COLABORAÇÃO PREMIADA: UM NEGÓCIO JURÍDICO PROCESSUAL?
Humberto Dalla Bernardina de Pinho
José Roberto Sotero de Mello Porto
SUMÁRIO: 1 O Moderno Estado (Cooperativo) do Direito Processual. 2 Negócios Jurídicos Processuais: Breves Considerações sobre a sua Natureza Jurídica. 3 Colaboração Premiada: Breve Histórico e Panorama Atual. 4 Natureza Jurídica (do Acordo) da Colaboração Premiada; 4.1 Acordos sem Necessidade de Manifestação do Juiz: Acordos Inter Partes; 4.2 Acordos Dependentes da Manifestação do Juiz: Acordos Ultra Partes. 5 Uma Última Problemática: o Limite dos Negócios Jurídicos Processuais. 6 Conclusões. 7 Referências Bibliográficas.
1 O Moderno Estado (Cooperativo) do Direito Processual
É inegável, nestes dias que estamos a viver, seduzir-se pela cativante proposta de reexaminar institutos do Direito Processual Penal à luz das inovações trazidas pelo CPC/2015.
Tal instigação perpassa por uma breve retrospectiva das diversas etapas pelas quais caminhou o Direito Processual. Sem fugir do foco do presente trabalho, pode-se verificar que, em um cenário não muito distante, o debate se colocou entre a concepção publicista e a lógica privatista do processo, revelando-se, através dos ordenamentos jurídicos que elegeram uma ou outra como parâmetro, os próprios valores sociais, culturais e políticos então vigentes [1].
Grosso modo, os publicistas, como Barbosa Moreira [2], sustentam uma postura ativa do magistrado diante da relação jurídica processual instaurada, inclusive como maneira de efetivar garantias processuais basilares [3].
No outro lado da moeda, estão os privatistas ou liberais, dentre os quais com destaque o espanhol Juan Montero Aroca [4], advogando que a chancela de um juiz mais empenhado na busca da verdade real, pelo processo, seria sinônimo de uma forma de autoritarismo, incompatível com os mesmos valores fundamentais que seus opositores pretendiam resguardar [5].
Os reflexos práticos da referida dialética são evidentes, resultando em autorizações para atuação do magistrado totalmente díspares (vejam-se, nessa linha, os próprios requisitos exigidos para o válido exercício do contraditório ou da paridade de armas). Contudo, impõe-se perceber, com realismo, que o ordenamento atualmente posto – consequência inegável de opções legislativas (leia-se: políticas) – elege elementos oriundos de ambas as correntes, sendo incerto classificá-lo, peremptoriamente, como liberal ou garantista [6].
De todo modo, ao menos academicamente, o diálogo se mantém.
Crucial, entretanto, é desconstruir o desejo mimético em torno do modelo processual perfeito, cientificando-nos de que construir um sistema processual é como construir uma estrada: quanto melhor esta for, maior será o tráfego nela [7].
Enquanto isso, a cada dia que passa, nos deparamos, na rotina forense, com as novidades oriundas do CPC/2015. Sejam elas privatistas ou publicistas [8], importa notar que algumas inovações inauguram, no Direito Processual como um todo (isto é, também na visão do juiz criminal), uma etapa mais avançada do que aquela em que nos encontrávamos ainda sob a égide do Código de 1973. Dentre esses pontos de maior relevo está, sem sombra de dúvida, a noção cooperativa do processo.
Não foi à toa, portanto, que o legislador quis, logo na proa da nova lei, elencar princípios básicos para o correto desenrolar da relação entre as partes do feito e, ainda mais, entre elas e o julgador. O art. 6º, com destaque, é didático ao afirmar que “todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva“, instituindo, de maneira agora expressa [9], o princípio da cooperação [10].
O processo pós-moderno, dessa forma, “representa o mini locus para a sempre inacabada construção cotidiana da democracia substancial” [11]. Busca-se, em cada relação processual, uma adequada resposta estatal, o que significa uma prestação jurisdicional moldada às partes, dentro de certos limites mínimos. É, pois, justamente nessa dinâmica que ganharão protagonismo as convenções processuais.
Trata-se de outro tema relevante da última reforma processual, cujo ineditismo chega a ser polêmico [12]. De todo modo, é absolutamente inegável que os negócios jurídicos processuais, mormente pela inauguração da norma genérica do art. 190 do Código ora vigente, detêm ares de novidade.
2 Negócios Jurídicos Processuais: Breves Considerações sobre a sua Natureza Jurídica
Não causa espécie que a autonomia privada possa, na medida autorizada pela lei, gerar efeitos validamente também no âmbito do Direito Processual.
A aproximação entre a visão dispositiva e a inquisitiva do processo [13] está, atualmente, patente em nosso ordenamento, na medida em que há, sem margem para discussões, autorização genérica para a celebração de negócios jurídicos processuais [14]. Impõe-se, pois, bem conceituar a categoria.
Em linhas gerais, os atos processuais negociais [15] são aqueles em que as partes (negócios bilaterais), ou apenas uma delas (negócios unilaterais), lançando mão da sua autonomia da vontade, decidem externar determinada manifestação de vontade, cujas consequências são de sua escolha, dentro dos limites colocados pela lei [16].
Percebe-se, pois, que existe uma margem de decisão para os celebrantes do acordo, não só ao celebrá-lo como quanto à maneira de fazê-lo, isto é, os efeitos do ato. É justamente neste último aspecto que reside a diferença entre um ato jurídico (processual) stricto sensu e o negócio jurídico: no ato, a parte pode decidir ou não praticá-lo, porém, ao decidir agir, submete-se necessariamente ao efeito previamente trazido pela norma; no negócio (onde “nega-se o ócio“), a liberdade está não só na opção da celebração, mas também nas consequências que daí advirão [17].
Descendo ao plano prático, de modo a dar concretude às definições, tem-se que a desistência do recurso (bem como da ação, antes do oferecimento da contestação, na forma do novel art. 485, § 4º) é um ato jurídico em sentido estrito – vez que a mera opção do autor/recorrente ao praticá-lo determina a extinção da insurgência ou do feito, inexistindo margem para decidir, ainda que minimamente, acerca dos efeitos desse agir.
De outra volta, a mesma desistência, após a apresentação da defesa do réu, demandaria manifestação de vontade também deste, o que transmuda a natureza jurídica para negócio.
Cumpre salientar que tal critério, aqui trazido em linhas gerais para não fugir do escopo deste trabalho, posiciona a vontade como suporte fático para a prática do ato e, ainda, para delinear a classificação [18] entre ato jurídico e negócio jurídico, no plano da eficácia [19].
A temática se torna mais complexa apenas quando há que se fazer a diferenciação entre ato jurídico em sentido estrito e negócio jurídico unilateral. Assevera-se, apenas, que no negócio unilateral haveria apenas uma manifestação de vontade (critério da formação) ou que apenas uma das partes seria atingida pelo objeto do acordo (critério do efeito).
Sucede que tal explicação não é suficiente, havendo necessidade, se quisermos ser criteriosos, de examinar o que é exteriorização de vontade, gênero, e o que seria manifestação de vontade adeclarativa (espécie atinente aos atos jurídicos stricto sensu), e declaração de vontade (referente aos negócios jurídicos, inclusive os unilaterais) [20].
Por óbvio, a digressão poderia (e deveria) se estender, aprofundando-a igualmente na seara processual. Impende, contudo, limitá-la a este nível, de modo a podermos passar para o foco principal desta reflexão, buscando a natureza jurídica dos acordos de colaboração premiada.
3 Colaboração Premiada: Breve Histórico e Panorama Atual
O instituto da colaboração premiada não vem de hoje. De maneira contemporânea, pode-se encontrar inspiração no Direito inglês (testemunha da Corte, crown witness), no norte-americano (onde os acordos são o mote – nesse caso, especificamente o plea bargaining) e no pattegiamento italiano.
Aponte-se, desde já, que a terminologia eleita é preferível à “delação premiada“, que ostenta reprovabilidade inerente [21], bem como, em uma classificação mais esmiuçada, constituiria gênero, do qual a delação propriamente dita é espécie, intitulada também de chamamento de corréu, em autêntico eufemismo.
Assim, qualquer reconhecimento de envolvimento, colaborando com as investigações de maneira concreta e específica, bastaria para configurar colaboração, ao passo que, para se falar em delação, far-se-ia necessária a iluminação da persecução com a indicação de coautor ou partícipe [22].
No ordenamento pátrio, a primeira previsão específica [23] de uma colaboração na investigação com caráter premial ao acusado cooperante veio com a Lei nº 8.072/90, em seu art. 8º, parágrafo único, que tipifica especial delito de associação criminosa para cometimento dos crimes hediondos elencados no rol legal [24].
