do Código de 2015, de valorização do contraditório e de contraponto apenas através do binômio de exceção e previsão, consagram o intuito do novel diploma de um processo civil constitucional, que se delineia em estrita observância à Constituição.

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