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COMENTÁRIOS SOBRE O INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS

COMENTÁRIOS SOBRE O INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS

Gisele Leite

 

O vigente Código de Processo Civil de 2015, a Lei nº 13.105, de 16.03.2015, representa um marco para o estudo de direito processual civil não apenas no âmbito nacional, mas também no cenário internacional, em razão, principalmente, das inovações contidas na sua redação.

A gênese do instituto ocorreu na Comissão do Senado brasileiro, quando, presidida pelo Ministro Luiz Fux, fixou como metodologia inicial que cada um dos membros apresentasse um rol de sugestões a serem incorporadas no Estatuto em construção.

Logo em seguida, Paulo Cezar Pinheiro Carneiro[1] encaminhou a ideia da criação do instituto, inicialmente chamado de incidente de coletivização, já considerando o desejo de fortalecimento dos precedentes judiciais. Contudo, pretendia também ter caráter preventivo a partir da própria potencialidade, aferida na primeira instância, diferenciando-se, assim, do então vigente incidente de uniformização de jurisprudência.

O incidente de resolução de demandas repetitivas (IRDR) está disciplinado em doze artigos (arts. 976 ao 987 do CPC). Não seguem completamente coincidente com os meios existentes no Direito estrangeiro, notadamente o Musterverfahren (procedimento modelo), de origem germânica.

O século XXI traz a configuração de fatores que redundam no progressivo de conflitos em massa e também de procura de mecanismos de solução dos litígios em larga escala.

Em razão da melhoria gradativa de condições de vida, do acesso às informações e à educação, impulsionou-se o esclarecimento, propiciando o que Norberto Bobbio chamou de “era de direitos”, com efeitos nos Estados Democráticos de Direitos. Enfim, onde se almejam a racionalização e a eficiência dos meios processuais que precisam se adequar para fazer frente às novas demandas.

Nesse cenário é onde se inserem os mecanismos que podem lidar com a árdua e hercúlea tarefa de julgar litígios envolvendo direitos individuais ou homogêneos de muitas (ou seja, de milhões) pessoas, mediante uma ou poucas ações coletivas aos outros meios de resolução coletiva de demandas repetitivas, de massa ou pro plúrimas. Também os instrumentos voltados para a solução de questões comuns enfrentadas pelo Judiciário, ainda que em demandas heterogêneas, com o fito de garantir maior economia processual e respeito ao princípio da isonomia.

O incidente de resolução de demandas repetitivas visa à prolação de uma decisão única que fixe tese jurídica sobre uma determinada controvérsia de direito que se repete em numerosos processos. Encontra sustento em alguns direitos fundamentais, que o legitimam enquanto técnica processual diferenciada[2], à luz da Constituição Federal brasileira vigente – apesar de haver doutrinadores que aleguem ser inconstitucional por afrontar a independência funcional dos Magistrados e a separação funcional dos Poderes; a violação ao contraditório; a violação ao direito de ação; e a violação ao sistema de competências da Constituição Federal brasileira de 1988.

O IRDR tem o potencial de concretizar a isonomia entre os jurisdicionados por meio de tratamento uniforme às questões comuns, assegurando-se que a mesma questão jurídica obtenha idêntica interpretação e aplicação da lei. Assim, atende plenamente aos princípios relevantes, como o da isonomia, o da segurança jurídica – estampada na previsibilidade e uniformidade das decisões judiciais – e, ainda, o da duração razoável do processo.

Trata-se de fenômeno não apenas de realidade nacional, ainda que com graus diferenciados.

O direito processual coletivo se subdivide em três subáreas:

– ações coletivas ou representativas propriamente ditas, incluindo as suas várias subespécies, como class actions, as ações associativas, ação civil pública, ação popular e ação de grupo;

– os meios consensuais de resolução de conflitos coletivos, como os termos de ajuste de conduta (TACs), os instrumentos de solução de questões comuns ou de julgamentos – isso em caso-modelo como test-clains (ações de demanda teste), procedimento modelo, o group litigation order (GLO), decisão sobre o litígio de grupos, os recursos repetitivos e o incidente de resolução de repetitivas (IRDR).

Apesar de o IRDR estar previsto no CPC/2015, a sua aplicação não se encontra limitada ao processo do processo civil, que, em princípio, não se mostra incompatível em outras formas específicas, como o processo penal, do trabalho ou eleitoral.

Recorde-se que, segundo o art. 4º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), informa-se que, quando a lei for omissa, o juiz decidirá com base na analogia, nos costumes e nos princípios gerais do Direito[3].