Na espécie, percebe-se até mesmo a possibilidade de redução de pena em hipótese de colaboração antes de haver processo criminal contra si – até porque, em se tratando da falecida quadrilha, via de regra a persecução só se inicia quando efetivamente houve cometimento de outro delito, para o qual a associação estava voltada.
A Lei nº 9.613/98, que recrimina a lavagem de dinheiro, desde sua promulgação, já previa benefícios para a colaboração espontânea [25], trazendo o mais extenso elenco de consequências favoráveis da colaboração.
Enquanto crime acessório, é possível sustentar que o rol em questão se aplicaria também para os delitos pretéritos, de onde adveio o quantum ilícito, ao qual se buscou dar roupagem lícita pela “lavagem de capitais” – ainda que o crime anterior preveja espécie autônoma de colaboração, como o caso da Lei nº 11.343/06, que apenas prevê a redução de pena[26].
Embora existam outras fontes normativas para o instituto, é inegável que o protagonismo ora verificado coincide com a vigência da Lei nº 12.850/2013, na qual o tratamento do tema é melhor esmiuçado, gozando, por essa razão, de caráter paramétrico até mesmo para as demais hipóteses [27].
O legislador, de fato, tratou quase que à exaustão do procedimento e dos requisitos para a colaboração, no art. 4º da Lei das Organizações Criminosas. Identificou, por exemplo, todos os específicos casos de colaboração (onde a delação está apenas no inciso I), elencou amplo rol de benefícios no caput, estabeleceu minúcias formais, como o próprio termo de colaboração (art. 6º [28]), bem como os efeitos processuais, inclusive para o magistrado, do acordo [29].
Outro ponto que também se deve atentar, dentro dessa perspectiva comparativa entre os processos civil e penal, é a problemática dos acordos na Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/92).
Com efeito, o art. 17, § 1º, da referida legislação, se interpretado isoladamente, veda a transação, o acordo ou a conciliação nas ações destinadas a se apurar a prática de ato de improbidade praticado por qualquer agente público.
Registre-se que, por outra perspectiva, a Lei de Mediação, no art. 36, § 4º, abre a possibilidade de, “nas hipóteses em que a matéria objeto do litígio esteja sendo discutida em ação de improbidade administrativa ou sobre ela haja decisão do Tribunal de Contas da União, a conciliação de que trata o caput dependerá da anuência expressa do juiz da causa ou do Ministro-Relator“, o que parecer jogar novas luzes sobre a discussão.
Em um primeiro momento, a Lei de Improbidade parece ostentar obstáculo absoluto para a realização do CAC, independentemente da natureza jurídica definida para o compromisso.
Contudo, a possibilidade da colaboração premiada, prevista na Lei nº 12.850/2013, traz novos paradigmas para essa discussão. Ademais, após o advento da Lei nº 12.846/2013 – Lei Anticorrupção -, a permissão de se firmar acordos de leniência (arts. 16 e 17) parece apontar mais claramente à possibilidade de flexibilização da vedação constada do art. 17, § 1º [30].
A sistemática original da Lei nº 12.846/2013 ainda foi modificada pela Medida Provisória nº 703, de 18 de dezembro de 2015. No que tange aos requisitos do acordo de leniência, foi eliminada a restrição que impunha que apenas poderia ser beneficiada a primeira pessoa jurídica a se manifestar sobre o interesse em cooperar, o que abria o caminho para que outras sociedades, que atuaram em conluio, também fizessem acordos [31].
Ademais, dispunha que o acordo também afastaria as sanções restritivas ao direito de licitar e contratar, não estando limitado àquelas previstas na Lei nº 8.666/93, o que permite que a pessoa jurídica continue a manter relações jurídicas com a pessoa de direito público anteriormente lesada.
Ainda estabelecia que a mera proposta de acordo de leniência suspenderia os prazos prescricionais dos atos ilícitos, enquanto a sua celebração continuaria a interrompê-los.
Contudo, o prazo de vigência da referida MP foi encerrado no dia 29 de maio de 2016, sem conversão em lei, conforme dispôs o Ato Declaratório do Presidente da Mesa do Congresso Nacional nº 27, de 27 de maio de 2016 [32].
Como se pode perceber, mesmo em tema tão sensível, os autores [33] tendem a flexibilizar o conceito de indisponibilidade material do direito [34], o que vem ao encontro das considerações expostas neste texto [35].
Feitas essas observações, cumpre-nos, agora, adentrar ao tema propriamente dito.
4 Natureza Jurídica (do Acordo) da Colaboração Premiada
Sob a ótica probatória, tem-se ordinariamente que a colaboração premiada constitui técnica especial de investigação [36], portanto, meio de obtenção de prova, embora haja quem fale em prova anômala inominada [37].
Não é, porém, este aspecto que nos interessa em tão exíguo estudo. Quereremos posicionar, levando em conta o Direito Processual contemporâneo, não tanto a colaboração, enquanto fonte de prova, mas o acordo de colaboração. Seria este um negócio jurídico processual?
Inicialmente, é fulcral perceber – e, doravante, nos basearemos apenas nos moldes da Lei nº 12.850/2013 – que a colaboração, verificada por um espírito decidido de contribuir, seja lá por qual razão (analisar as disposições da alma humana decididamente não cabe aqui), no plano dos fatos é juridicizada por meio de um acordo, que se formaliza por meio de um termo, cujos elementos basilares a própria disposição legal estabeleceu.
Tampouco nos interessará, nesse momento, debruçarmo-nos sobre o termo em si, vez que, a bem da verdade, tratar-se-ia de matéria quase que cartorária [38].
O que deve ser classificado, enfim, como negócio jurídico processual ou não é o acordo de colaboração em si. É ele que, a exemplo dos negócios processuais do processo civil, ocorre faticamente e, passando pelo filtro da norma, recebe contornos jurídicos, passando longe de ser mero fato natural (fato jurídico em sentido estrito), vez que, não há como se negar, existe vontade humana na sua concepção.
Na dinâmica trazida pela lei, existem dois sujeitos [39] que passam a acordar: de um lado, o investigado (se previamente à denúncia)/acusado (se no bojo do processo)/condenado (há autorização expressa para a colaboração em sede executória [40]); de outro, o Ministério Público. De maneira espontânea ou não [41], o colaborador decide auxiliar a investigação ou a instrução, apresentando elementos valiosos, a seu ver, para a solução jurisdicional do delito. Tais elementos deverão atender a uma das hipóteses dos incisos do art. 4º, necessariamente.
Recebidas as informações, passará o promotor responsável a averiguar a relevância das mesmas. Impõe-se, neste particular, um alerta: deve haver transparência, no curso do diálogo, para que se evite gerar uma indevida expectativa no colaborador, posteriormente desprezada pelo órgão acusador.
Aplicar-se-ia, desse modo, por analogia, o § 10 [42], que, para o caso de retratação do acordo, afasta o uso dos elementos probatórios em seu desfavor – igualmente, pois, se sequer sucedeu qualquer acordo.
Abre-se, ex lege, a possibilidade de o delegado de polícia [43] ou o Ministério Público requererem ao juiz a concessão de perdão judicial, se a relevância for tamanha [44]. Mesmo que assim não seja, imaginando o membro do Parquet que estão satisfeitos os requisitos de eficácia legais (algum dos incisos), celebrar-se-á o acordo objeto de estudo.
A própria norma delineou essa etapa, excluindo, ab initio, o juiz das tratativas, medida salutar para evitar qualquer antecipação de sua convicção com elementos externos ao processo, que, eventualmente, nem integrem o acordo. Apenas o Ministério Público e o acusado serão atores.
Em seguida da formalização do acordado, pelo termo dito, enviar-se-lo-á para o magistrado, via distribuição sigilosa [45], que será o responsável pela sua homologação: “deverá verificar sua regularidade, legalidade e voluntariedade, podendo para este fim, sigilosamente, ouvir o colaborador, na presença de seu defensor“.
Inevitável, aqui, o paralelo com o parágrafo único do art. 190 do novo Código de Processo Civil, que traça o papel do juiz quando diante de um negócio processual[46].
Em ambos, o julgador não faz nada senão verificar a validade do acordo, especificada pelos três elementos (regularidade, legalidade e voluntariedade), não se imiscuindo no mérito do acordo. Ademais, diante de qualquer acordo que venha à sua homologação, age desse modo o magistrado, como ratificação e selo de validade.
Válido alertar que a possibilidade, deixada pelo legislador, ao juiz de adequar o acordo ao caso concreto, quando da homologação, deve receber interpretação crítica: apenas poderá haver modificação do acordo se frontalmente violar os requisitos legais ou contrariar a autorização da norma para o acordo [47].
Não bastará, até porque inoportuno nessa etapa, a discordância do julgador quanto à conveniência ou a perfeição da extensão das informações. Ou seja, não é papel do magistrado, olhando os termos da colaboração, considerar que o promotor atuou insuficientemente, porque poderia ter obtido mais informações, por exemplo.
