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A COLAÇÃO DE BENS NO DIREITO SUCESSÓRIO

A COLAÇÃO DE BENS NO DIREITO SUCESSÓRIO

Cláudia Mara de Almeida Rabelo Viegas

1 A COLAÇÃO DE BENS

A doação de ascendente para descendente, em regra, é considerada adiantamento da herança, sendo uma antecipação daquilo que seria legítima ao descendente quando da morte do doador.

Código Civil brasileiro permite a doação de ascendente para descendente livremente, no entanto, tal circunstância deve ser informada no inventário do titular da herança, com vistas a igualar à legítima, sob pena de sonegação. O procedimento de relacionar os bens recebidos a título de doação, no inventário, é denominado colação.

 

CONCEITO DE COLAÇÃO

A Colação é o ato pelo qual o herdeiro informa, no inventário, o recebimento de bens em vida, antecipado pelo autor da herança. É instituto de direito material pelo qual os herdeiros necessários restituem à herança as doações feitas em vida pelo ascendente comum. Ou seja, visando uma equitativa apuração das quotas hereditárias dos sucessores legitimários, a colação promove uma conferência dos bens do de cujus, promovendo o retorno ao monte mor das liberalidades feitas pelo autor da herança antes de falecer.

O teor do art. 2.002 do Código Civil: “os descendentes que concorrerem à sucessão do ascendente comum são obrigados, para igualar as legítimas, a conferir o valor das doações que dele em vida receberam, sob pena de sonegação” (BRASIL, 2002).

Desse modo, a lei presume que as doações e vantagens feitas em vida pelo ascendente aos seus herdeiros necessários são antecipações das respectivas quotas hereditárias, verdadeiro adiantamento das legítimas que devem se reverter ao acervo.

 

NOÇÕES GERAIS DA COLAÇÃO

 A colação de bens, surge no direito sucessório brasileiro, proveniente da tradição romana, como forma de igualar o quinhão hereditário dos herdeiros necessários do autor, especificados em lei. Tal instituto nasceu com o intuito de efetivar, no âmbito sucessório, o princípio da igualdade entre os filhos, por meio da proteção da igualdade das legítimas.

No entanto, a regra de que a doação de ascendente para descendente confere antecipação de legítima não é absoluta. Isso porque o doador pode, eventualmente, dispensar o descendente da colação, identificando o bem doado como pertencente à parte disponível de seu patrimônio, nos termos do art. 2.005 do Código Civil.

Desse modo, é possível que o titular da herança declare que o bem doado ao descendente faz parte da metade disponível do acervo hereditário, preservando, assim, o percentual restrito aos herdeiros necessários – cônjuge, ascendente e descendente.

A dispensa da colação pode ser outorgada pelo doador no próprio instrumento de liberalidade (art. 2.006 do CC) ou em testamento, sendo importante que a declaração inequívoca de que o bem doado pertencia à parte disponível do seu patrimônio, de modo a não alcançar a “legítima“, sob pena de “redução” (art. 2.007 do CC).

Vale frisar que se presume incluída na parte disponível a liberalidade feita a descendente que, ao tempo do ato, não seria chamado à sucessão na qualidade de herdeiro necessário (art. 2005parágrafo único, do CC).

 

O OBJETO DA COLAÇÃO

É considerado objeto da colação o valor das doações que o herdeiro necessário tenha recebido, em vida, do autor da herança, nos termos do artigo 2002.

São colacionáveis as doações feitas aos herdeiros necessários (ascendentes, descendentes e cônjuge), as dívidas pagas pelo autor da herança, as doações indiretas ou simuladas. As quantias adiantadas para que o descendente adquira coisas (cumprindo seja colacionado apenas a soma, e não os bens com ela adquiridos), os rendimentos de bens do pai desfrutados pelo filho; somas não módicas, dadas de presente; perdas e danos pagos pelo pai como responsável pelos atos do menor, ou quaisquer indenizações ou multas; dinheiro posto a juros pelo pai em nome dos filhos; pagamento consciente de uma soma não devida ao legitimário; pagamento de débitos ou fianças ou avais do filho; quitação ou entrega de título de dívida contraída pelo filho para com o pai; remissão de dívida.

 

1.4 LEGITIMAÇÃO PARA REQUERER A COLAÇÃO

São legitimados a exigir a colação os herdeiros necessários que dela se beneficiem, isto é, aqueles que possam sofrer um decréscimo em sua legitima em face um concorrente seu ter recebido a mais, em vida do autor da herança.

A obrigação de trazer bens à colação, portanto, é dos herdeiros legítimos, não se aplicando aos herdeiros facultativos, aos herdeiros testamentários e aos legatários.

Logo, um neto que tenha recebido uma doação do avô não restará obrigado a colacionar quando da abertura da sucessão daquele se filhos do falecido existirem, pois com eles não estará concorrendo.

O momento da verificação da qualidade do herdeiro como necessário não é o da doação, mas sim o da abertura da sucessão. Assim, se no momento da doação o donatário não possuía a qualidade de herdeiro necessário, não será, portanto, obrigado a trazer a doação à colação – ainda que no momento da abertura seja herdeiro necessário.