O art. 15 do CPC reforça o art. 769 da CLT[4] em relação ao processo trabalhista. Supre, ainda, a omissão existente no Código Eleitoral, que fazia remissão, no art. 364 do CPP, para o julgamento de crimes eleitorais.

O IRDR integra o objeto mais específico de estudo do direito processual coletivo[5], considerando que congrega as ações coletivas, as soluções consensuais para conflitos coletivos e os outros meios de resolução coletiva de questões comuns e litígios coletivos.

Está, ainda, relacionado intrinsecamente com o direito constitucional em face de inúmeros princípios e regras, no que diz respeito aos conflitos e incidentes ou efeitos coletivos.

Nesse sentido, a inafastabilidade da prestação jurisdicional no âmbito coletivo, como inscrito em diversas Constituições, como a nossa, a portuguesa, a argentina e, também, como dever do Estado, conforme decidido pela Suprema Corte canadense no famoso caso Western Canadian Shopping Centers Inc. versus Dutton. Por exemplo, na Alemanha, ao direito processual administrativo, aplicável aos litígios judiciais relacionados às causas envolvendo a Administração Pública.

Longe de o IRDR ser uma solução mágica para os litígios no Brasil, pois se comunica com soluções dentro de todo o direito processual, bem como com modificações estruturais, de gestão e culturais.

O IRDR está voltado para a racionalização do sistema de julgamentos, de questões comuns que se repetem em inúmeros processos e que são apreciadas exaustivamente pelos Magistrados, que chegam a conclusões diversas.

O IRDR, para funcionar adequadamente, requer que os tribunais e Magistrados estejam preparados para a nova sistemática, quanto à função de julgar as questões e causas seriais.

O excesso de demandas vive à mercê de pertencer ao campo interdisciplinar da sociologia jurídica, encontrando amparo na cláusula de acesso à justiça.

Quanto à perspectiva de incremento do acesso à justiça e da assistência de processos menos formalistas, mais simples, céleres e eficazes, pode-se afirmar que ela está presente em todo o mundo.

Afinal, para o pleno Estado Democrático de Direito, a possibilidade de solução de conflitos mediante o devido processo legal deve ser efetiva, e não apenas formal.

A tendência de haver instrumentos de supraindividuação não é nova, pois, há muito tempo, ocorrem lesões a direitos que atingem coletividades, que podem fazer valer seus direitos de modo coletivo.

O processo coletivo[6] pode atender e servir igualmente para garantir a importância política de determinadas causas relacionadas, dentre outras, com os direitos civis, minorias e meio ambiente.

Foi o que ocorreu nas class actions nos EUA, visando ao pagamento de indenizações para os judeus que realizaram trabalhos forçados durante o regime nazista ou que visaram à invalidação de regras discriminatórias contra negros.

O incidente de resolução de demandas repetitivas (IRDR) insere-se dentro de uma perspectiva instrumentalista do processo[7], que precisa oferecer os meios tecnicamente adequados para a consecução do direito material em tempo razoável, de modo isonômico e econômico, ensejando a devida segurança jurídica.

Sem dúvida, o IRDR representa uma das maiores apostas do CPC de 2015 para o aprimoramento do direito processual brasileiro, exatamente por sua finalidade precípua de economia processual, a obtenção de uma duração razoável para o processo, a preservação da isonomia nas decisões judiciais e a construção do patamar superior em termos de segurança jurídica.

É possível sua utilização também no processo do trabalho, no processo eleitoral e no processo penal, respeitando as peculiaridades dessas normas jurídicas[8].

O sistema de resolução de demandas repetitivas deve vir acompanhado de notificações estruturais nos tribunais e culturais nos profissionais do Direito.

Precisa-se superar a visão pessoal e individualista para conferir supremacia ao caráter objetivo e sistêmico do Direito.

De acordo com os expressivos números do Poder Judiciário brasileiro, que expressam o gigantismo do problema, há autêntica impossibilidade com Magistrados, que têm poucos minutos para cada processo, impossibilitando de se prestar, nos moldes atuais, uma jurisdição de qualidade em tempo razoável de duração.

Os meios de resolução coletiva dos conflitos são importantes também para o acesso à justiça da isonomia para o equilíbrio entre as partes e para o cumprimento do direito material.

A origem do IRDR repousa, por um dos lados, em experiências alienígenas advindas da Alemanha e da Inglaterra, mas também conta com a engenhosidade nacional e em institutos de arguição de inconstitucionalidade como fontes inspiradoras.