Observação também instigante diz respeito à voluntariedade, aspecto, esse sim, a ser averiguado nesse instante. É impossível pretender que haja uma real paridade de armas no Direito Processual Penal – seja no curso de um processo ou diante de mera investigação.
Como imaginar que o sujeito colaborador verdadeiramente esteja em pé de igualdade com o órgão acusador, diante da possibilidade de ser condenado por penas de relevo?
Justamente por essa razão, é por demais salutar, e imagina-se que verdadeiramente constitua requisito de validade do acordo e para sua homologação, que o acusado esteja acompanhado e instruído por um defensor – público ou privado[48]. Caso contrário, o magistrado jamais deverá conferir legitimidade para o termo posto à sua mesa.
Outra menção possível ao diploma processual civil se dá no art. 6º deste, que institui o princípio da cooperação supra mencionado, indicando claramente suas finalidades: uma decisão justa e eficaz.
Não se pode negar que a colaboração premiada dialoga com esses dois adjetivos-objetivos, permitindo retirar consideravelmente a sombra de dúvidas existente em qualquer condenação ou absolvição criminal, tornando a decisão inevitavelmente mais justa. De igual maneira, a eficácia se fortalece, notoriamente no aspecto da pacificação social, finalidade patente da jurisdição [49].
Apenas ao cabo do processo em primeiro grau é que haverá, regra geral, a delimitação decisiva dos efeitos do acordo. Isso porque a lei é inconteste ao evidenciar que caberá ao juiz, na sentença, apreciar os termos do acordo (o que, ao menos por via reflexa, já haverá sido feito no momento da homologação) e sua eficácia. Reside nesse último termo toda a importância prática da colaboração premiada.
O que acontece, então, é que o acordo de colaboração não determina suas consequências jurídicas. Apenas ao magistrado, ao decidir o feito, cabe selecionar entre os efeitos permitidos pela lei aquele que melhor se amolda o caso concreto, havendo inegável margem para o livre-convencimento motivado do julgador.
O próprio caput do art. 4º esclarece esse protagonismo, ao dizer que “o juiz poderá, a requerimento das partes [50], conceder” os benefícios, de modo que, ainda que se afaste a facultatividade caso o acordo seja efetivo [51], apenas na sentença, ato jurídico processual que não cabe a qualquer dos acordantes, serão conhecidos seus efeitos reais.
É caso de se questionar: o juiz é parte do acordo de colaboração premiada? A que se atribui sua tão relevante postura?
Parece irrefutável que o acordo celebrado entre o acusado (em sentido amplo) e o Ministério Público não constitui negócio jurídico processual, como conceituado acima. Afinal, se o ponto nodal para conceituar um ato como negócio é a possibilidade de as partes definirem seus efeitos, lançando mão de sua autonomia da vontade, não pode haver enquadramento da hipótese à definição [52].
Para que fosse possível considerar o acordo como negócio jurídico, far-se-ia necessário que o juiz integrasse o ato, vez que os efeitos pretendidos dele dependem. Ocorre, contudo, que a própria lei não deixa muito espaço para essa interpretação, quando esclarece momentos distintos para a atuação do magistrado.
Ademais, determina que “o juiz não participará das negociações realizadas entre as partes para a formalização do acordo de colaboração“.
Assim estabelecido, ainda que se construísse uma interpretação elástica para considerar que o acordo só se aperfeiçoaria em um momento posterior (na sentença), sepultada está a tese de o magistrado ser acordante da colaboração, porque se alguém não participa das negociações seguramente não faz parte do negócio. Afinal de contas, o que é negociar senão participar de uma negociação?
Pouco importa, de resto, que o termo de colaboração preveja tal ou qual efeito, dentre os três previstos no caput do art. 4º, como consequência daquela colaboração [53], porque apenas o magistrado elegerá a medida mais adequada in casu, ao sentenciar.
Evidentemente, essa discricionariedade não se confunde minimamente com a atuação quase administrativa de um juiz em processo de jurisdição voluntária, sendo manifestação exemplar da imposição da decisão estatal ao caso concreto.
A rigor, a colaboração premiada, em todas as suas hipóteses legais, dentro ou fora da Lei nº 12.850/2013, é uma espécie de benefício dado pela lei ao acusado que agir de determinada forma, atendendo certos requisitos, como o são o livramento condicional e a progressão de regime, por exemplo.
Diferencia-se apenas no aspecto volitivo, que, no diálogo com o Ministério Público com os olhos voltados para as referidas benesses legais, pode optar simplesmente por não colaborar.
E também pode desistir de não colaborar ou até mesmo retratar-se da proposta [54]. Alguma maleabilidade negocial está presente, mas jamais no tocante ao juiz – o que, a bem da verdade, é o que interessa ao acusado.
A categorização ganha traços complexos. Seria caso de um ato jurídico em sentido estrito em que, manifestada a vontade de ambas as partes (investigado e Ministério Público), sucederia o efeito previsto em lei, sem espaço para a autonomia da vontade no que se refere às consequências jurídicas do acordo?
Em alguma medida, há semelhança com o conceito – em especial, se considerarmos como efeitos do acordo aqueles benefícios elencados pela lei. Entretanto, há outra maneira de perspectivar a pergunta, colocando-se no plano da eficácia do acordo apenas o termo dele advindo.
Na verdade, apenas uma diferenciação entre os diversos cenários permite responder ao questionamento.
4.1 Acordos sem Necessidade de Manifestação do Juiz: Acordos Inter Partes
Em algumas hipóteses, o juiz não terá que se posicionar de maneira decisória, de modo que o acordo entre as partes pode delinear seus efeitos com liberdade, expressando autonomia da vontade – o que chamaremos de acordo de colaboração inter partes. É o caso da celebração do acordo, formalizado, após a homologação, com o termo, e da não apresentação de denúncia por parte do Ministério Público.
Quanto ao termo, efeito inevitável de um acordo validamente desenhado, existe um negócio jurídico. Afinal, embora tal objeto formal não gere consequências materiais (o que somente pode ocorrer com o advento da sentença judicial), existe um acordo voltado para a formalização, por meio do termo de colaboração, dentro do próprio acordo global da colaboração. Explica-se: as partes decidem, manifestando suas vontades, concluir o acordo por meio do termo.
Ou seja, assim agindo, acusado e Ministério Público podem delinear, com alguma liberdade, os efeitos do ato – o que nos leva a concluir pela classificação como negócio jurídico.
Note-se, por exemplo, que o termo de acordo deverá conter o “relato da colaboração e seus possíveis resultados“, afigurando-se possível, a princípio, que as partes decidam que somente um ou dois dos benefícios serão perseguidos, restringindo a previsão formalizada a apenas estes – por mais que, reitere-se, tal especificação não vincule o magistrado irreversivelmente.
O segundo caso em que há inegável negócio jurídico é o previsto no § 4º do dispositivo principal [55], no qual se faculta [56] ao órgão acusador que deixe de apresentar denúncia.
Aqui, o quadro é absolutamente diverso: uma das partes abre mão de seu direito de persecução criminal em juízo, ante a relevância das informações obtidas e do atendimento de requisitos subjetivos (não ser o colaborador o líder da organização criminosa e prestar o auxílio antes dos demais).
Não há que se falar, assim, em qualquer anuência do magistrado ou sua ulterior análise acerca da eficácia da colaboração: o acordo faz-se entre as partes com efeitos definidos em comum acordo e de efetividade garantida por uma delas. Tem-se, desse modo, inegável negócio jurídico processual.
4.2 Acordos Dependentes da Manifestação do Juiz: Acordos Ultra Partes
A regra geral, no entanto, é que os efeitos do acordo celebrado apenas sejam plenamente conhecidos com o advento da sentença, principal ato judicial no processo – e o juiz, enquanto terceiro estranho ao acordo, por expressa previsão legal, só é atingido em alguma medida, não se vinculando a ele plenamente (aspecto ultra partes da colaboração). Merece ressalvas, portanto, a simplista conclusão de que o acordo de colaboração tem natureza de negócio jurídico.
Isso porque, como já dito, o juiz possui inegável margem de discricionariedade, na sentença, para eleger a resposta que considere ideal, dentre as previstas no caput do art. 4º [57].
Tal cenário se mantém, acreditamos, mesmo que o acordo inter partes restrinja o rol de benefícios para o caso concreto. Em um exemplo prático: se o termo de colaboração falar apenas em redução de pena, poderia, mesmo assim, por força de lei, o juiz conceder o perdão judicial.
Já a hipótese oposta, na qual o acordo que culminou na elaboração do termo (homologado pelo juízo) preveja apenas benefício mais favorável que aquele selecionado pelo sentenciante, embora pudesse seguir a mesma lógica autorizativa, ex lege, entendemos que viole valores (segurança jurídica, boa-fé, lealdade processual e a própria cooperação) que não podem ser deixados de lado, mormente no processo penal, uma relação jurídica desequilibrada por essência.