No entanto, se não existirem filhos herdeiros, ou seja, se forem todos pré-mortos, o neto receberá a herança por direito próprio, ficando, nesse caso, obrigado a colacionar para atingir a igualdade da legítima, isto é, todos chamados a suceder, na qualidade de herdeiros necessários, deverão receber a herança de forma igualitária, eis que sucedem a título universal.

Outro caso é aquele em que os netos venham a suceder ao avô em representação ao pai, quando então, necessariamente deverão colacionar, mesmo que sequer tenham conhecimento sobre a doação que seu pai tenha recebido. Aqui, prevalece o princípio de que os representantes nunca podem receber a mais do que receberia o representado.

Deverão, igualmente conferir, tanto o renunciante quanto o excluído da sucessão na parte que exceder, aquela que efetivamente poderiam receber.

 

1.5 O PROCEDIMENTO DA COLAÇÃO

Sendo a colação uma obrigação legal daquele que se viu beneficiado com a doação antecipatória, este deverá fazê-lo, espontaneamente, sob pena de ser compelido por meio da ação de sonegados (artigo 1992 CCB). Silenciando-se o donatário, qualquer herdeiro necessário concorrente poderá interpelá-lo a colacionar.

O pedido de colação deve ocorrer no primeiro momento em que se lhe tornar possível as primeiras declarações, devendo ser acompanhado de prova da doação feita pelo falecido ao descendente, de sorte que o valor comprovado seja somado à parte indisponível da herança objetivando igualar a legítima entre os irmãos.

O valor de colação dos bens doados, segundo o disposto nos arts. 872 e 873 do CPC, serão avaliados ao tempo da abertura da sucessão. Preferencialmente, deve ser colacionado o bem, contudo, se não mais existir o bem, deve ser colacionado o seu valor, sem acréscimo das benfeitorias.

A colação importará em aumento na parte correspondente a legítima, ou seja, a conferência por parte dos herdeiros necessários não importará aumento da herança e sim, apenas da legítima dos herdeiros necessários.

Segundo Mario Roberto Carvalho de Faria, “a colação não traz o bem para o espólio, nem aumenta a parte disponível do testador. As liberalidades já feitas em vida constituem negócios jurídicos perfeitos e que já produziram seus efeitos legais. Por conseguinte, os frutos dos bens doados não são objeto de colação, pertencem ao donatário” que, por certeza, não deverá restituir tais valores ao monte mor.

O fato de a colação não aumentar a parte disponível nos faz concluir que não poderão os eventuais credores, seja do “de cujus” ou do espólio, exercer qualquer pretensão quanto ao referido bem colacionado. Sendo a doação um negócio jurídico perfeito, de eficácia imediata, o bem não pertence ao acervo hereditário, logo, não poderá nele ser computado.

A doação, então, retorna ao monte mor apenas para a efetiva composição da legítima. Assim, se o falecido, na data da abertura, não possuía herança, mas, no entanto, havia doado um bem a um de seus filhos, tal valor deverá ser colacionado e conferido apenas aos herdeiros necessários concorrentes para que possam dividir de igual forma a legítima. Nesse caso, como não há herança ou aumento da parte disponível, os credores, se houver, não poderão exercer pretensão quanto aos valores trazidos pelo herdeiro beneficiado em vida.

Em casos que envolvam o surgimento de prole eventual após realizada a partilha, surge a dúvida se estaria (m) o (s) filho (s) beneficiado (s) com a doação obrigado (s) a colacionar os bens recebidos, uma vez que o ato de doação se concretizou antes da existência do filho superveniente.

Sobre o tema, no julgamento do Resp. nº 1.298.864/SP, a terceira turma do Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento de que “o filho do autor da herança tem o direito de exigir de seus irmãos a colação dos bens que receberam via doação a título de adiantamento da legítima, ainda que sequer tenha sido concebido ao tempo da liberalidade”.

 

2 CONCLUSÃO

Conforme demonstrado, são três os pressupostos da colação: a existência da sucessão legítima, a existência de herdeiros necessários na linha descendente e a ocorrência de uma liberalidade, pelo ascendente, em favor dos descendentes ou do cônjuge supérstite.

A colação, portanto, é obrigatória nos casos em que há descendentes ou cônjuge, beneficiados por doação, não havendo que se falar na incidência de tal instituto quando da sucessão dos colaterais, herdeiros testamentários, legatários, renunciantes e dos excluídos da sucessão.

É possível a dispensa da colação, que pode ser feita no próprio contrato da doação, ou ser inserida no testamento. A dispensa desfaz o efeito de adiantamento da legítima, contudo, não pode ultrapassar o valor da parte disponível, o que levaria à redução do excesso.

Desse modo, visando a máxima igualdade da legítima dos herdeiros necessários, todas as liberalidades que tenha direta ou indiretamente gratificado o herdeiro ou aquele a quem o herdeiro representa, deverão ser colacionadas no ato do inventário do de cujus.

 

REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Brasília. Publicado Diário Oficial da União em 11.1.2002.

DIAS, Maria Berenice. Manual das Sucessões. 2ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011.

DINIZ, Maria Helena, Curso de direito civil brasileiro, v.6: direito das sucessões, 18 ed, São Paulo: SARAIVA, 2004,.

TARTUCE, Manual de Direito Civil. Vol. único. 5 ed. revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Método. 2015.