O modelo brasileiro também buscou o próprio aperfeiçoamento do sistema de julgamento de demandas repetitivas, com a concentração na resolução de questões comuns e a fixação de tese jurídica[9] a ser aplicada nos múltiplos processos.

O IRDR possui a natureza de incidente processual caracterizado como procedimento paralelo e múltiplos processos que contenham uma ou mais questões comuns de Direito, tendo como escopo a solução da controvérsia mediante a elaboração de tese jurídica a ser aplicada pelos órgãos judiciais vinculados ao tribunal.

O IRDR exige a presença de três requisitos acumulativos, a saber: a) efetiva repetição dos processos contendo controvérsia sobre a questão comum de direito; b) risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica; c) questão jurídica não estar afetada em recurso especial ou extraordinário repetitivo (requisito negativo).

Parte da doutrina aponta um quarto requisito, que seria a necessidade de que o incidente tenha por base processos já em tramitação no tribunal.

O MP e a Defensoria Pública poderão suscitar o IRDR não apenas quando forem partes, pois estão legitimados em razão de suas funções institucionais.

O CPC vigente não previu expressamente a possibilidade de solução consensual no âmbito do IRDR, mas tal possibilidade não parece ser incompatível com a vigente sistemática processual brasileira.

 

REFERÊNCIAS

ABBOUD, Georges. Inconstitucionalidades do incidente de resolução de demandas repetitivas (IRDR) e os riscos ao sistema decisório 2015. Disponível em: http://www.lexml.gov.br/urn/urn:lex:br:rede.virtual.bibliotecas:artigo.revista:2015;1001027559. Acesso em: 1º nov. 2021.

ALMEIDA, Gustavo Milaré. O incidente de resolução de demandas repetitivas e o trato da litigiosidade coletiva processo coletivo. Salvador: JusPodivm, 2016.

BARROSO, Luis Roberto. A igualdade perante e lei. Algumas reflexões. Revista da Procuradoria Geral do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro: PGRJ, n. 38, 1986.

DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 13. ed. São Paulo: Malheiros, 2008.

DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. 8. ed., rev. E atual. segundo o novo Código de Processo Civil. São Paulo: Malheiros, v. I, 2016.

DINIZ LIMA, Edilson Vitorelli. Processo coletivo. Tomo Direitos Difusos e Coletivos.

Edição 1º jul. 2020. Enciclopédia Jurídica PUCSP. Disponível em: https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/333/edicao-1/processo-coletivo. Acesso em: 1º nov. 2021.

FEITOSA, Dulce Anne Freitas. Fases metodológicas do processo, características, conceitos e sistemas de formas processuais. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/73794/fasesmetodologicas-do-processo-caracteristicas-conceitos-e-sistemas-de-formas-processuais. Acesso em: 1º nov. 2021.

GARBI, Carlos Alberto. Tutela jurisdicional diferenciada e a efetividade do processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 782, p. 48-67, dez. 2000.

LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Novo CPC: repercussões no processo do trabalho. São Paulo: Saraiva, 2015.

MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo Código de Processo Civil comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015.

MENDES, Aluísio Gonçalves de Castro. Incidente de resolução de demandas repetitivas. Rio de Janeiro: Forense, 2017.

PRECEDENTES IRDR – TRT 8ª Região. Disponível em: http://www.trt8.jus.br/images/stories/NUGEP/Precedentes_IRDR/precedente_irdr_0000018-81.2017.5.08.0000.pdf. Acesso em: 1º nov. 2021.

TRT-8 admite primeiro incidente de resolução de demanda repetitiva, publicado em 22 fev. 2017. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2017-fev-22/trt-admite-primeiroincidente-resolucao-demanda-repetitiva. Acesso em: 1º nov. 2021.

[1]Graduado em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ, Doutor em Direito e Livre Docente pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Professor Titular de Teoria Geral do Processo da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Chefe do Departamento de Direito Processual Civil da Faculdade de Direito da Universidade do Rio de Janeiro (UERJ), Procurador de Justiça do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro aposentado, Membro das Comissões de Juristas nomeadas pelo Senado Federal e pela Câmara para a elaboração do anteprojeto do novo Código de Processo Civil, Membro da Comissão Especial de Mediação, Conciliação e Arbitragem do Conselho Federal da OAB, Membro Titular da Academia Brasileira de Letras Jurídicas, Professor Emérito da Escola de Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (EMERJ), Sócio Fundador do Escritório de Advocacia Paulo Cezar Pinheiro Carneiro – Advogados Associados, com atuação nos segmentos: Contencioso Cível, Tributário, Societário, Regulatório, Imobiliário, Ações Civis Públicas em Geral, Direito Público, Direito do Consumidor e Direito Ambiental, Professor Titular da UERJ de Direito Processual Civil.