Acaso o Judiciário discordasse dos moldes, poderia ter demonstrado sua reticência quando da homologação.
Não parece correta, de todo modo, a ideia de que a homologação do acordo pelo juiz o impeça de verificar, ao julgar, que a colaboração não foi efetiva a ponto de afastar as benesses legais.
Indiscutível, porém, que essa vicissitude deve se afigurar excepcionalíssima, em razão dos mesmos princípios elencados acima, tão caros ao panorama processual colaborativo que transborda do processo civil para o processo penal, por meio da teoria geral do processo.
Assim, embora reconheçamos que, como regra, o juiz deva ao menos aplicar algum benefício, em tendo sido homologado um acordo de colaboração anteriormente, devemos ser técnicos e reconhecer que se trata de sujeito estranho ao acordo.
Esquematicamente, pode-se dizer que o juiz atua em duas etapas: na primeira, apenas homologa, verificando sua regularidade e validade; na segunda, verifica seu mérito, sua eficácia, e, caso o juízo reste positivo, aplica os efeitos penais (materiais) na sentença.
Como são esses últimos os objetivos verdadeiramente perseguidos pelo acusado ao formalizar o acordo, muito pouco ou quase nada lhe importando o mero termo de colaboração, afastamos o caráter de negócio jurídico da colaboração, porque ninguém (o juiz, no caso) pode ser obrigado por negociação da qual não participou.
O raciocínio se aplica mesmo que se considerasse como obrigatória a aplicação dos benefícios penais do caput, havendo discricionariedade para o magistrado apenas em escolher dentre eles. Ainda assim, não seria de se falar em negócio jurídico propriamente dito, porque os celebrantes não podem predeterminar algo que não é de sua alçada.
Em suma, embora se reconheça que a processualística se dirige para um cenário em que mesmo o juiz possa não apenas verificar a validade dos acordos das partes em matéria processual, como também com elas celebrar negócios, não é o que ocorre na colaboração premiada, restando impossível, com os conceitos postos pela doutrina, alçar o referido acordo ao patamar de negócio jurídico, sem que se considere uma verdadeira espécie suis generis.
5 Uma Última Problemática: o Limite dos Negócios Jurídicos Processuais
Nesses novos tempos, verifica-se como uma das maiores angústias a delimitação do alcance dos negócios jurídicos processuais. Isto é, até onde pode ir o acordo das partes no bojo de um processo judicial?
Sem termos a pretensão de solucionar a questão em tão breves linhas, é interessantíssimo importar, novamente do Direito Processual Civil inaugurado em março, alguns parâmetros para ajudar a verificação da validade do acordo de colaboração premiada.
Na realidade, se quisermos garantir o mínimo de sobrevida ao instituto ora analisado, teremos que afastar a proibição de se celebrarem negócios processuais entre partes desiguais ou, ao menos, que envolvam uma parte vulnerável [58].
Isso porque é intrínseco ao processo penal que uma das partes esteja em exemplar estado de inferioridade. Até o plano em que se encontra na sala de audiência o demonstra [59].
Não bastasse, o próprio sistema probatório é unilateral, sendo muito mais fácil uma condenação do que a aplicação prática do afamado in dubio pro reo.
Ademais, o próprio estado emocional do acusado é um convite para que se coloque, com facilidade, em situações contrárias a qualquer estratégia de defesa.
Desse modo, ironicamente, no processo penal, especialmente no acordo de colaboração premiada, há autorização legal para que um vulnerável (ousamos dizer: o vulnerável por excelência) negocie, ao passo que, no ramo civil, a pessoa com postura fragilizada não poderia fazê-lo.
Acaso haja alguma violação à paridade de armas para além das já inerentes à condição de hipervulnerabilidade do acusado ou investigado criminal, caberá ao juiz invalidar o acordo também no processo penal.
Outro parâmetro de que a doutrina se utiliza para frear o ímpeto negocial das partes seria a impossibilidade de se dispor de direito que não seja seu [60]. Tivemos a oportunidade de tratar da aplicação direta desse aspecto para o acordo de colaboração, cuja verdadeira efetividade penal somente vem a ser conhecida na sentença.
Prosseguindo, a observância dos direitos e das garantias fundamentais funciona como limitação a qualquer atuar, de todos os sujeitos, no processo [61] – em especial no processo penal, no qual os referidos valores pétreos se voltam à limitação do poder punitivo estatal, estabelecendo padrões criteriosos para que uma condenação se afigure minimamente legítima [62]. O devido processo legal é o módico preço que se paga por viver em uma democracia.
As discussões, logicamente, não se encerram por aqui, sendo certo que poderiam motivar um trabalho todo ele voltado para a delimitação dos negócios processuais em matéria penal.
6 Conclusões
Encerrada a presente investigação, esperamos ter deixado algumas linhas mestras sobre o ainda espinhoso tema da colaboração premiada. Tentou-se, depois de se averiguar o peso que a cooperação ostenta para o processo contemporâneo, delinear os conceitos de negócio jurídico processual e ato jurídico processual em sentido estrito.
Após, passou-se ao reconhecimento do instituto da colaboração premiada, diferenciando-o da delação premiada propriamente dita e traçando, brevemente, o panorama legislativo sobre o tema no ordenamento pátrio.
No cotejo entre o acordo de colaboração, que não se confunde com o termo do acordo de colaboração, o novo Código Processual Civil e as definições de negócio jurídico processual, surgiram alguns questionamentos cruciais, acompanhados de respostas que esperamos sejam satisfatórias.
Um primeiro problema diz respeito à vontade, elemento sine qua non para configurar um negócio jurídico, mas que está evidentemente fragilizado por demais em uma investigação criminal ou no processo que dela decorre.
Outro empecilho perpassa pela necessidade de atuação do magistrado para que os efeitos perseguidos pelo colaborador sejam atingidos. Sugerimos, nesse particular, a classificação entre os acordos de colaboração inter partes, isto é, sem necessidade de atuação judicial para que gerem os efeitos (onde se insere a hipótese de o próprio Ministério Público deixar de oferecer denúncia e o acordo tácito em geral do termo de colaboração) e os acordos de colaboração ultra partes, nos quais a não concordância do juiz é sinônimo de ineficácia do acordado, afastando-se os benefícios do caput do art. 4º da Lei nº 12.850/2013.
Na primeira espécie, conseguimos enxergar negócio jurídico processual autêntico, ao passo que, na segunda, o mesmo restou impossível, vez que as partes não podem dispor sobre algo que apenas o magistrado poderá decidir, oportunamente, na sentença.
Também foram perpassadas questões como a não obrigatoriedade de o juiz aplicar o acordo, caso o repute inefetivo ou irrelevante, bem como a excepcionalidade que se espera dessa conduta.
Isso porque, conforme se buscou demonstrar, o atual panorama processual exige que se outorgue valoração devida aos princípios da boa-fé, da cooperação, da segurança jurídica e da lealdade processual.
Por fim, instigou-se acerca dos limites dos negócios jurídicos processuais (tema na pauta do dia), em especial no Direito Processual Penal.
Sem a pretensão de exaurir a discussão, buscamos jogar luzes para futuros debates. Afinal, não parece haver outra maneira de evoluir na direção de um processo em que o escopo da pacificação social e pessoal esteja, enfim, atendido.
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[1] “As grandes codificações refletem as concepções ideológicas dominantes no país e no momento em que são promulgadas. A legislação processual do século XX foi em grande parte consequência do socialismo e do fascismo, que sustentavam a crença de que o aumento dos poderes do Estado na sociedade constituía sempre um fator de progresso social, o que justificava o aumento dos poderes do juiz no processo civil para supostamente elevar o nível de acesso e a qualidade da justiça. O interesse público, a paz e a justiça social sempre se sobrepuseram a qualquer interesse particular. Nos países socialistas, o processo foi concebido como instrumento do bem-estar social, assumindo o juiz a função de guia e de propulsor do processo, não só técnica e formal, mas também materialmente, exercendo papel ativo e assistencial das partes, buscando com elas a verdade e a vitória da parte que tem razão, destruindo, assim, a ideia do juiz neutro. (…) Com a reconstitucionalização da Europa Ocidental após o término da Segunda Guerra Mundial, caracterizada pelo abandono da absoluta supremacia do interesse público sobre o interesse individual e pelo primado da dignidade humana e dos direitos fundamentais, não é mais possível continuar a submeter as partes no processo civil ao predomínio autoritário do juiz, sendo imperiosa a reconstrução do sistema processual sob a perspectiva dos cidadãos que acodem ao juiz para obter a tutela dos seus direitos subjetivos, respeitados o princípio dispositivo e a autonomia privada.” (GRECO, Leonardo. Publicismo e privatismo no processo civil. Revista de Processo, ano 17, n. 164, São Paulo, RT, 2008, p. 30)
[2] “Enquanto se considerava o processo como ‘coisa das partes’, era natural que se entregasse a estas – ou, talvez mais exatamente, aos respectivos advogados – o comando do ritmo processual e a possibilidade de manejar a seu exclusivo critério outras alavancas importantes, como a colheita do material destinado a ministrar base à solução do litígio. Tal concepção foi denunciada e combatida ao longo de muitas décadas, por juristas inconformados com o amesquinhamento que ela impunha à função jurisdicional. (…) Outros tempos chegaram, e com eles a inevitável reação a tal modo de pensar. Começou a ser posto em realce o elemento publicístico do processo. (…) Dir-se-ia consolidada a mudança, e desnecessário qualquer esforço suplementar a seu favor. Eis senão quando o pensamento antigo ameaça querer ressuscitar. (…) Tentar de novo reduzir o juiz à posição de espectador passivo e inerte do combate entre as partes é anacronismo que não encontra fundamento no propósito de assegurar aos litigantes o gozo de seus legítimos direitos e garantias. Deles hão de valer-se as partes e seus advogados, para defender os interesses privados em jogo. Ao juiz compete, sem dúvida, respeitá-los e fazê-los respeitar; todavia, não é só isso que lhe compete. Incumbe-lhe dirigir o processo de tal maneira que ele sirva bem àqueles a quem se destina servir. E o processo deve, sim, servir às partes; mas deve também servir à sociedade. Outra opção, menos áspera, pode basear-se na pecha, que se lança, de exacerbação do elemento publicístico no processo civil. Pois bem: à orientação contrária não cairá mal, nessa perspectiva, a denominação de privatismo. Sejamos, porém, mais exatos: já que semelhante orientação nos remete à mentalidade dominante em tempos idos – e infelizmente, ao que tudo indica, reerguida da sepultura em que parecia jazer -, numa época em que o processo civil era tido e havido como ‘coisa das partes’, tomamos a liberdade de chamar-lhe neoprivatismo, na esperança de que isso não desagrade aos seus ardorosos propagandistas.” (BARBOSA MOREIRA, José Carlos. O neoprivatismo no processo civil. Temas de direito processual (nona série). São Paulo: Saraiva, 2007. p. 101)
[3] Em uma nota sintetizadora, Diogo de Almeida esclarece: “Em resumo, ao tomar como base de toda a atividade jurisdicional a concretização de interesses públicos através do processo, o modelo social ou publicista reúne as seguintes características: (i) presença de juiz gestor, que participa – seja deferindo, determinando, presidindo, fiscalizando ou chancelando – de todos os atos processuais; (ii) ausência de liberdade das partes e pouquíssimo poder de disposição, tanto de direitos materiais como processuais; (iii) exigência de atuação de boa-fé e de cooperação das partes e de seus patronos para a consecução dos fins idealizados pelo Estado para a jurisdição; (iv) outorga de poderes instrutórios ao juiz e perseguição da verdade real no processo; (v) predomínio da oralidade sobre a escritura” (Das convenções processuais no processo civil. Tese de Doutoramento. Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ, Rio de Janeiro, 2014. p. 63).
[4] MONTERO AROCA, Juan. El proceso civil llamado “social” como instrumento de “justicia” autoritaria. In: MONTERO AROCA, Juan (Coord.). Proceso civil e ideologia: un prefacio, una sentencia, dos cartas y quince ensayos. Valencia: Tirant lo Blanch, 2006. p. 149-150.
[5] “Fino ai giorni nostri, la teoria e la prassi della protezione giudiziaria dei diritti si sono sentite costrette a muoversi nel campo di tensione provocato da due poli concettuali contrapposti (diritto pubblico, diritto privato). Oggi si deve apertamente riconoscere – per usare una bela immagine di Michael Stolleis- che questa polarità è come la luce di una stella che si irradia ancora, molto tempo dopo che la sua sorgente si è esaurita. È giunto il momento di liberarsi dei riflessi mentali di questa dicotomia per lavorare alla costruzione di un diritto intermedio e interstiziale. Una costruzione di cui si rinvengono tracce nel passa-to, benché queste siano rimaste sommerse dalla impostazione allora dominante. (…) Piuttosto si deve riconoscere che il sistema normativo processuale, non è chiuso nella propria autoreferenzialità normativa, ma è disposto ad apprendere dall’ambiente circostante. E se si tratta di un ambiente ricco di buone ragioni potenzialmente universalizzabili, come quello che può scaturire da un esercizio equilibrato del potere di autonomia (individuale o collettiva), l’arricchimento del sistema processuale non può essere che notevole. In sintesi, il principio di legalità della disciplina processuale è riaffermato in un contesto culturale profondamente mutato rispetto a quello ottocentesco. Un contesto nel quale l’interprete teorico el’operatore pratico del diritto si sono definitivamente liberati dai panni striminziti dell’esegeta, per assumere quelli del coproduttore ed intermediatore di senso delle norme processuali, all’interno di un sistema legale che è come un ‘polmone aperto sull’esperienza’.” (CAPONI, Remo. Autonomia privata e processo civile: gli accordi processuali. Accordi di parte e processo. Quaderni della Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile, n. 11, Milano, Giuffrè, 2008, p. 116/119)
[6] Há sempre um elemento dispositivo, mesmo no dito processo inquisitorial: “D’altronde, il carattere inquisitorio del procedimento, non esclude certamente una effettiva partecipazione della parte, il cui interesse, anche se può avere acquistato un rilievo pubblicistico più ampio che nel processo retto dal principio dispositivo, rimane elemento primario di impulso e di iniziativa” (FERRI, Conrado. Struttura del processo e modificazione della domanda. Padova: Cedam, 1975. p. 50).
[7] A comparação, indubitável, foi traçada por Richard Neely (Why Courts don’t work. Nova Iorque, 1983. p. 58), à qual tivemos acesso pelo brilhante texto do mestre José Carlos Barbosa Moreira, Miradas sobre o Processo Civil Contemporâneo, publicado na Revista da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, n. 3, bem como em seu Temas de Direito Processual Civil, 6ª série, São Paulo, Saraiva, 1997, p. 61.
[8] “O estudo do processo como fenômeno cultural e ideológico não é recente, mas pode-se considerar que há novidades nos argumentos e na intensidade dos debates doutrinários, com ampla produção de estudos envolvendo que vem sendo denominado de ‘publicismo’ e ‘privatismo’ processual. (…) Na realidade, superada a summa divisio entre o privatismo e publicismo, deve ser buscado um processo efetivamente democrático, em que convivam os poderes do juiz e a autonomia das partes, sempre balizados pela conformação constitucional dos direitos fundamentais.” (GODINHO, Robson. A autonomia das partes e os poderes do juiz entre o privatismo e o publicismo do processo civil brasileiro. Revista do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, edição comemorativa, fascículo 2, 2015, p. 88/123. Versão eletrônica disponível em: <http://www.mprj.mp.br/consulta-juridica/revista-do-mp>. Acesso em: 30 jul. 2016. p. 90)
[9] A doutrina já extraía, do CPC/73, o referido valor, conquanto o fizesse de forma bastante tímida, pontualmente. Doravante, contudo, a própria lei denota a obrigação, enquanto cláusula geral, a exemplo do que fez o legislador português, de maneira precursora (veja-se o artigo 266º, 1º, do antigo Código lusitano: “na condução do processo, devem os magistrados, os mandatários judiciais e as próprias partes cooperar entre si, concorrendo para se obter, com brevidade e eficácia, a justa composição do litígio”).
[10] PINHO, Humberto Dalla Bernardina de; ALVES, Tatiana Machado. A cooperação e a principiologia no processo civil brasileiro: uma proposta de sistematização. Revista Eletrônica de Direito Processual, v. XII, 2013. Disponível em: <http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/redp/article/view/8682/6572>.
[11] Bruno Cavaco, ao abordar o tema da cooperação, tece as seguintes considerações: “Portanto, como modelo de gestão de processo, a cooperação rejeita a jurisdição como polo metodológico do processo civil, ângulo de visão evidentemente unilateral do fenômeno processual, privilegiando em seu lugar a própria ideia de processo como centro de sua teoria, concepção mais pluralista e consentânea à feição democrática do Estado Constitucional” (Desjudicialização de conflitos e democracia processual: um convite à participação procedimental e ao protagonismo do cidadão na pós-modernidade. Dissertação de Mestrado. UERJ, Faculdade de Direito, 2016. p. 9).
[12] Embora, na vigência do CPC/73, poucos autores falassem na questão dos negócios processuais atípicos, com o advento do novo Código várias vozes se levantaram para afirmar que não se trata de tema inédito. Nesse sentido: CUNHA, Leonardo Carneiro da. Negócios jurídicos processuais processo civil brasileiro. Disponível em: <https://www.academia.edu/10270224>. Acesso em: 30 jul. 2016. p. 16-17.