[2] Tutelas jurisdicionais diferenciadas são aquelas criadas com procedimentos diversos do ordinário e que se distanciam desta forma procedimental, na medida em que buscam garantir um processo mais rápido, visando à efetiva prestação jurisdicional, já que, em diversas situações, a lentidão do procedimento ordinário causa danos aos interesses que dependem da tutela jurisdicional. Na verdade, o que se tem a partir da chamada tutela jurisdicional diferenciada é uma preocupação maior com a efetividade do processo, endereçado sempre à satisfação do Direito. É a aproximação do direito substancial ao processo que assume, definitivamente, sua instrumentalidade, sem renúncia à autonomia da ciência processual, que não se afirma, propriamente, com a repetição da velha lição de teoria civilista da ação.

[3] Consiste em um método de interpretação jurídica utilizado quando, diante da ausência de previsão específica em lei, aplica-se uma disposição legal que regula casos idênticos, semelhantes, aos da controvérsia. Analogia é fonte formal mediata do Direito, utilizada com a finalidade de integração da lei, sendo assim um dos métodos de integração do ordenamento jurídico, ou seja, a aplicação de dispositivos legais relativos a casos análogos, ante a ausência de normas que regulem o caso concretamente apresentado à apreciação jurisdicional, a que se denomina anomia. Na interpretação extensiva, estende-se o conteúdo de uma norma a casos não previstos, mas essa operação se dá sem sair da norma, buscando ampliar o sentido da norma já existente. Já a analogia promove a integração da norma jurídica, e a extensão se dá com base numa norma superior, criando- se, assim, uma nova norma, como afirma Bobbio. Analogia legis (legal) – é aplicação de uma norma legal estabelecida para um caso afim, ao fato pelo qual não há regulamentação. Analogia juris (jurídica) – essa analogia implica recurso mais amplo, isto é, na ausência de regra estabelecida para o caso sub judice, pois o juiz recorre aos princípios gerais do Direito. Nas palavras do doutrinador Carlos Roberto Gonçalves em seu livro de Direito civil esquematizado, o termo analogia legis e analogia juris significa: “Costuma-se distinguir a analogia legis (legal) da analogia juris (jurídica). Analogia legis: consiste na aplicação de uma norma existente, destinada a reger caso semelhante ao previsto. A sua fonte é a norma jurídica isolada, que é aplicada a casos idênticos. Analogia juris: baseia-se em um conjunto de normas para obter elementos que permitam a sua aplicação ao caso sub judice não previsto, mas similar. Trata-se de um processo mais complexo, em que se busca a solução em uma pluralidade de normas, em um instituto ou em acervo de diplomas legislativos, transpondo o pensamento para o caso controvertido, sob a inspiração do mesmo pressuposto. É considerada a autêntica analogia, por envolver o ordenamento jurídico inteiro”. Dizer que o costume é uma fonte subsidiária ao julgador, o qual deve ser aplicado em caso de omissão de lei, conforme prescreve o art. 4º da Lei de Introdução ao Código Civil, é a mesma coisa que impedir a evolução da sociedade e de seus usos e costumes. O costume não deve ser utilizado apenas como segundum legem, praeter legem, mas também contra a lei, por ser uma expressão do Direito, pela maneira como se exprime, se conhece, se revela na comunhão social. Pode ainda revogar uma lei, pois, se um costume começa a ser aplicado no Direito e a lei que antes regulava tal ato entra em desuso, não haveria razão de sua vigência, esperando a elaboração de uma nova legislação para sua revogação, e sim sua revogação pela aplicação do costume. O costume jurídico caracteriza-se por dois elementos que o geram e justificam: o corpus ou consuetudo, que consiste na prática social reiterada do comportamento (ponto de vista objetivo, de acordo com a expressão longi temporis praescriptio, “longa prescrição”), e o animus, que consiste na convicção subjetiva ou psicológica de obrigatoriedade desses comportamentos enquanto representativos de valores essenciais, de acordo com a expressão opinio juris vel necessitatis (“opinião, direito ou necessidade”). Os princípios gerais do Direito são orientações macro ou guia teórico norteador da política e da prática jurídica. São compostos de subjetividade e de conteúdo valorativo de característica genérica. Segundo Manoel Gonçalves, os princípios gerais do Direito vão em direção a uma situação jurídica específica. As orientações gerais servem, sobretudo, para auxiliar o intérprete na hora de encontrar soluções à aplicação das normas – principalmente quando elas não dão as respostas necessárias para a resolução do problema jurídico em questão.