[13] “Com efeito, os princípios dispositivo e inquisitivo não são incompatíveis, mas devem se complementar, pois não pode o juiz se substituir à autonomia da vontade das partes, mas ao mesmo tempo deve zelar pelo adequado cumprimento das garantias constitucionais do processo e pela realização de um processo justo.” (RODRIGUES, Marco Antonio dos Santos. A modificação do pedido e da causa de pedir no processo civil. Rio de Janeiro: Mundo Jurídico, 2014. p. 192)
[14] “Art. 190. Versando o processo sobre direitos que admitam autocomposição, é lícito às partes plenamente capazes estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo. Parágrafo único. De ofício ou a requerimento, o juiz controlará a validade das convenções previstas neste artigo, recusando-lhes aplicação somente nos casos de nulidade ou de inserção abusiva em contrato de adesão ou em que alguma parte se encontre em manifesta situação de vulnerabilidade.”
[15] É a alcunha dada por FAZZALARI, Elio. Instituições de direito processual. Trad. Elaine Nassif. Campinas: Bookseller, 2006. p. 416.
[16] Uma pequena nota acerca da nomenclatura do instituto, redigida por Trícia Navarro e aqui reproduzida: “Não há um consenso sobre a denominação que deve ser empregada nas convenções em tema de processo. Na doutrina nacional o assunto é chamado de negócios processuais, acordos processuais e contratos processuais. No direito estrangeiro o instituto também recebe locuções distintas. Na Alemanha utiliza-se a expressão Prozessverträge, que se refere a contratos processuais. Na França fala-se em contract de procèdure. Já na Itália usa-se accordi processual para abordar as avenças sobre processo. O significado jurídico dos termos ‘convenção’, ‘negócios’, ‘contratos’ e ‘acordos’ é bem próximo, sendo que todos eles envolvem manifestações de vontade, visando um fim específico e a produção de efeitos jurídicos. (…) Todavia, para traduzir o fenômeno em que duas ou mais pessoas expressam declarações de vontade que se fundem para formar um ato uno, novo, com a produção de efeitos processuais, mostra-se mais apropriado o uso do termo ‘convenção’, embora não seja adequado o acompanhamento do adjetivo ‘processual’ para designar uma avença cujo conteúdo é relacionado a processo, mas cuja natureza jurídica é de direito material. Primeiro porque ‘convenções’ é a terminologia utilizada pelo Código de Processo Civil atual e também pelo projetado. Segundo para diferenciar o instituto dos ‘negócios jurídicos’, já que este também usa a expressão quando há uma só manifestação de vontade. Terceiro porque o termo ‘contrato’ traduz apenas a ideia de forma de materialização do ajuste, sendo que eventual divergência sobre a sua extensão conceitual poderia comprometer o sentido aqui empregado. E quarto porque ‘acordo’ nem sempre indica somente o objeto ou o conteúdo das convenções, podendo ainda se referir a um fim específico de fazer cessar uma pendência ou demanda, o que não corresponde exatamente ao que se pretende aduzir. Desse modo, prefere-se falar em ‘convenções em matéria processual’” (Convenções em matéria processual. Revista de Processo, v. 241/2015, p. 489-516, mar. 2015).
[17] Sobre a natureza dos negócios processuais, Macêdo e Peixoto tecem pertinentes considerações: “O conceito de negócio jurídico pertence à teoria do direito, por isso mesmo, é plenamente aplicável ao Direito Processual Civil, como o é a qualquer outro ramo especializado do Direito. O âmbito de autorregulação, entretanto, no Direito Processual Civil, é que se diferencia do permitido no Direito Privado, diante da estrututra triádica da relação processual e da participação do Estado-juiz, que presta serviço essencial. Como é evidente, a intermediação do Estado-juiz na relação processual apresenta características próprias, que precisam ser delineadas com cuidado. Assim, muito embora o conceito de negócio jurídico recebido em sua plenitude, o seu cabimento no Direito Processual não é tão simples” (Negócio processual acerca da distribuição do ônus da prova. Revista de Processo, v. 241/2015, p. 463-487, mar. 2015).
[18] MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do fato jurídico: plano da existência. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 184.
[19] BONFIM, Daniela; DIDIER Jr., Fredie. Colaboração premiada (Lei n. 12.850/2013): natureza jurídica e controle de validade por demanda autônoma – um diálogo com o direito processual civil. Civil Procédure Review, v. 7, n. 2, p. 143. Disponível em: <http://civilprocedurereview.com/index.php?option=com_content&view=article&id=527:colaboracao-premiada-lei-n-128502013-natureza-juridica-e-controle-da-validade-por-demanda-autonoma–um-dialogo-com-o-direito-processual-civil-fredie-didier-jr&catid=90:pdf-revista-n2-2016&Itemid=112&lang=pt>. Acesso em: 30 jul. 2016.
[20] “Tudo quanto aqui se disse pode ser resumido em três proposições: (a) o ato jurídico stricto sensu não contém nunca declaração de vontade, ao contrário do negócio jurídico. Difere do ato-fato jurídico porque, nele, o suporte fático despreza o elemento vontade e toma o ato como fosse um mero fato; (b) a manifestação de vontade do ato jurídico stricto sensu é adeclarativa, salvo quando assertórica de fatos (sem conteúdo dispositivo), podendo ser: comunicação de vontade, comunicação de fato (inclusive de sentimento) e enunciação assertórica de fato; e (c) o negócios jurídico unilateral é declaração de vontade ou, nalguns casos, exteriorização material de vontade (manifestação adeclarativa de vontade decisória ou dispositiva).” (COSTA, Adriano Soares da. Distinção entre ato jurídico stricto sensu e negócio jurídico unilateral. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/46907/distincao-entre-ato-juridico-stricto-sensu-e-negocio-juridico-unilateral>. Acesso em: 30 jul. 2016)
[21] Há, ainda, quem a apelide de “extorsão premiada”, na qual o Estado premiaria uma autêntica falta de caráter (CARVALHO, Natália Oliveira. A delação premiada no Brasil. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. p. 101). Não enxergamos, em abstrato, tão clamorosa afronta à ética – eventualmente, no caso concreto, poder-se-ia até mesmo refletir um início de emenda na personalidade do acusado.
[22] ARAS, Vladimir. In: CARLI, Carla Veríssimo de (Org.). Lavagem de dinheiro: prevenção e controle penal. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2011. p. 427.
[23] Antes mesmo de haver leis específicas a respeito, o arrependimento e a colaboração não eram indiferentes para fins de retribuição punitiva. Para concluir assim, basta mencionar, no Código Penal, as atenuantes do arrependimento genérico (art. 65, III, b) e da confissão voluntária (art. 65, III, d) e as figuras do arrependimento eficaz (art. 15) e do arrependimento posterior (art. 16).
[24] “Art. 8º Será de três a seis anos de reclusão a pena prevista no art. 288 do Código Penal, quando se tratar de crimes hediondos, prática da tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins ou terrorismo. Parágrafo único. O participante e o associado que denunciar à autoridade o bando ou quadrilha, possibilitando seu desmantelamento, terá a pena reduzida de um a dois terços.”
[25] Redação originária: “§ 5º A pena será reduzida de um a dois terços e começará a ser cumprida em regime aberto, podendo o juiz deixar de aplicá-la ou substituí-la por pena restritiva de direitos, se o autor, co-autor ou partícipe colaborar espontaneamente com as autoridades, prestando esclarecimentos que conduzam à apuração das infrações penais e de sua autoria ou à localização dos bens, direitos ou valores objeto do crime”. Redação atual, com o recrudescimento dado pela Lei nº 12.683/2012: “§ 5º A pena poderá ser reduzida de um a dois terços e ser cumprida em regime aberto ou semiaberto, facultando-se ao juiz deixar de aplicá-la ou substituí-la, a qualquer tempo, por pena restritiva de direitos, se o autor, coautor ou partícipe colaborar espontaneamente com as autoridades, prestando esclarecimentos que conduzam à apuração das infrações penais, à identificação dos autores, coautores e partícipes, ou à localização dos bens, direitos ou valores objeto do crime”.
[26] Na Lei de Drogas, a previsão é a seguinte, mais tímida: “Art. 41. O indiciado ou acusado que colaborar voluntariamente com a investigação policial e o processo criminal na identificação dos demais co-autores ou partícipes do crime e na recuperação total ou parcial do produto do crime, no caso de condenação, terá pena reduzida de um terço a dois terços”.
[27] Igualmente se aplica, aqui, o raciocínio desenhado supra para a Lei de Lavagem de Capitais, incidindo os benefícios do caput do art. 4º para os crimes praticados no âmbito da organização criminosa.