[4] O IRDR poderá ser aplicado de forma subsidiária na Justiça do Trabalho, pois assim preceitua o art. 769 do Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943: “Nos casos omissos, o direito processual comum será fonte subsidiária do direito processual do trabalho, exceto naquilo em que for incompatível com as normas deste Título”. O vigente Código de Processo Civil corrobora esse preceito em seu art. 15, in verbis: “Na ausência de normas que regulem processos eleitorais, trabalhistas ou administrativos, as disposições deste Código lhes serão aplicadas supletiva e subsidiariamente”. O Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região acolheu seu primeiro caso de aplicação do IRDR no início do ano passado (2017), Processo nº 0000012-74.2017.5.08.0000 cujo objeto é a competência da Justiça Trabalhista para apreciar demanda ajuizada contra ente público envolvendo a obrigação de fazer quanto aos descontos postulados por entidades sindicais a título de contribuição sindical. Teve como Relatora Rosita de Nazaré Sidrim Nassar, como suscitante Ministério Público do Trabalho – PRT 8ª Região, como suscitado egrégio Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região e como terceiro interessado Sindicato dos Enfermeiros do Estado do Pará.

[5] Por conta de nossa herança lusitana, o Brasil já convive com a ação popular desde as Ordenações Manuelinas, apesar de que era forma muito precária e limitada, posto que só cabia contra atos do Poder Público. Em verdade, as ações coletivas ressurgiram particularmente pela direta influência da doutrina italiana de 1970, quando então, entre nós, foi representada por Barbosa Moreira, Kazuo Watanabe, Ada Pellegrini Grinover, Waldemar Mariz Oliveira Júnior e, mais tarde, por Antônio Gidi, Nelson Nery Júnior e Aluísio Mendes. Somente em 1985, com a Lei de Ação Civil Pública, é que se deu a consolidação do processo coletivo no Brasil. E, com o CDC em 1990, ocorreu a potencialização do processo coletivo, e sua complementação pelo Estatuto da Cidade, do Idoso, o ECA etc.

[6] Processo coletivo é “aquele instaurado por ou em face de um legitimado autônomo, em que se postula um direito coletivo lato sensu ou se afirma a existência de uma situação jurídica coletiva passiva, com o fito de obter um provimento jurisdicional que atingirá uma coletividade, um grupo ou um determinado número de pessoas” (GIDI, Antônio apud DIDIER JR., 2008, p. 46). Do conceito é possível extrair três elementos, quais sejam: a) a legitimação para agir; b) a afirmação de uma situação jurídica coletiva: o direito coletivo lato sensu no polo ativo (ação coletiva ativa), ou dever ou estado de sujeição a este direito no polo passivo (ação coletiva passiva); c) a extensão subjetiva da coisa julgada.

[7] A teoria do instrumentalismo, defendida por Dinamarco, fundamenta-se na necessidade de que o processo alcança resultados práticos equivalentes ao fim ao qual se destina, vale dizer, na sua efetividade, e, por isso mesmo, o processo passa a ser um instrumento, um meio para atingir o seu escopo. Na fase do instrumentalismo, o processo, além de atender às expectativas do direito material, deve dar ao juiz e às partes o poder de utilizar as técnicas processuais necessárias para atender as particularidades do caso concreto e alcançar seu fim. Vale dizer: o sistema processual deve ser estudado à vista dos seus escopos sociais, políticos e jurídicos, da sua função perante o direito material e para a pacificação social; de igual sorte, os atos processuais devem ser analisados em face do objetivo que têm a alcançar.

[8] Por maioria de votos, o TRT 8ª Região decidiu pela fixação da tese jurídica com fundamento no art. 840, § 1º, da CLT: “Sendo escrita, a reclamação deverá conter a designação do juízo, a qualificação das partes, a breve exposição dos fatos de que resulte o dissídio, o pedido, que deverá ser certo, determinado e com indicação de seu valor, a data e a assinatura do reclamante ou de seu representante”.

[9] A fixação de tese jurídica no julgamento do IRDR não descarta a possibilidade de modulação dos seus efeitos; entretanto, é necessária uma adequada e específica fundamentação com vistas a alterar o entendimento jurisprudencial consolidado no julgamento do incidente. Georges Abboud (2014, p. 2) afirma que existem princípios constitucionais que são violados na aplicação do IRDR, e dentre eles estão a violação à independência funcional dos magistrados e à separação funcional dos Poderes, a violação ao contraditório, a violação ao direito de ação e a violação ao sistema de competências da Constituição.