[28] “Art. 6º O termo de acordo da colaboração premiada deverá ser feito por escrito e conter: I – o relato da colaboração e seus possíveis resultados; II – as condições da proposta do Ministério Público ou do delegado de polícia; III – a declaração de aceitação do colaborador e de seu defensor; IV – as assinaturas do representante do Ministério Público ou do delegado de polícia, do colaborador e de seu defensor; V – a especificação das medidas de proteção ao colaborador e à sua família, quando necessário.”
[29] VENTURI, Elton. Transação de direitos indisponíveis? Revista de Processo, v. 251, São Paulo, RT, jan. 2016, p. 423.
[30] A Lei foi regulamentada pelo Decreto nº 8.420, de 18 de março de 2015. Texto disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Decreto/D8420.htm>. Acesso em: 15 jun. 2016.
[31] Como bem observa Emerson Garcia, “a Medida Provisória nº 703/2015 ainda acresceu que o acordo de leniência celebrado com a participação da Advocacia Pública impede que o ente celebrante ajuíze ou prossiga com a ação de responsabilização judicial de que trata o art. 19 da Lei nº 12.846/2013 e com a ação de improbidade administrativa. Caso o acordo também seja firmado pelo Ministério Público, em conjunto com a Advocacia Pública, nenhum dos legitimados poderá ajuizar ou prosseguir com as ações. Com isso, admitiu-se que as sanções previstas no art. 12 da Lei nº 8.429/92 também sejam objeto do acordo de leniência, o que era expressamente vedado pelo § 1º do art. 17 desse diploma legal, preceito revogado. Caso não haja órgão de controle interno no ente federativo, o acordo somente será celebrado pelo Chefe do respectivo Poder em conjunto com o Ministério Público. O acordo de leniência, após a sua assinatura, será encaminhado ao Tribunal de Contas, que adotará as medidas necessárias na hipótese de lesão ao erário. Esses acordos também poderão ser assinados na hipótese de ilícitos associados a licitações e contratos administrativos e, nesse caso, os processos administrativos instaurados por outros órgãos e entidades, que versem sobre o mesmo fato, serão sobrestados e posteriormente arquivados caso o acordo seja cumprido. O nítido objetivo da referida Medida Provisória foi o de atenuar as consequências dos ilícitos praticados pelas sociedades empresárias envolvidas na denominada ‘Operação Lava Jato’ e em outras similares” (A nova Lei de Responsabilização das Pessoas Jurídicas: convergências e divergências com a Lei de Improbidade Administrativa. Revista do Ministério Público do Rio de Janeiro, n. 58, out./dez. 2015, p. 147/148).
[32] Informação disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2016/Congresso/adc-027-mpv703.htm>. Acesso em: 16 jul. 2016.
[33] Como bem ressalta Letícia de Campos Velho Martel, “a doutrina publicista brasileira refere, com poucas exceções, que os direitos fundamentais são indisponíveis. Na mesma esteira, os privatistas soem afirmar que os direitos da personalidade são indisponíveis e os internacionalistas que os direitos humanos o são. Ainda, no âmbito do Direito Penal, é forte a ideia de que o consentimento da vítima (ou ofendido) não produz efeitos jurídicos, quando se tratar (o que é normalmente o caso) da proteção de ‘bens’ ou de ‘direitos indisponíveis’. Também na ambiência dos direitos sociais, assevera-se que são indisponíveis. É assim que ocorre no ramo trabalhista e previdenciário e, também, quanto aos direitos à saúde e à educação. Apesar de, em um primeiro olhar, juristas de vários ramos do Direito adotarem a premissa da indisponibilidade dos direitos fundamentais, não se pode inferir a inexistência de um problema quanto ao assunto. De um lado, a Constituição não expressa a indisponibilidade dos direitos fundamentais. De outro, questões práticas recebem respostas que se distanciam da premissa de indisponibilidade. A afirmação geral da indisponibilidade dos direitos fundamentais torna-se fluída, seja em face de elementos teóricos, seja em face da realidade que cotidianamente a desafia, mediante múltiplos exemplos de disposição e das consequências previstas em lei a respeito da consideração de um determinado direito como indisponível. O que se percebe, então, é que muitos juristas seguem referindo, de modo laudatório, que os direitos fundamentais são indisponíveis. Apresentam os casos de disposição de direitos fundamentais (ou da personalidade) como anomalias incapazes de afetar o epíteto indisponíveis. É pouco comum que se elabore a definição do que se compreende por ‘direito fundamental’, para que se possa ter claro exatamente o que é indisponível. Por vezes, a ideia é de que o bem protegido pelo direito é que não pode ser afetado pelo próprio titular; noutras, tem-se a noção de que terceiros não podem interferir em direito alheio, mesmo com o consentimento do titular” (Direitos fundamentais indisponíveis: limites e padrões do consentimento para a autolimitação do direito à vida. Tese de Doutorado. UERJ, 2010. Disponível em: <http://works.bepress.com/leticia_martel/>. p. 18-19).
[34] Não custa lembrar que o art. 3º, § 2º, da Lei nº 13.140/2015 permite a mediação em direitos indisponíveis transacionáveis.
[35] VENTURI, Elton. Transação de direitos indisponíveis? Revista de Processo, v. 251, São Paulo, RT, jan. 2016, p. 391/426.
[36] LIMA, Renato Brasileiro de. Legislação criminal especial comentada. 2 ed. rev., ampl. e atual. Salvador: Juspodivm, 2014. p. 532.
[37] VIRGINO, Paulo Queado Jamile. Delação premiada. Fortaleza: Gráfica e Editora Fortaleza, 2009. p. 97.
[38] Evidentemente, um termo formalizado robustece a expectativa do colaborador: “Até pouco tempo atrás, não havia nenhum dispositivo legal que cuidasse expressamente do acordo de colaboração premiada. Por consequência, a colaboração premiada era feita verbal e informalmente com o investigado, que passava a ter, então, mera expectativa de premiação se acaso as informações por ele repassadas aos órgãos de persecução penal fossem objetivamente eficazes para atingir um dos objetivos listados nos diversos dispositivos legais que cuidam da matéria” (LIMA, Renato Brasileiro. Op. cit., p. 539-540).
[39] Não se ignora que a lei fala, no § 6º, do delegado de polícia e do defensor do colaborador como sujeitos do acordo. Sucede, porém, que a doutrina vem sendo uníssona ao afastar estes dois personagens do acordo, com acerto. Afinal, a relação jurídico-processual possui em polos opostos o Estado-acusador, função delegada pela Constituição Federal ao Ministério Púbico, e o acusado, ainda que seu patrono lhe preste assistência jurídica inegociável, e que o delegado conduza as investigações – o que sequer possui roupagem de processo, com as garantias que lhe são inerentes, sendo absolutamente impensável que o devido processo legal não restasse agredido com uma usurpação da acusação, reservada ao Parquet, pela autoridade policial, sem haver nem menos inauguração de processo.
[40] “§ 5º Se a colaboração for posterior à sentença, a pena poderá ser reduzida até a metade ou será admitida a progressão de regime ainda que ausentes os requisitos objetivos”. Embora se fale em “posterior à sentença”, pode-se, sem dificuldade, imaginar acordo já quando houver transitado em julgado a condenação, garantindo caráter rebus sic stantibus para o título executivo – afinal, menciona-se especificamente o direito subjetivo à progressão de regime.
[41] É fundamental verificar que a lei jamais exige a espontaneidade da colaboração, como não exige a da confissão, no diploma repressor. Fala-se apenas em voluntariedade. Dessa feita, perfeitamente imaginável que o Ministério Público, o delegado de polícia ou o defensor do investigado o estimule a apresentar informações que, em um processo vindouro, lhe garantirão uma melhor posição. Aqui, portanto, o agente policial e o advogado estimulam o acordo, mas dele não fazem parte, não participam.
[42] “§ 10. As partes podem retratar-se da proposta, caso em que as provas autoincriminatórias produzidas pelo colaborador não poderão ser utilizadas exclusivamente em seu desfavor.”
[43] Novamente, pode causar espécie a referência à autoridade policial. Afinal de contas, não integrando a relação processual e não gozando de capacidade postulatória propter officium, fica difícil imaginar até mesmo o instrumento a ser utilizado pelo delegado para pleitear a clemência perante o magistrado. Corroborando a posição, Eugenio Pacelli: “Absolutamente inconstitucional a instituição de capacidade postulatória e de legitimação ativa do delegado de polícia para encerrar qualquer modalidade de persecução penal e, menos ainda, para dar ensejo à redução ou substituição de pena e à extinção da punibilidade pelo cumprimento do acordo de colaboração. Se o sistema processual penal brasileiro sequer admite que a autoridade policial determine o arquivamento de inquérito policial, como seria possível admitir, agora, a capacidade de atuação da referida autoridade para o fim de: a) extinguir a persecução penal em relação a determinado agente, sem a consequente legitimação para promover a responsabilidade penal dos demais (delatados), na medida em que cabe apenas ao Parquet o oferecimento de denúncia; b) viabilizar a imposição de pena a determinado agente, reduzida ou com a substituição por restritivas de direito, condicionando previamente a sentença judicial; c) promover a extinção da punibilidade do fato, em relação a apenas um de seus autores ou partícipes, nos casos de perdão judicial” (Disponível em: <http://grupo5estrelas.srv.br/curriculos/55bcedab98a2e-Atualização – Lei de Organizações Criminosas_7760.pdf>. Acesso em: 30 jul. 2016).
[44] “§ 2º Considerando a relevância da colaboração prestada, o Ministério Público, a qualquer tempo, e o delegado de polícia, nos autos do inquérito policial, com a manifestação do Ministério Público, poderão requerer ou representar ao juiz pela concessão de perdão judicial ao colaborador, ainda que esse benefício não tenha sido previsto na proposta inicial, aplicando-se, no que couber, o art. 28 do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal).”
[45] “Art. 7º O pedido de homologação do acordo será sigilosamente distribuído, contendo apenas informações que não possam identificar o colaborador e o seu objeto. § 1º As informações pormenorizadas da colaboração serão dirigidas diretamente ao juiz a que recair a distribuição, que decidirá no prazo de 48 (quarenta e oito) horas.”
[46] “Art. 190. (…). Parágrafo único. De ofício ou a requerimento, o juiz controlará a validade das convenções previstas neste artigo, recusando-lhes aplicação somente nos casos de nulidade ou de inserção abusiva em contrato de adesão ou em que alguma parte se encontre em manifesta situação de vulnerabilidade.”
[47] Imagine-se uma proposta ministerial de absolvição ou de redução da pena além do quantum eleito pelo legislador. A opinião é compartilhada pelo mestre Afrânio Silva Jardim: “Sustentamos que o Ministério Público não pode oferecer ao delator ‘prêmio’ que não esteja expressamente previsto em lei específica. (…) Destarte, o Poder Judiciário não deve homologar” (Acordo de cooperação premiada. Quais são os limites? Revista Eletrônica de Direito Processual, Rio de Janeiro, ano 10, v. 17, 2016, p. 3. Disponível em: <http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/redp/article/viewFile/23110/16462>. Acesso em: 30 jul. 2016).
[48] Retira-se a conclusão não apenas da expressa menção ao defensor no art. 4º, §§ 6º e 15, da Lei, mas do próprio princípio constitucional da ampla defesa. Caberá, portanto, à Defensoria Pública efetivar sua função de atuar extrajudicialmente, e, em específico, no bojo de inquéritos policiais, a começar por aqueles em que surja a possibilidade de acordo de colaboração premiada, na esteira do art. 4º, incisos II e XIV, da Lei Complementar nº 80/94.
[49] “A pacificação é o escopo magno da jurisdição e, por consequência, de todo o sistema processual (uma vez que todo ele pode ser definido como a disciplina jurídica da jurisdição e seu exercício). É um escopo social, uma vez que se relaciona com o resultado do exercício da jurisdição perante a sociedade e sobre a vida gregária dos seus membros e felicidade pessoal de cada um.” (CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo. 25. ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 30)
[50] Em uma esdrúxula situação em que as partes, em alegações finais, se esqueçam de requerer os benefícios da colaboração, mas tendo o juiz homologado o acordo, cremos ser possível que este os determine na sentença. A mera omissão, por esquecimento, das partes não pode ter o desproporcional condão de desconstituir a vontade tão claramente expressa pelo acordo, que servirá como “requerimento das partes”.
[51] A exemplo de diversas outras passagens da legislação, nas quais fala-se em “o juiz poderá”, não existe opção plena para o julgador, mas, sim, poder-dever. Em última análise, o colaborador efetivo possui direito subjetivo a uma melhora na sua condição de condenado. É esse o raciocínio empregado pelo Supremo Tribunal Federal até mesmo para o próprio MP (veja-se, nesse caso, a Súmula nº 696: “Reunidos os pressupostos legais permissivos da suspensão condicional do processo, mas se recusando o promotor de justiça a propô-la, o juiz, dissentindo, remeterá a questão ao procurador-geral, aplicando-se por analogia o art. 28 do Código de Processo Penal”). Quanto à colaboração/delação premiada, especificamente, a Quinta Turma do STJ já asseverou a referida obrigatoriedade, em estando presentes os requisitos, tanto para a previsão da Lei nº 9.807/99 (HC 84.609/SP) como para a do art. 159 do CP (HC 35.198/SP).
[52] Nesse ponto, discordamos de Daniela Bonfim e Fredie Didier Júnior, que asseveram: “As partes também negociam e definem a consequência jurídica que será irradiada em favor do colaborador (a vantagem que irá obter em razão da prestação de colaboração); em razão da prestação a que se obriga, o colaborador terá como vantagem um tipo de decisão material penal (que haverá com a homologação do acordo), que poderá ser de perdão judicial, de redução em até 2/3 da pena privativa de liberdade ou de sua substituição por restritiva de direitos. O benefício que se pactua em favor do colaborador é consequência jurídica definida em razão do acordo de vontades celebrado. Também o seu conteúdo é definido, dentro dos limites deixados pelo sistema, pela vontade exteriorizada das partes: o benefício pode ser um entre as três opções previstas legalmente” (op. cit., p. 149).
[53] A previsão diz respeito apenas a uma definição, em abstrato, das possíveis consequências, e não de maneira vinculante – até porque, se houvesse vinculação, teríamos um absurdo consistente em um negócio obrigando um terceiro que dele não participou.
[54] “À evidência, essa retratação só pode ocorrer até a homologação judicial do acordo. Fosse possível a retratação após sua homologação judicial, o Ministério Público poderia celebrar um falso acordo de colaboração premiada.” (LIMA, Renato Brasileiro. Op. cit., p. 544)
[55] “Art. 4º (…). § 4º Nas mesmas hipóteses do caput, o Ministério Público poderá deixar de oferecer denúncia se o colaborador: I – não for o líder da organização criminosa; II – for o primeiro a prestar efetiva colaboração nos termos deste artigo.”
[56] Na linha do entendimento jurisprudencial vigente, não se afigura absurdo sustentar que se trata de dever do Ministério Público, diante da verificação dos requisitos. É a mesma lógica da Súmula nº 696, mencionada acima (ver nota 51), havendo, no entanto, peculiaridade consistente na análise destes mesmos requisitos: concluir se o colaborador é líder de uma organização pode se mostrar, em concreto, mais complexo que descobrir, em um juízo praticamente matemático, se é primário ou se responde a outras ações penal (no caso da suspensão condicional do processo). De todo modo, tal barreira já foi ultrapassada pelos Tribunais, mutatis mutandis, na hipótese de transação penal, onde as circunstâncias judiciais (requisito eminentemente subjetivo) não impedem a visão do oferecimento do benefício como dever da acusação.
[57] Outra manifestação de que existe real discricionariedade para o magistrado é o § 1º: “Em qualquer caso, a concessão do benefício levará em conta a personalidade do colaborador, a natureza, as circunstâncias, a gravidade e a repercussão social do fato criminoso e a eficácia da colaboração”.
[58] O parágrafo único do art. 190 do NCPC, considerado a cláusula geral dos negócios jurídicos atípicos, indica ao juiz que, ao controlar a validade do acordo, recuse aqueles em que “uma das partes se encontre em manifesta situação de vulnerabilidade”. Os exemplos correntes passam pela vulnerabilidade dos consumidores – que dirá dos investigados criminais?
[59] Acaso se observasse a legislação, esse obstáculo arquitetônico seria ultrapassável. Art. 4º, § 7º, da LC nº 80/94: “Aos membros da Defensoria Pública é garantido sentar-se no mesmo plano do Ministério Público”.
[60] “Sobre todo son razonables las limitaciones cuando la libertad de disposición ya está limita a nivel del derecho material. Si ya se carece de la facultad de disposición jurídico-material, tampoco las partes procesalmente pueden disponer ilimitadamente sobre el objeto litigioso” (LEIBLE, Stefan. Proceso civil alemán. Medellin: Biblioteca Jurídica Diké, 1998. p.132). Da mesma forma: JARDIM, Afrânio Silva. Op. cit., p. 4.
[61] GRECO, Leonardo. Os atos de disposição processual – primeiras reflexões. In: MEDINA, José Miguel Garcia (Coord.). Os poderes do juiz e o controle das decisões judiciais: estudos em homenagem à professora Teresa Arruda Alvim Wambier. São Paulo: RT, 2008. p. 292.
[62] GRECO, Leonardo. Os atos de disposição processual – primeiras reflexões. In: MEDINA, José Miguel Garcia (Coord.). Os poderes do juiz e o controle das decisões judiciais: estudos em homenagem à professora Teresa Arruda Alvim Wambier. São Paulo: RT, 2008. p. 292.